A TEORIA ESPIRAL COMO EMBASAMENTO DO PROGRAMA DOS PRIMEIROS ANOS ESCOLARES (PYP)

July 14, 2017 | Autor: Flávia Narita | Categoria: Educação Musical
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A TEORIA ESPIRAL COMO EMBASAMENTO DO PROGRAMA DOS PRIMEIROS ANOS ESCOLARES (PYP) Flávia Motoyama Narita Resumo. Adotados em uma escola internacional de São Paulo, o currículo da Inglaterra e o programa dos primeiros anos escolares – PYP – estabelecem parâmetros e expectativas de aprendizagem musical para cada faixa etária. A Teoria Espiral de Desenvolvimento Musical de Swanwick é discutida como forma de sustentar esses parâmetros e expectativas e de relembrar o educador musical dos vários níveis do conhecimento musical a serem trabalhados nas aulas de música. Também são discutidas questões a respeito do funcionamento do PYP e da forma como ele é integrado nas aulas de música: dando aos alunos a possibilidade de investigar temas transdisciplinares e desenvolver o conhecimento musical através de atividades de apreciação, composição e performance (execução).

A Teoria Espiral como embasamento do programa dos primeiros anos escolares (PYP) Através do relato das aulas de música ministradas na escola internacional St. Nicholas School, tenho como objetivo discutir os fundamentos teóricos que sustentam sua prática bem como refletir sobre o papel da educação musical. Estaríamos cumprindo o papel de direcionar os alunos para o que Swanwick acredita ser o objetivo final da educação musical: valorizar a música, no sentido de tornar os alunos “cientes da importância da música como um discurso simbólico, um ganho maior para nós, como indivíduos, e para a sociedade”? (Swanwick 1994:88). A Música na St. Nicholas School é presente ativamente em festividades e apresentações semanais, tendo garantido o seu lugar no currículo escolar desde as primeiras séries da Educação Infantil até o penúltimo ano do Ensino Fundamental, quando então se torna optativa e é oferecida ao aluno a possibilidade de aprofundar seus conhecimentos na matéria e preparar-se para o exame internacional da Universidade de Cambridge (IGCSE). Além de se basear no Currículo Nacional da Inglaterra, que prepara os alunos para o mencionado exame, a escola também segue o programa da International Baccalaureate Organisation para os primeiros

anos

escolares

(PYP



Primary

Years

Programme),

que

acredita

no

desenvolvimento do aluno como indivíduo ciente de sua atuação nos campos acadêmicos, sociais e culturais, adotando sempre uma postura investigativa e reflexiva.

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Desse modo, apesar de o programa de música ser delimitado pelo Currículo da Inglaterra, a forma como ele é implementado, de acordo com o PYP, faz com que os educadores considerem: •

O que querem que os alunos aprendam

(conteúdo),



Como os alunos aprenderão melhor

(metodologia) e



Como saberão o que os alunos aprenderam

(formas de avaliação).

Assim, elementos musicais como ritmo, pulso, altura, duração, timbre e intensidade são agrupados em unidades consideradas relevantes pelos professores e alunos e são investigados em atividades de apreciação, composição e performance, que permeiam todo o programa de música. Tanto o currículo da Inglaterra quanto o PYP estabelecem parâmetros do conhecimento musical considerados desejáveis e possíveis de serem atingidos em determinada faixa etária. Sem a intenção de segmentar ou ordenar o conhecimento musical – uma das críticas levantadas por educadores musicais ingleses na época da implementação do currículo nacional – os parâmetros estabelecidos são analisados de acordo com a Teoria Espiral de Desenvolvimento Musical de Swanwick (1988) e tomados como sugestões para melhor promover o conhecimento musical. Na faixa etária de 5 a 7 anos, por exemplo, espera-se que as crianças tenham a possibilidade de usar suas vozes de diversas maneiras ao cantar e falar; cantem e dramatizem músicas e canções, explorando ritmo, movimentos corporais e tendo noção do contorno melódico (altura); ouçam diversos tipos e estilos de música, aumentando seu repertório, familiarizandose com música de outras épocas e culturas e reconhecendo como os sons são produzidos (percutidos, com arco, sopro, etc.). Além disso, espera-se que elas conheçam alguns símbolos musicais e explorem sons de instrumentos, criando diferentes efeitos e ‘climas’ (suspense, tristeza, alegria), acostumando-se com a estrutura de começo, meio e fim em suas composições. De acordo com a teoria de Swanwick (1988:77-78), crianças na faixa etária descrita acima estariam aptas a se desenvolverem no nível de expressão. Evidenciada enquanto cantam ou tocam instrumentos, “a expressividade torna-se aparente na exploração de mudanças nos níveis de andamento e intensidade, freqüentemente acelerando e tocando/cantando mais forte

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deliberativamente...”. É também neste nível que Swanwick identifica padrões rítmicos e melódicos em uma organização métrica, onde as composições das crianças são bastante previsíveis e fazem claras referências a suas fontes e experiências musicais, donde pode-se sugerir que quanto mais rica e variada for a vivência musical das crianças, mais ricas serão suas composições. Assim, com base na Teoria de Swanwick, as expectativas listadas no currículo da Inglaterra e no PYP tais como a exploração da voz, do ritmo e dos movimentos corporais; a audição de diversos tipos e estilos de música e as composições mais estruturadas ganham fundamentação teórica, dando aos educadores maior possibilidade de criar atividades apropriadas para a faixa etária e desenvolvimento musical. Ainda, essa fundamentação teórica possibilita avaliar os progressos e dificuldades das crianças com mais consistência, uma vez que se sabe o que podemos esperar de uma criança de determinada idade com determinada vivência musical. Além das expectativas de cada faixa etária, o programa de música na St. Nicholas School tenta sempre ter uma conexão com o que é trabalhado nas demais aulas. Longe de usar a música apenas como pano de fundo para atividades de outras matérias ou para reforçar o vocabulário, a conexão com outras áreas se dá com o intuito de oferecer às crianças a chance de investigar um mesmo tópico no domínio musical. O PYP, adotado em todos os anos da educação infantil, abrangendo desde a série Nursery (de crianças de 3-4 anos) até o Year 6 (crianças de 10-11 anos), usa a investigação como meio de aprendizagem. Através de seis grandes temas transdisciplinares trabalhados durante todo o PYP – Quem somos, Onde estamos no tempo e espaço, Como nos expressamos, Como o mundo funciona, Como nos organizamos, e Como compartilhamos o planeta – os professores das séries discutem e propõem unidades que julgam interessantes para investigar cada tema. Assim, enquanto as crianças do Kindergarten (4-5 anos) investigam Famílias dentro do tema Onde estamos no tempo e espaço, as crianças do Year 3 (7-8 anos) investigam Visitantes Indesejáveis dentro do mesmo tema. O educador musical, então, aborda a unidade da forma que julga mais conveniente, sempre levantando novas questões aos alunos. Nas aulas do Kindergarten, o professor de música pode aumentar o repertório de canções sobre famílias – seja de animais ou humanas – e trabalhar aspectos musicais como afinação, dinâmica e tempo. Além disso, pode introduzir algumas famílias de instrumentos e discutir como os sons são produzidos.

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No entanto, nem sempre a unidade escolhida tem conexões óbvias com a música e o professor de música estará sempre livre para adaptar as unidades dentro das expectativas de cada faixa etária. Para tanto, as fundamentações teóricas serão de grande valia. No Year 3, por exemplo, a unidade Visitantes Indesejáveis, apesar de ser comumente utilizada para introduzir a cultura Viking pelo professor de classe, pode ser explorada sob outros aspectos nas aulas de música. A seguir, segue um breve relato de como a unidade foi abordada. Primeiramente, estabeleci alguns pontos que gostaria de focalizar: ostinato e canto em duas vozes – algumas das expectativas para esta faixa etária. Depois, preparei algumas perguntas que direcionariam os alunos a investigarem os pontos que havia escolhido. Obviamente, outras perguntas foram adicionadas ou reformuladas de acordo com as respostas das crianças e também alguns outros pontos de foco foram adicionados à medida que os seus interesses ampliavam. Lembrando que a unidade trabalhada era Visitantes Indesejáveis, questionei: •

Em que situações vocês considerariam um visitante indesejável?



Qual o tratamento dispensado a visitantes indesejáveis?



Quem seria um visitante indesejável? Por que?

Uma vez estabelecido que investigaríamos Invasores, escolhi uma canção denominada “Battle Song”, uma canção de batalha que chama as crianças para protegerem o planeta contra invasores do planeta Zars. Além de trabalhar aspectos de afinação, tempo e dinâmica, esta canção serviu para chamar a atenção ao tipo de música – marcha – e ao compasso binário. Dessa descoberta, as crianças relembraram algumas das canções aprendidas e apontaram as que se encaixavam ao ‘ritmo de batalha’. Para introduzir o ostinato, utilizei uma gravação de Marte da Suíte Os Planetas do inglês Holst. As crianças fizeram várias menções ao filme Guerra nas Estrelas e ao vídeo game Zelda ao escutarem a peça. Pedi que tentassem me reproduzir a peça esperando que alguém se lembrasse do ostinato rítmico, mas a respostas que tive foram as mais diversas e chegavam a lembrar o tema do mencionado filme. Fui, então, ao piano e toquei o início da peça. As crianças a reconheceram e entoaram o ostinato. Até mencionar a denominação musical para

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essa repetição rítmica e/ou melódica, fiz várias perguntas para certificar-me que as crianças haviam entendido e saberiam reconhecer tal repetição. Além das perguntas, uma outra estratégia de avaliação foi a composição em teclados. O número de alunos por classe não ultrapassa 25 e temos um teclado para cada dois alunos, de modo que as crianças puderam trabalhar em duplas, ficando uma de cada dupla responsável pelo ostinato enquanto a outra improvisava uma melodia. Para evitar grandes dissonâncias, pedi que só utilizassem as teclas pretas. Sequer mencionei escalas pentatônicas, mas referências à China e ao Oriente foram inevitáveis. Isso daria um gancho para outras atividades de composição e apreciação, porém decidi manter o foco no ostinato apenas. Nesta atividade de composição algumas das dúvidas foram esclarecidas. Uma das perguntas era: “Posso mudar de nota no meu ostinato?” ou “Quantas notas, no máximo, posso utilizar?” Uma das salas não teve tempo de trabalhar com os teclados. Nesta sala, pedi que as crianças fossem aos pares ao piano. A atividade em si foi a mesma, mas neste caso elas não tiveram chance de ensaiar e a atenção após o terceiro par já era difícil de ser controlada. Uma atividade final para trabalhar tanto o ostinato quanto o cantar em duas vozes foi retomar a “Battle Song” e inserir um ostinato ritmo-melódico. Ensinei o ostinato para todos e dividi a classe em dois grupos: enquanto um grupo cantava um verso o outro cantava o ostinato. A cada verso eles invertiam, de modo que todos cantavam o ostinato. A fim de verificar alguns conceitos musicais, fiz perguntas como: “Como vocês poderiam descrever como o grupo 1 cantou?”, “O tempo e a dinâmica eram apropriados para esse tipo de música?”, “Os dois grupos começam a cantar no mesmo momento?”, “Como saber se estamos cantando no momento certo?” Nota-se, portanto, que a investigação foi musical. Trabalhamos entonação, fraseado, ritmo, dinâmica, tempo, compasso; cantamos em duas vozes, aprendemos o que é um ostinato e identificamos uma marcha através de atividades de apreciação, composição e performance (execução). Como já mencionado anteriormente, longe de ser uma matéria de apoio de ciências, história, geografia, etc, a música tem seu lugar no currículo para que o conhecimento musical, como qualquer outra forma de conhecimento, possa ser desenvolvido. Conclusão

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Através desse relato, tentei justificar a adoção do currículo da Inglaterra e do PYP através da fundamentação baseada na Teoria Espiral de Desenvolvimento Musical de Swanwick para que não corramos o risco de ver aulas de música como sinônimo de aulas de ensinar ‘musiquinhas’ para determinadas festividades. Mencionei também a importância da Música no currículo escolar, oferecendo “a possibilidade de níveis de análise que podem aumentar e aprofundar a resposta intuitiva” Swanwick (1994:118). Quanto à questão levantada no início dessa discussão, apenas posso afirmar que por enquanto, acredito que estamos cumprindo o papel de encaminhar os alunos para uma maior valorização da música à medida que promovemos o conhecimento musical, capacitando os alunos a refletirem sobre suas ações, seja ao ouvir, compor ou tocar música, analisando suas respostas e livrando-os de estereótipos e preconceitos. Enfim, promovendo a reflexão crítica. Outras questões tais como a validade de um currículo estrangeiro para crianças brasileiras que continuarão seus estudos no país talvez valham uma investigação maior. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SWANWICK, Keith. Music, mind, and education. London, Routledge, 1988. SWANWICK, Keith. Musical knowledge – intuition, analysis and music education. London, Routledge, 1994. The National Curriculum for England- Music.London, DFEE, QCA, 1999. PYP Music – Scope and Sequence.Geneva, IBO, 2000. The Primary Years Programme. Geneva, IBO, 2000.

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