A TECNICIDADE NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA

May 24, 2017 | Autor: Claudio Oliveira | Categoria: Tecnologia, Identidades, formação identitária
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A TECNICIDADE NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA
Claudio Luiz da Silva Oliveira*

Resumo
Muito se fala sobre a construção da identidade e os fatores que envolvem a formação do ser humano. Este trabalho tem como objetivo analisar como ocorre essa construção numa era globalizada, com os meios de comunicação tão avançados e uma juventude tão conectada aos meios tecnológicos. Com isso, foi colocado em discussão o homem x sociedade, a chamada sociedade-rede e o "boom" das identidades na nova era, levando em consideração o novo perfil da juventude moderna. Serviram como base teórica o texto "Identidade", de Zygmunt Bauman (2004), e "Sociedade Midiatizada", de Jesús Martín-Barbero (2006), além de outras fontes. A partir das análises feitas, conclui-se que as tecnologias interferiram e interferem no processo de construção da identidade, principalmente dos jovens, que se deixam influenciar, com muita facilidade, pelos avanços tecnológicos.
Palavras-chave: Identidade; construção; modernidade; tecnologias.

LA TECNICIDAD EN EL PROCESO DE CONSTRUCCIÓN IDENTITARIA

Resumen
Mucho se habla sobre la construcción de la identidad y los factores que envuelven la formación del hombre. Este trabajo tiene por objetivo analizar como ocurre esa construcción en una era que está globalizada, con los medios de comunicación tan desarrolados y una juventud tan conectada a los medios tecnológicos. Con eso, fue puesto en discusión el hombre x sociedad, la llamada sociedad-red y el "boom" de las identidades en la nueva era, llevando en consideración el nuevo perfil de la juventud moderna. Sirvieron como base teorica el texto "Identidad", de Zygmunt Bauman, y "Sociedad Midiatizada", de Jesús Martín-Barbero, además de otras fuentes. Después de hechos los análisis, se concluye que las tecnologías interfirieron e interfieren en el proceso de construcción de la identidad, principalmente de los jóvenes, que se dejan influir, con mucha facilidad, por los desarollos tecnológicos.
Palabras llave: Identidad; construcción; modernidad; tecnologías.

INTRODUÇÃO
Percebe-se claramente que, ao longo do tempo, as características da sociedade humana têm sofrido uma alteração significativa. Isso se deve especificamente à influência da globalização num lugar antes tido como imutável, sólido e com um rizoma impossível de sofrer alterações, assim como o conceito de sujeito indivisível. É inegável o fato de que estamos diante de uma mutação devido a transformações na época em que vivemos, mudanças essas observadas desde o início da revolução industrial, em que máquinas passaram a substituir a mão de obra humana, fazendo com que esse homem devesse buscar outras formas de sobrevivência, uma delas seria dominando a máquina criada para substituí-lo.
Por esse motivo, a identidade do indivíduo passa por transformações constantes, pois há uma preocupação a todo momento em ser aceito. Essas mudanças ocorrem devido ao fator da multiplicação de referentes, conforme afirma Martín-Barbero (2006) "desde aqueles com os quais o sujeito se identifica enquanto tal, pois o descentramento não o é só da sociedade, mas também dos indivíduos, que agora vivem uma integração parcial e precária de múltiplas dimensões que os conformam." Nesse sentido, conclui-se que o indivíduo já não é mais indivisível, pois dentro dele há influências de vários referentes.
Inicialmente, trataremos sobre a crise das três grandes instituições da modernidade: o trabalho, a política e a escola que, segundo Martín-Barbero (2006) constituíam a fonte do sentido coletivo da vida. Assim, a sociedade-rede entra como um fenômeno de separação sistêmica "do global e do local, do público- formal e do privado-real"(Martín-Barbero, 2006, p.60).
As tecnologias vieram com uma grande influência no modo de viver do ser humano. Na maioria das situações elas vieram como generosas fontes de ajuda para a sobrevivência do novo modo de vida. Porém, em alguns casos, elas fazem com que a humanidade perca muito de si e da sua essência. As fronteiras, antes tão necessárias para evitar as invasões e violações culturais, hoje já não existem mais. Há uma interconexão a nível mundial entre empresas, instituições e indivíduos, levando as pessoas a incluírem ou excluírem aquilo que acham necessário. Isso é causado pelo sentimento de impotência mediante a exposição dada à queda das fronteiras, levando a perda do controle da própria vida. De acordo com Bauman (2005, p. 11)
A questão da identidade também está ligada ao colapso do Estado de bem-estar social e ao posterior crescimento da sensação de insegurança, com a "corrosão do caráter" que a insegurança e a flexibilidade no local do trabalho têm provocado na sociedade. Estão criadas as condições para o esvaziamento das instituições democráticas e para a privatização da esfera pública, que parece mais um talk-show em que todo mundo vocifera as suas próprias justificativas sem jamais conseguir produzir efeito sobre a injustiça e a falta de liberdade existentes no mundo moderno.

Observa-se, portanto, que a falta de liberdade é um fator que já se tornou comum no mundo moderno, tendo em vista que nada mais é mantido em segredo, com tantos hackers e crackers invadindo redes socias, lugar onde as pessoas postam toda sua vida, como uma espécie de diário, só que agora com imagens e vídeos, além de não haver mais o cadeado para que ninguém possa lê-lo.

















A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
A busca pela identidade se tornou um dos assuntos mais discutidos na contemporaneidade. Isso ocorre pela necessidade constante de aceitação na sociedade na qual o indivíduo se sente pertencente, baseada em conceitos pré-estabelecidos de reconhecimento e status social. O ser reconhecido por suas características próprias e ser aceito é um objetivo indiscutível. Para Bauman (2005, p. 16)
as pessoas em busca de indentidade se vêem invariavelmente diante de uma tarefa intimidadora de "alcançar o impossível", pois essa expressão genérica implica, como se sabe, tarefas que não podem ser realizadas no "tempo real", mas que poderão ser presumivelmente realizadas na plenitude do tempo – na infinitude...

Assim, pode-se afirmar que a constante na identidade é impossível, pois ela muda e o indivíduo não é indivisível, pois está passivo à absorção dos referentes sociais com os quais ele se identifica, tendo em vista a necessidade constante de aceitação social.
Não podemos mais associar identidade com raízes, remetendo à ideia de costumes e territórios, além de uma memória simbólica densa. Hoje, a identidade está associada à mutação, migração, mobilidade, redes e fluxos que permitem o ir e vir rápido, constante e com muita fluidez, conforme explicita Martin-Barbero (2006, p. 61):
Até pouco tempo, falar de identidade era falar de raízes, isto é, de costumes e território, de tempo longo e de memória simbolicamente densa. Disso e somente disso estava feita a identidade. Mas falar de identidade hoje implica também – se não quisermos condená-la ao limbo de uma tradição desconectada das mutações perceptivas e expressivas do presente. – Falar de migrações e mobilidades, de redes e de fluxos, de instantaneidade e fluidez. Antropólogos ingleses expressaram essa nova conformação das identidades através da esplêndida imagem das moving roots, raízes móveis, ou melhor, de raízes em movimento. No imaginário substancialista e dualista que ainda permeia a antropologia, a sociologia e até a história, essa metáfora será inaceitável, e, no entanto, nela se vislumbram algumas realidades mais fecundantes desconcertantes do mundo que habitamos: que, como afirma o antropólogo catalão Eduard Delgado, "sem raízes não se pode viver, mas muitas raízes nos impedem de caminhar."

Assim, pode-se destacar que a identidade está relacionada ao sentido de pertencimento. O indivíduo buscará sua identidade como meio de sobrevivência ao lugar ao qual se acha pertencente. Porém, conforme afirma Bauman (2005, p. 17)
Tornamo-nos conscientes de que o "pertencimento" e a "identidade" não têm solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o "pertencimento" quanto para a "identidade". Em outras palavras, a ideia de "ter uma identidade não vai ocorrer às pessoas enquanto o "pertencimento" continuar sendo o seu destino, uma condição sem alternativa". Só começarão a ter essa ideia na forma de uma tarefa a ser realizada, e realizada vezes e vezes sem conta, e não de uma só tacada.

A sociedade espera a autodefinição, a solidificação da identidade para que o indivíduo não se sinta deslocado do seu "habitat natural", pois dessa forma saberá seu local da cultura e sentirá o pertencimento cultural. Se o sujeito não se encontrar, ficará "deslocado", sem saber que rumo seguir, pois não se sentirá parte de lugar algum.
Assim que as três grandes instituições da modernidade – trabalho, política e escola - entram em crise, fica notório a "crise identitária", pois fica claro o fator do deslocamento, em que a base se desfaz, se fragmenta, fazendo com que o indivíduo se fragmente também, pois não há mais a segurança da fonte do sentido coletivo da vida.
Outra questão relativa à construção da identidade, diz respeito à diversidade cultural. Conforme Martin-Barbero (2006, p. 61), "a diversidade cultural se faz interculturalidade nos territórios e nas memórias, mas também nas redes a diversidade resiste, enfrenta e interage com a globalização, e acabará por transformá-la". Dessa forma, destaca-se a necessidade do indivíduo em explorar a cultura "do outro", já que a globalização permite tal feito. Quando ocorre a identificação do que não lhe pertence, dá-se, portanto, a miscigenação cultural, na qual a pessoa toma para si características que não são pertencentes ao seu lugar de origem.

Identidade, Socialização e Globalização
Tendo em vista a era da globalização e a modernidade tecnológica proeminente, não restam dúvidas de que isso interfere na construção da identidade, principalmente na juventude. Pode-se discorrer sobre vários fatores que afetam essa construção e o novo tipo de característica social apresentada pela juventude na contemporaneidade. Percebe-se claramente ainda a desintegração da identidade devido à modernidade, ou a (re) invenção de outra identidade passível de mudanças a todo o momento.
Segundo Lars Dencic (Apud Bauman, 2005, p. 30)

As afiliações sociais – mais ou menos herdadas – que são tradicionalmente atribuídas aos indivíduos como definição de identidade: raça, gênero, país ou local de nascimento, família e classe social agora estão.... se tornando menos importantes, diluídas e alteradas nos países mais avançados do ponto de vista tecnológico e econômico. Ao mesmo tempo, há a ânsia e as tentativas de encontrar ou criar novos grupos com os quais se vivencie o pertencimento e que possam facilitar a construção da identidade. Segue-se a isso um crescente sentimento de insegurança...

Ou seja, todo o conceito pré-estabelecido sobre família, cor, raça, gênero ou classe social foi diluído, fragmentado, posto as mudanças de comportamento influenciadas pelo avanço tecnológico. O fator do pertencimento, do se sentir parte é que faz com que haja uma constante insegurança no indivíduo como ser social, pois necessita disso para se estabelecer no meio em que vive.
Outra característica da nova geração, a chamada "Y" ou "Z", diz respeito às formas de interação entre os membros da sociedade, tendo em vista o crescente número de usuários das redes sociais, como facebook, whatsapp, twitter, instagram e mais recentemente o Snapchat. Assim, é possível classificá-las como comunidades virtuais que criam uma ilusão de relação de intimidade entre seus usuários, como se mantivessem uma amizade forte e duradoura que, no entanto, a qualquer momento pode ser desfeita com um botão de "excluir/deletar/bloquear amigo". Na realidade, as amizades não podem ser desfeitas com a mesma facilidade; por isso a preferência pelo meio virtual, dando uma sensação de facilidade relacional.
No entanto, a internet não pode ser um substituto das relações sociais "cara a cara". Em qualquer espaço público e privado que se vá, é comum a presença, apenas do corpo, de pessoas nas mesas de bares e restaurantes, pois suas mentes estão voltadas para um aparelho em suas mãos que permite manter contato com indivíduos que nem estão ali. Em outros casos, mais absurdos, pessoas sentadas frente a frente não olham nos olhos uma da outra e muito menos mantêm uma conversa entre elas. No entanto, conversam entre si através de mensagens como se estivessem a quilômetros de distância. Segundo o professor de educação e profundo conhecedor das relações sociais contemporâneas Andy Hargreaves (Apud Bauman, 2005, p.31)

Em aeroportos e outros espaços públicos, pessoas com telefones celulares equipados com fones de ouvido ficam andando de cá para lá, falando sozinhas e em voz alta, como esquizofrênicos paranoicos, cegos ao ambiente ao seu redor. A introspecção é uma atitude em extinção. Defrontadas com momentos de solidão em seus carros, na rua ou nos caixas de supermercados, mais e mais pessoas deixam de se entregar a seus pensamentos para, em vez disso, verificarem as mensagens deixadas no celular em busca de algum fiapo de evidência de que alguém, em algum lugar, possa desejá-las ou precisar delas.


O ser humano se isola socialmente, ao mesmo tempo em que interage. O isolamento diz respeito às relações vivas, fora do mundo virtual, em que muitos sujeitos não conseguem se impor ou emitir sua opinião. A interação acontece somente no meio virtual, pois o indivíduo se sente protegido atrás de uma tela, como se esse objeto tivesse o poder de protegê-la e ao mesmo tempo criasse um falso sentimento de segurança. Para Bauman (2005, p. 32)
Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas identidades em movimento – lutando para nos juntarmos aos grupos igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos manter vivos por um momento, mas não por muito tempo. [...] Os celulares são suficientes. Podemos comprá-los, junto com todas as possibilidades de que possamos precisar para esse fim, numa loja da principal rua do centro da cidade. Com o fone de ouvido devidamente ajustados, exibimos nossa indiferença em relação à rua em que caminhamos, não mais precisando de uma etiqueta rebuscada. Ligados no celular, desligamo-nos da vida. A proximidade física não se choca mais com a distância espiritual.

As fronteiras do mundo já não existem mais. O mundo tem acesso ao mundo. Ou seja, nada mais pode ficar escondido, podemos ter conhecimento sobre tudo e todos, ao mesmo tempo em que se fala sobre privacidade em uma era em que a globalização extinguiu isso dos indivíduos, deixando a mercê da fragilidade e dos olhares dos outros. Não se sabe mais quem é quem. Não conseguimos responder a questão: Quem sou eu? Segundo Bauman (2005, p. 33), em 1994, um cartaz espalhado pelas ruas de Berlim ridicularizava a lealdade a estruturas que não eram mais capazes de conter as realidades do mundo: "Seu Cristo é judeu. Seu carro é japonês. Sua pizza é italiana. Sua democracia, grega. Seu café, brasileiro. Seu feriado, turco. Seus algarismos, arábicos. Suas letras, latinas. Só o seu vizinho é estrangeiro".
Até mesmo nas relações conjugais as tecnologias interferem.
Flertes extraconjugais e até casos de adultério são ao mesmo tempo inevitáveis e intoleráveis. [...] E assim ambos os parceiros no casamento do Estado-Nação se mostraram cada vez mais indiferentes com relação à união e deixam-se levar, de modo lento mas constante, na direção do novo padrão político dos CSS (casais semi-separados), que agora está na moda."(Bauman, 2005, p.35)

Nessa perspectiva, se conclui que a identidade está ligada ao desejo de segurança, do se sentir protegido e aceito, pois de acordo com Bauman (2005, p. 35)
O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio um sentimento ambíguo. Embora possa parecer estimulante no curto prazo, cheio de promessas e premonições vagas de uma experiência ainda não vivenciada, flutuar sem apoio num espaço pouco definido, num lugar teimosamente, perturbadoramente, "nem-um-nem-outro", torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora de ansiedade. [...] Resumindo: "identificar-se com..." significa dar abrigo a um destino desconhecido que não se pode influenciar, muito menos controlar. Assim, talvez seja mais prudente portar identidades na forma como Richard Baxter propôs, que fossem usadas as riquezas mundanas: como um manto leve pronto a ser despido a qualquer momento. Lugares em que o sentimento de pertencimento era tradicionalmente investido (trabalho, família, vizinhança) são indisponíveis ou indignos de confiança, de modo que é improvável que façam calar a sede por convívio ou aplaquem o medo da solidão e do abandono.

Assim, se esclarece que "as identidades" de cada indivíduo são passíveis de alterações, de acordo com a necessidade de ambientação e aceitação por parte do indivíduo, pois a identidade é imposta pelo meio de convivência, em que há uma guerra constante pelo reconhecimento identitário, que pode ser travada tanto individual como coletivamente. Conforme Martín-Barbero (2006, p. 65)
A identidade não é, pois, o que é atribuído a alguém pelo fato de estar aglutinado num grupo – como na sociedade de castas – mas, sim, a expressão daquilo que dá sentido e valor à vida do indivíduo. É, ao tornar-se expressiva, que a identidade depende de um sujeito individual ou coletivo, e portanto vive do reconhecimento dos outros: a identidade se constrói no diálogo e no intercâmbio, já que é aí que indivíduos e grupos se sentem desprezados ou reconhecidos pelos demais.

Conclui-se, portanto, que a identidade é, de fato, consideravelmente influenciada pela tecnologia. As atitudes e o caráter de muitas pessoas se modificam e isso influi no processo de construção identitária.












REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi/Zygmunt Bauman. Rio de Janeiro: Joege Zahar ed., 2005.

MARTIN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades de comunicação no novo século. In: MORAES, Dênis de (Org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.

RIBEIRO, Ione Cristina; SOUSA, Maria Sueli. NEORRURAIS: uma identidade em construção na era da globalização. Disponível em: . Acesso em: 20/03/2016.



*Professor de Língua Espanhola da Universidade Federal do Acre. Especialista em Tecnologias da Informação e Comunicação e Metodologia do Ensino da Língua Inglesa e Espanhola. Mestrando do curso de Pós-graduação strictu sensu em Letras da Universidade Federal do Acre. E-mail: [email protected]

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