A SOJIFICAÇÃO DOS CAMPOS DE FUTEBOL - VERTENTES II.pdf

June 1, 2017 | Autor: Ezequiel Redin | Categoria: Agriculture, Soja, Desenvolvimento Rural, Extensão Rural, Reprodução Social, Família Rural
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Descrição do Produto

Projeto e produção gráfica Editora Centro Serra Sobradinho-RS Editoração Hélio Scherer Design gráfico e capa Dago Vianna Revisão Clara Luiza Montagner Larissa Scherer

Impressão Lupa Graf Santa Cruz do Sul Tamanho 14,8 X 21 cm Fontes Paladino regular Museo 100, 300 e 500 Papel Pólen Soft Natural 80g/m2

Todos os textos são de responsabilidade dos autores. Todos os direitos reservados aos autores.

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Ezequiel Redin Sou filho de agricultores familiares, de Linha Paleta, Arroio do Tigre, RS. Cresci entre a lida na roça e o estudo no campo, apaixonado pelos livros e pela natureza. Em Cachoeira do Sul, na UERGS, me formei como Tecnólogo em Agropecuária, com ênfase em Sistemas de Produção (2009). Após, em Santa Maria, obtive a formação em Administração (2006-2010); licenciatura através do Programa Especial de Graduação de Formação Pedagógica de Professores (PEG/UFSM 2012-2013); sou Mestre em Extensão Rural (2009-2011); Especialista em Gestão Pública Municipal (2010-2011) e em Tecnologias de Informação e Comunicação aplicadas à Educação (UFSM 2013-2014). Em 2015, estou concluindo o Doutorado em Extensão Rural na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Atualmente, sou editor da Revista Extensão Rural (Santa Maria); membro do Comitê de Avaliação da FAPERGS e FAPESC; tesoureiro da Associação Riograndense dos Tecnólogos; secretário da Juventude Unida, Linha Paleta, Arroio do Tigre; e membro da Academia Centro Serra de Letras. Exerço a atividade docente na Faculdade Metodista de Santa Maria (FAMES) e sou tutor do Curso Superior de Graduação Tecnológica em Agricultura Familiar e Sustentabilidade da UFSM.

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A sojificação dos campos de futebol Nas últimas duas décadas, o processo de modernização rural expande-se e consolida-se. O núcleo familiar tem sido reduzido, e o futebol de campo no rural também. Boas lembranças surgem dos consolidados times de futebol amadores formados nas localidades rurais. Equipes expressivas cunhavam o nome da localidade rural, marca estampada na camiseta de sua equipe de futebol. Gloriosos tempos em que jogadores da comunidade elaboravam jogadas de alto nível técnico, armavam estratégias táticas para desarmar o adversário, faziam belas pinturas de gol nos campos rurais. Épocas em que um chute torto na bola poderia lançá-la para o famoso “mato”. A gíria: “bola pro mato que o jogo é de campeonato”, quiçá, deve ter origem dos campos de futebol no rural. Equipe A e Equipe B jogavam amistosos, torneios, campeonatos municipais, disputavam taças em jogos de alto nível técnico e também de alto vigor físico. A força do futebol rural culminou a tal ponto que o seu auge foram os Campeonatos Municipais de Futebol de Campo (Varzeanos), anteriormente disputados apenas na cidade. No decorrer da década de 90, foram distribuídos nos campos das localidades rurais, de suas respectivas equipes participantes. Fator este que endossou a socialização no rural, fortaleceu a rede de relações interpessoais, dinamizou as sociedades e organizou verdadeiros tours esportivos entre as comunidades. O domingo era dia abençoado. Dia de ir à igreja pela manhã e dia de ir para o jogo de futebol à tarde – duas missões sagradas. Os campos eram rodeados de torcedores que chegavam nas mais diversas formas: a pé, a cavalo, de bicicleta, de trator, de carro ou de caminhão. Geralmente, o time adversário e sua torcida deslocavam-se em caminhões lotados, os mesmos que transportavam soja. No local do jogo, existia um galpão (estilo cabana), ponto de comercialização das bebidas (cerveja, refrigerante e cachaça), das guloseimas (chicletes, balas, pipocas, merenVertentes II

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dinhas), dos lanches (cachorro-quente e pastel) e outras delícias de final de semana para o público presente. A torcida se acomodava atrás das goleiras, nas laterais do campo e, em geral, embaixo de árvores ou coqueiros em busca de alguma sombra para suportar a tarde calorosa. Homens, mulheres, jovens e crianças, a família toda reunida para uma partida de futebol no rural. A bola rolava. Primeiro, no alto sol da tarde, jogava a equipe B, teoricamente menos habilidosa e, posteriormente, a equipe A, teoricamente com atletas mais habilidosos. Os jogos eram acirrados, nervos à flor da pele e provocações constantes, tanto entre os atletas quanto entre as torcidas. Torcedores ferrenhos, aqueles mais convictos na vitória de seu time. Nem tudo eram flores, existiam brigas entre jogadores ou entre torcidas. Às vezes, tijolos ou garrafas voavam alto demais. Excetuando essas externalidades, o futebol de campo, sem dúvida, dinamizava o meio rural. Aliás, no campo de futebol também afloravam um campo de poder entre as famílias e entre as localidades rurais, isso é inegável. A rivalidade do campo é ludicamente representada também pelo contexto local. Em outras palavras, a rivalidade entre os moradores de distintas localidades rurais se traduzia num espetáculo, em uma disputa de quem tem a maior força econômica, quem tem a melhor escola, a melhor bodega, a melhor igreja, o melhor salão, o melhor campo, a melhor posição social e, claro, quem tem a melhor equipe de futebol de campo no rural. Aí emergem, portanto, relações de jocosidade (zombarias ou brincadeiras) entre jogadores e entre torcidas que vicejam o espetáculo. A galeria de troféus, medalhas e o quadro de fotos do time ficam expostos no salão da comunidade, símbolo de orgulho e também de distinção social. Aliás, a galeria é a única que permanece viva para atos memoráveis, aqueles que clamam por causos pitorescos da conquista futebolística no passado. Aos poucos, a cultura futebolística de campo no meio 142

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rural tem se esvaído. As famílias rurais reduziram o número de filhos – antigamente, entre cinco a oito para dois a três nos dias de hoje. Consequentemente, menos jovens habitam o rural. Não é possível mais formar dois times de futebol de campo numa mesma localidade, mas, é claro, há exceções. Os campos de futebol viraram potreiros, os potreiros se transformaram em legítimas lavouras de soja. Nas localidades rurais em que existem ginásios esportivos, os jovens rurais mantêm os times de futsal, pois não precisam mais de 22 atletas, apenas 10 para rolar o futsal no rural. Do futebol ao futsal, do campo para as quadras, das famílias grandes para as famílias diminutas, do maior para o menor. Futebol de campo, hoje, só rola novamente na cidade, numa mescla de jogadores rurais de distintas localidades, estratégia para tornar o time competitivo. O rural perdeu este espetáculo para o urbano. A única que expande fronteiras, que abocanha os campos de futebol, invade os potreiros e até as estradas no rural é a leguminosa, ou seja, a soja. Estamos presenciando um processo de sojificação do rural, uma verdadeira sojificação dos campos de futebol. A mesma que destruiu as taipas é aquela que está acabando com os espaços de sociabilização no rural. São tempos imemoriais que ficam no passado. Daquele passado do Preto e Branco (P&B) para o presente do colorido. O verde dos campos de futebol para o verde da soja. Realmente, os tempos são outros!

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