A sociologia do poder aplicada ao mundo árabe por Brichs e Kemou

July 7, 2017 | Autor: Thiago Bittencourt | Categoria: Islamic Studies, Islam, Sociología, Arabic and Islamic Studies, Sociology of Power
Share Embed


Descrição do Produto

Thiago Machado Bittencourt1 A sociologia do poder aplicada ao mundo árabe por Brichs e Kemou2

A partir da aplicação, ao mundo árabe, da teoria da Sociologia do Poder, pode-se obter uma proveitosa estrutura analítica. Embora esse ramo do conhecimento tenha a pretensão de operar de forma universal, doravante os seus conceitos serão abordados, nesta dissertação, exclusivamente com relação ao mundo árabe. Nele, notam-se sociedades hierarquizadas, nas quais há uma dicotomia entre governantes e governados. Os primeiros correspondem às elites; os últimos, à população. Conforme elaborado por Ferran Izquierdo Brichs e Athina Kemou (2009), o interesse fundamental das elites reside na “acumulação diferencial de poder”. Enquanto isso, para a população, o fundamental (em termos ideais) é a satisfação de suas necessidades. Uma vez que o poder não equivale necessariamente à riqueza material, pouco importam, para as elites, os ganhos absolutos. A força de uma elite depende, primordialmente, da condição na qual estão as elites concorrentes. De todas as formas, as relações entre elites são pautadas por uma disputa cíclica por poder relativo – ou seja, estabelecem-se relações circulares. Esse não é, porém, o princípio norteador dos vínculos sociais. Na sociedade civil (“população”), percebe-se que as pessoas podem atuar de modo a exigir contínuas melhorias em suas vidas, com novas demandas surgindo à medida que as antigas são concretizadas: formam-se, no jargão, relações lineares. No final do século XX, por exemplo, vários povos árabes envolveram-se nas “revoltas do pão”, buscando pressionar as elites. Em diversas circunstâncias, contudo, o ato de se mobilizar não garante que a população seja, de fato, um “ator”. Além de seu papel como catalisador de mudanças, o povo é frequentemente tido como recurso de poder das elites. Nesse sentido, a ação coletiva não visa a uma causa própria, porém a algo que foi definido pelos grupos dominantes e que, frequentemente, é nocivo aos dominados. Para compreender a lógica que revolve essa questão, o conceito de “Estado rentista” é mister. Denominam-se 1

Thiago Bittencourt é graduando em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pesquisador entusiasta sobre Globalização, Desenvolvimento e Direitos Humanos. Pode ser contatado por meio do e-mail [email protected]. 2 Esta dissertação foi utilizada no estudo para a avaliação da disciplina Questões de Política Interna do Oriente Médio, ministrada pelo professor Márcio Scalercio em 2014.

“rentistas” os Estados que detêm recursos geradores de renda, e que a distribuem à sociedade. O capital adquirido na exploração desses recursos é aproveitado pelas elites primárias (as que podem efetivamente controlar o Estado). Por meio do exercício do clientelismo, elas obtêm o consentimento da população e o apoio das elites secundárias (as que ocupam papéis subalternos). Na contemporaneidade, o sistema de “Estados rentistas” está arraigado ao mundo árabe. O maior exemplo disso talvez seja o fato de que boa parte dos países árabes possui volumosas reservas de petróleo. Esse importante bem natural é somente um dos recursos utilizados pelas elites na busca pela manutenção (e ampliação) do poder que elas têm. Em regra, observa-se que as elas têm utilizado, também, muitos outros meios para se fortalecerem. A dissuasão dos opositores por meio da (suposta) onipresença das polícias secretas, o domínio ideológico, e o controle da informação são alguns deles. No entanto, segundo a análise de Brichs e Kemou, há um recurso de poder que se destaca. Ao longo da história dos povos árabes, a mobilização popular ocorria, predominantemente, como resposta às ambições dominadoras de potências externas. Por meio da ação social com fim “libertador”, alguns grupos conseguiram instituir-se no comando do Estado, formando regimes duradouros. A partir de então, a movimentação popular sofreu uma transformação: o intuito passou a ser a contestação ao governo. O mundo árabe, entretanto, é caracterizado por populações frágeis, as quais apenas operam como “ator” esporadicamente, como nos momentos de crise econômica. Além disso, essa atuação social é facilmente desmembrada pelo clientelismo e pela repressão estatal. Nesse contexto, o próprio Estado emerge como estrutura-mor de obtenção e manutenção do poder. Em geral, os países árabes constituíram-se de formas praticamente autocráticas. Neles, as prerrogativas do Estado – assim como as capacidades daqueles que o controlam – são imensas. Seguindo o pensamento de Hannah Arendt de que o poder advém da coletividade, pode-se chegar à conclusão de que o Estado possibilita a institucionalização de práticas e interesses das elites. Ademais, o arcabouço estatal também desponta como meio legítimo para o incremento do poderio “bruto” delas (por exemplo, pelo domínio dos setores bélicos e econômicos). De certo modo, no mundo árabe, a conquista do Estado por parte de uma elite sobressai ao ganho de qualquer outro recurso de poder.

Pode-se perceber, portanto, que a “teoria das elites” se adequa perfeitamente ao estudo dos países árabes. Até hoje, eles são (em via de regra) comandados por grupos específicos de destaque, cujo objetivo principal é a “acumulação diferencial de poder”. Considerando a relutância das elites de fomentar o verdadeiro desenvolvimento nacional neles (em detrimento do próprio poder que essas elites ostentam), esse paradigma parece não ter fim no futuro próximo. Isso explica o fato de, diante de Estados “deslegitimados”, as populações árabes tentarem recuperar os valores tradicionais do islamismo e da participação democrática, em mais um esforço visando ao progresso.

Referência BRICHS, Ferran Izquierdo (Org). Poder y regímenes en El mundo árabe contemporáneo. Barcelona: Fundación CIDOB, 2009.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.