A SOLIDARIEDADE NA TEORIA DO RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH

June 8, 2017 | Autor: Evania Reich | Categoria: Political Philosophy
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A SOLIDARIEDADE NA TEORIA DO RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH Evânia Reich1

Resumo: O artigo discute o papel da solidariedade como terceira dimensão do reconhecimento na obra Luta por reconhecimento. Mostraremos, em primeiro lugar, qual é o tipo de solidariedade com a qual Honneth trabalha em seu livro, e em segundo lugar, quais os problemas metodológicos e normativos são susceptíveis de ser enfrentados a partir desta concepção. Apresentaremos a solidariedade honnethiana como um tipo de obrigação moral, que não se revela apenas a base para a coesão social, mas antes uma exigência para que estimemos os outros pelas suas particularidades e as tenha como algo que possui um valor para a nossa sociedade comum. A questão central é a de saber como tal solidariedade pode ser a base substancial para a realização da justiça, do bem-estar e da vida boa, como parece indicar Honneth, em nossas sociedades indiscutivelmente pluralistas. Qual é o conjunto de conceitos capaz de explicar o coletivo social moderno como um todo ético e não meramente como um agregado de indivíduos autointeressados? Uma teoria social que leva a sério a ideia de vida ética resolveria o problema de conciliar as normas excessivamente exclusivas e substantivas de uma comunidade com as normas abstratas universais de um país? Palavras-chave: reconhecimento, solidariedade, pluralismo.

Summary: this essay discusses the role of solidarity as a third dimension of recognition in the book The Struggle for Recognition. We shall first show what type of solidarity Honneth works with in his book, and second what methodological and normative problems one is likely to be confronted with from this conception. We shall introduce Honnethian solidarity as a type of moral obligation which proves to be not only a base for social cohesion, but first and foremost a demand for us to esteem the other for his particularities and to regard those as being valuable for our common society. The central issue is to know how such a solidarity can serve as a substantial basis for the achievement of justice, well-being and good life, as Honneth seems to point out, in our undoubtedly pluralistic societies. What is the set of concepts likely to explain the modern social collective as an ethical whole and not merely as 1

Doutoranda do Programa de Pós-graduação da UFSC e bolsista Capes.

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an aggregate of self-interested individuals? Would a social theory which takes the idea of ethical life seriously solve the problem of reconciling a community’s excessively exclusive and substantive norms with a country’s universal abstract norms? Key words: recognition, solidarity, pluralism.

Vimos atualmente em destaque a luta de religiões, de culturas minoritárias e luta de gêneros que reivindicam uma igualdade de consideração, de respeito e de direitos não somente no âmbito jurídico, mas também no âmbito social, político e cultural. Embora uma justa repartição de bens materiais permaneça ainda na pauta das reinvindicações apesar das promessas de outrora da política de bem-estar social, que se revelaram irrealizáveis, assiste-se hoje incontestavelmente o borbulhar de novas reivindicações que estão para além da indispensável redistribuição de riquezas, saúde e educação. (Cf. CAILLÉ, 2007, p. 8). Paralela ou mesmo prioritária a tais reivindicações de cunho material, a demanda por respeito, por dignidade e estima tanto cultural quanto religiosa surge com uma força ativa nestas duas últimas décadas. Nas palavras de Nancy Fraser (FRASER, 2003, p. 8), as lutas políticas propriamente modernas, que durante dois séculos tinham sido lutas por redistribuição, se tornaram prioritariamente lutas por reconhecimento. Essas novas exigências colocam evidentemente em dúvida as teorias de justiça que se concentram apenas nas questões jurídico-políticas. A teoria do reconhecimento de Axel Honneth é uma expressão deste descontentamento. O filósofo receia que reduzir o âmbito das questões de justiça apenas às meras questões jurídicas não seja suficiente para entender as variadas necessidades e exigências humanas que os indivíduos possuem (PINZANI, 2010, p. 157-158). Não se trata de por em dúvida o valor teórico e prático dos direitos fundamentais individuais e coletivos, tampouco descartar e substituir as teorias de justiça que tratam sobre questões de justiça no âmbito jurídico/político, mas antes incluir uma nova teoria que consiga descrever e explicar as experiências de injustiças também no âmbito social. Honneth, Na sua obra Luta por reconhecimento, publicada em 1992, ao se inspirar na filosofia hegeliana da juventude2, acrescentando a psicologia social de Mead3 (e também a psicanálise de Winnicott), quer demonstrar que a formação da identidade de cada indivíduo 2

Nos primeiros três capítulos da Luta por Reconhecimento, Honneth reconstrói a teoria do reconhecimento de Hegel, interpretando duas obras: os fragmentos do Sistema da Eticidade (1802-1803), e Realphilosophie (18051806). 3 Honneth apoia-se, nos capítulos sobre a reconstrução da concepção de reconhecimento em Mead, no volume I dos ensaios reunidos (Gesammelte Aufsätze)(1980) e no Geist, Identität und Gesellschaft (1973).

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necessita das relações de reconhecimento que são essencialmente de natureza intersubjetiva. Isto é, a realização de si mesmo como pessoa autônoma e individualizada depende da presença de um reconhecimento recíproco no seio de três esferas normativas distintas: do amor, do direito e da solidariedade. Unicamente a partir do momento em que as pessoas são efetivamente reconhecidas como portadoras de necessidades afetivas, como sujeitos iguais portadores de direitos, e por último, como detentoras de atitudes práticas singulares contribuindo à reprodução de uma vida comum, é que elas podem então se autocompreender como indivíduos plenamente realizados. Estas três dimensões de reconhecimento possibilitam três atitudes positivas aos indivíduos, isto é, a autoconfiança, o autorrespeito e a auto-estima necessários para a sua plena realização. (HONNETH, 2003, p. 194-198). Axel Honneth situa desta forma os conflitos sociais a partir da violação das expectativas normativas de reconhecimento arraigadas em uma destas três dimensões. Tais privações de reconhecimento são, portanto, decorrentes de experiências morais negativas onde os sujeitos concernidos se vêem recusados das condições de uma formação positiva de sua identidade. São essas experiências de desrespeito, na forma de maus-tratos e violação na negação do amor, a privação de direito e exclusão na esfera do direito e a degradação e ofensa no âmbito da sociedade, que constituem o arcabouço de injustiças que, em muitos casos, se tornam motivos de luta na conquista de relações de reconhecimento cada vez mais plenas e efetivas. (HONNETH, 2003, p. 211) O modelo de luta pelo reconhecimento honnethiano traz consigo um objetivo bem mais ambicioso do que aquele oferecido pelas teorias de justiça cuja construção intelectual é muitas vezes criticada por se desvencilhar de todo contexto social. O que Honneth deseja com tamanho projeto é prolongar a tradição crítica que, após Hegel – passando por Marx e a Escola de Frankfurt -, enraizou sua crítica nas experiências práticas da sociedade e não em teorias abstratas4.

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Para Honneth a Teoria Crítica depende sua essência da determinação quase sociológica de um interesse emancipador dentro da própria realidade social. Neste sentido a primeira geração da Escola de Frankfurt é devedora de uma teoria que tenha efetivamente conseguido criar uma possibilidade intramundana de emancipação. Honneth contesta o abandono das dimensões psicológicas individuais e os fenômenos culturais em favor dos princípios funcionais da estrutura econômica. Segundo Honneth, é com Habermas que a tradição recupera o que havia perdido desde Horkheimer. Com a sua teoria da comunicação que consegue reintegrar o dado social a fim de identificar o processo de destruição gerado pelo sistema capitalista, Habermas é sem dúvida o filósofo que retoma seriamente a tradição de Frankfurt. Na estrutura da teoria do agir comunicativo as condições do progresso social não se encontram mais dispostas no trabalho social (paradigma marxista), mas sim na interação social. Em se distanciando da Dialética do esclarecimento que se ateve apenas a uma razão instrumental, Habermas consegue ver nos sujeitos socializados uma ação que vai além da simples dominação e do controle da natureza. (HONNETH, 2009, pp. 249-272).

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É somente com um critério normativo interno à própria sociedade que Honneth pretende fazer uma crítica das patologias sociais. Segundo ele, os critérios, a partir dos quais é possível falar de patologias sociais, fazem alusão aos modos de constituição possíveis de relações de vida em sociedade que podem ser consideradas intactas ou não distorcidas na medida em que elas garantem a todos os membros da sociedade a oportunidade de uma autorrealização bem-sucedida (gelingende Selbstverwircklichung) (BASAURE, 2009, 68). Na medida em que Honneth insere-se em uma corrente filosófica cujo modelo de justiça é fundamentado através de princípios normativos que levam em conta o contexto social, então uma autorrealização bem sucedida deve ser derivada de uma ordem social compartilhada nas suas diferentes práticas. Na perspectiva da sua teoria do reconhecimento, Honneth procura achar as condições categoriais necessárias para a possibilidade de exercer um diagnóstico das patologias sociais5. Para Honneth, as relações sociais ocorrem de forma não patológicas quando um indivíduo é visto como uma pessoa detentora de direitos, capaz de formar um juízo autônomo e de partilhar com os outros membros de sua coletividade as suas propriedades individuais e ser valorizado por elas. Este processo de formação do indivíduo até o seu mais completo nível de relação, isto é, com o outro ser social, ocorre nos diferentes momentos das relações de reconhecimento. A primeira fase positiva da vida humana é a experiência do amor que prepara os sujeitos à passagem para as dimensões sucessivas de relação de reconhecimento, isto é, no direito e na sociedade. Com esta primeira fase bem sucedida, o indivíduo possui a base indispensável à participação autônoma à vida pública, tanto como portador de direitos quanto como detentor de estima social. A compreensão de si como portador de direito ocorre quando o indivíduo começa a compreender quais obrigações ele tem que realizar em relação ao outro e quais direitos ele pode exigir do outro. É sempre a partir deste outro que o indivíduo se percebe como pessoa portadora de direitos e obrigações. O reconhecimento ocorre sempre nesta mão de via dupla.

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O termo patologia é retirado da psicanálise, precisamente quando Honneth interpreta à teoria de Winnicott em Luta por reconhecimento. Na primeira fase de relação intersubjetiva entre o bebê e mãe, Winnicott descreve um tipo de relação até os primeiros seis meses de vida do bebê que tem como fim saudável a separação destes dois seres que se encontram simbioticamente unidos. O desligamento entre mãe e bebê ocorre de forma não patológica quando o reconhecimento substitui a forma simbiótica. Isto é, através da primeira relação bem sucedida, tanto o bebê quanto a mãe conseguem viver de forma autônoma e emotivamente seguros. O reconhecimento na fase do amor significa uma liberação da fase simbiótica e um se dar conta que o outro possui uma individualidade. Ao mesmo tempo em que uma ligação emotiva simultânea permanece, ambos se reconhecem como seres autônomos. A autoconfiança se dá com o sucesso desta primeira forma de amor e a patologia advém justamente do insucesso desta primeira relação. Isto é, quando tanto a mãe quanto o bebê não conseguem reconhecer no outro um ser individualizado. (HONNETH, 2003, p. 176-178).

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Neste saber das obrigações que o indivíduo tem para com o outro ele também se sente seguro do cumprimento social de suas pretensões (HONNETH, 2003, p. 179). Entretanto, segundo Honneth, esta fase do reconhecimento no direito, indispensável para a constituição do autorrespeito, ainda não é suficiente para que o indivíduo possa se compreender positivamente como alguém que possui diferenças biograficamente constituídas em relação aos outros membros de uma sociedade e como tal pode ser reconhecido. O reconhecimento, portanto, na terceira dimensão não se daria mais em um nível universal, isto é, todos são reconhecidos no âmbito do direito através de normas gerais, mas antes no nível particular, ou seja, da singularidade. (Idem). Tanto no âmbito jurídico quanto no âmbito da estima social podemos dizer que o indivíduo é respeitado em virtude de determinadas propriedades, mas a propriedade do qual se fala no primeiro é universal e para o segundo trata-se de uma propriedade privada, isto é, aqueles valores particulares que cada indivíduo possui que pode despertar uma estima social. (HONNETH, 2003, p. 139). No terceiro momento do reconhecimento ocorre uma volta à primeira dimensão, mas agora as qualidades particulares do indivíduo não são reconhecidas apenas por algumas pessoas cujo vínculo do amor possibilitava tal reconhecimento, mas antes por todas as pessoas numa ampla sociedade. Se na fase do direito o reconhecimento de suas propriedades particulares é perdido em relação aquele primeiro reconhecimento no amor, a sociedade tem o papel, nesta terceira dimensão, de devolver este reconhecimento dispensável na esfera jurídica. É somente nesta última esfera que os indivíduos podem referir-se novamente positivamente à suas propriedades e capacidades concretas (HONNETH, 2003, p. 198). A sociedade através da solidariedade devolve ao indivíduo o reconhecimento de suas qualidades particulares, tão importante naquela primeira fase de sua vida e que se tornou irrelevante no âmbito do direito. No presente artigo, mostraremos, por um lado, qual é o tipo de solidariedade com a qual Honneth trabalha em Luta por reconhecimento, e por outro lado, quais os problemas e consequências que este conceito trás para a sua teoria do reconhecimento. Apresentaremos a solidariedade honnethiana como um tipo de obrigação moral, que não se revela apenas como a base para a coesão social, mas antes uma exigência para que estimemos os outros pelas suas particularidades e as tenha como algo que possui um valor para a nossa sociedade comum. A partir deste tipo forte de solidariedade, a questão é a de saber como Honneth enfrenta a difícil tarefa de explicar qual seria, diante de nossas sociedades pluralistas - cujos valores individuais e de grupos são tão dispares - a base normativa que possibilitaria incluir todas as qualidades individuais como valores significantes para a sociedade.

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Para Honneth está claro que as sociedades pós-modernas necessitam de um modelo de solidariedade social que seja capaz de ligar seus membros entre si em uma rede de reconhecimento recíproco. Esta rede deve ser forte o suficiente para ser capaz de sustentar as tensões e desafios que os indivíduos sociais sofrem em suas relações mútuas. As redes de solidariedade não podem advir apenas daquelas primeiras fontes de relações familiares e de amizades, assim como não podem permanecer dependentes unicamente do direito. A forma de solidariedade social especificamente moderna tem sido explicada em termos de características básicas da modernidade social, com o colapso das fontes tradicionais e correspondente aumento do pluralismo cultural. O que significa dizer que nas sociedades modernas a solidariedade para Honneth tem que ocorrer em relações intersubjetivas que estão para além do escopo da família, dos amigos, mas igualmente daquela rede de relações cujo parâmetro de reconhecimento estava centrado apenas nas características e virtudes do grupo do qual o indivíduo pertencia.

Honneht faz uma análise histórica em Luta por reconhecimento,

(HONNETH, 2003, p. 203-205) a respeito da estima social nas culturas das sociedades tradicionais e sua mudança com a revolução burguesa. Nas sociedades tradicionais os indivíduos eram estimados através de sua honra previamente tipificada como alguém pertencente a um determinado estamento social. O indivíduo e suas particularidades cedia lugar ao prestígio do grupo do qual ele fazia parte. No limiar da modernidade, a revolução burguesa e sua luta contra as concepções feudais e aristocráticas estabelecem novos princípios axiológicos que fundamentam o valor do indivíduo a partir da sua grandeza biograficamente individuada e não mais determinado pelas propriedades atribuídas ao grupo inteiro. A luta da burguesia contra a hierarquia tradicional de valores “leva a uma individualização na representação de quem contribui para a realização das finalidades éticas: (...) já não são mais as propriedades coletivas, mas sim as capacidades biograficamente desenvolvidas do indivíduo aquilo por que começa a orientar a estima social”. (HONNETH, 2003, p. 205). Nas sociedades pós-tradicionais, portanto, o indivíduo deixa de ser valorizado pela sua pertença a uma determinada ordem hierárquica da sociedade e passa a sê-lo pela sua contribuição pessoal aos objetivos da sociedade. A categoria da honra é substituída pela reputação e prestígio, que são doravante medidos pela contribuição do indivíduo à sociedade. (Idem, p. 206) A questão que surge com tal mudança é a respeito da definição destes objetivos da sociedade. Doravante, os critérios de estima de uma sociedade não são mais estanques. Não existe mais um referencial universalmente válido no qual se poderia medir o valor social

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de determinadas propriedades e capacidades individuais. As propriedades e capacidades dos indivíduos são interpretadas no seio de uma determinada cultura de valores que conferirão ou não um reconhecimento positivo. Na medida em que não existe mais um referencial universal de valoração, dá-se abertura as lutas nas quais os diversos grupos procuram elevar o valor de suas capacidades associadas à sua forma de vida. Segundo Honneth, quanto mais os movimentos sociais conseguem chamar a atenção da esfera pública para a importância de suas propriedades representadas por eles de modo coletivo, tanto mais existe para eles a possibilidade de elevar na sociedade o valor social, ou mais precisamente, a reputação de seus membros. (HONNETH, 2003, p.207-208). Nas palavras de Honneth, “o indivíduo não precisa mais atribuir a um grupo inteiro o respeito que goza socialmente por suas realizações conforme os standars culturais, senão que pode referir-se a si próprio”. (HONETH, 2003, p. 210). É a partir deste momento em que os indivíduos se sentem estimados pelo seu próprio valor, que então se pode falar de um estado pós-tradicional de solidariedade social. A solidariedade social nas sociedades modernas está ligada ao pressuposto de relações sociais de estima simétrica entre indivíduos individuados e autônomos. Quando Honneth se refere a esta simetria na sociedade pós-tradicional ele por um lado quer dizer que é possível incluir todos os indivíduos nesse processo de estima social - e não mais somente aqueles que pertencem a um determinado grupo hierarquicamente e previamente valorizado - mas por outro lado ele vai além desta simples referência, ou seja, é neste conceito de estima simétrica que Honneth põe todo o potencial de sua “solidariedade”. As relações dessa espécie, diz Honneth, Não despertam somente a tolerância para com a particularidade individual da outra pessoa, mas também o interesse afetivo por essa particularidade: só na medida em que eu cuido ativamente de que suas propriedades, estranhas a mim, possam se desdobrar, os objetivos que nos são comuns passam a ser realizáveis. (HONNETH, 2003, p 211)

Parece que com esta afirmação Honneth caracterizaria a sua solidariedade como um tipo de exigência moral a qual os indivíduos estariam obrigados a assumir em relação aos outros. (PINZANI, 2010, p. 160). É somente na medida em que se reconhecem as propriedades particulares do outro como algo que possui um valor para a realização de objetivos comuns é que realmente nossa atitude pode ser considerada solidária. Não basta que as propriedades particulares do outro não atrapalhem a minha própria vida, e que, por isso eu

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as toleraria, mas antes é necessário que meu sentimento para com o outro se dê de forma positiva, isto é que eu inclua essas propriedades na lista daquilo que eu considero importante para o conjunto de valores de nossa sociedade em comum. Neste sentido, a solidariedade da qual exige Honneth vai além de um tipo de perspectiva funcionalista que viria o fenômeno da solidariedade apenas como o instrumento que permite uma sociedade manter-se íntegra. (PINZANI, 2010, p. 160). Como aponta Pinzani em uma distinção entre solidariedade moral e solidariedade funcionalista, a relação de solidariedade com o qual trabalha Honneth aponta para uma dimensão afetiva e sentimental entre os membros de uma sociedade. “A solidariedade se traduz num cuidado ativo direto com o bem-estar alheio – cuidado baseado num interesse afetivo e não meramente racional”. (PINZANI, 2010, p. 166). O problema com o qual Honneth terá que se deparar é o de saber em que instância os indivíduos conseguem se relacionar solidariamente, de tal forma que esta solidariedade se torne uma exigência moral. Quem garantirá a prática desta solidariedade? Segundo a concepção de eticidade hegeliana, ainda conseguiríamos pensar a realização da solidariedade se entendermos que o Estado seria a instância que asseguraria o potencial ético das relações reciprocas de solidariedade. O Estado, como um todo universal, segundo as próprias palavras de Honneth é a esfera de interação na qual os membros da sociedade “alcançam a autorrealização por meio das atividades comuns e universais” (HONNETH, 2007, p. 143). Mas, Honneth não segue a dialética lógica de Hegel, pois ele está convencido que as esferas de reconhecimento mantêm relações que se sustentam e se limitam mutualmente, e não relações hierárquicas nas quais as crises em uma esfera mais baixa poderiam ser resolvidas em uma mais alta. (PENSKY, 2011, p.140). Honneth, ao contrário, busca fundamentar a imprescindibilidade da solidariedade através de uma práxis intersubjetiva cujos interesses coletivos políticos e sociais garantiriam a sua efetividade. A questão que surge a partir desta exigência é a de saber como nossas sociedades liberais ocidentais podem sustentar relações de solidariedade apesar da sua evidente pluralidade de valores, e como esta solidariedade pode permanecer a base substancial para a realização da justiça, do bem-estar e da vida boa e não o auto-interesse dos indivíduos ou de uma comunidade?

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Segundo Max pensky, em seu artigo Social solidaridy and intersubjective recognition: on Axel Honneth’s struggle for recognition, a teoria de Honneth encontra-se presa em um

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grande dilema: Os fins sociais - definidos amplamente para incluir todos aqueles que possuem uma expectativa (prima facie) justificada para ser incluídos e não para ser denegridos pela maneira como vivem - devem ser por definição tão abstratos e formais a fim de que possam criar uma solidariedade social. Mas, se as normas básicas que definem o bem comum tem que ser definidas o mais substancialmente possível para compreender nossa vida ética, então elas irão deixar inevitavelmente de fora várias opções de tipos de vida, e esta exclusão na teoria de Honneth é o que ele define como uma forma de desprezo. (PENSKY, 2011, p. 149). Pensky acredita que uma possível solução para tal problema pode ser visto em termos de um desafio metodológico e normativo. Em termos metodológicos a teoria do reconhecimento honnethiana deve mostrar qual o conjunto de conceitos e terminologias poderia explicar o coletivo social moderno como um todo ético e não como um agregado de indivíduos auto-interessados, apesar da incontestável diversidade e complexidade de nossas sociedades. E ainda, como explicar as disparidades entre duas perspectivas sociológicas. Sob esse segundo aspecto, Pensky faz uma distinção entre dois pontos de vistas ou perspectivas da sociedade a partir dos quais é gerada a solidariedade. O primeiro ponto de vista, denominado macrossociológico, diz respeito à visão panorâmica das grandes instituições sociais que desenvolvem seus próprios procedimentos internos para a formação e conservação da solidariedade. O segundo ponto de vista, dito microssociológico, é aquele tipo de solidariedade que é constituída através dos próprios indivíduos em suas relações intersubjetivas. O problema consiste em saber aonde a teoria de Honneth localiza a agencia de formação e permanência da solidariedade? Isto é, são os membros sociais em suas relações cotidianas que transmitem o código genético, por assim dizer, dos seus valores sociais que constituem a base para a sua estima e a solidariedade recíproca, ou a teoria localiza a agência de formação e permanência da solidariedade nas suas instituições sociais que criarão membros sociais com valores exigidos por elas? Segundo Pensky, Honneth através do seu modelo de luta por reconhecimento quer fugir de uma solução puramente macrossociológico e apostar no potencial microssocilógico. Para Honneth é de fato a experiência psicológica do reconhecimento ou a falta deste - isto é, a falta de confiança, a falta de autorrespeito ou a ausência de autoestima - que constitui a força motivacional para as lutas sociais e consequentemente a transmissão dos dados do mundo da vida para o sistema. Entretanto, segundo Pensky, o foco de Honneth sobre o nível microssociológico das interações dos indivíduos e grupos não parece oferecer uma explicação satisfatória de como as experiências de reconhecimento são transmitidas de um nível interpessoal para um nível institucionalizado. Não fica claro que as “referências às psicologias

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individuais e suas expressões patológicas podem conseguir explicar como as relações solidárias encontram ou não uma forma institucional adequada para elas”. (PENSKY, 2011, p 149). Para isso, diz Pensky, seria necessário que a teoria explicasse como as atitudes de estima interagem com as dinâmicas internas das instituições sociais de uma forma complexa, contudo, o modelo de reconhecimento não parece ser adequado para tal tarefa. A meu ver, Honneth consegue demonstrar como as atitudes de estima interagem com as dinâmicas internas das instituições através da sua investigação teórica a respeito do nexo entre o padrão de reconhecimento e a luta social. Logo no início da sétima parte do seu livro, Honeth diz que é preciso demonstrar a partir dos meios conceituais expostos “que é uma luta por reconhecimento que, como força moral, promove o desenvolvimento e progressos na realidade da vida social do ser humano”. (HONNETH, 2007, p. 227). O objetivo do filósofo é demonstrar o nexo entre a experiência moral de desrespeito e o surgimento de movimentos sociais. A luta social ocorre em direção às reinvindicações por direito e estima aos indivíduos graças a padrões de reconhecimento que contem um potencial moral capaz de desdobrar em tais lutas. Os movimentos sociais lutam em busca de um reconhecimento, quer pelos direitos de seus membros, quer de suas capacidades e valores intrínsecos, porque está inscrito dentro do próprio código moral da sociedade uma possibilidade para tais reconhecimentos. O desafio normativo apontado por Pensky está a meu ver ligado a primeira questão metodológica, por isso analisaremos esses dois problemas como se fosse um só. Eles dizem respeito à questão de saber se Honneth com a sua teoria do reconhecimento consegue descrever quais são os valores das sociedades modernas que reconciliariam a coesão social com o princípio da liberdade individual6. Com que tipo de horizonte de valores uma teoria social que leva a sério a ideia de vida ética resolveria o problema de conciliar as normas excessivamente exclusivas e substantivas de uma comunidade e as normas abstratas da razão prática como a base para a solidariedade social? Segundo Pensky (PENSKY, 2011, p. 128), para o filósofo frankfurtiano as sociedades modernas, justamente por serem modernas não apresentam a substância e a concretude dos objetivos sociais gerais que poderia ser considerado uma descrição plausível da vida ética. Na medida em que as sociedades modernas possuem diferentes objetivos, são pluralistas, as normas cuja realização é desejável em uma sociedade ou para certa cultura podem não ser em outra.

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Lembrando que o problema metodológico apontado por Pensky referia-se a questão de saber qual o conjunto de conceitos pode explicar o coletivo social como um todo ético e não como um agregado de indivíduos.

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Para Honneth o regime de direitos liberais modernos não fornece os recursos normativos para os compromissos básicos dos cidadãos entre si e para o reconhecimento das diferenças dos indivíduos. As relações de estima entre os indivíduos inseridos em grupos assimétricos dependem de um intacto consenso cultural e unificação de fins sociais que a sociedade moderna não consegue prover. Com a revolução burguesa do século XVIII ocorre um esvaziamento de um consenso cultural substantivo dos fins sociais compartilhados, o que dificultaria para a sociedade moderna de encontrar uma maneira de reconhecer os indivíduos como membros sociais valiosos com base em suas diferenças. Por isso a necessidade de se introduzir novos modos de reconhecimento, tal como o satus legal. Contudo, tal status legal mina o reconhecimento do indivíduo através de suas qualidades e valores intrínsecos, pois no nível do direito o indivíduo é visto apenas como detentor daqueles valores reconhecidos universalmente. Segundo Honneth, é necessário ir além desta esfera do direito, e ver uma esfera de mútuo reconhecimento nos quais os indivíduos possam se estimar mutuamente com base em suas diferenças individuais. Para isso é necessário pressupor um consenso cultural abrangente segundo o qual tais diferenças individuais possam ser reconhecidas como contribuições para um abrangente conjunto de metas sociais compartilhadas. Para Pensky, (PENSKY, 2011, p 142), neste sentido, a solidariedade social honnethiana mantém um tom distintamente pré-moderno, pois ao contrário do respeito legal com o seu nivelamento das diferenças e sua atribuição fixa do igual status, a solidariedade social vem exigir uma valoração das particularidades individuais que está ausente no regime moderno dos direitos universais. Honneth precisaria, portanto, descrever um horizonte de valores que seja suficientemente substantivo para sustentar as atribuições mútuas de estima baseadas nas diferenças individuais. Contudo, no contexto de nossas sociedades pluralistas é simplesmente impossível que elas compartilhem o mesmo ethos social, a não ser que este fosse extremamente fino e universalista. Mas se esse for o caso a solidariedade da qual nos fala Honneth estaria correndo perigo de ser aniquilada. Como esperar que um indivíduo ou grupo possa ser estimado por suas particularidades se essas não encontram um eco no rol dos valores universalmente compartilhados pela sociedade no qual o indivíduo ou grupo se encontra inserido? Os valores que formam o horizonte a partir do qual nós nos estimamos respectivamente devem, portanto, permanecer abstratos ao mesmo tempo em que devem levar em consideração nossos traços e aptidões específicos. Por isso Honneth leva a sério uma concepção de eticidade que não contenha apenas aqueles elementos valorativos particulares de uma comunidade. A concepção formal de vida boa não está intrinsecamente ligada aos valores de uma determinada comunidade, mas antes aos três níveis de reconhecimento que

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por sua vez contem todos os pressupostos intersubjetivos que hoje precisam estar preenchidos para que os sujeitos se vejam assegurados em sua autorrealização. (HONNETH, 2007, p. 270). São esses níveis de reconhecimento escalados pelos indivíduos que asseguram uma universalidade de valores que uma ética comunitarista não o faria. O próprio Honneth afirma que a sua intensão com o conceito de reconhecimento é conseguir um ponto mediano entre uma teoria moral universalista kantiana e as éticas comunitaristas, partilhando com a primeira o interesse por normas as mais universais possíveis e com a segunda a orientação pelo fim da autorrealização humana. (HONNETH, 2007, p. 271). Segundo a interpretação de Pensky, o tipo de solidariedade moral e não funcional de Honneth exige, além de um conjunto de normas superiores definidos que dizem respeito aos objetivos coletivos sociais, algum tipo de “prática interpretativa secundária” para determinar quais tipos de comportamentos de realizações ampliam essas normas. Essas práticas secundárias são algo constantemente disputado na sociedade. Interpretações secundárias são lugares de luta permanente na medida em que elas fazem a mediação entre o nível do mundo da vida dos projetos individuais de autorrealização e os compromissos abstratos modernos para o bem social. Tais interpretações têm o poder de formar o vocabulário cultural que será usado para descrever a vida boa. Esta “reprodução simbólica” do mundo da vida deve ser entendida “como um fenômeno público e político”, pois a vantagem temporária de vários subgrupos sociais para dominar a linguagem da estima social é causada não só pelas vantagens contingentes do grupo em si, mas principalmente pela habilidade do grupo de atrair e manter atenção e aprovação de membros sociais diferentemente situados dentro de uma esfera pública aberta. (PENSKY, 149-150). Para Honneth , O que pode ser considerado condição intersubjetiva de uma vida bem-sucedida torna-se uma grandeza historicamente variável, determinada pelo nível atual de desenvolvimento dos padrões de reconhecimento (...). de que maneira devem se constituir os pressupostos intersubjetivos da possibilitação da autorrealização se mostra sempre sob as condições históricas de um presente que abriu desde o inicio a perspectiva de um aperfeiçoamento normativo das relações de reconhecimento. (HONNETH, 2003, p. 275).

3. Para concluir o presente artigo quero levantar a seguinte questão prática: como a teoria de Honneth enfrentaria, por exemplo, a questão fortemente problemática na França sobre a proibição do uso do véu em lugares públicos pelas mulheres muçulmanas? Deveria a

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sociedade francesa estimar as mulheres muçulmanas pelas suas características culturais particulares, diferente das mulheres de cultura não mulçumana? Se a escolha em utilizar um acessório que represente sua cultura ou “religião” é uma questão relacionada à autorrealização de indivíduos pertencentes a comunidade muçulmana, a sociedade francesa não estaria justamente impedindo tal autorrealização? A resposta a esta questão sugere claramente um estudo mais profundo do problema que não foi o intuito neste presente trabalho. Entretanto sob a perspectiva dos problemas aqui trazidos, pode-se perguntar antes de maiores análises, se efetivamente esse problema refere-se a uma questão de prática interpretativa secundária, ou simplesmente de um desafio para a compatibilidade de práticas culturais específicas com a exigência de igualdade de gênero nas sociedades liberais democráticas. A meu ver, na perspectiva honnethiana, para que esse problema possa ser considerado um caso de prática interpretativa secundária seria necessário que a comunidade mulçumana estivesse em consonância com seu próprio projeto de autorrealização e, que, portanto lutasse pelo seu direito de expressão de sua cultura. Enquanto isso não ocorre, (parece ter sido esse o caso na França) talvez esta questão diga mais respeito a um problema sobre os princípios normativos básicos, isto é, uma incompatibilidade de uma prática cultural da comunidade muçulmana com o princípio de direito fundamental de igualdade entre os homens e as mulheres, que segundo a sociedade liberal democrática francesa estaria sendo desrespeitado naquela exigência que os homens daquela comunidade fazem às suas mulheres. Honneth parece compreender esse problema na medida em que ele interpreta a solidariedade moderna como uma narrativa que está em crescente expansão de possibilidade de autorrealização pessoal. Contudo não se pode esquecer o papel imprescindível que a segunda esfera do reconhecimento possui na sua teoria. O reconhecimento dos direitos de liberdade a todos os indivíduos como fim de autorrealização humana tem o potencial de ampliar as considerações das particularidades individuais, ao mesmo tempo em que exerce “um efeito de limitação (...) sobre as condições, ainda não esclarecidas, da solidariedade”. (HONNETH, 2007, p. 278). Diz Honneth ainda,

Mas a relação jurídica moderna influi sobre as condições da solidariedade pelo fato de estabelecer as limitações normativas a que deve estar submetida a formação de horizontes de valores fundadores da comunidade. Por conseguinte, a questão sobre em que medida a solidariedade tem de entrar no contexto das condições de uma eticidade pós-tradicional não pode ser explicada sem uma referência aos princípios jurídicos. (HONNETH, 2003, p. 278).

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Para Honeth os valores partilhados em comum, isto é, o que Honneth chama de valores materiais, sofrem às limitações normativas postas pelos direitos liberais, entretanto, são esses mesmos valores materiais através de lutas por reconhecimento que exercem um tipo de pressão para a ampliação e o redirecionamento dos direitos. Honneth diz que o “reconhecimento jurídico contém em si um potencial moral capaz de ser desdobrado através de lutas sociais, na direção de um aumento tanto de universalidade quanto de sensibilidade para o contexto”. (HONNETH, 2003, p. 277). Nesse sentido, parece efetivamente que as lutas pelo reconhecimento de uma estima social têm o objetivo no final das contas de vê assegurado um direito previamente inexistente. No entanto, Honneth tem razão em insistir na necessidade de uma terceira dimensão tal como a solidariedade, pois o acento apenas na instância do direito faz com que os próprios indivíduos fiquem fora da elaboração de normas garantidoras de reconhecimento. É a luta pelo reconhecimento de suas propriedades particulares que amplia o leque do direito, garantidor de liberdade e autonomia dos indivíduos.

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