A sinuosidade da linguagem: em traduções antropológica e literária

May 26, 2017 | Autor: Danielli Katherine | Categoria: Etnografía, Tradução, Linguagem
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A sinuosidade da linguagem: em traduções antropológica e literária

Danielli K. Pascoal da Silva

Problemas constituem ideias em constante movimento reflexivo de reformulação e deslocamento, que contrastadas a outras concepções e contextos, reconfiguram-se em problemáticas distintas. Este processo, de construção de problemas mais que a postulação de axiomas, é fundamental especialmente "[...] em disciplinas como a nossa, [em que] o saber científico avança a tropeços, fustigado pela contenda e pela dúvida. [deixando] a metafísica a impaciência do tudo ou nada [...]" (LÉVI-STRAUSS, 2004, p. 26). Nesse sentido, partindo das compreensões de Friedrich Schleirmacher (2001), Lawrence Venuti (1991) e Edward Evans-Pritchard (2005) suscito linhas de reflexão sobre a noção de linguagem e tradução, a fim de refletir sobre etnografia. A língua não poderia então, ser compreendida isolada em si mesma. Uma maneira seria situá-la em relação aos falantes, o que para Schleirmacher é marcado por um duplo aspecto: a fala enunciada pelo sujeito está previamente modelada pela língua, de modo que não é possível pensar com precisão absoluta o que está aquém de suas margens, mas, uma vez enunciada, a fala é capaz de modelar a língua (2001, p. 49). A língua, portanto, possui simultaneamente uma “matéria maleável” e uma “força modeladora” (SCHLEIRMACHER, 2001, p. 81). É esta qualidade que possibilita percebê-la como um “ente histórico” constituído de conceitos não extensíveis a outras línguas. A “irracionalidade entre as línguas”, parte do pressuposto de que não há um fundo contínuo a partir da qual a tradução se realiza. De acordo com esta perspectiva, “[...] cada língua contém [...] um sistema de conceitos que, precisamente porque se tocam, unem e completam na mesma língua, constituem um todo a cujas partes não corresponde nenhuma do sistema de outras línguas [...]” (SCHLEIERMACHER, 2001, p. 91). A despeito do que poderia se imaginar, esta “irracionalidade” não é impeditiva à tradução, mas um meio pelo qual é possível produzir uma transformação das línguas em relação, assim ela é vista como um imperativo a “deixar o escritor o mais tranquilo possível e faz[er] com que o leitor vá a seu encontro” (SCHLEIERMACHER, 2001, p. 57). A tradução genuína, para Schleiermacher (2001), elaboraria-se não pela soma de partes e palavras, sim pela articulação do todo significativo. Eis a distinção fundamental

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entre o intérprete e o tradutor genuíno: enquanto aquele opera por uma identidade entre palavras, este busca conhecer o todo linguístico no qual as palavras estão constituídas a fim de aquilo que é estranho a língua da tradução não seja reduzido por simplificadas equivalências. Embora seu enfoque seja principalmente na tradução inter-linguística, já em seus primeiros parágrafos, não deixa de mencionar a respeito da tradução, não ser preciso “sair

do

domínio

de

uma

língua

para

encontrar

o

mesmo

fenômeno”

(SCHLEIERMACHER, 2001, p. 39), ainda que dispense a isso o caráter de uma tradução “propriamente” dita. Sobre esta diferença tradutória, Schleiermacher (2001), coloca de um lado a ordinariedade da interpretação, e de outro a sofisticação da tradução. No entanto, ao considerar o fenômeno da interpretação como característico da comunicação humana, Schleiermacher deixa entrever que o “espírito da língua” manifesta-se como uma forma heterogênea: “Pois, não apenas os dialetos dos diferentes ramos de um povo e os diferentes desenvolvimentos de uma mesma língua ou dialeto, em diferentes séculos, são já em um sentido estrito diferente linguagens, e que não raro necessitam de uma completa interpretação entre si” (SCHLEIERMACHER, 2001, p. 40-41).

Além de reconhecer que no interior de uma língua coexistem diferentes tipos de linguagens, afirma que é na linguagem manifesta no fluxo da fala emitida pelo indivíduo em interação que reside a “força viva” da língua (SCHLEIERMACHER, 2001, p. 49). O método de tradução proposto por ele tem em vista o tradutor como profissional - que possui um lugar de mediador entre a irracionalidade das línguas – a sua proposta tradutória visa instituir um lugar ‘próprio’ do tradutor, que não é o mesmo que aquele do ‘intérprete’. Enquanto o primeiro lida com uma dimensão escrita “própria dos domínios da arte e da ciência, através da qual as obras se tornam duradouras” (SCHLEIERMACHER, 2001, p. 41), a outra caberia a dimensão oral própria da vida comercial e ordinária. Pode-se cogitar que subjaz a esta distinção entre intérprete e tradutor, a concepção de que o status de conhecimento legitimamente artístico e científico está concentrado na figura do erudito, sendo inacessível ao homem comum. Tem-se disso

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uma consequência possível quanto à disputa de autoridade: a originalidade está para a obra fonte, tanto quanto a erudição está para a tradução. Nota-se que a linguagem é relacionada à posição do tradutor, sendo esta relação do tradutor com ambas as línguas (“remetente” e “destinatária”), de natureza reflexiva e dinâmica. Se por um lado, persiste um modo hierárquico de classificar diferentes formas de tradução, e com isso, uma suposta superioridade do escrito em relação ao oral, por outro, Schleiermacher retira a tradução de um lugar neutro, abrindo possibilidades de refletir sobre aquilo que Lawrence Venuti (1992) vem nomear como a “invisibilidade do tradutor”. Contrapondo-se à visão segundo a qual “the contemporary translator is a paradoxical hybrid, at once dillettante and artisan” (VENUTI, 1992, p. 1), o autor questiona dois pontos que deslocam o problema de uma ótica estritamente linguística à ordem política: ao circunscrever a originalidade e autoria à obra fonte, estigmatiza-se a tradução ao aplicar-lhe o caráter de trabalho técnico e artesanal em oposição ao trabalho intelectual. Trabalho este que consistiria na “domesticação” do estrangeiro, feita em cumplicidade ou graças à invisibilização do tradutor, cuja ação neutralizaria diferenças fundamentais. Este tipo de tradução é criticada por Venuti (1992), a tradução não deve se realizar pela equivalência das diferenças a um mínimo comum, que acaba sempre por englobar o diverso pela língua da tradução, garantindo os elementos exigidos pelas editoras, “[...] when it ready fluently, when it gives the appereance that it is not translated, transparently reflecting the foreign author’s personality or intention or the essential meaning of the foreign text” (VENUTI, 1992, p. 4). A proposta lançada por Venuti (1992) encontra ressonância naquela de Schleiermacher (2001) que consiste em deslocar o leitor ao universo estrangeiro e com isso visibilizar também o papel autoral do tradutor, sua atividade como dinâmica e capaz de influenciar a compreensão dos sentidos suscitados pela obra fonte. Mas por assim dizer, ao buscar desviar-se das dicotomias original/tradução, autor/tradutor, Venuti (1991) estabelece outros pólos: ou uma tradução é domesticadora ou é estrangeirizadora. De certa maneira, subsiste uma ideia comum entre Schleiermacher (2001) e Venuti (1991) da obra fonte como objeto e da tradução como sujeito. E mais, nesta dicotomia persiste uma ideia de fidelidade, mas agora não cristalizada nas ideias de originalidade e autoria, e sim na ideia de estrangeiro, como uma espécie de ente

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coletivo, condensado na obra de um sujeito, determinado por condições políticas e culturais. Reconhecer os limites da noção de autoria centrada no indivíduo não implica em necessariamente advogar pelo oposto, isto é, questionar a autoria submetendo-a à determinações contextuais sócio-políticas, como faz Venuti (1991), pode ser tão reducionista quanto à concepção de uma autoria individualizante. Estes autores ao focalizarem a tradução inter-linguistica consideram mais o aspecto da língua enquanto uma espécie de sistema semântico articulador de significados não extensíveis entre as diferentes línguas, ou nas palavras de Schleiermacher (2001) mais a “força modeladora” da língua escrita, do que à língua enquanto articulada na interação entre sujeitos na sua capacidade de “matéria maleável”. A abordagem da tradução literária nos coloca questões muito semelhantes à tradução antropológica. No entanto, em que pesem as semelhanças, a partir de que dimensões, as diferenças podem ser traçadas? É posto que, ao se falar em antropologia no singular, corre-se o risco de abrevia-la a uma noção de consenso da qual ela escapa. Para tanto, abordarei a etnografia feita por Evans-Pritchard em “Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande” (2005), com o objetivo de apontar algumas questões que suscita a respeito da tradução e da linguagem, a partir do tipo de relação que sugere entre o tradutor e a “obra”, ou mais especificamente, entre o antropólogo e os seus interlocutores.

A magia da tradução antropológica: algumas questões para se pensar com EvansPritchard

Esta pesquisa desenvolvida por Evans-Pritchard (2005) na década de 20, período de execução do projeto de colonização pelo Governo Britânico da África Central, que incidiu sobre o território ocupado pelos Azande, localizado no Sudão Egípcio, teve como eixo compreender o modo como os Azande explicavam seus infortúnios. Já neste aspecto a tradução antropológica indica uma diferença em relação à literária, na medida em que sua relação constitui-se em campo na interação direta entre pessoas, o “objeto” da pesquisa não pode estar intocavelmente formulado de antemão, pois a experiência pode indicar-lhe questões ainda não visualizadas.

5 “(...) o antropólogo deve seguir o que encontra na sociedade que escolheu estudar: a organização social, os valores e sentimentos do povo, e assim por diante. Posso ilustrar este ponto com meu próprio caso. Eu não tinha interesse por bruxaria quando fui para o país zande, mas os Azande tinham; e assim tive de me deixar guiar por eles” (2005: 245).

O deixar-se guiar por aquilo que é significativo para os Azande, assemelha-se a noção de Benjamin de que a tradução responde às demandas do original, para ele “a traduzibilidade, é em essência, inerente à certas obras, isso não quer dizer que sua tradução seja essencial para elas mesmas, mas que um determinado significado inerente aos originais se exprime na sua traduzibilidade” (BENJAMIN, 2008, p. 68). Evans-Pritchard (2005) traz à superfície como condição de uma tradução antropológica, a necessidade de que a etnografia reflita esta demanda do “original”, isto é, os problemas colocados pelos Azande. Esta proposta sugere uma relação de tradução que não seja exclusivamente, nem a de “domesticação” da cultura traduzida pelos termos

dados

do

discurso

antropológico

neutralizando

diferenças,

nem

“estrangeirizante” deslocando o leitor aquilo que é o exótico, uma vez que parte do esforço consiste em sistematizar a lógica de um conjunto de crenças aparentemente irracionais. Tais noções polares, a de domesticação ou estrangeirização, parecem incapazes de compreender o complexo processo de tradução operado neste exemplo de etnografia. Isto porque, no curso de sua escrita Evans-Pritchard tanto assume o risco de traduzir a experiência Azande em termos que lhe são estrangeiros, a fim de torná-la familiar ao leitor, quanto problematizar os termos pelos quais a tradução é feita, cujo efeito é movimentar o leitor em direção aos sentidos dos conceitos azande: “Ao conversar com os Azande sobre bruxaria, e observando suas reações em situações de infortúnio, tornou-se óbvio para mim que eles não pretendiam explicar a existência de fenômenos, ou mesmo a ação de fenômenos, por uma causação mística exclusiva. O que explicavam com a noção de bruxaria eram as condições particulares, numa cadeia causal, que ligaram de tal forma um indivíduo a acontecimentos naturais que ele sofreu dano” (EVANS-PRITCHARD, 2005, p. 52).

Percebe-se em sua narrativa, que a bruxaria é deslocada de uma significação mística àquela de uma explicação causal, tão lógica quanto uma explicação científica, por exemplo. Tal reflexão é interessante, pois ao passo que poderia ser considerada como “domesticante”, na medida em que aproxima a experiência Azande da noção de

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bruxaria, conhecida pelos “ocidentais” como uma espécie de ação mística, transforma-a ao atribuir-lhe uma qualidade de lógica causal. A lógica como pretensamente exclusiva do pensamento ocidental é acionada para explicar os procedimentos do pensamento Azande, operando pela aproximação de uma experiência de alteridade radical com sujeitos estrangeiros aos termos do tradutor, processo que não produz necessariamente a imobilidade do leitor. Ao apresentar o sistema de crenças Azande como uma estrutura de pensamento coerente, Evans-Pritchard provoca um deslocamento do leitor em direção ao modo como os elementos encadeiam-se constituindo a bruxaria como uma “causa socialmente relevante” (2005, p. 55) parte de um sistema de pensamento mais amplo. Pois ao atribuir seus infortúnios à bruxaria, um zande faz o mesmo que “nós” quando atribuímos um fracasso a pouca sorte, comparando a noção de bruxaria à noção de sorte demonstra que assim como “nós”, eles valem-se dos meios racionais dados pelo idioma de sua própria cultura para controlar as condições exteriores (EVANS-PRITCHARD, 2005, p. 90). Outro aspecto é quanto às consultas oraculares: a fim de identificar o bruxo responsável por determinado infortúnio, os Azande valem-se do oráculo de veneno, no qual utiliza-se uma substância ingerida por galinhas. A substância É traduzida como veneno, tradução esta que é elucidada por Evans-Pritchard, em seus próprio limites: “Para nós o bengue é um veneno, mas não para eles. É verdade que o bengue deriva de uma trepadeira selvagem da mata; e que se pode supor que suas propriedades residam na trepadeira; mas aos olhos do zande, ele só se torna o bengue das consultas oraculares (e fora dessa situação não se tem qualquer interesse nele) quando foi preparado segundo certos interditos e empregado da maneira tradicional” (2005: 159).

Desta consideração pode-se questionar a ideia de natureza como algo “pronto” para algo “elaborado”, pois para os Azande o bengue não está na trepadeira, mas na ação de fazer dela o bengue, cuja potência prescinde da execução de determinadas prescrições e procedimentos. Aqui

evidencia-se

também

a

“irracionalidade

entre

as

línguas”

(SCHLEIERMACHER, 2001), pois se a tradução é possível graças as diferenças entre tais sistemas, isto não se dá virtude de uma continuidade de sentidos, mas de um afastamento por meio do qual o exercício de compreensão das categorias nativas

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considera o aspecto da irredutibilidade, neste caso, o bengue é irredutível à noção de veneno, ainda que esta seja usada como um recurso de tradução. Imagino que esta também seja uma diferença quando se considera a antropologia como uma experiência de tradução cuja relação se dá com algo distinto de uma letra escrita. Ao contrário da escrita que esta lá para ser lida pelo tradutor, a “cultura” não é perceptível nestas condições. O que não significa que a escrita seja mais evidente e superficial que a experiência etnográfica, apenas que trata-se de uma experiência de outro tipo, baseada na interação entre sujeitos. Desta experiência de tradução antropológica, o autor constrói uma concepção de cultura não restrita a normas e prescrições, ou como “estruturas ideativas e indivisíveis, mas associações frouxas de noções” (EVANS-PRITCHARD, 2005, p. 225). Segundo sua concepção, a sistematicidade deve-se a organização teórica do pesquisador, pois na vida prática elas não se encontram “em bloco, mas atomizadas”. Poderia dizer que a magia da tradução antropológica se empreende pela sistematização da sinuosa experiência de campo, tornando o diferente semelhante ao que é familiar, para posteriormente desubstancializar o familiar como único modo de ver e viver o mundo. Nisso, corre um duplo risco: reduzir uma experiência ampla à escritura invisibilizando os processos de comunicação informal e a expressão de linguagem por outros meios que não apenas as palavras, tanto quanto, imprimir ao texto uma linearidade que não é capaz de deslocar o leitor aos percalços e (des) ilusões vivenciadas em campo. Por outro lado, a etnografia acaba por visibilizar - ainda que o antropólogo queira imiscuir-se desta responsabilidade - o seu lugar de tradutor entre culturas, pois “o trabalho do antropólogo não é fotográfico, ele tem que decidir o que é significativo naquilo que ele observa e o que deve pôr em relevo na subsequente narração das suas experiências” (EVANS-PRITCHARD, 2011, p. 82).

Algumas elucubrações

Assim como Schleiermacher (2001) e Venuti (1991), Evans-Pritchard (2005) compartilha do objetivo de conferir um lugar próprio ao tradutor. Enquanto os primeiros caminham pela distinção entre tradutor e intérprete, pela visibilização do tradutor e sua tarefa como processo de elaboração intelectual e não como atividade técnica, o segundo

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o faz por um realce dado à experiência etnográfica do sujeito “disciplinado teoricamente” como condição da antropologia. Da reflexão entre tais autores, reconhece-se que a tradução não opera por equivalência, sendo esta entendida como uma relação de identidade, pois “Os conceitos não são idênticos, e como em cada língua a palavra é usada em muitos sentidos, não é mais possível usar as expressões originais na tradução sem o risco de confusão e distorção grosseiras” (EVANS-PRITCHARD, 2005, p. 163). Em outras palavras, transpor categorias nativas isoladas pode não ser o melhor modo de traduzi-las. Assim como Schleiermacher (2001) destaca o caráter heterogêneo da linguagem, Evans-Pritchard (2005) também assume isto na etnografia, mesmo quando sua opção tende a considerá-la (o sistema de crenças azande) a partir de uma fluidez. Esta problemática é colocada por Malinowski, pois na medida em que o antropólogo lida com um povo cuja linguagem é expressa por meio da oralidade, depara-se com a dificuldade em compreender e apreender algo que é volátil: “Verba volant, scripta manent” (MALINOWSKI, 1935, p. 7). Enquanto a oralidade é inconstante a escrita é fixa. Ao etnógrafo caberia imobilizar tal oralidade volátil no papel da monografia (MALINOWSKI, 1935, p. 7). Uma questão se coloca: como mensurar a volatilidade da oralidade e a fixidez da escrita? Considerar a escrita como menos móvel que a oralidade não implicaria numa atribuição de superficialidade, no sentido de ser a escrita literária mais evidente e, portanto, de fácil tradução quando comparada à tradução etnográfica que implica num tipo de experiência inter-faces? Para a experiência etnográfica, como no caso de Evans-Pritchard, o aprendizado da língua se realizou por meio de um contato direto com o povo, configurando uma perspectiva de que: “ao aprender uma língua, também se aprende a cultura e o sistema social que não podem deixar de estar refletidos conceptualmente no idioma. [...] Quando se chega a compreender perfeitamente o significado de todos os termos de sua língua em todas as suas situações de referência, completou-se o estudo da sociedade” (EVANS-PRITCHARD, 2011, p. 79)

Ao mesmo tempo em que esta proposta de antropologia nos apresenta reflexões interessantes sobre a sua própria tradução, como é notório em “Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande” (2005), tende a considerar a linguagem apenas em termos de

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palavras quando provavelmente muitas das inferências que a constituíram são oriundas de experiências que incluem gestualidades, sons, silêncios e outras expressões fundamentais à compreensão de uma língua, afinal “toda comunicação de conteúdos espirituais é língua, linguagem, sendo a comunicação pela palavra apenas um caso particular [...]” (BENJAMIN, 2011, p. 50). Como apreender “perfeitamente” todos os significados quando se percebe que “O conceito se expande junto com a experiência social de cada indivíduo”? (EVANSPRITCHARD, 2005: 40). Esta frase deixa entrever que a “magia da linguagem significa remeter a outro aspecto: a seu caráter infinito” (BENJAMIN, 2011, p. 54). A tradução quando obcecada por um processo de perfectibilidade tende a cair nas armadilhas do próprio, quando afinal, é preciso perguntar-se o que é próprio, próprio de quem? Suponho que uma tradução assim como a linguagem é sempre, de alguma maneira, imprópria. Uma vez que a linguagem é constituída por clivagens e movimentos que lhe possibilitam uma “força viva”. E esta força viva e sinuosa da linguagem que caracteriza a tradução (e a etnografia é uma tradução possível), não se realiza apenas entre línguas diferentes, mas também desde as diferentes experiências que os sujeitos situados em redes de relações constituem com elas e que formam o seu aspecto heterogêneo, pois “só se pode interpretar o que se vê em termos de experiência pessoal e em função do que se é. [...] A personalidade de um antropólogo não pode ser eliminada do seu trabalho [...]” (EVANS-PRITCHARD, 2011, p. 83).

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Referências Bibliográficas

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EVANS-PRITCHARD, Edward. E. Bruxaria, Oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

_____________________. Antropologia Social. Lisboa: Editora 70. 2011.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O cru e o cozido. Mitológicas 1. São Paulo: Cosac Naify. 2004.

MALINOWSKI, Bronislaw. Coral gardens and their magic: a study of the methods of tilling the soil and of agricultural rites in the Trobriand Islands. London: George Allen & Unwin LTD. Museum Street. 1935.

SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Sobre os diferentes métodos de tradução. In: Clássicos da teoria da tradução. Vol. 1: Alemão-Português (org: Werner Heierdmann). Florianopólis, Universidade Federal de Santa Catarina. 2001.

VENUTI, Lawrence. Genealogies of Translation Theory: Schleiermacher. In: TTR: traduction, terminologie, rédaction, Volume 4, N. 2, pp. 125-150.

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