A solidariedade e a promoção da coesão social

June 4, 2017 | Autor: Camila Craveiro | Categoria: Emile Durkheim, Sociología
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A solidariedade e a promoção da coesão social Camila Craveiro 1

Este trabalho pretende abordar os conceitos de fato social, solidariedade orgânica e solidariedade mecânica, elaborados por Durkheim em duas de suas principais obras, a saber: As regras do método sociológico (2015) e Da divisão do trabalho social (2000). Inicialmente, se acredita ser relevante contextualizar os conceitos elencados a partir de sua perspectiva metodológica. Para tanto, uma breve explicação em relação ao método e ao objeto de estudo do autor pretende propiciar uma noção geral sobre sua obra. Émile Durkheim (1858-1917) desenvolveu o que se pode chamar de Sociologia das Instituições. Preocupado em demonstrar para que servem e localizar a origem e função das instituições, ele busca descrever os elementos que possibilitam a conservação da estrutura. E por que a conservação das estruturas que regem o mundo moderno é importante? Porque o autor considera que o progresso em direção ao mundo moderno - por ele caracterizado como a transição de uma sociedade de base religiosa-militar para a sociedade científico-industrial - precisa ser preservado. Considerado discípulo de Augusto Comte, consequentemente positivista, a originalidade de Durkheim reside na criação do método chamado de funcionalista. A elaboração de um método próprio revela um autor crítico em relação à forma com que os sociólogos se posicionavam em relação à produção no campo da Sociologia. O autor afirma: Até o presente, os sociólogos pouco se preocuparam em caracterizar e definir o método que aplicam ao estudo dos fatos sociais. É assim que, em toda a obra de Spencer, o problema metodológico não ocupa nenhum lugar; pois a Introdução à ciência social, cujo título poderia dar essa ilusão, destina-se a demonstrar as dificuldades e a possibilidade da sociologia, não a expor os procedimentos que ela deve utilizar. (2015, p.01)

Mas qual seria, para Durkheim, então, o objeto de estudo da Sociologia? A resposta encontra-se na citação acima: o objeto de estudo da Sociologia devem ser os fatos sociais. E essa localização do objeto é de extrema importância ao autor, que acredita ser necessária a definição de um método e objeto próprios, a fim de 1

Camila Craveiro é mestre em Comunicação – UNESP e docente do curso de Publicidade do Centro Universitário de Goiás Uni-Anhanguera. Contato: [email protected]

caracterizar a Sociologia como ciência, desvencilhando-a da dependência das ciências naturais, por exemplo. Assim, fato social é: (...) toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais (2015, p.11).

Para prosseguir, algumas considerações acerca do fato social se fazem importantes: - Primeiramente, há que se entender que o fato social é construído pelo conjunto dos indivíduos, mas que, ao exteriorizar-se, torna-se algo diferente, ou seja, o todo não pode ser entendido simplesmente como a soma das partes; - Além disso, sua função precípua é a de promover a coerção exterior sobre os indivíduos, visando à manutenção da ordem, o que significa dizer que o social se sobrepõe ao indivíduo. E esse ponto é fundamental na obra de Durkheim: compreender que o social é o que predomina; - Por fim, Durkheim define que a Sociologia deve estudar o fato social como coisa, no sentido de uma análise que vai das coisas às ideias. Já em relação ao método, o caminho do autor passa por uma observação completa do fato, em que ele seleciona a base empírica, mas concentra a atenção naquilo que é essencial no fato, elementar, buscando as relações de causalidade. Vimos que a explicação sociológica consiste exclusivamente em estabelecer relações de causalidade, quer se trate de ligar um fenômeno à sua causa, quer, ao contrário, uma causa a seus efeitos úteis. Uma vez que, por outro lado, os fenômenos sociais escapam evidentemente à ação do operador, o método comparativo é o único que convém à sociologia. (2015, p.96)

Apesar de reafirmar a noção de totalidade, sua estratégia é analisar o todo a partir das Instituições, sendo o Estado a grande instituição organizadora da sociedade. Dessa maneira, o autor descarta a possibilidade de se fazer ciência a partir do método dedutivo, afirmando que a Sociologia que utiliza a dedução “em vez de assumir a tarefa de lançar luz sobre uma parcela restrita do campo social, prefere buscar as brilhantes generalidades em que todas as questões são levantadas sem que nenhuma seja expressamente tratada” (2000, p.2).

E ressalta que a análise tem que estar livre de juízos de valor, pretendendo a neutralidade do pesquisador, ao abordar os fatos como coisas, analisando-as a partir de seus caracteres objetivos. Definido o fato social e a maneira de abordá-lo, passa-se à temática principal presente em “Da divisão do trabalho social” (2000). Em relação ao problema que a obra trata, Durkheim explica ser inegável que as sociedades modernas caminham para que as ocupações, nas indústrias, sejam cada vez mais separadas e especializadas e afirma ser essa uma tendência que se replica em diferentes regiões da sociedade, como nas funções administrativas, políticas e judiciárias, sendo o efeito mais notável da divisão do trabalho tornar essas funções solidárias. A adequação do homem à sua atividade, ou seja, à sua especialização diz muito, para o autor, sobre a moral, afirmando que o homem de bem não é mais um ser diletante, mas que (...) vemos, antes, a perfeição no homem competente que procura, não ser completo, mas produzir, que tem uma tarefa delimitada e que a ela se dedica, que faz seu serviço, traça seu caminho. (2000, p. 5)

Assim, quanto mais o indivíduo estiver integrado ao coletivo, mais confortável será sua vida. Tendo em vista que manter a coesão não é algo natural, ressalta-se a importância das instituições, no sentido de que elas promovem, no interior da sociedade, as regras, contribuindo para um padrão de normalidade necessário ao convívio social. Nas palavras do autor: “(...) a moral nos obriga a seguir um caminho determinado em direção a um objetivo definido – e quem diz obrigação diz, com isso, coerção” (2000, p.16). Não apenas de coerção vivem as pessoas no meio social, mas também da solidariedade oriunda da divisão e da especialização das funções do trabalho humano. É apenas por intermédio da solidariedade, acredita Durkheim, que o crescimento e a consequente complexificação da sociedade é possível. Compreender a noção de solidariedade requer a análise da conceituação de consciência individual e de consciência coletiva. Durkheim propõe que a consciência individual se liga à personalidade do indivíduo, refletindo algumas peculiaridades que orientam escolhas e ações. Por outro lado, a consciência coletiva (comum) seria o conjunto de crenças comum à média dos indivíduos de uma mesma sociedade. Ela determina os valores morais, é transmitida de geração para geração e tem por característica suplantar as consciências individuais. Os indivíduos sofrem uma

pressão externa da consciência coletiva, em maior e menor grau, e se orientam a partir do que a sociedade espera dele. É à consciência coletiva que se liga a solidariedade social. Para diferenciar os dois tipos de solidariedade enunciadas, a mecânica e a orgânica, o autor recorre às regras jurídicas para tipificar o que significa em determinado estágio de desenvolvimento de uma sociedade a predominância de uma espécie de solidariedade. Grosso modo, as regras jurídicas poderiam ser divididas a partir das sanções que delas decorrem, sendo elas de caráter repressivo ou restitutivo. Acerca das sanções repressivas, o autor define: A amplitude da ação que o órgão governamental exerce sobre o número e sobre a qualificação dos atos criminosos depende da força que ele contém. Esta, por sua vez, pode ser medida seja pela extensão da autoridade que exerce sobre os cidadãos, seja pelo grau de gravidade reconhecido aos crimes dirigidos contra ele. Ora, veremos que é nas sociedades inferiores que essa autoridade é maior e essa gravidade mais elevada (...). (2000, p. 56)

Torna-se clara a relação estabelecida pelo autor entre as sanções punitivas e as sociedades inferiores. Nas sociedades simples, o autor defende que há um alto grau de semelhança entre os indivíduos, restando pouco espaço para a expressão de características individuais e uma dependência grande em relação ao grupo. Nesse tipo de sociedade predomina a solidariedade mecânica. Nas palavras do autor: (...) Daí resulta uma solidariedade sui generis que, nascida das semelhanças vincula diretamente o indivíduo à sociedade (...). Essa solidariedade não consiste apenas num apego geral e indeterminado do indivíduo ao grupo, mas também torna harmônico o detalhe dos movimentos. (2000, p.79)

É a partir da complexificação da sociedade, então, que as similitudes sociais não se fazem tão intensamente presentes, a divisão do trabalho se acentua e a cooperação passa a ser o fundamento dos laços sociais. Nesse contexto, as sanções predominantes são as de caráter restitutivo e a solidariedade é do tipo orgânica. A solidariedade orgânica abre espaço para uma esfera de ação própria, considerando a personalidade dos indivíduos. Durkheim aponta que “bem diverso é o caso da solidariedade produzida pela divisão do trabalho. Enquanto a precedente implica que os indivíduos se assemelham, esta supõe que eles diferem uns dos outros” (2000, p.108). A proposta do texto, de abordar os conceitos de fato social, solidariedade mecânica e orgânica, alcança então seu objetivo. Porém, algumas considerações

pontuam este momento final. Inicia-se pelo reconhecimento do esforço de Durkheim em definir e delimitar um campo próprio à Sociologia, legitimando-a enquanto ciência não dependente da Filosofia ou da Psicologia, que lhes podem ser auxiliares. Basta analisar o rigor metodológico presente na obra “As regras do método sociológico” para se perceber que há uma lógica estrutural clara e convincente. Já não tão convincente assim é o olhar extremamente otimista do autor em relação ao progresso proporcionado pelo capitalismo. Ao se referir à divisão do trabalho em funções cada vez mais especializadas e à necessidade de adequação do indivíduo a essa realidade, o autor não abre espaço para possibilidade de criticidade do fenômeno. E em certos trechos da obra “Da divisão do trabalho social” (2000), a adequação do homem considerado bom, daquele que se preocupa em corresponder às regras morais, causa certo incômodo, pois limita sua capacidade de questionamento, fazendo com que a palavra adequação pareça se aproximar mais de conformismo.

Referências:

DURKHEIM,

Émile.

As

regras

do

método

sociológico.

Disponível

em

http://galileu.radiocb.com/ebooks/durkheim_as_regras_do_metodo_sociologico.pdf. Acesso em maio de 2015. ________________. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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