A Teoria da Dependência: Uma Contribuição aos Estudos de Relações Internacionais

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A Teoria da Dependência: Uma Contribuição aos Estudos de Relações Internacionais

A Teoria da Dependência: Uma Contribuição aos Estudos de Relações Internacionais José Alexandre Altahyde Hage (Fundação Armando Alvares Penteado)1 Resumo: O objetivo deste ensaio é analisar a teoria da dependência e seu impacto nos países em desenvolvimento justamente no momento em que alguns deles se industrializavam, como Brasil e México. Nosso intuito não é fazer algo evidente e mecânico, visto que verificar a teoria da dependência não guarda originalidade na época atual. Nossa intenção é comparar três fontes de critica e explicação: 1 – a percepção da CEPAL a respeito da Divisão Internacional do Trabalho, 2 – A critica de Cardoso e Faletto a respeito da industrialização e 3 – a visão de Marini sobre os limites e contradições das explicações precedentes. Por fim, gostaríamos de analisar a dependência tanto sob a tradição marxista e sua possível utilização como instrumento teórico das relações internacionais, sobretudo em um momento em que o centro hegemônico do capitalista entra em crise. Palavras-chave: Teoria Crítica; Marxismo; América Latina; Economia Internacional. Abstract: This essay aims to analyze the dependence theory and its impact on developing countries exactly at the time when some of them were being industrialized, such as Brazil and Mexico. We do not intend to do anything evident and mechanic, as the verification of the dependence theory is not original in the current time. We intend to compare three critique sources and their explanations: 1 - how CEPAL deals with the International Division of Labor; 2 - the critique about industrialization by Cardoso and Faletto; and 3 - the view of Marini on the limits and contradictions of the preceding explanations. Finally, we would like to analyze the dependence on the Marxist tradition and its possible use as a theoretical instrument in International Relations, mainly at a time when the hegemonic capitalist center is in crisis.

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José Alexandre Altahyde Hage é doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas. Possui estágio pós-doutoral pelo Depto de História da Universidade Federal Fluminense. Na atualidade é professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo, campus Osasco. E-mail: [email protected].

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Keywords: Criticism Theory; Marxism; Latin-America; International Economy. Introdução

À primeira vista, a teoria da dependência não se encaixa no agrupamento das teorias das relações internacionais da mesma maneira que o realismo, o idealismo ou a interdependência.2 Quando os estudiosos da dependência começaram a analisar o fenômeno em si foi por causa de questões domésticas, das estruturas de classe, dos conflitos sociais e da industrialização

que

apresentaram,

em

princípio,

implicações

internacionais. Da mesma forma que o marxismo, a dependência reconhece a força dos atores internacionais e a expressão das grandes potências, como o imperialismo e a hegemonia. Mas seu raciocínio não considerou sua produção intelectual como contribuição aos estudos de Política Internacional. Recentemente, com o crescimento dos cursos de Relações Internacionais no Brasil, nos anos 1990, passou-se a considerar a teoria da dependência como item de estudo e de compreensão da realidade dos países em desenvolvimento. Mas por que a teoria da dependência chamou atenção dos estudiosos de relações internacionais? Uma resposta que procura ser razoável é porque o sujeito de estudo continua válido. O sujeito são os Estados nacionais e suas movimentações em um sistema visto como desigual e oligárquico, no qual sua cadência cabe às potências mais bem preparadas econômica e militarmente. Assim lembra Fred Halliday, para

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Apenas como explicação no campo teórico das relações internacionais a primazia ainda cabe ao pensamento realista e ao liberal (idealista). Porém, isso não tem impedido o aparecimento de outras correntes, como a marxista aplicada na vida interestatal.

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quem o marxismo apresenta justificativas para ser instrumento avançado de análise internacional a partir do ponto em que continuam existindo países explorados (HALLIDAY, 2007: 64). Deste modo, se o núcleo de estudo das relações internacionais é ocupado, em primeiro lugar, pelos Estados e a posição deles em face aos homólogos no jogo do poder e na luta pela distribuição de riquezas, então é legitimo que a teoria da dependência seja alçada como instrumento válido para estudar política internacional e seus correlatos: guerra, riqueza etc. Nisso acreditamos não haver oposição de seus representantes. A teoria da dependência goza de trânsito nas instituições acadêmicas dos países em desenvolvimento no geral e na América Latina em particular. Trata-se de uma explicação para compreender as razões sociais, econômicas e históricas que concorrem para manter a situação de pobreza de grande parcela das sociedades nacionais. No plano externo, a teoria da dependência também é utilizada para analisar as desigualdades políticas e econômicas existentes entre os Estados industrializados, grosso modo localizados no Hemisfério Norte, e os dependentes, pobres do Hemisfério Sul. É a dicotomia centro e a periferia. É difícil precisar a gênese da teoria da dependência. Isto porque estudos sobre a pobreza de povos coloniais e países “semicoloniais”, presos por estruturas internacionais de poder, são encontrados no pensamento marxista desde os primeiros anos do século XX. O próprio Marx já havia debruçado sobre a exploração de países imperialistas, como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, sobre áreas consideradas abertas a empreendimentos internacionais de concepções progressistas para o capitalismo em expansão. No texto A Dominação Britânica da Índia o pensador alemão havia escrito que apesar dos dilemas morais resultantes do poder europeu sobre 108

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sofisticada cultura asiática os resultados poderiam ser salutares para os próprios dominados. Os motivos para isso seriam os incrementos feitos pelos capitalistas britânicos que, ao fim do processo colonizador, teriam contribuído para a criação de uma Índia mais bem organizada em sua economia e burocracia, portanto apta para lutar pela independência (MARX, 1982: 320). É claro que a independência nacional contaria, em grande monta, com a consciência de classe do operariado local, que tomaria os destinos do Estado para a conformação de uma nova Índia. Mas não restariam dúvidas de que o instrumento a favor da causa também seriam frutos do período em que Londres dominava o subcontinente por meio de estradasde-ferro, estaleiros, e fábricas que se tornariam patrimônio indiano. Por vez, Lênin em seu Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo procura analisar a relação entre países industrializados e agrários, bem como o uso sistemático de investimentos financeiros, como meio de dominação político-econômica. Aqui o revolucionário russo já aponta atores que se tornarão importantes nos estudos sobre a dependência: as empresas multinacionais em atuação nos países agrários. Um dos pontos observados era o emprego de investimentos alemães, da Siemens e da Krupp na Rússia czarista (LÊNIN, 1987: 41). Ainda que Marx e Lênin não conhecessem o conceito de dependência suas visões a respeito da preeminência político-econômica de países centrais sobre periféricos do sistema internacional não são estranhas para estudiosos da questão. Isto porque se o pano de fundo é a ascensão do capital, financeiro, industrial e tecnologia como meios de projetar poder dos Estados mais fortes, logo, eles passam a ser úteis para o debate da teoria da dependência, uma vez que o problema da autonomia nacional (e por que não questão nacional) está presente. 109

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Mas se o debate sobre problemas da dependência, em sua versão preliminar, já estava presente no começo do século XX, como averiguou Marx e Lênin, qual teoria então se considera como a mais presente e evidente nos debates sobre pobreza econômica e distância de poder entre os países centrais e periféricos após a Segunda Guerra Mundial? Ao se pensar na teoria da dependência leva-se em conta sua versão contemporânea, aquela produzida nas universidades de boa parte do mundo em desenvolvimento, como a América Latina a partir dos anos 1960. Esse desdobramento da dependência dialoga com o marxismo naquilo que ele tem de “feições internacionais” e na sensibilidade que seus estudiosos têm para compreender fenômenos que levam ao conflito. O debate da teoria da dependência leva em consideração as razões que conservam os países do Hemisfério Sul em situação crônica de pobreza para maioria de seus habitantes, bem como a posição dependente que tais países têm no sistema econômico internacional. Por que o Brasil continua periférico e com sua população básica pobre? São perguntas dessa natureza que passaram a fazer os principais nomes da teoria da dependência na América Latina, como Fernando Henrique Cardoso, Enzo Faletto e Ruy Mauro Marini. Apesar de ter havido forte industrialização na região por que a situação de exclusão e de baixo nível de vida não mudou? Afinal, não era pronunciado logo após a Segunda Guerra que à medida que houvesse industrialização mais as sociedades nacionais progrediriam e neutralizariam aquelas máculas do mundo agrário e atrasado? Observando que a industrialização latino-americana, por exemplo, não lograva situação promissora para a parte mais necessitada dos países Cardoso, Faletto, Marini, e outros, abriram diálogo, nem sempre fácil, com economistas que haviam defendido a industrialização como meio de 110

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superar a pobreza e alterar a posição relativa dos países pobres no sistema internacional. 3 Como não é fácil localizar quando o debate da dependência começou, a não ser a dependência marcada pelos eventos dos anos 1960, também é trabalhoso citar seus autores e compreender qual a relação intelectual entre eles. A razão para isto é que a teoria da dependência não é homogênea. A saber, não há obrigatoriamente situação de concordância ou pensamento comum entre aqueles que seguem essa orientação. A teoria da dependência procura demonstrar que o sistema econômico internacional sofre uma cisão que marca uma porção do Globo formado por países ricos e centrais. Já no Hemisfério Sul parte considerável é de unidades políticas pobres. Todos os seus seguidores acreditam que essa cisão não é natural. Ela é resultado da forma com a qual o sistema internacional foi se formando historicamente, portanto a situação de pobreza e riqueza é resultado político e por isso pode ser alterado. Mas aí há o imbróglio. Como mudar sistema que politicamente é dominado pelas grandes potências que, coordenam a economia internacional e seus correlatos como o progresso técnico e o papel das modernas empresas multinacionais, as trocas comerciais, as instituições etc? O debate na dependência para a superação da pobreza e exclusão das grandes questões internacionais não é único. Pelo fato de ser composição intelectual complexa a dependência oferece basicamente dois

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É congruente explicarmos o conceito sistema internacional. Para a teoria realista de relações internacionais, tributária da política de poder; ou para a denominada Escola Inglesa, sistema internacional é maneira com a qual os Estados nacionais se relacionam por meio da moderna diplomacia e demais organizações internacionais, obedecendo a um centro aglutinador. Sob este prisma, quem coordena o sistema são as grandes potências que assim fazem por meio do poder político. Sobre esta leitura consultar Raymond Aron (ARON, 1986: 159).

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métodos de resolução: o reformista e o revolucionário. Pode acontecer do teórico dependentista dialogar com os dois campos de ação. O grupo reformista advoga a ideia de que a superação da pobreza nacional, da maioria da sociedade, pode ser alcançada por meio de políticas públicas, de melhorar a posição relativa do Estado no sistema internacional à medida que ocorre industrialização com meios mais avançados. Apesar de divergências com referência à ação alguns teóricos da dependência, caso de Cardoso e Faletto, tem mais aproximação com o reformismo da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) que conflito aberto. Afinal, eles não ignoram os esforços sinceros de Celso Furtado e Raul Prebisch (LOVE, 1998: 359). Já o lado revolucionário compreende que a situação periférica de um determinado Estado não deve ser superada apenas pela militância nas organizações internacionais e políticas econômicas apropriadas, mas sim por meio da violência, do enfrentamento ao sistema internacional que é historicamente conformado pelas grandes potências seus esforços para manter a situação de vantagem, o que tem sido feito também pelas armas. Por isso, as guerras revolucionárias têm seu papel transformador na história. 4 Nesta parte introdutória nossa intenção é demonstrar que a teoria da dependência desenvolvida nos anos 1960 é resultado de pensamento crítico, de Marx e Lênin, sobretudo. Contudo, seus autores não se fecham somente no ideário revolucionário; há também o grupo reformista que, sem ignorar a crítica dos primeiros, dialoga com a CEPAL.

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Seriam os exemplos de grandes rupturas não somente com o capitalismo liberal angloamericano, mas também com a economia socialista engessada, a soviética. Para Cardoso e Faletto China, Argélia e México são exemplos de esforços para a construção nacional sem ingerências das grandes potências (CARDOSO e FALETTO, 1977: 27).

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E qual é o objeto de estudo? É a situação de pobreza e exclusão da maior parte das sociedades nacionais. Para a dependência essa questão às vezes não somente perdura, mas se sofistica com o tempo. Quer dizer, o que o pessoal da CEPAL não havia percebido é que o fenômeno da dependência pode ser reforçado no processo de industrialização, pois sociologicamente as classes dominantes migram do campo para a cidade; deixam a agricultura tradicional e se transferem para os negócios urbanos, conservando as vantagens de classe.

A CEPAL e a Desigualdade Internacional

Antes de discorrermos sobre a crítica da teoria da dependência sobre o processo de industrialização do Terceiro Mundo, e da América Latina em particular, é necessário comentar como ela ocorreu. Por conseguinte, também é necessário compreender os atores e as ideias ligados à CEPAL, órgão mais importante sobre estudos econômicos latinoamericanos. A existência da CEPAL não é divorciada do desejo de industrializar a América Latina. Apenas como ilustração histórica já havia no Brasil, nos anos 1930, esforço não sistematizado de industrialização. Foi célebre o empenho do governo Vargas para adquirir moderna siderurgia pela qual o País adentraria em nível superior de economia na qual o crescimento seria para dentro e não basicamente para fora, como na agroexportação. Lembrando Gerson Moura, houve contatos importantes entre os governos Vargas e Hitler para que o Brasil adquirisse usina siderúrgica por meio de intercâmbio comercial e facilidades econômicas alemãs (MOURA, 1982: 91). É conhecido que Getúlio usou artimanhas conhecidas como pragmatismo equidistante com o qual o presidente 113

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jogava politicamente com as duas potências mundiais. No entanto, considerando a posição geopolítica brasileira não seria da Alemanha Nazista que o Brasil teria sua siderurgia, mas sim dos próprios Estados Unidos que financiaram a Companhia Siderúrgica Nacional como compensação por ter o Brasil participado do grande conflito com os Aliados. O clima de guerra marca a necessidade de se industrializar os grandes países da América Latina, como Argentina, Brasil e México em termos

mais

adiantados,

como

o

planejamento

governamental;

instrumento talvez não conhecido por Vargas nos anos 1930. Mas por que a industrialização¿ A resposta emerge na criação da CEPAL após a Segunda Guerra. No pensamento estruturalista (sinônimo de CEPAL), países que apresentam pauta de exportação amplamente baseada em produtos agrícolas são fadados à posição periférica e não têm condições de dar saltos de progresso técnico nem de planejar a vida nacional. Disso nascem esforços de substituição de importações que os países latino-americanos procurarão explorar até os anos 1980. Na ótica de João Manuel Cardoso de Mello: “As economias periféricas enquanto exportadoras de produtos primários (mais tarde se diria: na etapa do desenvolvimento para fora) não dispõem, assim, de comando sobre seu próprio crescimento que, ao contrário, depende, em ultima instância, do vigor da demanda cêntrica” (MELLO, 1988: 15).

Demanda cêntrica que, de acordo com o autor, marca profundamente as relações entre os países produtores de artigos primários, bens não duráveis, com os industrializados, caso da Grã-Bretanha da segunda parte do século XIX. Para esse fenômeno da economia política o pensamento crítico latino-americano tem nome: deterioração dos termos 114

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de troca, resultado esperado da clássica Divisão Internacional do Trabalho (DIT).

A gênese da questão é que para a economia clássica do século XIX, David Ricardo entre outros, os negócios internacionais são organizados informalmente pela DIT na qual os países participam com vantagens comparativas. A saber, cada unidade política entra no comércio exterior com aquilo que melhor produz. Isto porque há uma espécie de lei natural da qual os países não podem ignorar; se o Brasil, por exemplo, é eficaz na produção de café cabe ao País exportar esse bem. Escreve Ricardo sobre Portugal e Inglaterra no final do século XVIII, referências polarizadas das vantagens adquiridas: “A Inglaterra exportava seu tecido em troca de vinho porque, dessa forma, sua indústria se tornava mais produtiva para o país; Portugal importava tecido e exportava vinho porque a atividade portuguesa poderia ser mais beneficamente utilizada por ambos os países na produção de vinho. Se houver maior dificuldade na produção de tecidos, na Inglaterra, ou na produção de vinho, em Portugal (...) o comércio imediatamente cessará” (RICARDO, 1973: 324).

Em outro aspecto, a Grã-Bretanha tem de participar com a exportação de suas máquinas e bens manufaturados. Por que o Brasil e Argentina não exportam máquinas? Porque esses países não têm vantagem comparativa para isso. Caso fossem produzir manufaturado o resultado seria algo de qualidade inferior, pois não são nações capacitadas para tal. Os países do Sul têm de aproveitar aquilo que a natureza lhes brindou: terra, água e sol. As vantagens comparativas não são boas nem más para quem as têm. Por ventura, se a Grã-Bretanha produz máquinas não é por escolha ou preconceito, mas sim pelo motivo de o país não ter vantagem

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comparativa5 na agricultura; nela não há grande incidência de sol nem terreno agricultável suficiente para transformá-la em player mundial. O que restaria ao império senão exportar máquinas e comprar alimentos? Deste modo, cada país aproveita suas vantagens comparativas no mercado internacional. O Norte exporta máquinas e o Sul vende produtos primários. Mas por que combater essa lógica clássica? Porque no final das contas ela distorce as relações econômicas internacionais a favor dos países industrializados. Nos anos 1950 a equipe estruturalista, com Celso Furtado, Luís Pereira e Aníbal Pinto, começou a reparar que a distorção a favor do Norte significava, com o tempo, a depreciação do valor dos produtos tropicais e o encarecimento dos manufaturados.6 Por tanto, aquilo era transferência de riquezas da periferia para o centro que provinha desde o século XIX (FURTADO, 1992: 62). Eis a razão primeira de se industrializar a América Latina, escapar da lógica perversa de transferência de riquezas para o Norte. Além disso, o processo industrializante também teria o mérito de fazer alterações

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Ainda que possa ser redundante pensamos ser conveniente reproduzir a visão de Furtado sobre vantagens adquiridas: “A vantagem comparativa eleva a produtividade econômica de um sistema sem modificar sua forma de produção. Aí está a origem da nossa forma de desenvolvimento. Primeiramente elevamos a produtividade econômica, em decorrência da inserção no sistema da divisão internacional do trabalho. (...) onde há uma expansão da renda, um aumento da produtividade econômica, mas não uma modificação nas formas e nas técnicas de produção, o que existe na verdade é modernização e não desenvolvimento” (FURTADO, 1981: 123). 6 Uma explicação simples. A deterioração dos termos de troca acontecia porque os produtos manufaturados agregavam valor por meio de progresso tecnológico, o que não ocorria com o bem agrícola. Na época da pax britannica uma locomotiva agregava valor com o passar do tempo – havia melhorias nela, o que contribuía para aumentar seu valor. Por outro lado, não havia valor agregado na agricultura. Naquele tempo a exportação de café, por exemplo, era do bem in natura, cujo valor se dava pelo trabalho aplicado. Por isso, era necessário exportar sempre maior número de café para comprar a mesma máquina, só que modificada pelas melhorias. É claro que esse raciocínio seria ultrapassado na atualidade em que há laboratórios cujo papel é pesquisar e agregar valor à agricultura, vide o que acontece com a soja.

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sociais à medida que ofereceria empregos urbanos para boa parte da população rural, tradicionalmente com baixo perfil educacional. No mesmo ponto, considerou-se que em uma economia industrializada haveria aumento de renda para os trabalhadores, pois a produção alcançaria altos níveis por causa do consumo nacional represado. Em outras palavras, a industrialização se daria, inter alia, em virtude de mão-de-obra que migraria do campo para a cidade e da transformação do trabalhador em consumidor de bens duráveis, artigos que anteriormente não poderiam ser comprados por essa classe social em razão do alto preço. O aumento do consumo representaria o aumento da produção industrial – por isso a circulação de riquezas. Em países como o Brasil a industrialização só teria de acontecer por meio de triangulação entre o Estado, o empresariado nacional e a corporação multinacional. Para a CEPAL a cadência do processo caberia ao Estado, ao ente político, por meio de novo arranjo burocrático nos países periféricos: os modernos quadros do planejamento governamental; técnicos treinados em universidades com competência de montar cenários e balancear a realidade nacional, considerando possibilidades e obstáculos nas regiões do país. Essa operação mental não era original, uma vez que o Estado norteamericano, nos anos 1930, governo Roosevelt já havia feito isso por meio dos departamentos de controle e acompanhamento em situação de crise, tanto a de 1929 quanto no clima da Segunda Guerra. Começando com setor considerado estratégico, como petróleo, o poder público criou burocracias que devessem coordenar toda a economia nacional (YERGIN, 2010: 253). Embora ideologicamente o planejamento governamental, assim como o nacionalismo econômico, fosse pressuposto da direita, dos fascismos europeus, caso da Itália e da Romênia (Love, 1998) na América 117

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Latina ele ganhou simpatia da esquerda, reformista ou revolucionária. A resposta para esse comportamento talvez seja o fato de a industrialização regional demonstrar um quê de autonomia frente aos grandes centros mundiais de poder. A partir dos anos 1950 a aplicação dos programas de substituição de importações contaria com o apoio de pessoal especializado na formulação de estudos e com instrumentos de ação estatal. Esses instrumentos, no exemplo brasileiro, seriam o financiamento no longo prazo de novos empreendimentos industriais pelo antigo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), bens de capital, papel celulose, mecânicos e outros. Mas haveria também o emprego de medidas protecionistas e facilidades tarifárias a favor do jovem empresário nacional. A medida governamental mais conhecida seja a Instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), cujo propósito era a importação de máquinas sem cobertura cambial, o que era conveniente em ambiente internacional de pouca circulação de investimentos para a América Latina (CAPUTO e MELLO, 2009). Efetivamente Brasil e México avançaram na industrialização e conseguiram montar infraestrutura suficiente para substituir parte substancial das importações. Porém, apesar do aspecto positivo houve a reprodução de firmes distorções sociais, bem como conservação do distanciamento entre o Norte e o Sul. Nesse ponto a teoria da dependência vai dedicar suas críticas à modernização limitada e ao falso desenvolvimento.

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A Crítica Geral da Dependência O livro Dependência e Desenvolvimento na América Latina, de Cardoso e Faletto, é o trabalho mais conhecido sobre o tema. Nele os autores acreditam que o erro dos teóricos cepalinos foi desconhecer a íntima relação entre economia e sociedade ou, para usar a expressão do citado livro, não utilizaram arcabouço sociológico para compreender o porquê das limitações estruturais da América Latina para escapar das amarras condicionais: “A noção de dependência alude diretamente às condições de existência e funcionamento do sistema econômico e do sistema político, mostrando a vinculação entre ambos, tanto no que se refere ao plano interno dos países como ao externo” (...) “A esfera política do comportamento social influi necessariamente na forma do processo de desenvolvimento” (CADOSO e FALETTO, 1977: 27 e 28).

Aliás, é preciso dizer, que a crítica da dependência não se dirige apenas a um tipo de industrialismo – ela também abarca a visão neoclássica do mercado internacional que tanto apego teve pelos dos produtores agrícolas e economistas ligados à agroexportação. Trata-se da chamada fazenda tradicional, conceito dados pelos autores ao modelo histórico pelo qual se formou social e economicamente não só a América Latina, mas todo o conjunto do mundo em desenvolvimento sob a coordenação da DIT. A fazenda tradicional é a base econômica, de exportação agrícola, que transformou aqueles países em plataformas especializadas para os centros hegemônicos. Eram também os enclaves, áreas cuja posição na economia internacional fora determinada pelas grandes potências. Por que enclaves? Porque se tratava de territórios, coloniais ou semicoloniais, cuja função era abastecer países industrializados com certos produtos que para 119

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alcançar níveis altos de eficiência necessitavam de arranjos políticos, sociais e de organização: território específico para açúcar, café e tabaco e meios políticos apropriados, uma oligarquia agrária e uma mão de obra conveniente. Antes os escravos, agora muitos trabalhadores de baixa instrução (CADOSO e FALETTO, 1977: 46). Sob a situação de enclave fica claro que o território em questão não goza de autonomia, nem consegue construir poder centralizado para administrar a unidade nacional, o que se espera para a elevação do Estado propriamente dito. O enclave é uma semicolônia, ainda que o seja país “independente”. Sua dinâmica econômica, as decisões gerais de preço, transporte e comercialização não contam integralmente com a cadência local, do produtor. Parte disso é feito no exterior, sob a cadência dos compradores, negociadores e investidores; banqueiros, importadores, exportadores e armadores sem os quais não há economia agroexportadora. Portanto, é possível verificar qual é a posição de determinado país no sistema internacional, o de ser fornecedor especializado de bens agrícolas e com baixas possibilidades políticas de romper a lógica de comando de poder internacional. 7 Mas não se pode ignorar a outra parte da equação que mantém o país na dependência, as relações sociais internas e a cultura de classe. Estudar a economia por meio da sociologia é reparar que as classes dominantes latino-americanas no período agroexportador haviam

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Pensamos não ser pedante relacionar o trecho acima com a percepção de Kenneth Waltz sobre a estrutura internacional. Waltz opina que a posição de um determinado Estado na estrutura internacional é resultado de seu poder nacional em consonância com os poderes hegemônicos (WALTZ, 2002). Cada Estado ocupa nicho que é lhe atribuído pelas grandes potências. Há como romper esse esquema? Sim, por meio da violência internacional.

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adquirido mentalidade “cosmopolita”, liberal. Não seria difícil perceber que em um sistema livre-cambista as elites econômicas preferem montar sua visão-de-mundo a partir dos grandes centros internacionais, sobretudo os europeus, como Londres e Paris. As classes dominantes, senhores agrários e correlatos, têm ligações e sofrem reflexos das sociedades europeias e norte-americana. Por isso, manter

determinado

país

em

situação

de

dependência,

de

subdesenvolvimento moderno, como preferia Furtado, é necessidade premente para que suas elites nacionais possam exercitar seu ecletismo e formação cosmopolita: “(...) ‘o efeito de demonstração’ incorporar-se-ia à análise como elemento explicativo subordinado, pois o fundamental seria caracterizar o modo de relações entre os grupos sociais no plano nacional – o que, por suposto, depende do modo de vinculação ao sistema econômico e aos blocos políticos internacionais que podem produzir consequências dinâmicas na sociedade subdesenvolvida.” (CADOSO e FALETTO, 1977: 36).

Dependendo do país em questão, a vida nacional é dirigida a partir de fora, do Hemisfério Norte. Contudo, Cardoso e Faletto não acreditam no conceito de subdesenvolvimento, direto e reto, nem pensam que as unidades dependentes sejam todas homogêneas, sem algum tipo de gradação. Aqueles que conseguem manter a integração interna e a coesão social, apesar de conflitos, são denominados sociedades nacionais. Argentina, Brasil e México podem ser exemplos de sociedades nacionais em que há presença do Estado na condução da economia doméstica, na procura de coordenar algum plano de resistência às crises provenientes do exterior.8 No modelo agroexportador, dependente, não há 8

Talvez um exemplo de resistência, apesar dos contratempos gerais e da posição “subalterna” brasileira ao sistema econômico internacional, seja a Convenção de Taubaté,

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como excluir os países da parte mais onerosa das crises econômicas internacionais. Berry Eichengreen demonstra de que no período áureo da economia agrária, a belle époque comandada pela preeminência britânica, a válvula de escape das crises sistêmicas era justamente jogar a parte mais pesada, dos ajustes, para o Sul. Disso resultava desemprego, diminuição de investimentos e outros males que as elites nacionais tinham de administrar pelo fato de ter tirado proveito do Padrão Ouro livre-cambista (EICHENGREEN, 2007: 67). Desta forma, no parecer dos autores, o comportamento cosmopolita, com pouco apego a projeto econômico para o país dependente é algo que se transfere de uma cultura agroexportadora para a industrializante. No fundo, a maneira de ver o mundo continua praticamente a mesma. Na época da economia agrária a produção era voltada para fora – exportava-se muito para que também se comprasse toda a gama de bens de consumo duráveis e não duráveis. No período industrial o país ainda depende do capital exterior. No ambiente de substituição de importações é claro que a economia nacional dá salto de importância e se sofistica por meio de novas instituições que exigem conhecimento. Na lógica evolutiva dos anos 1950, do Partido Comunista Brasileiro, a criação da burguesia nacional, industrializante, é melhor que uma situação agrária, de monocultura. Sobre isso, não se ignora o debate a respeito dos planos de industrialização

de 1906, em que o Barão do Rio Branco procurou articular meios para que os países produtores de café tivessem condições de sustentar o preço do produto em café das depreciações na Bolsa de Londres. Uma espécie de ante-sala histórica da OPEP nos anos 1960.

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concebidos por governos nacional-desenvolvimentistas, Getúlio Vargas e Domingo Peron. Porém, as características de dependência continuam no processo industrializante

por

meios

mais

oblíquos.

Não



banqueiros

internacionais nem negociantes intermediários na economia cafeeira ou algodoeira. Pode até haver banco nacional de fomento, caso do BNDE brasileiro. Mas parte substancial do capital investido no país dependente pertence às multinacionais; não há cultura nacional de investimento e de participação. O rol de investimentos, de funções mais complexas, como planejamento industrial, criação de novos produtos e pesquisa científica fica tudo a cargo do país sede da empresa. O país receptor de capital fica com encargo de fabricar de acordo com a orientação da matriz. O grupo empresarial interno lucra por meio dos arranjos governamentais, comentados acima, e conta com amplo mercado doméstico de consumo. Neste nível, havia de igual modo a observação de que não só a tecnologia e planejamento geral eram concebidos na matriz, mas que a mesma tecnologia empregada no país dependente já era de “segunda mão”. A saber, o que se utilizava no Sul era ultrapassado para as unidades industrialmente avançadas. Desta forma, Estados Unidos e Europa Ocidental guardavam sempre alguma dianteira em relação às suas excolônias e à América Latina: “Foi o que aconteceu com toda a indústria de bens de consumo duráveis no Brasil. Desenvolvemos uma indústria que hoje em dia tem uma dimensão mundial e uma economia de escala que está na vanguarda da utilização técnica, etc., mas a concepção de todas as máquinas dessa indústria não pode ser reproduzida aqui, porque foi pensada lá fora. É por isso que digo que o sistema industrial brasileiro não é propriamente atrasado, ele é capenga, desequilibrado” (FURTADO, 1981: 128).

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Mas será que essa especialização por parte dos países dependentes é algo aleatório, fruto espontâneo do passado? De alguma forma todo o Hemisfério Sul, guarda características de dependência. As diferenças econômicas e políticas entre os dois grupos de Estados, centrais e periféricos, são dadas pela correlação de forças existentes historicamente. Giovanni Arrighi, que dificilmente pode ser visto como membro teoria da dependência, havia percebido que a ascensão das grandes potências, que definem o sistema internacional, ocorre justamente em ambiente de guerras e disputas coloniais. Disso nascem os ciclos históricos comandados pelos países hegemônicos que transformam a parte derrotada política e economicamente em periferia. Assim se deu com a preeminência holandesa no século XVII e posteriormente com a Grã-Bretanha no século XIX. E o século XX contaria com a hegemonia norte-americana que demonstraria desenvoltura internacional, que não apenas reproduziria a das antigas potências mundiais, mas traria renovações que somente um país das qualificações dos Estados Unidos teria condições. O volumoso parque industrial presente em todo o mundo, a grandiosa máquina de guerra e a poderosa relação financeira com o dólar são itens que, para Arrigh impulsionaram Washington à posição de centro mundial da política internacional (ARRIGH, 1996: 278). Mas em que condições se mantém a preeminência dos Estados Unidos sobre a América Latina? Sobre esse assunto Marini não é inocente; ele sabe que a hegemonia de certas potências nunca é desvencilhada da política do poder, da eventualidade da guerra e da atmosfera que ela causa nas relações internacionais. Trotsky já falava na diplomacia do dólar e das

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canhoneiras para a abertura de mercados externos e cobranças de dívidas (Trotsky, 1990: 63).

Os Desdobramentos Críticos da Dependência

Em Theotônio dos Santos a crítica que pesa sobre Fernando Henrique Cardoso, sobretudo por causa de sua carreira política, é a de que no processo de dependência a posição subordinada dos países periféricos aos centros hegemônicos não se traduz obrigatoriamente em desvantagens e pobreza. Embora a posição de dependência expressasse limitações à autonomia das unidades políticas ela também poderia ser canal privilegiado para que as economias do Sul ganhassem espaço com as potências industrializadas (SANTOS, 2000: 133). Como foi sublinhado na parte introdutória deste texto não há homogeneidade entre os integrantes da teoria da dependência. Há pontos comuns entre eles, por exemplo, crítica à subordinação dos países e a especialização econômica coordenada pelas potências tradicionais. Mas a maneira pela qual o fenômeno se deu e a estratégia para escapar dele é algo que não conta com consenso entre esses escritores, sociólogos e economistas. No campo da esquerda, que não desconhece o papel da revolução socialista, Ruy Mauro Marini se filia ao marxismo de maneira mais franca. Para o auto de A Dialética da Dependência, a posição subordinada da América Latina é desdobramento direto do imperialismo norte-americano e europeu ocidental desde o século XIX. Não desconhecendo a industrialização que houve em alguns países da região, em princípios nacionalistas, Marini ainda pensa que se trata de algo que, em alguma parte

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do tempo, terá de ser esgotada, posto que o convívio entre o nacionalismo e importação de capital não é pacífico. De igual modo, sob as experiências da CEPAL, o industrialismo não rompe com a lógica imperialista, apesar de seus méritos. O imperialismo pode coadunar com a industrialização nacional de duas formas: 1 – por meio de investimentos diretos no setor em questão, capital financeiro. 2 – por intermédio de transferência de tecnologias ultrapassadas que, às vezes, o empreendedor internacional empregava como investimento direto (MARINI, 2000: 80). O traço negativo disso, além do exposto acima, é que o país receptor desse investimento seria levado a importar mais. Quer dizer, a transferência de máquinas e bens de capital do Hemisfério Norte, mesmo ultrapassados tecnologicamente, seriam exportados para o Hemisfério Sul por meio de intercâmbios desiguais. Não só o país dependente teria de importar mais, daí a importância da Instrução 113 da SUMOC, como teria de frustrar a poupança doméstica, uma vez que teria de saldar contas negativas do balanço de pagamentos. Em outra instância, sob o prisma mais dramático o autor também acredita que a industrialização latino-americana não escapa da ótica imperialista porque imperialismo e industrialização são componentes da mesma política externa das grandes potências. Contudo, no juízo marxista dessa relação resultam as contradições sociais que dão na revolução libertadora: “(...) a industrialização se expressa, em um país atrasado, na agudização de contradições sociais de vários tipos: entre os grupos industriais e a agricultura e os latifundiários exportadores; entre a indústria e a agricultura de mercado interno; entre os grandes proprietários rurais e o campesinato; entre os grupos empresariais e a classe operária, assim como a pequena burguesia” (MARINI, 2000: 52).

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Isto é, o impasse político-social nascente dessa industrialização, e seus conflitos internos e externos, têm de ser resolvido de alguma forma, à direita ou à esquerda. Não deve haver contemporização. Enquanto vicejou o nacional-desenvolvimentismo de Vargas a desnacionalização da economia foi menor que a projeção do Estado na produção. Mas com os impasses do modelo a desnacionalização aumentou no período Juscelino Kubitschek, 1956 a 1960, inclusive pressionando para que houvesse remessa de lucros para as matrizes internacionais. O movimento político-militar de 1964 é visto como maneira de resolver a questão à direita. Ao esgotar o conflito latente o bloco civilmilitar desvendou o papel que o Brasil deveria cumprir na acumulação de capital e no departamento da política exterior. Devia-se abrir mais a investimentos internacionais, ao fortalecimento da grande indústria (muitas multinacionais), na conformação de nova política trabalhista, propícia à compensação dos investimentos, e o preparo de diplomacia vinculada à liderança dos Estados Unidos. 9 Aliás, os movimentos autoritários na América Latina tiveram a função de não permitir alterações das regras constituídas pelas potências imperialistas. Digamos informais porque não se pode ignorar resistências e protestos que intelectuais e políticos do mundo periférico procuraram desenvolver no âmbito internacional. Mesmo que possa ser discutível a

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A política externa brasileira, do governo Castelo Branco, é algo que tem de ser analisado à parte. Apenas como ilustração a política externa daquele presidente é chamada alinhamento automático, em que o Brasil abriria mão de visão particular das questões internacionais para adotar a norte-americana. Há quem não concorde com isso, como Oliveiros Ferreira. Para Marini aquela diplomacia pró-Estados Unidos funcionava mais como tática para fazer que o Brasil reproduzisse comportamento de preeminência na América Latina sem desagradar a potência líder do que um seguidismo inocente e despersonalizado (MARINI, 2000: 96).

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criação da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento10 nos anos 1960 tinha o propósito de instituir mais espaço de negociação aos periféricos. Em todo caso, para a dependência mais crítica, Marini e Santos, as ditaduras regionais foram meios para fazer que a preeminência das potências industrializadas não fossem contestadas, uma vez que os Estados Unidos montaram programas de atração cultural das elites políticas locais. Portanto, o papel da América Latina durante a história não é desempenhar papel aleatório, mas sim se integrar ao sistema internacional a partir de sua especialização. Especialização que no século XIX, na pax britannica, fora abastecer a Europa Ocidental de alimentos em geral – o que envolvia jogos políticos de exploração entre as classes dominantes regionais e metropolitanas para que o processo não se desarranjasse por causa de conflitos sociais. Por conseguinte, a especialização não deixaria de existir na atualidade, uma vez que a América Latina continua sendo fornecedora de commodities. Na leitura de Santos houve mudanças no sistema internacional. Os Estados Unidos continuam fortes para imprimir sua posição, mas também o desgaste contínuo que o país sofre é algo que pode ser percebido sem dificuldades. Caso o processo de decadência continue Washington terá de permitir novos arranjos internacionais (SANTOS, 2000: 125). De igual importância na atualidade é a ascensão econômica da China como segunda potência mundial e a reconstrução da Rússia. Mas será que tudo isso mudaria a sorte dos países especializados no setor primário de exportação? Mesmo que o Brasil se qualifique por meio do

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UNCTAD, sigla em inglês.

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crescimento econômico teria ele condições de alterar a ordem pela qual participa do mercado mundial, basicamente exportando soja e minério de ferro para a China? Nos dizeres de Marini: “A Industrialização latino-americana corresponde assim a uma nova divisão internacional do trabalho, em cujo âmbito se transferem aos países dependentes etapas inferiores da produção industrial (observe-se que a siderurgia, que correspondia a um sinal distintivo da economia industrial clássica, generalizou-se se tal ponto que os países como o Brasil já exportam aço), reservando-se para os centros imperialistas as etapas mais avançadas (como a produção de computadores e a indústria eletrônica pesada em geral), a exploração de novas fontes de energia, como a de origem nuclear etc.)” (MARINI, 2000: 145). No cálculo dos teóricos da dependência a resposta é não. Eles negam a possibilidade de ascensão, ao menos econômica, pelo motivo da industrialização latino-americana não ser original. Vale dizer, diferente da Europa Ocidental, Grã-Bretanha, Países Baixos e Itália do Norte, a industrialização brasileira, argentina e mexicana apresentam algum traços marcantes que historicamente não permitem a esses países saírem da dependência. 1 – Ao contrário do Norte a industrialização do Sul não foi espontânea; ela não nasce do conflito social progressista, que varresse elementos ultrapassados. No fundo, ela foi resultado da vontade das próprias classes dominantes, não contestadas pelas forças revolucionárias, que haviam perdido o poder de importar produtos de alto padrão de consumo, a elite cafeeira paulista. Por isso o compromisso de classes que Marini acredita ter existido a partir do Estado Novo, de 1937, até o esgotamento do processo que se deu em 1964.

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2 – Para permitir a importação de bens duráveis e consumo das classes altas faz-se necessário “enxugar” o consumo das classes populares. Em outras palavras, deve-se regular o poder de compra das classes trabalhadoras, concentrando renda e efetuando subsídios diretos e indiretos a favor das importações. O resultado dessa política é a ampliação de compra, de importação de artigos de luxo e bens de capital dos setores empresariais. 3 – Embora tivesse sinais de progresso a industrialização da região apenas reproduz o lucro de investimento das matrizes. Na falta de possibilidades de reprodução do capital, em virtude de questões políticas domésticas no Hemisfério Norte, a área em desenvolvimento tem servido para esse propósito. A América Latina não deixa de ser parte integrada à grande circulação de capital que necessita constantemente de nova acumulação. 4 – Ainda que a industrialização mude a cena econômica nacional ela não tem poder de romper o vínculo tradicional que perdura desde o século XIX, na relação centro-periferia. Apresentando semelhança com a modernização econômica do leste europeu, dos países socialistas, André Gunder-Frank acredita que a América Latina também tem feições de países satélites, uma vez que suas unidades políticas gravitam em torno de uma potência. Por fim, na leitura marxista, revolucionária, da dependência, quanto a ala moderada e de acomodação, a situação de dependência não é um momento histórico; é uma definição que pode ser anulada, desde que haja iniciativas políticas que usem a violência internacional, Cuba, Argélia, China. Isto porque a manutenção do sistema desigual, que conforma a dependência, também é feita por meio de arranjos militares das grandes potências. 130

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Arranjos que, é claro, não são usados de forma volumosa. Não por apego à letra do direito internacional e aos tratados, mas porque a sistematização da dependência pode prescindir do aparelho militar a favor da eficiência soft power,11 das instituições econômicas internacional. Para Peter Gowan, ainda que isso possa entrar em terreno movediço essa premissa não seria estranha para economistas contestadores dessas instituições. O Fundo Monetário Internacional, O Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio montariam estrutura de coloração democrática, mas francamente voltadas para manter o jogo desigual do sistema econômico internacional (GOWAN, 2003: 133).

Considerações Finais

Que a teoria da dependência não goza de homogeneidade entre seus quadros já é sabido, vide a “contemplação do real” de Fernando Henrique Cardoso, com seu marxismo analítico, e a esperança de revolução continental presente em Ruy Mauro Marini. Mas haveria crítica “acadêmica” sobre a dependência? Por outro lado, como a direita política a percebe? Intelectual considerado porta-voz sofisticado da direita, aliás, título atribuído mais como algo pejorativo que constatação, José Guilherme Merchior não atribuía valor suficiente às explicações da dependência sobre as lacunas internacionais de poder e riqueza – entre o Norte e o Sul. O diplomata a encarava mais como expressão de um mal estar intelectual-

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Procurando adaptar o conceito de Antonio Gramsci, Joseph Nye escreve que soft power é o recursos que as grandes potências, caso dos Estados Unidos, podem utilizar para construir hegemonia a partir de meios que vão além do poder militar, como os culturais e ideológicos, mais propícios à legitimidade internacional (Nye JR, 2002).

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acadêmico do que fruto da realidade. A teoria seria amostra do sentimento de inferioridade cultural dos países do Sul. Haveria como atribuir valor explicativo à dependência anulando seus pressupostos, como centroperiferia e subordinação tecnológica? Daí também se poderia duvidar da explicação marxista da dependência. Merchior atribuía a existência da dependência mais ao subdesenvolvimento cultural latino-americano do que ao grande jogo das disputas econômicas internacionais. Porventura, se a relação entre dois países com pesos distintos na economia e tecnologia provoca dependência por que então esse debate não é encontrado na sociologia canadense em relação os Estados Unidos, por exemplo? Afinal, não são duas unidades políticas

que

participam

do

mercado

internacional

com

suas

especializações? Canadá e Austrália não são países de grande peso na agricultura e mineração? (MERCHIOR, 1982: 84). Talvez na perspectiva liberal, livre-cambista, a dependência não tenha muito propósito no jogo da economia internacional. O papel interventor do Estado; fazer deste núcleo um centro aglutinador da política econômica também é de difícil percepção para uma ala do pensamento liberal; aquela que no Brasil teve seu representante mais simbólico na pessoa do professor Eugênio Gudin, um dos criadores do Instituto de Economia da UFRJ. Outra linha de crítica à dependência vem da teoria neo-realista (ou realista estrutual) de Relações Internacionais, a política do poder formulada por autores como Waltz. Para José Luiz Fiori (que não é necessariamente realista) a dependência não sabe responder como deve se comportar o Estado em um ambiente de geopolítica, em que o núcleo central do sistema também pode sofrer transformações por disputas (FIORI, 2001: 48). 132

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Cardoso e Faletto pensam que o país dependente pode arrumar acomodações entre os fortes sob os quais tiraria vantagens. Por outro lado, o grupo revolucionário, de Marini e demais, tencionam fazer a revolução socialista. Mas qual seria a visão deles a respeito do Estado? E como lidar com a geopolítica que desconhece a situação de dependência? São perguntas que Fiori faz a respeito de um instrumento intelectual sincero, mas inocente. De um lado temos a acomodação crítica. Reconhece-se o status de dependência de um determinado país, mas a conformidade será congruente, quer dizer, não haveria como romper a lógica do sistema internacional? Por outro lado, haveria o empenho de contestar, mas não haveria também certo voluntarismo, já que desconhece a máquina do Estado? E mesmo no bloco socialista (socialismo soviético) não haveria algum tipo de dependência? Mas se a dependência for examinada sob a lente do marxismo e do keynesianismo aumenta sua relevância. Para o marxismo a dependência é expressão de dominação capitalista em seu teor avançado. Não se trata mais de relações feudais de dominação em uma economia agrária, conforme pensava o PCB. Considera-se o desdobramento dessa dominação não só no âmbito doméstico das lutas de classe, mas também no nível internacional. O keynesianismo também não seria estranho para a teoria da dependência, posto que o modelo de Keynes poderia ser instrumento para abandonar a lógica da Divisão Internacional do Trabalho sem, necessariamente, virar as costas para a economia agrícola exportadora. Em princípio, ao menos com Cardoso, Faletto e Furtado, as implicações industrializantes, via substituição de importações, apresentam avanços econômicos e sociais, ainda que limitados. No fundo, a substituição de 133

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importações não deveria ser um fim em si mesmo, mas uma escala para algo superior; que preparasse a vida nacional para algo melhor. A criação do capitalismo industrial sob uma classe empreendedora brasileira, a ascensão de um mercado consumidor para as massas e a possibilidade de pleno emprego eram itens que o esforço keynesiano apresentava na América do Sul como algo razoável no médio prazo. Em parte, a existência da CEPAL fora para sistematizar e aplicar esses esforços no âmbito governamental. Em Marini, também a substituição de importações logra coisas boas, mas com conteúdo positivo bastante breve, talvez com menos de 20 anos: de 1946 a 1955, sob a experiência nacionalista de Vargas. E por que essa brevidade e reticência? Porque mesmo a experiência de Vargas já era fruto de pacto social com as classes dominantes, sem as quais não haveria projeto desenvolvimentista. Quando o caldo desanda? Quando essas mesmas classes perdem o poder de falar universalmente e não conseguem mais contemplar os interesses do proletariado urbano e se vinculam diretamente ao imperialismo. A guisa de conclusão, podemos dizer que a teoria da dependência não tem a intenção de esgotar as grandes questões internacionais, bem como os dilemas e impasses das sociedades nacionais. Arcabouço enriquecido pelo marxismo, com efeito, trata-se de um desdobramento do pensamento crítico com bases mais sofisticadas e voltadas para a realidade dos Estados em desenvolvimento, a dependência é recurso válido tanto para a compreensão do sistema, caso da universidade, quanto para a militância política. Não há dúvidas de que em tempo de relativismos, de decretação unilateral do fim dos Estados nacionais, da estratégia política e da relevância das classes trabalhadoras, a teoria da dependência serve a 134

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contento para desvendar ideologias, como a implacabilidade da globalização, e a decadência das tradicionais grandes potências, como os Estados Unidos. A teoria da dependência não é uma certeza, mas um instrumento de compreensão e ação.

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