A sociologia da música e os seus fundadores: para uma reapreciação diacrónica

June 29, 2017 | Autor: Gil Fesch | Categoria: Sociologia, Sociologia Da Música
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A sociolo§ia da música e os seus fundadores: para uma reapreciação diacrónicat

INTROITO: SOCIOLOGIA VERSUS PSTÉUCAI

0 destaque concedido à obra artística no quadro cais

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aqui tomados amplamente

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da análise dos fenómenos musitem sido objeto de debate perene, debate esse que

vicejou o edifício conceptual da disciplina, ao convidar a mirada sociológica a um enfoque empírico-analítico, e acelerou, isto posto, a sucessão paradigmática que nos é familiar. Se a linha de pensamento associada , grosso modo, a Adorno assumia a obra musical como fulcro da abordagem histórica e sociológica, seguiu-se-lhe o questionamento sistemático e plural da autonomia do objeto estético, na pugna por uma análise meticulosa do contexto social que the é inerente. Firme episteme da tradição musicológica, a dicotomia entre música e sociedade2, perdia, então, preponderância na discussão. As abordagens de pendor estruturalista viam-se agora na linha de fogo, acusadas de excessivo determinismo (patente na incapacidade de documentar concretamente tais mecanismos de dominação) e descredibilizadas pelo insistente menosprezo dos cambiantes na produção/reprodução do sentido e das complexas dinâmicas sociais em jogo no momento da comunicação artística (DeNora, 2003). O interesse sociológico passa a incidir não nas propriedades sonoras do material musical - na «decifração sociológica» da obra artística ensimesmada -, mas na (co)produção da subjetividade através da música, i.e. no «conjunto de práticas, repertório de sensibilidades, expressões corporais e emoções institucionalizadas» (1) Este trabalho contou com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia, através da botsà dê doutoramento com a referência SFRH/BD/9825812073. Está a ser realizado sob a orientação científica do Professor Doutor João Teixeira Lopes e da Professora Doutora Paula Guerra. (2) Por outras palavras, a ideia de que a música transporta (e reforça) necessariamente as contradições societais em que foi criada, cabendo ao sociólogo a interpretação/descodificação das mensa§ens (de carácter social) contidas no texto musical, denunciando formas veladas de dominação (Martin, 2006).

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(Guerra,2010:90) que constituem o habitus dos sujeitos. Examina-se, em idêntico sentido, a «interseção entre o plano biográfico dos artistas e o da realidade social mais vasta em que se situam» (Guerra,2070:94), abrindo caminho a um enaltecimento analítico das relações - heterogéneas, recíprocas - entre arte e públicos, mediadas, entre outros, pelas instituições, espaços, disposições, Eiestos, linguagens, materiais e objetos (Hennion, 2002), rumo a uma recomposição dinâmica e criativa dos impulsos musicais/sociais. Subjacentes a este processo estão conceções radicalmente diferentes do papel do sociólogo. Equipara-se, por um lado, a esfera de atuação da .,velha» sociologia da música ao campo científico da musicologia - aquilatada pelo seu potencial heurístico - reduzindo-a, por conseguinte, ao comentário hagiográfico e ao elogio da estética pura (Hennion, 2002), à militância teórica em prol de um mundo artístico prisioneiro dos seus próprios códigos, constituído em torno do seu venerado cânone de obras-primas e giénios musicais (Weber, 2003). Relaciona-se, por outro, o interesse (de perspetivas sociológicas recentes) no plano das práticas contextualizadas, na intersubjetividade e ação colaborativa, com um processo mais vasto de reabilitação analítica de formas culturais «menores», com vista ao resgate do ator social - agora ente reflexivo e atuante

por via de abordagens etnográficas e histórico-etnográficas (Acord e DeNora, 2008). A construção de visibilidades mutuamente exclusivas fazia-se, assim, na oposição canónica entre texto e contexto (Roy e Dowd,2010), da teoria para a empiria, num vaivém objeto-sujeito que ainda hoje informa e delimita a contenda sociológica. O anterior projeto de teoria estética - a meta-narrativa totalizante que solidificara as fundações da sociolo§ia da música enquanto área de conhecimento ipso jure - cedia definitivamente posto a abordagens grounded, realçando a ligação estreita entre a etnomusicologia e a sociologia da arte contemporânea (Becker, 1989). O ponto crítico sur§e precisamente neste extremar de posições. Se a visão panorâmica, acima esboçada, da evolução histórica da disciplina é de inegável utilidade analítica, ao bom estilo dialético, são talvez menos percetíveis os prejuízos inerentes ao rígido engavetamento que o debate teórico favoreceu. Teá a narrativa consensual cabal correspondência na produção científica dos diferentes momentos da sociologia da música? Ou estaremos, pelo contrário, perante uma artificial (e, por consequência, abusiva) simplificação daquelas que foram as primeiras sistematizações sociologicamente informadas dos fenómenos musicais? Aventa-se, por ora, a possibilidade de que parte das problemáticas sobre as quais versam abordagens sociológicas atuais estariam já em «incubação teórica»3 nos escritos dos fundadores da disciplina. Avança-se, por conseguinte, para o questionamento do debate, de forma esclarecida, crítica, contribuindo para uma reapreciação diacrónica do desenvolvimento teórico-metodoló-

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(3) Seguem-se, assim, as recomendações de Teixeira Lopes (2000) acerca da necessidade de replicar fielmente a conflitualidade interna presente na produção teórica dos autores clássicos da sociologia.

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gico da sociologia da música, cerzido a partir das suas raízes, e para a devolução, aos autores primeiros, do devido quinhão nesse processo.

WEBBR E A REDESCOBERTA DE SIMMEL Pilares essenciais da teoria sociológica alemã, Weber e Simmel assumem-se como pioneiros indiscutíveis na abordagem da música, enquanto tópico de interesse para a sociologia, cuja produção inspirou, de forma decisiva mas nem sempre reconhecida, importantes avanços metodológicos (García, 2000). Se o primeiro mereceu destaque transversal - tanto positivo, pela noção de ação social e pela promoção do ideal de «neutralidade sociológica" (Martin, 2006: 15), como negativo, na crítica do seu projeto de metateoria centrado em exclusivo no processo histórico de racionalização da música ocidental (Turley, 2007) -, o segundo só mais recentemente vê reconhecido o seu contributo para a «nova» sociologia da música (e para teoria da modernidade em geral). Enquanto atualizações da teoria marxista, unidas por uma conceção kantiana da evolução estética, as respetivas produções teóricas floresceram em intenso (ainda que tácito)a diálogo, desenvolvendo perspetivas sociológicas complementares - apesar das (ou precisamente pelas) diferenças metodológicas e de enfoque analítico. Há, em ambos, uma aposta firme no indivíduo, matizes à parte, frente às instituições sociais e ao pensamento teórico que o reduz a mero recetáculo de influências. A análise fragmentária de Simmel, ensaística, a espaços líricas, encontra o seu contraponto epistemológico na proposta sistemática de Weber; a conceção metafísica da individualidade, proposta por um, contrastando com a defesa, mobilizada pelo outro, do indivíduo enquanto parte integrante do processo de racionalizaçáo da sociedade ocidental (García, 2000). Em evidente oposição aos seus pares franceses - ainda que sem prejuízo de uma consciência clara face ao poder coercitivo da superestrutura encontramos, assim, a concessão de um papel relevante ao ator social por parte destes autores. Entrevê-se, neste primeiro embate dialético, no confronto entre meta-análise e forma aberta, entre a abordagem macro-histórica e a perspetiva psicossocial, o sustentáculo dos debates subsequentes. Sendo certo que ambos partilham de uma mesma herança teórica, é Simmel quem mais se distancia das teses marxistas, lançando as

(4) A este respeito, relembra-se a conceção literária inerente à produção teórica de Simmel, e a süa auto-conceção enquanto ensaísta, como forma de explicar a ausência de citações diretas (García, 2000). Weber, por sua vez, refere-se por diversas vezes ao seu contemporâneo, ainda que quase sempre sobre questões lógicas ou metodológicas, e não sobre matéria de conteúdo possivelmente consciente da posição delicada de Simmel, à época, na academia (García, 2000). (5) Convém, neste ponto, ressalvar que também Simmel conta com produção teórica de caráter sistemático, em especial A Filosofia do Dinheiro (1900/1907), obra essencial do seu catálogo. Reitera-se, no entanto, a primazia do ensaísmo e da forma aberta na sua bibliografia.

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bases de uma sociologia perspetivada a

partir do paradigma do consumo. Assumia, assim, um papel Sierminal na teoria sociológica da modernidade, ao adiantar-se de forma vincada em relação ao seu tempo, criando condições para uma abordagem embrionária dos fenómenos estéticos e da moda; entreabria-se a porta à reflexão sobre questões tão atuais como a estetização da vida ou a complexidade do mundo urbano, pavimentando o caminho teórico de Benjamin, mas também o de Adorno e da escola de Frankfurt em geral. Referência eminente da «a§enda estética, nas ciências sociais (Monthoux e Strati, 2002), Simmel propunha um diagnóstico heterodoxo, tão poroso quão fértil, incompleto mas abran§ente, concebido em complementar antonímia face à proposta weberiana. Ainda que a dialética kantiana informe a produção teórica de ambos, em espe-

cial no compromisso com a
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