A SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS PELA NOÇÃO DE POLITECNIA

June 3, 2017 | Autor: Ricardo Golovaty | Categoria: Ensino De Sociologia
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A SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS PELA NOÇÃO DE POLITECNIA Ricardo Vidal Golovaty IFG/Goiânia/[email protected]

Resumo O artigo é fruto de comunicação no 10° Seminário Nacional de Sociologia no Ensino Médio, realizado na Universidade Federal de Goiás em novembro de 2014. A reflexão procura fazer um balanço da situação da Sociologia no IFG campus Goiânia (e na instituição como um todo) pela ótica da politecnia, priorizando o cenário da modalidade Técnico Integrado ao Ensino Médio. Entendemos que a identidade dos Institutos Federais passa pela referida noção, porém, num ambiente de conflitos e desconhecimentos. Entretanto, a politecnia pode iluminar o caminho da Sociologia como prática política e pedagógica, encaminhando a disciplina ao lado das demais ciências nos diferentes cursos e modalidades realizados no IFG. Palavras-chave: Ensino de Sociologia; Politecnia; Currículo Integrado; Educação Profissional Abstract The article is a communication developed in the 10° National Seminar of Sociology in The High School, held at the Federal University of Goiás in November 2014. The reflection looking to take stock of the situation in Sociology IFG campus Goiânia (and the institution as a whole) by the perspective of polytechnic, prioritizing the setting mode to the Integrated Technical High School. We understand that the identity of the Federal Institutes goes by that notion, however, against a backdrop of conflict and unknowns. However, the polytechnic can illuminate the path of sociology as political and pedagogical practice, directing the discipline alongside the other sciences in the different courses and arrangements presentes in IFG. Keywords: Sociology Education; Polytechnic; Integrated Curriculum; Professional Education O artigo é fruto de comunicação no X Seminário Nacional de Sociologia no Ensino Médio, realizado na Universidade Federal de Goiás em novembro de 2014. A reflexão procura fazer um balanço crítico da situação da Sociologia no IFG campus Goiânia (e na instituição como um todo) pela ótica da politecnia, priorizando o cenário da modalidade Técnico Integrado ao Ensino Médio. Entendemos que a identidade dos Institutos Federais passa pela referida noção, porém, num ambiente de conflitos e desconhecimentos. Entretanto, a politecnia pode iluminar o caminho da Sociologia como prática política e pedagógica, encaminhando a disciplina ao lado das demais ciências nos diferentes cursos e modalidades realizados no IFG. Num primeiro momento, apresentamos o que entendemos por politecnia, questionando sua presença implícita no modo como a Sociologia se desenvolve atualmente na instituição, analisando as ementas e a seriação

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para os três anos dos cursos da modalidade Técnico Integrado ao Ensino Médio. Depois, passamos às condições estruturais, indo do problema da carga-horária, jornada de trabalho e irracionalidade na distribuição das aulas, para, ao final, abordarmos as condições políticas e pedagógicas à possível concretização da politecnia, questionando a recepção da noção pelo corpo docente, bem como o seu valor para o enfrentamento das ideologias da educação profissional. CENÁRIO DO IFG NA EXPANSÃO DA REDE DE EPT E DEFINIÇÃO DE POLITECNIA Criados em 2008, os Institutos Federais compõem uma grande rede (EPT, Educação Profissional e Tecnológica) de escolas técnicas profissionalizantes em franca e precária expansão. Ensino, pesquisa e extensão se desenvolvem de forma verticalizada, oferecendo as seguintes modalidades: Técnico Integrado ao Ensino Médio, Técnico Subsequente ao Ensino Médio, Proeja (Técnico Integrado ao Ensino Médio para Jovens e Adultos) e Superior (Bacharelados, Licenciaturas e Tecnológicos). Nesse cenário de novidade e recriação institucional, uma confusa e diluída noção de politecnia aparece sub-repticiamente em documentos e materiais oficiais, como comentários sobre os objetivos e atribuições dos Institutos Federais. Porém, reproduzindo uma questão comum em documentos ligados à Educação, construídos pelo Estado, carregam ambiguidades e contradições, tal como no texto/documento de PACHECO (2011). Os mesmos textos que ora celebram a escola técnica que não se limita à formação do trabalhador produtivo, ou seja, que está interessada na omnilateralidade do sujeito, apresentam preocupações e objetivos de diálogos com “ arranjos produtivos” econômicos, sociais e culturais das cidades e regiões onde os campi estão instalados, em linguagem que não consegue camuflar, ao leitor atento, a supremacia do mercado como orientador do papel da instituição, fornecedora de trabalhadores produtivos e adequados às exigências científicas e políticas hegemônicas da atual divisão social do trabalho. Além desta dimensão contraditória nos documentos que fundam os Institutos Federais, temos outra, mais importante, quanto às relações concretas destes com o cotidiano da instituição. Perguntamos: tais debates e propostas dirigidos pelo Governo Federal se fazem presentes no cotidiano da escola? Quais as distintas formas pelas quais são entendidos e realizados em disputas políticas internas? Como resposta a tais interrogações, lastreada em nossa experiência na instituição, entendemos que o IFG, enquanto escola técnica que possui campi ligados à época da Escola Técnica e Centro Federal (Goiânia, Jataí), bem como uma significativa expansão ocorrida a partir de sucessivas etapas (Uruaçu, Inhumas, Itumbiara, Anápolis, Formosa, Luziânia, Aparecida de Goiânia, Cidade de Goiás, Águas Lindas de Goiás, Goiânia Oeste, Senador Canedo, Valparaíso de Goiás e Novo Gama), atualmente está refém de um discurso estratégico, oriundo da Reitoria, de busca de identidade institucional, política e pedagógica, que se dá como ideologia para a administração dos conflitos concretizados cotidianamente pelos distintos agentes que instituem a instituição, ou seja, seus gestores, docentes, técnico-administrativos e discentes. Há acirrada disputa entre grupos que defendem a concepção de escola que deve se subordinar e orientar exclusivamente pelo mercado de trabalho, e grupos que procuram defender e construir uma escola vinculada à prática da cidadania e da ampla formação do sujeito, em linha mais próxima às propostas da politecnia. Importante salientar que tais conflitos também se dão nas costuras de alianças eleitorais para a Reitoria (com as devidas distribuições de cargos e funções nas PróRevista CTS IFG Luziânia – Volume 1, número 1, 2015.

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Reitorias), para as Direções dos campi da expansão (as nomeações de diretores, chefes de departamento e gerentes de pesquisa), chegando às eleições de representação de segmentos nos dois Conselhos do IFG (Conselho Superior e Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão). Isso significa que o embate entre mercado e politecnia vai do próprio cerne da instituição a todas as suas esferas administrativas e consultivas, chegando ao cotidiano das salas de aula. Como complemento, não podemos deixar de lembrar que há, ainda, um terceiro grupo de servidores, talvez numericamente maior, porém, politicamente desalinhado, que não conhece tal cenário, nem se interessa pela discussão, seja porque naturaliza a visão hegemônica de escola ligada ao capital e divisão do trabalho, seja porque não consegue ir além da dimensão de suas próprias especializações científicas, salas de aula e respectivos departamentos no cotidiano de trabalho. Descrito e diagnosticado nosso cenário institucional, podemos definir o que entendemos por politecnia, porém, não conseguiremos, devido a espaço e respeito ao objetivo central desta reflexão, realizarmos um balanço da extensa bibliografia sobre a noção, caminhando da tradição marxiana e anarquista do século XIX ao encontro de Antonio Gramsci, chegando em suas apropriações e tendências no Brasil por Dermeval Saviani, Gaudêncio Frigotto, Paolo Nosella, Paulo Sergio Tumolo, Maria Ciavatta, Lucília de Souza Machado, José Luis Sanfelice, entre outros. Neste sentido, preferimos uma definição de próprio punho e risco, com a justificativa de que a politecnia pode iluminar o caminho da Sociologia como prática política e pedagógica, encaminhando a disciplina ao lado das demais ciências nos diferentes cursos e modalidades realizados no IFG, bem como orientando grupos de docentes interessados na formação omnilateral nas disputas institucionais acima descritas. A noção de politecnia constitui o embate com a especialização predominante nas universidades e institutos. A politecnia é tentativa de superação da contradição da especialização, sobretudo na educação profissional. Quando foi criada no pensamento socialista, no século XIX, politecnia significava tentativa de construir escolas e currículos que rompessem com a dualidade entre trabalho predominantemente físico e trabalho predominantemente intelectual, entre execução e planejamento, entre dominados e dominadores. A politecnia reconhece o caráter contraditório da ciência, da tecnologia e da especialização, isto é, tanto libertação quanto opressão, dominação. Na educação profissional significa formar um sujeito que vá além de sua especialização, que consiga relacioná-la a processos mais amplos, entendendo a dimensão social de sua profissão e os conflitos sociais que ela envolve, bem como os interesses políticos que a atravessam. Ao explorar as contradições da ciência e da tecnologia, a politecnia reflete sobre os seus distintos usos, criticando as estratégias de dominação do Estado e do capital, como, por exemplo, as tecnologias da informação, usadas como mecanismos de rastreamento, mapeamento e erradicação dos conflitos sociais, e como propagação e crescimento da alienação político-cultural em forma de narcótico legalizado pela indústria cultural (sem deixar de reconhecer as possiblidades e formas de livre comunicação e organização de mobilizações e movimentos sociais). A politecnia também chama atenção para a prática do conhecimento, para a necessidade do estudante concretamente vivenciar os processos que será chamado a desempenhar no mercado, justamente para, ainda na escola, ter base e debates para contrapor-se a eles e superá-los, tanto no plano mais restrito da prática de pesquisa daí a importân cia de projetos como os de Iniciação Científica no Ensino Mé dio quanto ao plano mais amplo das relações sociais que atravessam a Revista CTS IFG Luziânia – Volume 1, número 1, 2015.

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especialização científico-profissional. Romper a especialização como alienação busca a integração entre as disciplinas que compõem o currículo escolar, tentando quebrar a fragmentação e deslocamento dos alunos no grande número de disciplinas que estudam ao mesmo tempo. Não significa interdisciplinaridade minimalista, daquelas em que se elege um tema gerador, como meio ambiente ou saúde pública, e cada disciplina dá seu direcionamento sem nenhum tipo de articulação, mantendo uma reprodução fragmentária e disciplinar entre as áreas do conhecimento e a prática docente. A politecnia necessariamente passa pela interdisciplinaridade, mas não se esgota nela, envolve integração dos docentes, problematização da totalidade social e da ciência e, sobretudo, intervenção e um conhecimento voltado para a ampliação de horizontes intelectuais e políticos. Por isso necessita de muito debate e disposição. Precisa quebrar a vaidade científica, o conforto das especializações, criando grandes diálogos, zonas mediadoras entre métodos de pesquisa em comum, perscrutando os fundamentos de cada ciência ao compará-los, confrontá-los, colocá-los na totalidade social, depois, envolvê-los novamente, já no interior das especializações. O centro do debate deve ser a sociedade capitalista, suas relações sociais predominantes, os desafios e possibilidades de sua superação. PROBLEMATIZAÇÃO DAS EMENTAS DE SOCIOLOGIA DOS CURSOS TÉCNICOS INTEGRADOS AO ENSINO MÉDIO Um ponto positivo do trabalho com a Sociologia no IFG consiste em poder criar, imprimir e distribuir materiais didáticos aos discentes, o que significa não ter de usar obrigatoriamente o livro didático. Em 2012, pela primeira vez, chegaram livros didáticos aos alunos (BOMENY; FREIRE-MEDEIROS, 2010), porém, número significativo de docentes optou pela continuidade da criação dos próprios materiais, utilizando a obra ocasionalmente, ou a utilizando, mas a complementando com outros materiais. Outro ponto positivo é a carga horária da disciplina ao longo do ano letivo. A Sociologia se faz presente nos três anos do Ensino Médio, com duas aulas – o que permite semanais de quarenta e cinco minutos, ou seja, uma hora e meia por semana trabalhar com mais tempo e exigência aos discentes. O modelo curricular dos cursos técnico integrados ao Ensino Médio do IFG que incorporou a Sociologia nos três anos começou em 2010. Antes a disciplina era ministrada apenas no último ano, no caso, o quarto. A ementa que vigorou até o ano letivo de 2012 acabou gerando problemas, pois o que fora pensado para um ano letivo distribuía-se agora ao longo de três. Quanto aos conteúdos que a antiga ementa solicitava, percebemos uma significativa proximidade com a tradição da politecnia, dada a centralidade da categoria trabalho e de estudos sobre o modo capitalista de produção e suas transformações: O curso de sociologia no Ensino Médio Integrado ao ensino técnico tem por objetivo oferecer ao educando alguns dos conceitos básicos desta ciência, bem como, oferecer elementos para a reflexão sobre as transformações ocorridas, a partir do século XIX, no campo das ideias e das relações sociais marcadamente influenciadas pela consolidação do modelo capitalista industrial. A presença da disciplina nos cursos de caráter profissionalizantes leva-nos a repensar, mais criticamente, as transformações tecnológicas impulsionadas por esse novo modelo de produção e seus impactos no mundo do trabalho. Introdução ao pensamento sociológico. Trabalho e Sociedade. Trabalho em debate. Os movimentos sociais. (BRASIL, 2010, p.23-24)

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Os objetivos da ementa corroboram as observações acima: 1) Apresentar ao educando os conceitos básicos da teoria sociológica de modo que ele possa compreender melhor os processos sociais que o cercam; 2) Permitir que o aluno do Ensino Médio/Técnico assimile e incorpore em suas análises os conceitos da disciplina; 3) Proporcionar leituras variadas que permitam ao aluno compreender os processos históricos que condicionaram a formação da sociedade capitalista e da sociedade brasileira; 4) Associar as transformações que deram origem a sociedade capitalista, ao surgimento da sociologia e de uma nova mentalidade; 5) Introduzir o educando nas discussões do mundo do trabalho de modo a perceber as formas que assume ao longo da história e os valores a ele atribuídos; 6) Permitir a compreensão do processo de reorganização produtiva ocorridas nos últimos cinquenta anos, bem como, as consequências dessas mudanças na forma de organização dos trabalhos e da produção; 7) Discutir as diversas formas de organização dos atores sociais (trabalhadores, mulheres, ecologistas, negros, índios, entre outros), sua natureza e capacidade de transformação das relações sociais. (BRASIL, 2010, p.23-24)

Essa ementa e objetivos vigoraram até 2012, e eram iguais para todos os três anos da disciplina ao longo do ensino médio. Tal fato desencadeava grande liberdade docente para organizar os temas a serem abordados, tal como a responsabilidade de articular um trabalho que conseguisse desdobrar com qualidade a abrangência solicitada. Em 2011, a Pró-Reitoria de Ensino iniciou um trabalho de debates entre os docentes de todas as disciplinas, de todos os campi do IFG ligados aos cursos Técnico Integrados, para reformulação das ementas e objetivos. Quanto à Sociologia, foi uma oportunidade para especificarmos cada ano letivo, ou seja, realizarmos a seriação. As transformações realizadas, de um lado, ampliaram a liberdade do planejamento docente, mas, por outro lado, diluíram a politecnia nas seriações, deslocando a centralidade da categoria trabalho e os estudos centrados no capitalismo e suas transformações. Com as mudanças operadas, criou-se uma ementa única para os três anos letivos: A disciplina Sociologia, ministrada no decorrer dos três anos letivos do ensino médio integrado, tem o intuito de desenvolver nas alunas e nos alunos uma ótica abrangente do – sem desrespeitá-las –, e social, de maneira a romper as barreiras disciplinares compartilhar os rudimentos do que se poderia denominar pensamento sociológico. Com isso, procurar-se-á reconstituir, de maneira temática, ao mesmo tempo em que se recorre aos principais autores dessa tradição de pensamento, o surgimento, a formação e o desenvolvimento da Sociologia, situando-a num contexto histórico e científico, visando posteriormente abarcar variados temas distribuídos ao longo de três anos. O objetivo geral é o de romper as perspectivas de senso comum e preparar as e os discentes no que diz respeito ao tratamento rigoroso dos mais variados problemas sociológicos que constituem a realidade circundante, e com os quais se defrontarão dentro e fora da escola, exigindo-lhes um posicionamento autônomo face às questões cotidianas. (BRASIL, 2012, s/n°p.)

A ementa procurou respeitar as propostas oriundas das Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2008), incorporando os objetivos de realizar nos discentes o estranhamento do senso comum e desnaturalização dos próprios valores, com a noção de autonomia frente ao cotidiano fundamentando sua proposta política. Tais propostas se desdobraram, por conseguinte, nas seriações:

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1º ANO: A Sociologia como ciência e sua origem; Indivíduo e sociedade; Instituições sociais; Correntes clássicas do pensamento sociológico; Modernidade e capitalismo. 2º ANO: Cultura, etnocentrismo, relativismo cultural e diversidade: relações étnicoraciais, gênero, geração, sexualidade; Educação e sociedade; Desigualdades sociais; Trabalho e organização produtiva; Globalização e Mundialização do capital; Indústria cultural e consumo. 3º ANO: Estado, ideologia e regimes políticos; Sistemas de governo; Movimentos sociais, cidadania e participação política; (BRASIL, 2012, s/n°p.)

A sistematização tornou a Sociologia nos cursos técnico integrados do IFG próxima a um curso de Ciências Sociais, com centralidade da Sociologia ao longo dos anos, mas com abertura à Antropologia no segundo e à Ciência Política no terceiro. Durante os debates para as mudanças foi consensual entre os docentes que a Sociologia não precisava limitar-se a si mesma, ou seja, que poderíamos pensar pelas Ciências Sociais ao longo dos três anos. Dada a experiência de três anos letivos de trabalho com tais ementas, em nosso caso, com todas as três séries, registramos três problematizações. A primeira diz respeito ao debate que o corpo docente realizou. Predominantemente em ambiente virtual (grupo de e-mails) do que presencialmente. Quando presencial, foi mediante representantes, em apenas duas oportunidades, portanto, não houve tempo para maturação das ementas e seriações, ocorrendo apenas formas consensuais, diplomáticas, deixando de lado os naturais e necessários conflitos, que poderiam avançar os debates e fortalecer a disciplina. Neste sentido, a noção de politecnia passou ao largo dos debates e está implícita nas ementas. O fato das seriações apresentarem a Sociologia clássica no primeiro ano, a Antropologia no segundo e a Ciência Política no terceiro é um sintoma de que tais elaborações tomaram os caminhos “naturais” das Ciências Sociais acadêmicas, ou seja, não foram reflexões próprias ao Ensino Médio. A segunda problematização se dá sobre o interesse da Pró-Reitoria de Ensino na reelaboração das ementas. Ele se deu sobretudo para sanar ocasionais problemas administrativos de remoção de alunos entre os campi e cursos, criando uma padronização na instituição. Deste modo, os trabalhos não foram realizados para fortalecer a integração das disciplinas rumo à interdisciplinaridade e/ou à politecnia. Nossa terceira e principal problematização pensa a politecnia enquanto integração curricular e formação omnilateral. Nas ementas entendemos que ela ficou severamente prejudicada, dado que as disciplinas dialogaram apenas entre si na construção das seriações, desconhecendo o que docentes de áreas afins e áreas mais distantes estavam realizando. Como a Sociologia não construiu sua seriação integrada com História, Filosofia, Geografia, Educação Física e Artes, apenas coincidências circunstanciais podem amarrar estas áreas numa tentativa de prática inspirada na politecnia. Imaginamos, então, go “mais difícil”, como como estamos distantes dessa proposta diante de áreas com diálo Matemática, Química, Física, bem como com as áreas técnicas, no caso do campus Goiânia, Controle Ambiental, Edificações, Eletrônica, Eletrotécnica, Instrumento Musical, Mineração, Telecomunicações, Informática para Internet e Trânsito, sendo que os dois últimos estão em processo de fechamento. CONDIÇOES ESTRUTURAIS: ALTA CARGA HORÁRIA E IRRACIONALIDADE NA DISTRIBUIÇÃO DAS AULAS

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No tópico anterior abordamos a noção de politecnia, o cenário institucional que vivenciamos bem como problematizamos a diluição da noção nos debates que implementaram as novas ementas dos cursos técnico integrados ao Ensino Médio. Agora, abordaremos algumas condições estruturais de trabalho, como cargas horárias e distribuições de aulas. Quanto à carga-horária, o cotidiano de trabalho no IFG campus Goiânia, bem como em outros campi, possui o mínimo de 12 horas-aula e o máximo de 20 horas-aula. Quando comparado com condições encontradas em outras instituições, como escolas da rede estadual e universidades privadas, nosso quadro soa privilegiado, porém, não o entendemos como adequado pelos seguintes motivos: o mínimo de 12 horas aula pode corresponder a seis turmas de ensino médio, três planos de ensino distintos numa jornada distribuída irregularmente pelos dias da semana, o que leva o docente a se deslocar ao campus para aulas fragmentadas, perdendo tempo de estudos, pesquisas, orientações e preparo de aulas. Quando entendemos que a politecnia propõe diálogo com as áreas técnico-profissionais dos cursos, num diálogo crítico com a sociedade e as relações de produção, vemos que o docente deve pesquisar como os abordará. Neste sentido, caso tenha seis turmas em seis especializações distintas ficará seriamente comprometida sua capacidade de articulação e pesquisas. Sobre a distribuição das aulas, ou seja, das turmas e planos de ensino, no campus Goiânia reina o caos. Ele é composto por quatro departamentos, no qual cada um é ramificado por coordenações ligadas aos seus diferentes cursos e/ou áreas acadêmicas. Como a Sociologia faz parte do Núcleo Comum de disciplinas, as coordenações a distribuem da maneira como bem entendem. O que significa que no momento dos docentes de Sociologia escolherem as aulas que ministrarão, precisam se organizar mais pelos dias da semana que podem ir ao campus do que por especializações e afinidades com os cursos. Há pouca margem para que um docente consiga acumular vários anos em turmas do mesmo curso, o que ajudaria a especificar a Sociologia para aquela demanda. Pelo contrário, acontece um rodízio anual, sobretudo porque sempre há colegas que fazem pós-graduação e precisam de determinados dias da semana para assistirem aulas ou realizarem suas investigações em arquivos e campos. Outro fato a ressaltar é a falta de respeito com a Socio logia. Entendida como disciplina “a mais” ou “de menor importância” por alguns coordenadores de curso, as aulas são alocadas, majoritariamente, nos horários em que os docentes das áreas específicas rejeitam, ou seja, segundas e sextas, em primeiros e últimos horários. O campus Goiânia está distante de um cenário de distribuição racional de suas aulas e não há sinalização da atual Direção ou Pró-Reitoria de Ensino para a superação desta situação, com ações pautadas em critérios pedagógicos. IMPORTÂNCIA DA POLITECNIA NO ENFRENTAMENTO DAS IDEOLOGIAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Como descrevemos no primeiro tópico, existem significativas disputas sobre qual perfil se deseja para a instituição: embates entre a visão tecnicista e mercadológica e a concepção humanista e autonomista da tradição politécnica. Neste sentido, há grande responsabilidade social, política e pedagógica do corpo docente de Sociologia diante de um corpo discente que, em hipótese, tornase “presa” deslumbrada ou amedrontada de docentes tecnicistas, sobretudo das áreas das Ciências da Natureza, Matemática e áreas técnicas. Considerando a ideologia do mercado de trabalho Revista CTS IFG Luziânia – Volume 1, número 1, 2015.

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praticada por parte do corpo docente, bem como pelos discentes, aliada a racionalidade instrumental do cotidiano burocratizado do campus, temos um cenário onde (...) o aparelho de dominação administrativa e política estende-se a todas as esferas da vida social. Essa extensão da dominação é realizada através das técnicas organizacionais, cada vez mais eficientes e previsíveis, desenvolvidas por instituições como a fábrica, o exército, a burocracia, as escolas e a indústria da cultura. A eficiência e previsibilidade dessas novas técnicas organizacionais são possibilitadas pela aplicação da ciência e da tecnologia, não apenas à dominação da natureza externa, mas também ao controle das relações interpessoais e à manipulação de natureza interna. (BENHABIB, 1996, p.78-79)

Nos Institutos Federais há fetiche da técnica e da tecnologia, um elogio do prático em detrimento do teórico, do útil ao abstrato, do aplicável imediato ao projeto de longo prazo, do pragmático em detrimento do utópico. As recentes práticas de expansão precária da EPT, bem como as ações do Governo Federal e MEC, com cursos profissionalizantes de curta duração, via Pronatec, tornam-se exemplos e sintomas desta racionalidade instrumental. No campus Goiânia há sintomáticas manifestações de desprezo sobre a “inutilidade”, “perda de tempo” ou “uso incorreto de carga horária em grade curricular” das disciplinas Sociologia e Filosofia. Há grupos que desejam a redução de suas presenças nos cursos, ora sugerindo que sejam fundidas (ministradas semestralmente, em revezamento) ou revistas e reduzidas ao longo dos três anos dos Cursos Técnico Integrados. Tais embates se fizeram presentes nos debates da última eleição à Reitoria em 2013, quando a candidata derrotada posicionou-se a favor da revisão dos currículos, bem como o atual diretor eleito do campus colocou-se explicitamente a favor da diminuição dessas disciplinas. É forçoso reconhecer que tais inquietações são praticadas por docentes e também por discentes, na maioria das vezes argumentando que Socio logia e Filosofia “diminuíram cargas horárias de disciplinas mais importantes como Física e Matemática”, ou que “retiram horas das disciplinas técnicas, importantes para o mercado”. O principal desafio dos Institutos Federais consiste na estruturação do corpo docente em afinidade com sua missão institucional: seja pela consciência das disputas permeadas na instituição, seja pela adesão ao projeto além da sala de aula, ou seja, quanto à pesquisa e extensão. É forçoso entender que a formação universitária dos docentes, mesmo no que tange à licenciatura, os "moldou" como especialistas que só sabem falar de suas áreas, onde, em hipótese, vários não conseguem sair do que pesquisaram na pós-graduação. Temos o direito de cobrar do docente a capacidade de superar essa "tradição" e, ao menos, ter consciência dos problemas que ela gera, problemas que vão dos preconceitos entre as áreas ao ego insuflado, da alienação à intolerância e conflitos desnecessários na instituição, quando do elogio do mercado (por causa da incapacidade de articular uma visão da totalidade social, da parte propriamente política e econômica de qualquer ciência) ao elogio da racionalidade instrumental na educação (da formação de um sujeito que sabe fazer, não sabe pensar, e é incapaz de articular as várias esferas e problemas que vive no seu cotidiano). Nos Institutos Federais isso é muito grave. De um lado, porque foram criados para a integração das áreas científicas. O nome "técnico integrado" não significa, apenas, integração entre ensino médio "comum" e "profissionalizante", mas integração científica - em nome do mercado, mas, ao lado disso, há possibilidade, no interior dos IFs, se tivéssemos tempo, estrutura, vontade coletiva, de superação ou ao menos alternativa ao mercado. É possível integrar as ciências em

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nome do mercado, mas também é possível integrá-las em nome da tradição marxista, chamada de politecnia, tentando romper as amarras disciplinares e as oposições entre trabalho intelectual e manual, planejamento/criação e execução/prática. Este cenário político e pedagógico convida o docente de Sociologia do IFG, e provavelmente de toda a rede de Institutos Federais, a ter consciência das disputas perpetradas no cotidiano escolar, ou seja, a exercer o seu papel de representante do projeto (e tradição) da educação pela politecnia, da formação para o trabalho numa visão científica e política, para que o discente tenha consciência de sua profissão e participação nas relações de produção de forma ampla, para além da mera especialização. Neste sentido, ressaltamos duas posições de remetem à tradição da politecnia. Posições que já existem no cotidiano do IFG, porém, entendemos, poderiam ser radicalizadas, ou seja, tornadas projetos mais claros, indo além dos trabalhos específicos de cada docente no interior de sua sala de aula. Primeira posição: olhar além da mera adequação do aluno ao mercado de trabalho. Isso significa uma formação para a vida como um todo, sobretudo no sentido político e cultural. Não se preocupando somente com a qualidade do profissional, técnico, tecnólogo, licenciado ou bacharel que "vai ao mercado. Ao mesmo tempo, obviamente objetiva tal qualidade, ou seja, um sujeito que saiba fazer o que precisa fazer, mas como um sujeito que quer ir além disso, não porque foi doutrinado para tal, mas porque reconheceu, durante sua passagem pela escola, a necessidade de buscar espaços de participação e transformações sociais radicais. Espera-se ajudar a construir um sujeito que não se atomize no trabalho, que não pense apenas em se adequar e lutar pela ascensão na carreira, na empresa, individualmente, pragmaticamente. Um sujeito que não se atomize na sociedade com cotidiano de família, religião, consumo, financiamentos, aposentadoria. Segunda posição: não fazer fetiche da especialização científica ou profissional. Isso é muito importante, sobretudo para alunos dos Cursos Técnico Integrados. Entende-se que um jovem recém saído do ensino fundamental, diante das opções de cursos do IFG não possui maturidade ou conhecimento necessário para realizar a escolha de sua especialização científico-profissional. Isso significa que a escola não deve cobrá-lo para que seja aluno totalmente envolvido com o projeto de ser técnico (e trabalhador) em edificações, controle ambiental, instrumento musical, eletrotécnica, informática para internet, mineração, química, mecânica etc. Mais importante do que formar um técnico é formar pessoa autônoma e consciente de suas decisões. Outro ponto que diferencia especialização científica e profissional na concepção do projeto de liberdade do projeto de adequação ao mercado é quanto à natureza da especialização. Enquanto o projeto da adequação ao mercado pensa a especialização tão somente como algo que insere o aluno na ciência e na economia, aprofundando um dado conhecimento, o projeto libertário pressupõe que toda especialização é alienação, no sentido de algo que falta ou é retirado, algo que não permite descortinar a totalidade em que se vive, que não permite criar relações entre ciência e política, pesquisa e conflitos sociais. Não significa recusar a especialização, mas tomá-la como espécie de "mal necessário", reconhecendo que a ciência avança com pesquisas em áreas e problemas delimitados e definidos, mas é perigosa, então, deve-se lutar contra esse caráter contraditório, deve-se tê-lo como pressuposto para tentar superá-lo.

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No interior dessas duas posições, as oportunidades de Iniciação Científica no Ensino Médio, com bolsas do CNPq (PIBIC-Jr) tornam-se estratégicas, seja para a valorização e crescimento intelectual dos discentes que se aproximam da Sociologia, seja para sua expansão e legitimação no interior do IFG, na concorrência por espaços e visibilidade. Precisamos, ainda, evitar o fechamento da disciplina, sabendo dosar o ensino propriamente acadêmico, teórico e metodológico, com o temático e existencial. Temas como educação, escolarização, violência, sexualidade, indústria cultural, poder, Estado, eleições, desigualdade, reestruturação produtiva, podem se tornar eixos orientadores da Sociologia do IFG ao longo dos três anos do Ensino Médio, seja em sentido pedagógico, seja em sentido político. Com o tratamento sociológico e politécnico das próprias experiências presentes e futuras dos discentes poderemos enfrentar, com a radicalidade e utopia necessárias, o coro instrumental: “para que serve a Sociologia?” REFERÊNCIAS BENHABIB, Seyla. A crítica da razão instrumental, In: ZIZEK, S. (org). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p.71-96. BOMENY, Helena; FREIRE-MEDEIROS, Bianca. Tempos Modernos, Tempos de Sociologia. São Paulo: Editora do Brasil, 2010. – Ciências Humanas e suas BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio tecnologias. Capítulo 4: Conhecimentos de Sociologia, 2008, p.105-133. BRASIL. Ministério da Educação, Setec, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, Departamento de Ensino, campus Luziânia. Curso Técnico Integrado em Informática para Internet, 2010. BRASIL. Ministério da Educação, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, Pró-Reitoria de Ensino. Ementas de Sociologia para os Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio, 2012 (mimeo). PACHECO, Eliezer (org). Os Institutos Federais: uma revolução na educação profissional e tecnológica. São Paulo: Editora Moderna, 2011.

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