A SOCIEDADE, O CONSUMO E O ESPETÁCULO: A MODA SEGUNDO WALTER BENJAMIN

May 31, 2017 | Autor: A. Almeida Souza | Categoria: Walter Benjamin, Society, Fashion, Espectáculo
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A SOCIEDADE, O CONSUMO E O ESPETÁCULO: A MODA SEGUNDO WALTER BENJAMIN1 Ana Carolina Almeida Souza2 Fernanda Alves Ramos Cabral3 José Coelho de Andrade Albino4 RESUMO A moda como característica analítica foi e é muito abordada no campo da comunicação (e não só ela), justamente por seu caráter mutável e adaptável aos mais diversos períodos. Sendo um potente demonstrativo do tempo em que está inserida, a moda envolve muito mais questões que tendências, estilos e estéticas, sendo assim, neste trabalho partimos das ideias de Walter Benjamin sobre a moda e como ela era observada por esse autor na Modernidade, com o objetivo de ver o indivíduo moderno como transitório e assim, levantar questões sobre o período contemporâneo. Trazemos para a discussão autores como Guy Debord, Jean Baudrillard, Antony Guiddens e Frederic Jameson. PALAVRAS-CHAVE: Moda; Walter Benjamin; Modernidade; Pós-Modernidade; Sociedade.

A MODA EM WALTER BENJAMIN: NO LIMIAR DO (PÓS) MODERNO Inserido em um contexto de intensos conflitos, Walter Benjamin é tido um dos únicos pensadores positivos da Escola de Frankfurt e a sua perspectiva de ver a sociedade, para além dos seus contextos massificados e de choques, por muitos foi considerada ingênua. Essas questões acerca de seus pensamentos tendem, no entanto, a resumir a sua extensa obra à meros achismos, que não se debruçam, de fato, ao que o autor considera 1

Trabalho apresentado no GT [Estéticas, imagens e mediações]. Mestranda do Programa de Mestrado em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas 3 Mestranda do Programa de Mestrado em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas 4 Mestre em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais 2

[Salve este texto como: Ana_Almeida_fernanda_cabral_jose_albino_PUC_artigo.doc]

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como relevante. Por isso mesmo, optamos por sugerir que, muito mais do que meramente positivo ou ingênuo, Benjamin se propunha a analisar a sociedade Moderna acerca das características que a norteavam. O Cinema, por exemplo, foi uma das principais, sua questão técnica entendendo-o sob uma percepção potencialmente positiva, onde somente a própria imagem seria capaz de ser emancipadora e ao mesmo tempo terapêutica. Já a Moda, também se fez intimamente presente, especialmente nos seus textos contidos na obra Passagens. O pensador entendia que no contexto espetacular que envolvia a sociedade moderna, que se encaminhava a passos largos para a pós-modernidade, a Moda era uma categoria de especial importância, uma vez que a partir dela se entende o período do qual se fala. Segundo Rouanet (1987), o livro Passagens constitui-se como uma história material do século XIX apresentada a partir das suas objetivações materiais (moda e arquitetura, por exemplo) e espirituais (poesia e arte, dentre outras), sendo estas interpretadas a partir de certas categorias teóricas5. Nesta obra, Benjamin propõe estratégias de análise6, assim como procura captar objetos à luz dessas estratégias, dentre eles a moda. Complementando, Sant’Anna (2006) informa que Benjamin pesquisou temas, como, por exemplo, o sistema de iluminação, as passagens, as galerias, as grandes lojas, assim como a moda, pois acreditava que a modernidade estava ancorada em um substrato material sem o qual não poderia se expressar. Mesmo se tratando de uma obra inacabada, esse livro reúne diversos materiais de revistas alemãs e francesas; poemas e excertos de escritores e teóricos de diversas áreas de conhecimento e linhas teóricas, como, por exemplo, Vischer, Balzac, Simmel, Apollinaire, Grandville, Paul Valéry, Du Champ, Charles Blanc, Pollès, Jhering, Fuch, dentre outros. Na visão de Sant’Anna (2006, p.16), no conjunto, pode-se dizer que Benjamin discorria sobre

a moda como assunto que transita entre o costume e as disputas entre diferentes grupos sociais; entre o luxo, o desperdício e a arte de vestir; entre as formas de consumo e os discursos diante dos significados sociais; como objeto consagrado ao novo e à morte.

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Imagem dialética, imagem onírica, fetichismo, limiar, morte, catástrofe, ruínas, aura etc Mônada, alegoria, estrutura constelar do texto, dialética etc

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Segundo Otte (2004), Benjamin introduziu a temática moda nas suas reflexões sobre a filosofia da história em função da capacidade que ele atribuía à moda não só de antecipar o futuro, mas também de citar o passado. Ainda segundo esse autor, essa escolha também se deve ao fato de Benjamin valorizar o cotidiano, ou seja, os fenômenos considerados por muitos como insignificantes e banais, como materiais de grande potencial explicativo sobre as formas de agir e de pensar de uma dada época. Na sua visão,

a moda se transforma num ícone da filosofia da história de Benjamin exatamente pelo fato de que sua Sprunghaftigkeit, sua volubilidade, a transformar num fenômeno descentrado, fora do eixo ‘homogêneo da história’. (…) essa descontinuidade [da moda] faz com que um ‘singular-extremo’ de uma determinada época se cristalize, contribuindo, assim, (...) [para a] caracterização da moda e, por extensão, [para a] caracterização da época. A descontinuidade, porém, significa também que a moda, depois de ter permanecido por um tempo à altura de sua época, caia logo nas profundezas da memória coletiva 7, para, eventualmente, ser ‘citada’ um dia. Mas, mesmo se esse ‘singular-extremo’ continue apenas como ‘ruína’ – o que importa é que continue existindo, podendo ser recolhido e ‘lido’ por uma geração do futuro (OTTE, 2004, grifo nosso).

Ao introduzir o tema memória na obra de Benjamin, é importante ressaltar que para o autor, a memória (Erinnerung) é um conceito chave para a compreensão da condição moderna em transição para a contemporaneidade, uma vez que é ela que “repousaria sobre o dom de produzir e de perceber semelhanças; um dom que sofreu profundas modificações ao longo da história da espécie humana.” (TIEDEMANN. 2006; p.18). Sendo que estas memórias podem ser apreendidas de forma indireta, ou de maneira direta. Para explicar esta diferença, Benjamin recorreu a uma dicotomia proposta por Proust que diz que a memória seria classificada e dividida em: “memória involuntária” e a “memória voluntária”. A “memória voluntária” é causada por uma espécie de ‘passe-livre’ a acontecimentos passados, ela nos faz sermos capazes de acessar nosso passado e nossa vivência de forma consciente. Já a “memória involuntária” seria causada pelo acaso. Com a possibilidade de nos lembrarmos de algo, não pela necessidade de lembrança, mas pelo despertar deste anseio através de algo (odor, sensação, paisagem, etc) não programado. Ao resgatar estes dois pontos, Benjamin os explora de forma a traçar um encontro entre as suas pesquisas e 7

Consideramos que a memória coletiva trata por Otte faz referência ao caráter de repertório, trabalhado por Jameson ao falar do pastiche, por exemplo; e não do lugar de fala de Benjamin, que considera a memória coletiva inserida no contexto da experiência (Erfahrung).

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as proustianas, formulando outra dicotomia, na qual a “memória voluntária” seria parte da vivência e a “memória involuntária” seria parte da experiência. Ou seja, a moda, por seu caráter modelador se remete a uma memória voluntária, sendo incapaz de representar uma forma de experiência (Erfahrung) 8. Ou seja, se de um lado temos a experiência da mera experimentação, onde se vivencia momentos fabricados e articulados a fim de causar uma sensação previamente descrita, de outro temos a experiência como um conceito que vai além da mera ‘participação’ daquilo, e sim uma apreensão da sua potência, principalmente a subjetivadora, sendo capaz de mudar a sua própria forma de viver e ser contato com o mundo. Para Benjamin, esta segunda forma de experiência foi sentenciada à morte na modernidade. Sua morte teria começado com as mudanças sociais causadas no século XVIII, como o êxodo rural e a revolução industrial, além disto, a nova experiência urbana teria culminado com o surgimento do romance e a individualidade que ele impõe, logo “a tradição comum já não oferece nenhuma base segura, outras formas narrativas tornam-se predominantes.” (GAGNEBIN, 1994; p.14). Assim, esses dois tipos de experiência e suas distinções ficam ainda mais evidentes: a) a coletiva, que congrega o homem com a sociedade em que ele vive (Erfahrung) e b) a individual e cotidiana, relacionada aos sentidos, que pode ser vista também sob o nome de vivência (Erlebnis). Benjamin entende que o que se empobrece é a experiência como vivência comum, mas que novas formas de ‘experimentar’ aparecem e assim mesmo o devem, pois o homem está diferente, a vivência está diferente e “não se deve imaginar que os homens aspirem a novas experiências” (BENJAMIN, 1933; p.118). Então não é que a experiência pare de existir, é que ela se reconfigura para atender a uma demanda social diferente da que estava previamente inserida, uma demanda que não mais prima pela relação do narrador e do ouvinte “através da transmissão orgânica, ritmada da experiência de uma para o outro” (FILHO, 2011; p.

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Erfahrung (do verbo fahren, ir através de, atravessar, ir até o fim, percorrer) é um conceito de articulação no duplo sentido de expressão e de arranjo/concatenação (Verknüpfung): “Erfahrung é uma dimensão da práxis humana na qual é articulada a relação consigo mesmo e com o mundo, de modo que a relação com o mundo se torne articulável como relação consigo e vice-versa. (WEBER apud QUEVEDO. Op. cit., p. 105)

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90), por exemplo, mas prevê uma relação individual e que não mais transmite experiências, torna-se muda. Para entrarmos mais ainda nessa relação de individualismo e morte da experiência, Benjamim trata de como no Pós 1ª Guerra, os soldados que sobreviviam e retornavam das trincheiras estavam traumatizados e não conseguiam contar suas experiências. As vivências de mortes, selvagerias e a fragilidade do corpo humano, faziam estes homens não conseguirem transmitir suas experiências de boca em boca e segundo Benjamin além de crucial, este fenômeno não é estranho,

porque nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a experiência moral pelos governantes. Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos viu-se abandonada, sem teto, numa paisagem diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, num campo de forças de correntes e explosões destruidoras, estava o frágil e minúsculo corpo humano. (BENJAMIN, 1933; p.115).

O Pós 1ª Guerra marcou pela subjugação do homem diante da técnica e com isso a sua mudança de comportamento em relação à experiência coletiva. O homem torna-se recluso, buscando experiências mais cotidianas e pessoais, justificando o aumento na produção e distribuição dos romances neste período e marcando um novo tipo barbárie.

Barbárie? Sim. Respondemos afirmativamente para introduzir um conceito novo e positivo à barbárie. Pois o que resulta para o barbáro dessa pobreza de experiência? Ela o impele a partir para frente e começar de novo, a contentar-se com pouco, a construir com pouco, sem olhar nem para a direita, nem para a esquerda (…) algumas das melhores cabeças já começaram a ajustar-se a essas coisas. Sua característica é uma desilusão radical com o século e ao mesmo tempo numa total fidelidade a esse século. (BENJAMIN, 1994; p.115 e 116).

Esta barbárie é o elemento que antecede o novo. Graças à barbárie seria possível ter contato com um novo tipo de experiência que seria a condizente com a realidade e perspectivas do homem moderno. O homem moderno é este que vive sob o tempo mecânico, passeia pelas multidões e trabalha dentro das indústrias, seu dia a dia é recolhido

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e defensivo, procurando se preparar para a vivência entre “choques” 9 de estímulos sociais causados pelas novas condições cotidianas a ele, ou seja “assim como num bom automóvel a própria carroceria obedece à necessidade interna do motor. (…) ao que está dentro, e não à interioridade: é por isso que elas são bárbaras”. (BENJAMIN, 1994; p. 116, grifo nosso). Porém, da mesma forma que esta barbárie impele-nos a seguir em frente, ela também o matem inerte. Inerte porque a sua experiência (como concepção tradicional) teria se esvaído e se tornado um mero reflexo de uma individualidade coletiva. Ou seja, uma sociedade que, por mais que viva junta, não consegue conviver coletivamente.

A indiferenciação e a pobreza. (O mundo pós-aurático) não assinala apenas o fim da experiência artística, mas da experiência em geral. O homem perdeu a capacidade de rememorar, típica da experiência (Erfahrung) e vegeta na mera vivência (Erlebnis). Autômato desmemoriado, que esgota suas energias na interceptação dos choques da vida cotidiana, o homem sem aura perdeu sua própria história. Pois é pela aura que ele se relacionava com a tradição, e era a aura que assegurava a alienação necessária da cultura com relação à vida, sem a qual sua negatividade desaparece, tragada pelo existente. Quem não pode lembrar o passado, não pode sonhar o futuro e, portanto, não pode criticar o presente. (ROUANET, 1987; p. 113).

E já que Benjamin observa este homem moderno, torna-se claro a ele que existe sim o ambiente alienável de rotina, vivendo em um tempo transitório, no entanto também possível de ser rompido, então “observamos que o diagnóstico de Benjamin sobre a perda da experiência não se altera, embora sua apreciação varie” (GAGNEBIN, 1994; p. 10). É preciso ressaltar que a questão nesta “contradição” é que Benjamin vislumbra algumas possibilidades de ruptura com as condições de realização nesta sociedade do capitalismo moderno. Mesmo raras, quando estas rupturas são alcançadas, o resultado é uma visita ao passado sem se ater a historicidades e repetições, assim como na psicanálise, esse rompimento pretende reativar um passado adormecido e por vezes reprimido e esquecido pela própria condição moderna. É necessário dizer neste momento, que na medida em que a Erfahrung transformouse e ficou muito mais próxima da Erlebnis, o passado também foi se modificando. Não o 9

Com a transmissão da Erfahrung para a Erlebnis o cotidiano do homem moderno seria repleto de choques, que seriam estímulos externos que o levam a responder as coisas de forma automática, como um reflexo a um estímulo. “Benjamin, inspirado em Baudelaire, transformou em experiência esse constante vivenciamento dos choques aos quais é submetido o homem moderno, nesse caso, “experiência do choque”.” (TOMAIN, 2004; p.106).

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passado histórico, em termos de acontecimentos, mas o passado visto como memória e tradição. Com o declínio da narração tradicional e a interrupção da narração linear, Benjamin faz uma análise de uma imagem dialética, convergindo-se com a técnica e possibilitando a visão do passado de outra forma.

[...] a origem benjaminiana visa, portanto, mais que um projeto restaurativo ingênuo, ela é, sim, uma retomada do passado, mas ao mesmo tempo – e porque o passado enquanto passado só pode voltar numa não-identidade consigo mesmo – abertura sobre o futuro, inacabamento constitutivo. (GAGNEBIN, 1999; p.14, grifo nosso).

Porém retomar o passado não aqui se refere a reescrevê-lo, ou revisitá-lo como se ele fosse um momento pontual e histórico, mas revisitá-lo para apreendê-lo e revitalizá-lo.

Essa revitalização do passado, no entanto, é o mais distante do homem moderno. Para o homem do mundo técnico, falta o elo com o passado, o que se evidencia de dois modos: pela pobreza de experiência característica desse momento histórico e pela consequente perda da capacidade de narrar essas experiências (WU, 2004; p.25).

Com a arte de narrar tradicionalmente extinta, ao homem moderno sua conexão com o passado é um desafio grande, pois sua memória involuntária não recebeu subsídios para um contato de experiências. Ou seja, pela falta de relação que este tem com a experiência coletiva, ou pobreza de experiências, ele não tem habilidade na hora de narrar, o que o leva a uma procura de uma nova forma de narrar, para assim, obter uma nova experiência. Neste contexto, cabe ressaltar que, para Benjamin, a história está sendo continuamente construída, pois, na sua visão, o passado é algo inacabado, que não está fechado, pauta-se pela descontinuidade, “opera pela interrupção e se constitui em imagem, as quais são efêmeras como a instabilidade de sua compreensão” (SANT’ANNA, 2006, p.17). Segundo Rouanet (1987), toda moda, na visão de Benjamin, é uma forma de rememoração prática e imita a história descontínua, cuja estrutura está baseada na ruptura e na não uniformidade. Assim, ela é um “salto de tigre em direção ao passado” (BENJAMIN, 1994, p.230), mesmo sendo este salto comandado pela classe dominante. Na visão de Otte (2004, p.5), “o ‘salto de tigre’ não se refere apenas à superação de grandes distâncias, mas também à idéia de o passado, à maneira do animal selvagem, ficar à espreita no ‘emaranhado do acontecido’ para, com seu ‘faro pela atualidade’, surpreender o presente”. 7

Para Benjamin (1994, p.230), a moda tem um “faro para o atual”, sabendo identificá-lo em qualquer lugar do passado. Além disso, o autor considera extraordinária a sua capacidade de antecipação, sendo esta, inclusive, superior à da arte. Isto se deve ao fato dela estar “em contato muito mais constante, muito mais preciso, com as coisas vindouras graças ao faro incomparável que o coletivo feminino possui para o que nos reserva o futuro” (BENJAMIN, 2007, p.102). Assim, quem souber ler os sinais secretos das coisas vindouras, “[saberá], antecipadamente, não só quais [serão] as novas tendências da arte, mas também a respeito de novas legislações, guerras e revoluções” (BENJAMIN, 2007, p.103). Segundo Otte (2004, p.5), Benjamin, por meio dessas afirmações, reforça a

idéia de que o presente e o futuro não se encontram numa relação de causa e efeito, mas que o futuro já está presente no presente, do mesmo modo que o passado ainda está presente no presente. A “antecipação”, portanto, não envolve contatos secretos com um mundo sobrenatural, mas com o mundo natural e material. Ou seja, tratase da constatação de que o passado, o presente e o futuro são do mesmo mundo e que a diferenciação de níveis temporais sucessivos perde o sentido diante da real justaposição das coisas no espaço, mesmo que seja na forma de ‘ruínas’.

Neste contexto, Benjamin (2007, p.103) dá o tom quando ele emerge “entre as coisas mais antigas, mais passadas, mais habituais”, sendo que o “espetáculo dialético” da moda se deve à constituição do totalmente novo a partir daquilo que passou. Entretanto, a moda é também um agente do sempre igual, pois, como “funcionária da mercadoria”, sua função é apresentar o indiferenciado como singular, o idêntico como único. Da mesma forma, ela introduz um hoje eterno que só pode ser superado pela política, ou seja, pelo gesto político de trazer o passado para o presente, permitindo uma abertura para a utopia. Nesse contexto, Sant’Anna (2006, p.17) ressalta que a principal função do historiador seria, então, a de “interromper o acervo memorial a partir de uma questão premente do presente e em vista de uma proposição ao futuro”. Trata-se, portanto, de um ato revolucionário de parar o tempo linear e inaugurar uma nova era. Assim, segundo Sant’Anna (2006, p.17), Benjamin

propôs aos historiadores que fizessem com a memória aquilo que a Moda fazia à matéria (...): se o vestir tornou-se uma arte com a moda, o passado, manipulado a partir da memória construída no presente, fez da história uma arte, que seria tão boa quanto fugisse das regras do convencional, do esperado, do previsível e propusesse uma experiência sensitiva inusitada entre tempos diferentes.

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Sant’Anna (2006, p.3) ressalta, ainda, que os objetos de moda aguçam, permanentemente, o desejo, o qual permite a “poética diária do vestir”. Na medida em que esses produtos encarnam o novo, eles desenvolvem a “aptidão para a apreciação do fugaz”, ou seja, estimulam a “paixão por tudo que é novo e uma prontidão toda especial para o inusitado”, além de satisfazerem à necessidade dos sujeitos modernos por sensações. Ao mesmo tempo, eles são instrumentos vitais às estratégias de poder, pois disfarçam o desejo da classe dominante de que não ocorram grandes transformações. Adicionalmente, a autora afirma que os objetos de moda se constituem como tais não por suas características físicas intrínsecas (cor, textura, corte etc), mas pelos discursos construídos em torno desses elementos de sua constituição, transformando-os em signos do novo, em significados construídos a partir do significante moda. Nesse contexto, Sant’Anna (2006, p.3) define moda como “um ethos da sociedade moderna e individualista, que, constituído em significante, articula as relações entre os sujeitos sociais por meio da aparência e instaura o novo como categoria de hierarquização dos significados”. Para a autora, ethos deve ser entendido como uma forma de pensar, sendo responsável pela constituição de uma visão de mundo. Citando Geertz, a autora informa, ainda, que “o ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição, é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete”. Portanto, a moda é o

impulso que move a constituição de significados sobre o vivido, numa busca incessante pelo novo, que desejado como imprescindível pelos sujeitos-moda, tem vida efêmera e morre subitamente após a geração de seu sucessor e que, nessas sucessões, hierarquiza aparências e propõe modos de ser a partir do parecer (SANT’ANNA, 2006, p.4).

Nesse contexto, cabe destacar que, de acordo com Benjamin (2007, p.103), “toda a energia onírica da sociedade [do século XIX] se refugiou com dupla veemência no reino nebuloso, silencioso e impenetrável da moda”. Para ele, a moda “é a precursora, não, a eterna suplente do Surrealismo”. Segundo Sant’Anna (2006, p.18),

se o surrealismo, como movimento artístico, teve sua fase, a moda, como ethos de um mundo que abomina o já visto, permanece gerando ensaios, tentativas,

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experiências infinitas de reinvenção do mundo com o único intuito de que o inventado não dure mais que o tempo do prazer que proporciona, ou seja, a moda é a desejo pelo novo tanto quanto a busca constante da morte dele.

Assim, a moda “inaugurou o entreposto dialético entre a mulher e a mercadoria, entre o desejo e o cadáver” (BENJAMIN, 2007, p.101). Na sua visão, a moda “zomba da morte”; “faz cócegas na morte e já é outra, uma nova”; constitui-se como “uma paródia do cadáver colorido”, assim como estabelece um “amargo diálogo, sussurrando com a putrefação, entre gargalhadas estridentes e falsas” (BENJAMIN, 2007, p.102). Percebe-se, portanto, que essa concepção da moda está atrelada à associação feita pelo autor entre moda e temporalidade, ou seja, sua compreensão sobre a rápida sucessão de modas como forma de eliminar toda interrupção, todo fim abrupto, enfim a morte. Adicionalmente, o autor (2007, p.108) argumenta que a moda consiste de extremos, sendo seus extremos máximos a frivolidade e a morte. Assim, mesmo fazendo referência aos costumes, a moda não se detém diante deles (BENJAMIN, 2007, p.110). Ao abandonar uma determinada forma, ela remete-se exatamente ao seu contrário, sendo que essas mudanças sistemáticas obrigam as mulheres a preocuparem-se permanentemente com a beleza. Na visão do autor, “ser contemporânea de todo mundo” é a “satisfação apaixonada e mais secreta que a moda oferece à mulher” (BENJAMIN, 2007, p.105). Citando Jhering, a moda contém o critério exterior segundo o qual uma pessoa faz parte da sociedade e ao relacionarmos a Sant’Anna (2006, p.18) entendemos que a moda, ethos da modernidade, interfere na produção dos significados, criando ao seu redor uma hierarquia de sentidos qualificada a partir da proximidade com o novo, o que funciona diante das relações sociais e pessoais e imiscui-se, sem limites, nos trabalhos de construção das subjetividades e dos sentidos ao viver.

Para Benjamin (2007), na modernidade, produtos são criados para se tornar moda, eles não surgem em algum lugar e depois se tornam moda. E esta questão é de particular interesse, pois na visão do autor, a invenção da moda integra-se, cada vez mais, à organização objetiva do trabalho da economia. Reforçando, Sant’Anna (2006, p.18) argumenta que a moda “cadencia o sistema econômico, dando ao capitalismo sua sobrevivência ilimitada”.

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Citando Fuch, Benjamin (2007) aponta três causas para as mudanças freqüentes da moda: (a) necessidade de distinção de classe; (b) exigência do modo de produção capitalista privado no sentido de aumentar suas possibilidades de venda no interesse de sua margem de lucro e (c) necessidade de proporcionar estímulo erótico, pois este é mais bem obtido quando os atrativos do homem ou da mulher chamam atenção de modo sempre diferente. Acrescentando, o autor afirma “é o comércio do vestuário e não mais a arte que criou o protótipo do homem e da mulher modernos. Imitam-se manequins e a alma se faz à imagem do corpo”. (POLLÈS, citado por BENJAMIN, 2007, p.116). Essa é a fantasmagoria da moda – ela inventa uma humanidade artificial (BENJAMIN, 2007, p.118). Segundo Benjamin (2007, p.117), “a moda defende os direitos do cadáver sobre o ser vivo”, sendo que “o fetichismo que subjaz ao sex appeal do inorgânico é seu nervo vital”. Ao fim, pode-se afirmar que a moda, na concepção de Walter Benjamin, estabelece uma relação estreita entre passado, presente e futuro; fetichismo e desejo; morte e renascimento; submissão e revolução. Constitui-se, portanto, como uma imagem dialética representativa da modernidade, indo além, capaz de nos introduzir numa clara visualização da superlativação dessas características no período contemporâneo.

POR UM ESPETÁCULO CONTEMPORÂNEO: A SOCIEDADE E O CONSUMO A partir da análise de Benjamin, pontuamos que a modernidade se configurou junto à sociedade em meio a uma reorganização de valores que se acentuou na chamada pósmodernidade. Faz-se necessário buscar e elencar as características sociais e dos sujeitos em transição, bem como a constituição da sua identidade e subjetividade, para entender como a moda influenciou e foi influenciada de forma a marcar o seu lugar na sociedade. Será apresentado o indivíduo individualista, narcisista, hedonista que busca por experiências estéticas e estilos de vida assim como a lógica social de consumo e de espetáculo que ele se insere. Apesar de bastante completas e ilustrativas sobre as características da transição e, principalmente do indivíduo, muitas das teorias e dos pesquisadores utilizados neste artigo consideram o sujeito em uma relação de submissão e apatia com relação à sociedade – se contrapondo a visão de Walter Benjamin que sintetiza em seus estudos uma relação de nãopassividade do indivíduo com relação à sociedade.

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O fascínio generalizado sobre aspectos da vida cotidiana surgiram na modernidade e vêm sendo cada vez mais supervalorizados e exteriorizados socialmente. Segundo Debord (1967), a sociedade passa a se organizar através do consumo de espetáculos e as relações sociais a serem mediadas por imagens. Em uma sociedade que valoriza as representações e se inter-relaciona através das imagens, o espetáculo, segundo Novaes (2004), torna-se sinônimo de cultura, ou seja o centro de significação de uma sociedade sem significação que transforma o seu “ser” em “ter” e o seu “ter” em “parecer”. Giddens (2002), fala que a tradição, que anteriormente oferecia um meio de organizar a vida social, deixou de desempenhar seu papel chave em nível comportamental e de relacionar o futuro com o passado, deixando a vida cotidiana permeada pela incerteza. Além do contexto de incerteza, existem as múltiplas possibilidades oferecidas pela contemporaneidade inserida na globalização e a pouca ajuda oferecida sobre que opções selecionar. Na medida em que a tradição foi perdendo seu domínio, de acordo com Giddens (2002), e a cultura local se fundindo com a cultura global, os indivíduos foram sendo cada vez mais forçados a fazer suas escolhas, a seguir um estilo de vida.

Um estilo de vida pode ser definido como um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de auto-identidade. (GIDDENS, 2002. p.79.)

Cada escolha realizada pelo indivíduo, além de indicar ações e práticas, que ao serem incorporadas ao dia a dia tornam-se rotineiras, vão formar elementos que constituem a identidade do mesmo. O indivíduo moderno que caminha para a pós modernidade vive, então, em um contexto de quebra dos valores tradicionais e das referências sociais advindos principalmente da família, escola, religião, trabalho. Ao se ter esses vínculos enfraquecidos, o indivíduo perde sua base quanto ao que ele é, sua história, tradição, origem familiar, o que, segundo Freitas (1999) implica a perda de um núcleo indenitário estável e coeso, não permitindo a adaptação às exigências da mudança. Giddens (2002) fala que essa quebra ou segregação de experiências do cotidiano vai contribuir para a formação de um indivíduo frágil, quebradiço, fraturado, fragmentado. Voltado para si e se fechado para o mundo, cada vez mais individualista, assume atitudes que, de acordo com Russ (1999), privilegia o indivíduo em relação ao coletivo. 12

Esse indivíduo encontra-se, segundo Freitas (1999) como dono de si, sua própria propriedade, livre para escolher o que quer defendendo o que é de seu desejo particular – acredita, pois, ser o centro de tudo, gerando uma característica imediata de auto referência, ou narcísica. Assim, por não ter onde se apoiar para construir suas identificações, o individuo passa a se utilizar como sua própria referência, acreditando que ele é o ideal de ser humano – em vista de que ele não conhece o outro a fundo – e que tudo deve ser à sua imagem; repudiando, muitas vezes inconscientemente, a diferença. Para Freitas (1999), o indivíduo narcisista, mesmo tendo a si como referência, ainda precisa da aprovação do outro e da sociedade e ainda, de que o outro acredite no papel de individuo ideal que o narcisista representa. Esta representação é, todavia, inconsciente, já que o indivíduo pode saber que é uma farsa, mas não sabe de sua fragilidade ou o porquê de sua necessidade de representar. As representações vão constituir as relações interpessoais, variadas, porém, superficiais, para que a máscara do narcisista não caia deixando transparecer quem ele é. O contrário, a máscara do outro, também não deve cair, uma vez que o que o narcisista deseja é se iludir, imaginando que o outro é como ele, é uma extensão de seu ser. Um outro aspecto do narcisismo, segundo Giddens (2002), é o deslocamento da sensualidade para o corpo, tendo um tratamento do corpo como um instrumento sensual, em vez de relaciona-la com a comunicação com o outro. Dadas as relações constantemente superficiais, o indivíduo sofrerá um agravamento quanto à sua identidade (pela falta de identificações). Se o indivíduo não entra em contato direto com o outro, se expondo realmente, ele não deixa transparecer quem ele é, como pensa na verdade e quais são seus defeitos. Assim, nem o outro e nem ele próprio sabe qual é sua verdadeira identidade, configurando-se uma relação de aparências, de mera cordialidade. Essa situação é, claro, mais cômoda, mas resulta no vazio interior. O vazio consiste, segundo Freitas (1999) em uma indiferença, anestesia ou tédio de viver. A incompletude do indivíduo e a busca pelo preenchimento do vazio incitam a busca por atividades prazerosas ou criativas, que referem-se a uma experiência além da mecanicidade típica do cotidiano, além da simplicidade, automatismo e distanciamento com que a maioria das atividades é executada. Uma experiência meramente estética.

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A estetização da vida cotidiana, ou a vida plena de experiências estéticas, configurase, então, como um apagamento das fronteiras entre a vida e a arte; é fazer da vida uma obra estética, bela não só no sentido físico, mas também nos conteúdos que são as vivências. Featherstone (1990) afirma que a estetização da vida cotidiana pode designar o projeto de transformar a vida numa obra de arte. Ele explica ainda que este processo consiste em reverter cada momento em uma experiência única. A busca de uma vida convencionada boa está na tentativa do indivíduo de expandir-se, desenvolver-se através das mais diversas vivências que levem ao gozo estético, mesmo que isso implique no desprezo de quaisquer concessões. Como manifestação prática dessa estetização, tem-se que os indivíduos se autogratificam com vestuários, hábitos, viagens, passeios entre vários bens e serviços, que deixam de possuir apenas seu valor funcional e ganham um valor simbólico que vai se agregar a esse indivíduo, constituindo o estilo de vida que mais se aproxime do que foi socialmente idealizado. Segundo Maffesoli (2005), o hedonismo considera que o prazer individual e imediato é o único bem possível, a finalidade da vida. Assim, pensado-se na sociedade contemporânea, esse prazer almejado, geralmente, está associado ao consumo, que, para o indivíduo narcisista, é mais passível de ser alcançado por meio da aquisição de mercadorias do que por meio de outras relações sociais ou pessoais. Nesse contexto, o hedonismo pode ser pensado, também, como uma forma de escape do indivíduo narcisista que busca preencher seu vazio existencial. O indivíduo moderno que caminha à pós-modernidade caracteristicamente narcisista busca a si mesmo nos bens materiais. O individualismo faz com que a lealdade, a cooperação deem lugar à competição. Ele busca ser bem sucedido na profissão e ter o máximo de mercadorias possíveis, porque é isso que lhe está disponível para preenchê-lo. O mercado, então, oferece opções de estilos de vida e até os gostos pessoais que o indivíduo pode incorporar, influenciando-o em sua visão quanto ao que é ideal. Assim, muitas vezes, o indivíduo passa a atuar de acordo com os perfis disponibilizados por este mercado. Os papéis e os objetos necessários à caracterização são, porém, mudados constantemente, visto que estes não devem preencher o vazio por muito tempo ou a indústria do consumo não se sustentaria por não precisar vender novos “personagens”. Para

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tal fim, a mídia e, principalmente, a propaganda exaltam a troca, a mudança, a experimentação, sem, porém, nunca satisfazer o homem por completo. A própria noção de “estilo de vida”, reflexivamente trazida para a esfera da propaganda, resume esses processos. Os publicitários se orientam por classificações sociológicas de categorias de consumidores e ao mesmo tempo estimulam “pacotes” específicos de consumo. Em maior ou menor grau, o projeto do eu vai sendo traduzido como a posse de bens desejados e a perseguição de estilos de vida artificialmente criados. (...) O consumo de bens sempre renovados torna-se em parte um substituto do desenvolvimento genuíno do eu; a aparência substitui a essência à medida que os signos visíveis do consumo de sucesso passam a superar na realidade os valores de uso dos próprios bens e serviços em questão. (GIDDENS, 2002. p.183)

O processo de consumo do que é oferecido pelo mercado ganha uma importante função na sociedade, a de organizadora da vida dos indivíduos. Assim, o consumo apresenta-se como um elo entre as relações do indivíduo com a sociedade e com ele mesmo, o que o transforma em um valor moral do mundo contemporâneo. O ato de consumir objetos, na contemporaneidade, extrapola as necessidades biológicas de sobrevivência assim como o consumo da utilidade do objeto, pois, a “fala” do consumo é manipulação dos signos. Esta manipulação ressalva a importância do estilo de vida como definidor da identidade do seu possuidor. Logo, o objeto que se consome é signo de distinção ou semelhança na sociedade. Os produtos carregam em si legendas e valores subjetivos, individuais e não inerentes a si mesmo, o que Baudrillard (2007) denomina como “mercadoria-signo”, ou seja, o objeto vendido pelas empresas associa as imagens e os símbolos, que podem ou não ter a ver com o que está sendo vendido, de forma a dar um valor de aparência a ele. Por exemplo, uma caneca em si não tem nada a ver com o Michael Kors, mas ela ganha este valor ao incorporar em seu design as iniciais da grife e ao ser vendida como um souvenir de férias inesquecíveis em Milão. Baudrillard (2007), assim, destaca que “Raros são os objetos que hoje se oferecem isolados, sem o contexto de objetos que os exprimam. Transformouse a utilidade específica, mas ao conjunto de objetos na sua significação total”, ou seja, quando falamos da contemporaneidade existe algo além do valor de troca, existe um valor maior, cheio de significado para quem compra. Sendo assim, a relação mercado-sociedade faz com que objetos sejam produzidos não somente para saciar uma necessidade humana, mas para diferenciar e significar os 15

indivíduos dentro de seus grupos. Marcas, imagens e significações valem mais do que a própria mercadoria e o valor que foi pago por ela. O consumo, portanto, não deve ser compreendido apenas como consumo de valores de uso, de utilidades materiais, mas primordialmente como consumo de signos. (FEATHERSTONE, 1995; grifo nosso). Esta busca de signos se daria pela incessante necessidade de experiências, uma máxima contemporânea em que tudo gira em torno do que leva aquele momento a se distinguir, o que leva aquela mercadoria-signo a ser única. Na busca por experiências que completem e realizem os indivíduos, os espetáculos agem como organizadores sociais e geradores de felicidade. Segundo Giddens (2002), a aparência corporal é de especial relevância para a construção da identidade do indivíduo, já que diz respeito aos aspectos visíveis pelo próprio indivíduo e pelos outros, como o modo de vestir e se enfeitar, e são estes normalmente usados como pistas para interpretar suas ações. Giddens (2002) ainda fala que a roupa e a identidade social são hoje praticamente indissociadas e que podem servir como um modelo de padronização que insere o indivíduo na sociedade ou como um modelo de diferenciação, sendo o primeiro mais predominante que o Segundo. “Em todas as culturas, a roupa é muito mais que um simples meio de proteção do corpo – é manifestamente um meio de exibição simbólica, um modo de dar forma exterior às narrativas da auto-identidade” (GIDDENS, 2002; p.62) Ainda Segundo o autor, a roupa e os acessórios são um meio de auto-exibição, mas se relaciona diretamente com a ocultação ou revelação de biografias pessoais – aspectos básicos da identidade. Daí a moda assume um aspecto regulador, classificador e gerador de espetáculos na sociedade. E se vivemos, tal como Maria Beatriz Furtado Rahde diz, em meio a essa geração pós-moderna se encontra sob uma amálgama onde “tudo inclui e nada exclui” (RAHDE, 2005; p.196), nenhuma construção imagética pretende seguir cegamente escolas e movimentos artísticos, e sim “caminha noutras direções, numa união entre conhecimento (racional) e imaginário (onírico) que traduz, reinterpreta e, por isso mesmo, transforma conceitos estéticos em novas formulações imagísticas complexas” (RAHDE, 2005; p. 196). Ou seja, não se torna possível, nem se classificar concretamente a moda Pós-Moderna, nem se pensar nela como homogênea, na verdade sua heterogeneidade é fortemente traduzida em seu produtos, assim sendo a Pós-Modernidade “torna a imagem um outro reflexo do já existente na simbologia iconográfica, quando então, o imaginário constrói e se torna 16

presente ao se expressar em imagens simbólicas” (RUIZ, 2003 apud RAHDE, 2005; p. 196). Meramente simbólicas. Pois se adaptam para uma geração que vive de referências e referências das referências, não precisando de uma construção de “causa e consequência”, já que tudo já o é reconhecível. Característica que, incorporadas para uma “sociedade industrial” (NAZARIO, 2005; p. 339), marcam a Pós Modernidade como máscaras estilísticas que só podem ser usadas neste período. A própria deslinearidade, só possível pelo reconhecido, pode ser apontada como um dos atributos mais presentes na moda, uma vez que é vista nas coleções de grandes estilistas e nas ruas de qualquer cidade, onde o retrô se encontra com o vintage, que se encontra com o futurístico, com o eco-fashion e até mesmo com o sport style. Essa multiplicidade de gostos e referências é revestida de uma postura ainda mais contemporânea e que pode ser vista como um reflexo da fluidez identitária do período contemporâneo, onde não é possível se ver uma padronização de caráter e a identidade torna-se instável, fragmentada, múltipla, permeável às mudanças que ocorrem, quer ao nível dos sistemas de pensamento, quer das formas de sociabilidade e de organização da vida coletiva em geral. Já que é assim, podemos apontar que essas profusão heterogênea de gostos e estilos não falam de uma democratização e aceitação completa de gotos e tendências e sim dialogam com a necessidade capitalista de atender nichos específicos e ao mesmo tempo amplos. Todas essas ‘modas’ poderiam ser, assim, interpretadas como imagens frágeis de uma imagem anterior, que sofrem uma alteração de identidade para caber na contemporaneidade e serem vistos por ela como representações de si mesmo, mesmo que não o sejam exatamente e mesmo que não suscitem nada. A contemporaneidade sobrevive dessas imagens frágeis, mas que parecem inovadoras e brilhantes. Relivaldo de Oliveira, em seu texto sobre Lady Gaga aponta que:

Julgamos ser um produto excelente porque repleto de referências à cultura pop e que nós, com nosso imaginário repleto dessas formas, reconhecemos imediatamente e, por essa identificação, atribuímos qualidade. Para nós contemporâneos, o original é a repetição, a criatividade é a citação. (OLIVEIRA, 2010).

Percebe-se que esta realidade contemporânea, onde as linhas entre o que era antes a arte erudita e a arte popular ficaram tão finas e ultrapassáveis que não mais se julga valor 17

sobre elas, convive-se numa “falência da estética e da arte, a falência do novo, o encarceramento no passado” (JAMESON, 1985; p. 19 e 20). Um passado de fato, mas não um passado que rememora e que se reconhece ali, mas um passado que se referencia de forma contínua para não ser esquecido. Só talvez tenhamos esquecido do que é que precisa ser lembrado. Todas as características aqui reunidas embora ajudem a compreender o indivíduo e a sociedade que sai da modernidade e entra na pós, alguns pontos tratados pelos autores acima citados devem ser considerados e apontados: (a) sujeitos concebidos como sendo indivíduos atomizados e racionais ou passivos e determinados pelas estruturas sociais; (b) necessidade de se assumir a existência de intenções deliberadas, assim como de crenças, valores e princípios compartilhados, a fim de explicar comportamentos e práticas sociais, o que impede a apreensão dessas práticas como disposições (habitus); dentre outros. Sendo assim, consideramos que além de ver o indivíduo contemporâneo como uma espécie de ‘sofredor’ passivo de influências midiáticas e de consumo, entendemos que talvez seja o caso de transpor as concepções benjaminianas para o contexto da pós modernidade, salvaguardando os seus pontos temporais, mas levando em conta que a contemporaneidade se firma sobre a expansão de características observadas no modernismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Além de entender a Moda como conceito em Walter Benjamin, esse artigo se propõe a apontar uma superlativação das características observadas pelo autor no período chamado Moderno, na Pós Modernidade. Ao fazer esse exercício nos propusemos tatear uma compreensão inicial de como uma está intimamente ligada a outra, mesmo que existam autores que veem na Pós Modernidade a quebra completa com a tradição verossímil da Modernidade. Consideramos que a Modernidade, com suas características Pós-Guerra, de quebra com a Erfahrung é uma potente demonstração daquilo que vivenciamos no meio contemporâneo, sendo que Aqui se revela, com toda a clareza, que nossa pobreza de experiências é apenas uma parte da grande pobreza que recebeu novamente um rosto, nítido e preciso como o do mendigo medieval. Pois qual o valor de todo o 18

nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais a vincula a nós? (BENJAMIN, 1994; p. 115).

Mas essa pobreza não deve ser compreendida como o fim das possibilidades, muito menos o fim de toda e qualquer subjetivação por parte do indivíduo. Como tratamos na primeira parte desse artigo, Benjamin realmente acreditava que nos estabeleceríamos em torno de uma nova forma de experiência, assim sendo, não podemos querer promover um anacronismos com as ideias do autor, mas podemos utiliza-las para explanar com potência o que se observa de comportamento na pós modernidade, acerca das mesmas questões, tais quais observamos: o uso da Moda para uma configuração de status, sua relação estreita com referências passadas, o feitiche da mercadoria e, até mesmo, a constante necessidade de atualização. A sociedade se estabelece como consumo e espetáculo e a Moda como facilitadora e organizadora, como lógica, ou mesmo como mapa para o indivíduo em transição. O grande objetivo deste trabalho, então, reside na necessidade de questionar certas noções enraizadas de críticas à sociedade contemporânea e o discurso de que elas seriam hegemônicas, lançando uma perspectiva de resgate das ideias de Benjamin como sendo cruciais para a compreensão desta mesma sociedade.

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Figura 01: La Mode – Grandville Fonte: Associazione Franco Fossatti. – Milano

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