A Soberania num Manuscrito Português de 1837

June 13, 2017 | Autor: José Domingues | Categoria: Sovereignty, Constitutional History, State sovereignty
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A SOBERANIA NUM MANUSCRITO PORTUGUÊS DE 1837

Por JOSÉ DOMINGUES Professor da Faculdade de Direito Universidade Lusíada Norte. Portugal [email protected] e-SLegal History Review 22 (2016) RESUMO: Este trabalho chama à colação e publica um manuscrito inédito sobre a questão universal da legitimação do poder político ou da origem da soberania. Sendo este um dos conceitos mais caros e discutidos pelo pensamento político ao longo de vários séculos, entende-se que o autor desconhecido deste monumento conclua pela possibilidade de se dissertar "in infinitum". O documento foi lavrado em 1837, no calor da discussão suscitada pela soberania defendida nos novos textos constitucionais. PALAVRAS CHAVE: Estado, Soberania, Constitucionalismo Monárquico, Portugal. SUMÁRIO: I. INTRODUÇÃO. 1. SÚMULA DO CONTEXTO JURÍDICO-POLÍTICO. 2. O MANUSCRITO 501. II. “QUESTÃO ÀCERCA DA SOBERANIA DO POVO”.

LA SOBERANÍA EN UN MANUSCRITO PORTUGUÉS DESDE 1837 RESUMEN: En este artículo se pone en juego y publica un manuscrito inédito sobre la cuestión universal de la legitimidad del poder político o la fuente de la soberanía. Este es uno de los conceptos más relevantes y discutido por el pensamiento político durante muchos siglos, se entiende que el desconocido autor de este monumento se decidió por la posibilidad del discurso "in infinitum". El documento fue elaborado en 1837, en el calor de la discusión planteada por la soberanía defendido en las nuevas constituciones. PALABRAS CLAVE: Estado, Soberanía, Constitucionalismo Monárquico, Portugal. SUMARIO: I. INTRODUCCIÓN. 1. RESUMEN DEL CONTEXTO JURÍDICO Y POLÍTICO. 2. MANUSCRITO 501. II. “PREGUNTA SOBRE LA SOBERANÍA DEL PUEBLO”.

SOVEREIGNTY IN PORTUGUESE MANUSCRIPT OF 1837 ABSTRACT: This paper call into play and publishes an unpublished manuscript on the universal question of the legitimacy of political power or the source of sovereignty. This being one of the most expensive and discussed concepts of the political thought over many centuries, it is understood that the unknown author of this monument complete by the possibility of discourse "in infinitum." The document was drawn up in 1837, in the heat of discussion raised by the sovereignty advocated in the new constitutions. KEY WORDS: State, Sovereignty, Constitutionalism Monarchist, Portugal. SUMMARY: I. INTRODUCTION. 1. GIST OF THE LEGAL AND POLITICAL CONTEXT. 2. MANUSCRIPT 501. II. “ABOUT THE PEOPLE’S SOVEREIGNTY”.

e-SLHR ISSN: 1699-5317, núm. 22, Enero (2016)

Recibido: 25 de octubre de 2015 Aceptado: 18 de diciembre de 2015

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Iustel

e-SLHR ISSN: 1699-5317, núm. 22, Enero (2016)

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1. Súmula do Contexto Jurídico-Político «Desgraçado Portugal! Quem te viu e quem te vê!». Com estas palavras de supina indignação termina um manuscrito concluído no dia 9 de Novembro de 1837, sob a actual custódia do Arquivo Distrital de Braga (Manuscrito 501), e que hoje vê a luz do dia 1

em letra de imprensa. O autor indignado de Oitocentos pretende, acima de tudo, recuperar ou preservar os ideais do jusdivinismo, demonstrando que a soberania do povo é uma utopia e que o monarca recebe o seu poder de Deus. Por outras palavras, confronta as duas principais teorias sobre a origem do poder: a teoria da soberania popular (ascendente) e a teoria da soberania divina (descendente). Segundo a primeira, a soberania reside no povo que a transmite ao seu representante; nos termos da segunda, o poder do monarca emana de uma suprema entidade sagrada e, por isso, o governante é considerado o representante de Deus no seio da comunidade política. Esta derradeira tese, oriunda dos mais recuados séculos medievais, constituiu a base teológica do absolutismo moderno. Os primeiros tempos do constitucionalismo revolucionário acabaram por criar um contexto assaz propício para, em Portugal, se atear a questão multisecular em torno da soberania. Nestes tempos conturbados e de grande instabilidade política e social, a cúspide para a literatura jurídico-constitucional voltar a desatar esse nó em torno da soberania parece ter-se atingido no final da década de trinta do século XIX, em torno do ano de 1837, com o tributo de momentos lapidares como, v. g.: (i) A existência prévia de dois textos constitucionais com posicionamentos totalmente distintos: a Constituição Política da Monarquia Portuguesa (C.1822) 2

que proclama explicitamente a soberania da Nação no seio do seu articulado ; e a Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa (CC.1826), que pretende, pelo menos em parte, recuperar essa prerrogativa para o monarca e com a 3

particularidade de ser totalmente silente em relação à palavra soberania . (ii) O rebentamento, em Lisboa, da revolução popular de 9 de Setembro de

projecto The Rise of Modern Constitucionalism (1776-1849), que pretende disponibilizar online os documentos constitucionais produzidos entre 1776 a 1849 [Disponível em http://www.modernconstitutions.de/nbu.php?page_id=cf2bf1a9ce737906a2cc483486798452 (consultado no dia 1 de Março de 2015)]. 1

Trata-se de um autor anónimo, que não me foi possível identificar com a mínima segurança e as suspeitas que foram surgindo revelaram-se infundadas ou demasiado ténues para se exporem. 2

A Constituição de 1822 esteve em vigor (i) de 23 de Setembro de 1822 a 2 de Junho de 1823 e (ii) de 10 de Setembro de 1836 a 4 de Abril de 1838. 3

A Carta Constitucional esteve em vigor (i) de 31 de Julho de 1826 a 3 de Maio de 1828, (ii) de 26 de Maio de 1834 a 10 de Setembro de 1836 e (iii) de 28 de Janeiro de 1842 a 5 de Outubro de 1910.

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Domingues - A soberania num manuscrito português de 1837

1836 que pôs termo ao segundo período de vigência da Carta Constitucional, nomeadamente, por causa de esta não reconhecer no seu articulado, de forma explícita, o princípio constitucional da soberania nacional. (iii) A publicação de um Projecto da Constituição Política da Monarquia Portuguesa (P.1836), que se manteve omissa em relação à palavra soberania e, 4

mutatis mutandi, segue de muito perto o preceituado na Carta Constitucional . (iv) A apresentação, em 1837, de um Parecer da comissão encarregada do projecto de modificações na Constituição (P.1837) que reitera a ideia vintista de que a soberania reside na Nação. (v) O facto de estar em plena erupção o terceiro momento constituinte português, que iria dar origem à segunda Constituição Política da Monarquia Portuguesa (C.1838), com os trabalhos das respectivas Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação a decorrer entre 18 de Janeiro de 1837 e 5

31 de Março de 1838 . A soberania da Nação foi chamada à colação em múltiplas sessões destas Cortes Constituintes. Em suma, terá sido a elaboração dos códigos constitucionais monárquicos que, no âmago das cruentas lutas entre absolutistas e liberais, veio desempoeirar e dar novo brilho à questão da soberania, i. e., da origem e exercício do poder político. Não é de somenos que a identificação dos soberanos ou detentores do poder deixe de ser um mero assunto de retórica político-jurídica, sobretudo reservado a ilustrados cultores do pensamento e da Filosofia dessa área (nomeadamente, teólogos e canonistas), para constar explícita no texto jurídico fundamental do Estado, na sua Constituição, norma normarum, grundnorm, ou norma jurídica suprema, que é colocada acima das demais normas jurídicas. Antes de mais, a nossa primeira Constituição escrita terá sido «forjada na alvorada 6

das modernas concepções da democracia representativa e da soberania popular» . A ideia de uma soberania nacional surge manifestamente consagrada no primordial texto constitucional da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do

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Este texto constitucional não foi incluído em nenhuma das colectâneas de documentos constitucionais identificada na nota de rodapé de abertura. 5

A Constituição de 1838 esteve em vigor de 4 de Abril de 1838 a 10 de Fevereiro de 1842, acabando por ser nesta derradeira data recolocada em vigor, pela terceira vez, a Carta Constitucional de 1826. 6

Viriato Soromenho-Marques, «A Constituição de 1822. Uma filosofia política intempestiva», in Philosophica 11, Abril de 1998, pp. 39-47 (1) [Disponível em http://www.viriatosoromenhomarques.com/Imagens/PDFs/Constituicao%201822-1998.pdf (consultado no dia 12 de março de 2015)].

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