A sogra como fonte do Direito

July 19, 2017 | Autor: P. Ferrareze Filho | Categoria: Teoria do Direito, Filosofia do Direito, Psicanalise e Direito, Luis Alberto Warat
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A SOGRA COMO FONTE DO DIREITO Paulo Ferrareze Filho As peculiares ligações da sogra com o direito podem ser pensadas a partir de Freud que, em Totem e Tabu1, reconstruiu a antropologia do nosso tesão-primordialpela-própria-mãe, analisando a constituição dos interditos sexuais nas sociedades primitivas. No poder místico das velhas sogras tribais, Freud percebeu um dos fundamentos culturais e históricos do Complexo de Édipo, conceito repetido na clássica historieta da mitologia grega em que Édipo, após matar o pai sem saber, casase com a mãe, desgraçando o reino. Para se ter uma ideia da chatice antropológica das sogras, Freud lembra que “em Vanua Lava (Port Patterson) um homem não seguirá a sogra na praia até que a maré tenha subido e desfeito suas pegadas na areia. Mas eles podem falar um com o outro de certa distância. De maneira nenhuma ele pronuncia o nome da sogra ou ela pronuncia o nome dele.” Além desse, outros exemplos primitivos recuperados por Freud mostram o quanto pioramos de lá pra cá no quesito sogra: “Nas Ilhas Salomão, o homem não pode ver nem falar com a sogra depois do casamento. Ao encontrá-la, faz como se não a conhecesse, afasta-se o mais rápido possível e se esconde.” Depois de ler esse excerto, fui para o Google Maps descobrir onde ficam as Ilhas Salomão. E do Google Maps direto para a Decolar.com, conferir se haviam voos diretos e com passagem só de ida. A partir de um direito construído em bases patriarcais, pensar na sogra como fonte do direito requer, antes, uma análise do coadjuvantismo do sogro. Se o homemchefe pode ser colocado como figura ornamental da civilização ocidental, representante por excelência da família no espaço público religioso, político e intelectual; é a sogra que, racionalizando a ingenuidade da filha, controlou privadamente o mundo até aqui.

1

FREUD, Sigmund. Obras Completas, volume II: totem e tabu, contribuição à história do movimento psicanalítico e outros textos (1912-1914). São Paulo: Cia das Letras, 2012.

Sim, avisemos a Houston que temos um problema: AS SOGRAS ESTÃO NO CONTROLE. E por uma simples razão: aquela que controlava o chefe com o rebolado sedutor de ancas e peitos, era controlada intimamente pela própria mãe. Assim é que as sogras passaram a se tornar as grandes latifundiárias dos desejos do patriarcado. No fundo, as sogras sempre foram o STF do inconsciente coletivo, a grande máfia clandestina, as que determinaram o final da festa. Como mandatárias dos domínios do tesão macho, a palavra de ordem, mesmo que em um olhar silencioso, pertenceu desde sempre à sogra, afinal, sua vitória de ter conquistado um homem (o sogro infeliz) e de ter se tornado mãe, demonstrava a pujança de seu sublime e ardiloso poder. Tal qual uma organização que tem chefes e chefiados, enquanto ao sogro coube a subjugação, o servilismo, a brochura e a dócil escravidão, aos genros restaram a manipulação espiritual feita pelas sogras através de suas filhas de peles macias. A ideia da sogra como fonte do direito é de Luis Alberto Warat, que já nos anos 80 sabia que todos os Manuais de Introdução ao Estudo do Direito empoleiravam as clássicas fontes do Direito como pretextos para que os juízes pudessem, irresponsavelmente, decidir sem perceber a fraude que cometiam. Ao deixar que suas parafernálias pessoais entrecruzem a decisão,

dolosa ou

culposamente, os juízes acabam ou como ingênuos ou como sabotadores. O imaginário da sogra, antes de um efeito, se apresenta como causa complexa das decisões judiciais. Perceber que a decisão judicial é um fenômeno complexo, deve(ria) ser o ponto de partida que, para infortúnio de quase todo mundo, é o ponto de chegada. Em geral, as pesquisas em direito se ocupam com aquilo que os pesquisadores do direito já sabem: que o positivismo fracassou porque sempre foi incapaz de apreender o real; que o lugar de poder é que(m) diz o quê o direito é; que a história chã do Brasil constitui(u) cotidianamente, via Ctrl C/Ctrl V, um direito patrimonialista, aristocrático e, em grande parte, autoimune à proposta de (re?)democratização feita pela Constituição Federal (lá se vão 25 anos...). É um Direito que, de alguma estranha maneira, resignifica o ideal éticomedíocre do Rei do Camarote (se você ainda não viu esse personagem-tipo tupiniquim, visite o youtube). Tal qual o Rei do Camarote, que vive da maquiagem que faz de si mesmo, o direito brasileiro sustenta-se na aparência das quantidades – do número de decisões julgadas mês-a-mês nos mapas dos juízes Brasil afora, ao número de ações da carteira de clientes dos grandes e pequenos escritórios de advocacia –

suplantando a necessidade do mínimo, ou seja, de que haja alguma qualidade epistemológica naquilo que se faz. Uma teoria da decisão judicial que deixe de ser subversiva em relação às fontes do direito só é capaz de instruir os normalpatas 2 . A normalpatia é a psicopatologia de todos os juízes que acreditam que podem ser justos. Eles são maioria. No domingo almoçam com a família da esposa. Chegam às 11:30 pra ajudar com os preparativos. Adoram os talheres em ordem porque amam etiquetas – faca de um lado, garfo do outro, copo disso, copo daquilo. Tudo em perfeita simetria. A simetria dos talheres é a materialização da autoimagem que produzem de si mesmos. Ele – o juiz normalpata – com uma camisa polo comprada na última ida para Miami, afinal, em Miami as polos “de marca” sempre estão em promoção, o que faz o juiz normalpata publicar no facebook que o Brasil é uma porcaria por conta dos impostos. Ela, a esposa, com um vestido florido e largo, de algodão, pra esconder as imperfeições da bunda, afinal, depois dos filhos e do tempo, não há bunda que resista... E os filhos felizes. Correndo por todos os lados. E GRITANDO. Com o DIABO no corpo. E RANHO no nariz. Depois do almoço, o juiz normalpata senta ao redor daquelas mesinhas brancas de plástico. Toma uma cerveja e outra e outra e outras. Enche a cara parcimoniosamente, afinal, ele bebe socialmente, que é o nível de alcoolismo moralmente aceito. Nosso juiz-tipo bebe socialmente porque a virtude é um atributo restrito aos virtuosos... Então discute alguma notícia do jornal dominical com a cunhada, que é mestre em Biologia pela Universidade de Pedro Juan Caballero no Paraguai. Ela também odeia o Brasil porque o MEC não reconheceu o diploma paraguaio que ela comprou, ainda que negue a si mesmo pra preservar o próprio ego, que odeia saber que não somos tão bons quanto pensamos. Enquanto isso a velha está lá, fuçando em alguma coisa. Sogras estão sempre fuçando em alguma coisa. São rainhas da ninharia. E falam pelos cotovelos. E porque falam, inevitavelmente afetam os genros. Dessa afetação estão sujeitos todos os genros. O fato é que nos juízes, essa afetação tem efeitos apocalípticos, afinal, são eles que decidem quantas vezes teremos que ver nossos filhos durante a semana, ou se vamos receber as horas extras que trabalhamos ao longo de uma vida toda ou se 2

BARROS, L. F. Os normalpatas, não matei Jesus e outros textos. Rio de Janeiro – Ed. Imago, 1999.

vamos dormir em presídios fedorentos ou do lado de nossas esposas cheirosas. A sogra então faz sua sustentação oral: uma fofoca do grupo da missa, a preocupação com as netas que começaram a sair (e a fumar a maconha – mas da maconha as velhas não sabem porque pensam que suas famílias são abençoadas por Deus...), emitem alguma opinião imbecil e maniqueísta sobre a corrida eleitoral ou, ainda, decretam um comando despótico para o marido, o sogro, que é um velho que já morreu mas ainda não sabe. Depois os juízes normalpatas passeiam com os filhos e assistem o futebol das 4 da tarde. De noite, depois de assistir o Fantástico, vão para a cama. Mas não transam... porque já transaram no sábado, que é o dia oficial. Para os juízes normalpatas, transar no domingo é preclusão consumativa, afinal, a coisa já se consumou no sábado. O domingo é o dia da formação ideológica do juiz que acredita que é NEUTRO. Todas as decisões “neutras” das segundas-feiras têm o Fantástico como fonte do direito. O Fantástico e, claro, a sogra, que é o arquétipo da justiça na prudente consciência dos julgadores do direito. Mas a sogra é metáfora, é aquilo que usamos para dizer o que não pode (ou não deve) ser dito. E é, entre outros, pelo analfabetismo no trato com a metáfora, que a virtude epistemológica gagueja pelos corredores da jurisdição...

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