A sinopse de uma nova palestra sobre Roberto Piva

May 30, 2017 | Autor: Claudio Willer | Categoria: Roberto Piva, Poesia Brasileira, Processo De Criação
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A sinopse de uma nova palestra sobre Roberto Piva
Claudio Willer


Na livraria Tapera Taperá, São Paulo, dia 15 de
setembro de 2016 – parte da mobilização em favor da
Biblioteca de Roberto Piva. Projetei em "datashow" na
ocasião. Servirá para acompanhar a gravação em video,
em https://www.youtube.com/watch?v=72Oz6PjHKmw
Pretendo retomar, talvez preparar um ensaio mais
detalhado.

1. Li inéditos de Piva, cf. a pesquisa de Ibriela Sevilla:
UM ESTRANGEIRO NA LEGIÃO
Minha poesia politeísta navega
contra correnteza
levada pelo meu Ciclone pessoal
poesia de coxas alabardas fuzis
punhais & vagalumes
poesia banhada no Sol das
estradas
poesia iluminada na luz surrealista dos óvnis
poesia – alquimia perversão êxtase
poesia no ritmo de vísceras, não de metrônomo
poesia – tambor xamanizando nas
estrelas
poesia – anjo gavião moqueca & 3
espécies de pimenta
poesia psicodélica dançando na
lua na rua nas asas
dos cometas R. Piva 98

Poesia de cura/poesia – energia/eu te poetizo/ em nome de Xangô/ Shiva
& Dionisio/eu poetizo teus olhos/cu/ramagens de veias/eu poetizo o sol
em tuas vísceras/ o canto verde das/florestas em teus/cabelos/eu
xamanizo teu/corpo de pérola dúbia/tuas mãos eu/batizo nas/areias do
deserto/tuas coxas prometem/a alegria das uvas/sangue do verão/eu
danço/no incêndio do/meio dia/neste céu pirata/onde o fogo/é meu nome
Embu-Guaçu 91

2. Importante mostrar que Piva não é apenas lido, mas estudado. Há
progressão dos estudos sobre ele. Por isso, as duas teses mais recentes
me parecem as melhores, de Ricardo Mendes Matos Roberto Piva: Derivas
políticas, devires eróticos e delírios místicos (IP-USP, 2015) e Ibriela
Bianca Sevilla, Imagens da subjetividade nos arquivos de Roberto Piva
(UFSC, 2015). Porém observando qualidades nas demais[1].
3. Os inéditos e dispersos de Piva: por que ele descartou tantos textos
bons, deixou de adicioná-los às Obras Reunidas? (Globo Livros, três
volumes) Escrevia de modo espontâneo, direto. Ao mesmo tempo controlou a
produção, de modo a meu ver excessivo. Citando Ibriela:
Não quero dizer com isso que Piva tenha sido um poeta displicente,
pelo contrário, ele foi muito rigoroso, sobretudo no que diz respeito
à publicação de seus poemas, o que podemos constatar nas várias
versões de poemas que se encontram nos arquivos e também em seu livro
inédito, Corações de hot-dog que foi visivelmente submetido a
correções. Antonio Zago, o amigo com quem Piva datilografou os poemas
do Corações, depõe sobre a exigência e o rigor do poeta na hora de
passar os poemas para sua versão que seria definitiva. Zago diz:
"(...) às vezes a gente batia novamente, umas cinco, dez vezes, até
ficar na postura que ele queria. Então a gente ia jogando.... 'não,
faz de novo'... Que pra mim, tudo que eu aprendi sobre poesia foi
fazendo esse trabalho." "Percebemos, a partir desta comparação, uma
reelaboração, um trabalho, utilizando-se de reapropriações de
conceitos consagrados pelo poeta mesmo, que compõem seu campo de
manobras com a poesia".
4. Assim como controlou ou administrou sua biografia. Exemplos, o
proclamado monarquismo contraposto a seu marxismo das décadas de 1960/70
(observei que Piva se transportava para o tempo de Dante Alighieri,
quando monarquismo era a posição progressista em contraposição ao domínio
papal). Alguns poemas e manifestos da década de 1970 têm doutrinação
leninista, mas com qualidade literária. Por isso, tão reticente em Os
dentes da memória de Camila Hungria e Renata D'Elia (Azougue, 2011).
Abriu algo na entrevista comigo de 1997: algumas desordens, orgias,
delinquências – mas o foco era em mim, não nele; estava na posição de
entrevistador.
5. Seu processo de criação. Os "surtos" que Alcir Pécora, organizador de
Obras reunidas, enxerga no prefácio do vol. 1 de Obras Reunidas, pelos
intervalos entre publicações: de Piazzas (1964) a Abra os olhos e diga
Ah! (1976) e da Antologia Poética (1985) e Ciclones (1997). Sim e não.
Inéditos e dispersos mostram que criava constantemente. Eu vi. O "Pajé
Çaangaba em 1965", uma quantidade de outros poemas esparsos, p ex. o do
lustre e o garoto, o do 'cão claro', as colaborações regulares para o
jornal Artes, etc. E os poemas de Corações de Hot Dog: um episódio
traumático (envolvendo a editora Brasiliense).
6. Ao mesmo tempo, surtava. Também vi. Mas sua escrita esteve relacionada a
possibilidades editoriais, à perspectiva de publicar. Queria o livro,
como objeto autônomo. Abra os olhos e diga Ah! teve duas versões, uma
desaparecida (entregou originais a um rapaz cuja família os jogou fora),
outra para a Feira de Poesia e Arte de 1976 ao saber que Massao
Ohno voltara a editar. Coxas: quando criei o selo Feira de Poesia,
combinou de publicar e se pôs a escrever. Ia-me lendo passagens á medida
que as escrevia. Ao final, em vez de concluir a narrativa de Pólen e
Lindo Olhar, rompeu-a, assassinou o andrógino, mudou tudo, voltou à
cidade, inclusive adicionando poemas já escritos.
7. Seu formato de livro ideal seria aquele de Abra os olhos e diga Ah! ou
20 poemas com Brócoli, pequenos, portáteis. Motivo: queria sair por aí
distribuindo livros para seduzir rapazes. Assim como seduzia falando de
autores (Você precisa ler Rimbaud...! etc). Por isso reclamou de Ciclones
ser muito grande, cf. Roberto Piva por Sergio Cohn, ed. Ciranda de Livros
– mas ainda assim acabou acrescentando poemas.
8. Piva, o saqueador de depósitos de editoras. O episódio da L&PM e a
Antologia poética de 1985 ("Ivan Pinheiro Machado autorizou" para a
gerente, sem que Ivan soubesse) entre outros.
9. "Poesia é sedução": já fiz essa afirmação[2]. Onde li a respeito? Marcio
Peter de Souza Leite, "A lógica da predicação e o discurso delirante", em
Enlouquecidas letras: a palavra voadora de Ana Lúcia Cavani-Jorge, UNB,
2012. Categorias e tópicos de Marcio Peter,
a. literatura, fore play e sedução (fore play, preliminares do
sexo, também enfatizado por Norman O. Brown em Life against
Death): o escritor como sedutor, através do estilo;
b. Freud: criação literária e devaneio, sonho, sonhar acordado,
fantasia, prazer;
c. Lacan: código, mensagem, sujeito, Outro;
d. delírio em Freud e Lacan: produção simbólica é delirante,
deliramos sempre, entendendo-se delírio como a confusão da parte
(o signo ou símbo0lo) e o todo;
e. delírio e cura; o psicótico está se curando quando delira;
f. limites do delírio e do vínculo social; do "real" e "irreal".
g. estilo = negar a falta, aparecer por completo
h. procurar a completude; falha / falta: o valor simbólico do
andrógino
i. mestre = "maior louco" segundo Márcio Peter – dá exemplos,
Borges, Dostoievski, Joyce, Sade; a historicidade do "real": eu
poderia reinterpretar o relativismo sustentado por Peter falando
em ideologia, conforme o marxismo;
10. Destaco a questão da completude e a "ruptura final do códigos
literário": Peter cita dois autores importantes para Piva, Dostoievski e
Sade, e culmina com James Joyce, Finnegan's Wake – mas Paranóia foi uma
evidente ruptura de códigos. Mostrei lendo uma página de "Boletim do
mundo mágico" em que Piva se declara delirante.
11. A ambivalência de Paranóia: ao mesmo tempo "hermético" e escrito para
ser poesia pública (cf. a dissertação de Danilo Monteiro). Intertexto, o
Ginsberg de Uivo, exemplo de poesia pública; e García Lorca, grande
declamador. Mas também Gregory Corso em Bomba! – a poesia para provocar,
desagradar audiências. A recepção nula, ou estritamente marginal de
Paranóia: em resposta, Piva escreveu Piazzas, livro intimista, cifrado,
submerso (hipogramas da submersão e do mundo aquático são mostrados na
tese de Ricardo Mendes Mattos). Ocasiões em que Piva se apresentou e se
indispôs com o público. Atingiu sua melhor expressão com as leituras
xamânicas (acompanhado por Gustavo e Sendi) a partir de 1990.
12. Para corroborar, o episódio da leitura de poesia no segundo semestre de
1963, após o lançamento de Paranóia, (acabei não relatando na palestra,
estou acrescentando). O artista plástico Roberto Campadello organizou, em
seu ateliê na rua Conselheiro Nébias, um recital para o qual convidou
Lindolf Bell e Piva. Dois excelentes leitores de poesia. Bell se
preparava para lançar a Catequese Poética e logo se tornaria uma
celebridade nacional. Foi entusiasticamente aclamado. A reação à leitura
de Piva foi menos calorosa: visivelmente os poemas de Paranóia não faziam
sentido para aquela platéia. Ao longo das décadas, a recepção de ambos
modificou-se. O episódio ilustra a questão do código e de sua
historicidade.
13. A completude, a superação da "falha" ou "falta", da contingência
humana, simbolizada pelo andrógino: tema forte em Piva, especialmente em
Coxas. Para Mircea Eliade, em Méphistophèlés et l'androgyne, o bissexual
e o homossexual vivem ou praticam, "in concreto", o "dois em um", a união
de opostos, materializando metáforas. Também para Jules Monnerot, em La
poésie moderne et le sacré.
14. Piva realizou a essência da poesia, invertendo as esferas do simbólico
e do real, tomando símbolos "in concreto". Daí sua afinidade com Antonin
Artaud, que fala em "linguagem concreta" em O teatro e seu duplo, em um
sentido completamente diverso daquele dos concretistas. Nesse sentido,
Piva foi o verdadeiro poeta concreto.
15. Uma reinterpretação do xamanismo: os xamãs, realizando o pensamento
mágico, tomam símbolos "in concreto": as mortes iniciáticas e
renascimentos, as provas e sacrifícios, o canibalismo ou antropofagia.
Pode-se afirmar que Piva adotou o xamanismo por ser poeta.
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[1] Como as dissertações de Danilo Monteiro, Teatralidade da palavra
poética em Paranóia de Roberto Piva (USP, 2010), José Juva, Deixe a visão
chegar – a poesia xamânica de Roberto Piva (UFP, 2011), Reginaldo Souza
Chaves, Flanar pela cidade-sucata compondo uma estética da existência:
Roberto Piva & seu Devir Literário Experimental (UFPI, 2010), Fabricio
Clemente Estilhaços de visões: poesia e poética em Roberto Piva e Claudio
Willer (USP, 2012), Diógenes Oliveira da Costa, Paulicéia desvairada e
Paranóia: o eu solidário nas entranhas do combate (UERJ, 2015) – somando-se
aos trabalhos pioneiros de Thiago Noia, Roberto Piva e a "periferia
rebelde" na poesia paulista dos anos 60 (UERJ, 2005), Bruno Eduardo da
Rocha Brito, Roberto Piva, panfletário do caos (UFP, 2009) e a tese de
Glaucia Pimentel, Ataques e utopias: espaço e corpo na poesia de Roberto
Piva (UFSC, 2008).

[2] Para Paulo Mohylovski, na revista digital Germina, em
http://www.germinaliteratura.com.br/2010/pcruzadas_claudioviller_set10.htm
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