A terra não é de Deus, nem do Diabo, a terra é do homem - Análise do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol a partir da inserção da arte no sistema capitalista

June 3, 2017 | Autor: Gregorio Albuquerque | Categoria: Cinema, Artes, Capitalismo, Glauber Rocha, Filme, Analise De Filmes
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“A TERRA NÃO É DE DEUS NEM DO DIABO, A TERRA É DO HOMEM” ANÁLISE DO FILME “DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL” A PARTIR DA INSERÇÃO DA ARTE NO SISTEMA CAPITALISTA. Glauber inicia com a pergunta seu manifesto A Revolução é um Eztetyka: “Como poderá o intelectual do mundo subdesenvolvido superar suas alienações e contradições e atingir uma lucidez revolucionária?”. (ROCHA, 2006, p.99). O primeiro passo é negar a cultura colonial e o elemento inconsciente da cultura nacional. O segundo e decisivo é a irrupção de uma dialética entre didática e épica, sedimentando uma cultura revolucionária. A épica didática é um experimento artístico e político criado por Glauber para a reflexão crítica e de superação da derrota de 1964. Busca aprofundar a intervenção psicanalítica para tornar cada homem um ser criador, consciente, capaz de dominar e usufruir dos meios e técnicas acessíveis, um ser disposto a atuar na formação massiva das classes populares. O manifesto de Glauber propõe como base material e subjetiva da dialética entre didática e a épica a superação do nacionalismo cultural, dos mitos e das tradições conservadoras, a superação da individualidade burguesa. A Revolução é um Eztetyka é um manifesto político e pedagógico que aponta para uma teorização do fazer cinematográfico e sua potencialidade educativa. Um manifesto da vanguarda artística brasileira após o golpe militar.

ARTE E MERCADORIA O abandono do sublime moderno, da arte que procurava o absoluto e a verdade, redefine-se, segundo Jameson (2001), por volta da década de 70, como uma arte que objetiva o puro prazer e a gratificação. Para o autor, os últimos anos demonstram uma desdiferenciação da economia e da cultura. Um processo cultural no qual a realidade é colonizada e mercantilizada em escala mundial por formas visuais e espaciais, uma sociedade do espetáculo e da imagem que a cultura a vida cotidiana e social. [...] a economia acabou de coincidir com a cultura, fazendo com que tudo, inclusive a produção de mercadorias e a alta especulação financeira, se tornasse cultural, enquanto que a cultura tornou-se profundamente econômica, igualmente orientada para a produção de mercadorias (JAMESON, 2001, p. 73).

Benjamin (1994) resgata Marx para entender as teses evolutivas da arte nas condições produtivas da sociedade capitalista. Para o autor, a superestrutura, em que se localiza a arte, modifica-se mais lentamente que a base econômica e por isto a influência dos efeitos do

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desenvolvimento do capitalismo, como aumento da industrialização e urbanização, rápido crescimento populacional, proliferação de novos meios de comunicação e transporte, e, principalmente, no avanço da cultura de consumo, são visto posteriormente na obra de arte. Com o surgimento da cultura de massa, as conseqüências do desenvolvimento do capitalismo começam a ser vistas. A reprodutibilidade e a perda da aura da obra de arte através do cinema e da fotografia orientam “a realidade em função das massas e as massas e as massas em função da realidade é um processo de imenso alcance, tanto para o pensamento como para a intuição” (ibdem, p. 170). O cinema surge no final do século XIX, no qual a arte já é tratada como mercadoria. Com o desenvolvimento da sociedade, o cinema deixa de ser uma simples técnica de registrar a realidade e passa a ocupar um papel estratégico diante da sociedade capitalista. Um campo hegemônico de disputa ideológica e de representação artística e cultural em que são produzidos sentidos e a subjetividade social. Na concepção de Benjamin (1987), retiradas das experiências de Brecht no teatro, o cinema, assim como os meios de comunicação em massa, poderia ser usado para “refuncionalizar”, ou seja, reaproveitar a “capacidade comunicativa e produção extensiva da Indústria Cultural, em uma intenção educativa e conscientizadora, contra a própria dominação e alienação capitalista” (apud GRAÇA, 1997, p.16). Uma educação que permitiria usar dos próprios produtos culturais para questioná-los e criticá-los, fazendo também assim uma crítica não somente a cultura e sim toda a estrutura da sociedade capitalista industrial. O desejo do homem de se desenvolver e completar indica que ele é mais do que um individuo. Sente que só pode atingir a plenitude se apoderar das experiências alheias que potencialmente lhe concernem, que poderiam ser dele. E o que um homem sente como potencialmente seu inclui tudo aquilo de que a humanidade, como um todo, é capaz. A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo como o todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e ideias (FISCHER, 1987, p. 13).

Nesta experiência de um cinema crítico social, de uma didática/épica e principalmente revolucionário, contra ideológico, que será abordado o período do Cinema Novo no Brasil, mas especificamente no filme “Deus e o Diabo na terra do Sol” (1964) de Glauber Rocha. Cabendo ressaltar que este não é o único período de produções de um cinema que vai além das aparências, de libertação para o artista e de transformação de um problema estético em um impasse social. O Cinema Novo foi um movimento do cinema brasileiro, influenciado pelo Neorrealismo Italiano e pela Nouvelle Vague francesa. Este movimento surge com um grupo

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de jovens intelectuais burgueses de esquerda que não estavam preocupados em retratar somente uma realidade, [...] mas em criar uma estética que sirva melhor a tal processo de absorção, ou seja, fora a preocupação social e política, é relevante a questão da criação cultural e artística independente; a arte como prática política e não mais só arte como instrumento político (GRAÇA, 1997, p.20).

O contexto histórico social brasileiro era de dependência cultural, principalmente, americana. A Indústria Cultural avançava no país, com a emergente televisão e com a busca pela “perfeição” técnica americana nas produções brasileiras das grandes companhias cinematográficas paulistas, como a Vera Cruz. O país vivia um processo de desenvolvimento industrial acelerado e subordinado a interesses econômicos internacionais, envolto numa série de contradições políticosociais, que emergiam com intensidade, gerando situações-limites onde a radicalização dos processos históricos tornava-se iminente: Revolução ou Ditadura eram as alternativas que se colocavam, a primeira vista. Era necessário que o país se desenvolvesse. Seja para acompanhar um mercado internacional ou para sanar as contradições sociais existentes, a depender do projeto político a que se definia (NOVA, 2008, p. 224).

O Cinema Novo é uma reposta ao cinema como mercadoria. É um movimento dividido em três fases temáticas, segundo Graça (1997): de 1962 a 1964, que trata das questões nacionais e populares no ambiente rural; de 1965 a 1966, quando trata da urbanização e efeitos do golpe de 64; e de 1967 a 1968, uma autocrítica visceral. É um período do cinema brasileiro que pregava o cinema de autor, fora dos padrões industriais e principalmente com preocupações sociais e políticas. Porém, cabe ressaltar que o Cinema Novo mesmo estando preocupado com estas questões, mostrando um país arcaico e moderno, o movimento era absolutamente intelectualizado com filmes que tinham dificuldades de comunicação com as camadas populares. Glauber Rocha (1939-1981) foi um cineasta que considerou o cinema como uma manifestação cultural da sociedade industrial. Transformou um problema estético em um impasse social. Um reflexo de uma determinada sociedade na qual alguns artistas abriram espaços de ruptura com o tempo histórico. Segundo Horkheimer, citado por Benjamin (1994) no texto “Sobre o conceito da História”, para o revolucionário, o mundo sempre foi maduro: o imperativo de dar fim ao horror estava em cada instante de atualidade. Ou seja, “a transformação radical da sociedade, o fim da exploração não são uma aceleração do progresso, mas um salto para fora do progresso” (ibdem, p. 99). Glauber produziu um cinema instrumento de análise da história na qual privilegia o homem e não o lucro e que não desvincula a idéia de educação em uma perspectiva

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revolucionária, através da estética e apoiada em duas concepções concretas de cultura, a épica e a didática. Estas formas devem funcionar simultaneamente e dialeticamente para um processo revolucionário. “A didática sem a épica gera a informação estéril e degenera em consciência passiva nas massas e em boa consciência nos intelectuais. A épica sem didática gera o romantismo moralista e degenera em demagogia histérica” (ROCHA, 2004, p.100). Para Rocha (2004), a didática será cientifica e significa alfabetizar, informar, educar, conscientizar as massas ignorantes, as classes médias alienadas. A épica provoca o estímulo revolucionário, sendo prática poética que terá que ser revolucionária do ponto de vista estético para que projete revolucionariamente seu objetivo ético. Demonstrará a realidade subdesenvolvida, dominada pelo Complexo de impotência intelectual, pela admiração inconsciente de cultura colonial, a sua própria possibilidade de superar, pela prática revolucionária, a esterilidade criativa. A épica, precedendo e se processando revolucionariamente, estabelece a revolução como cultura natural. Arte passa a ser, pois, revolução. Neste instante, a cultura passa a ser norma, no instante em que a revolução é uma nova prática no mundo intelectualizado (ibdem, 2004, p. 99).

O cinema estaria ligado a individualidades dos artistas que participaria pelo mesmo projeto estético, sociológico e ideológico, reflexo do cinema de autores. Para Glauber, as individualidades remeteriam aos indicadores socioculturais e políticos para compreensão de toda uma época e da existência de um movimento artístico. Porém, é preciso construir através destas individualidades uma realidade que não é um sistema estruturado em si, mas uma totalidade histórica socialmente construída. É a realidade na dinâmica de seus processos, nas suas leis mais íntimas, que revela, sob a aparência dos fenômenos, as conexões internas e necessárias. Totalidade não significa todos os fatos, e todos os fatos reunidos não constituem uma totalidade. O conhecimento dos fatos isolados, mesmo quantificados, é insuficiente para explicar o todo (CIAVATTA, 2011, p. 128).

ARTE E IDEOLOGIA A particularidade é, portanto, uma categoria historicizante por compreender não os objetos indevidos, isolados, mas na sua articulação com o contexto, com a cultura, com o mundo do qual fazem parte. No campo da estética, Lukács (apud BOTTOMORE, 2001) realiza uma crítica à natureza fragmentada da vida e da experiência humanas sob o capitalismo, analisando o impacto do fetichismo da mercadoria sobre a consciência. Ele tem o ponto principal da crítica sobre o conceito de totalidade sem desconsiderar a categoria da particularidade como eixo central pela produção de uma síntese entre subjetividade e

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objetividade, aparência e essência. Porém, evidencia que é na particularidade que devem ser superadas a singularidade e a generalidade. A arte, como ciência, também reflete o em-si da realidade, mas somente enquanto referido diretamente ao homem, ao destino concreto dos homens vivendo no mundo próprio figurado pelo artista (Frederico, 1997, p.60 apud CIAVATTA, 2001, p.139).

“Deus e o Diabo na terra do sol” (1964) é um filme da primeira fase do movimento. A temática é a busca pela realidade rural distante do progresso dos centros urbanos, expondo a miséria e fome de Manuel, vaqueiro do sertão, que busca a sua libertação. Uma particularidade que mostra a situação arcaica e moderna do contexto brasileiro na década de 60 e 70. “O moderno que estava, às vezes lenta e às vezes rapidamente, se impondo e transformando uma realidade que parecia intocada a séculos” (NOVA, 2008, p.230). O filme é uma apologia à revolução e à luta de classe, demonstrada nas três trajetórias de Manuel. Uma revolução que não poderia ocorrer sem um mundo primitivo de Deus e do Diabo. Isto é, mostrando a importância das ações humanas para a resolução das contradições da realidade história. A primeira é a fase do Manuel Vaqueiro; a segunda é a fase do misticismo na qual Manuel vira beato de Sebastião, no Monte Santo; e a terceira é a fase em que Manuel, após sair do Monte Santo, torna-se cangaceiro do Capitão Corisco. É buscar no filme a “essência da realidade enfoca, não presa às necessidades dramáticas do discurso, mas “biológicas” da realidade, ou seja: o plano que era a realidade discursiva da narrativa clássica e das vanguardas e teorias “de montagem” anteriores, é substituído pelo “fato”, ou unidade cotidiana temporal do real e da narrativa neo-realista, como nos aponta lucidamente Bazin (apud GRAÇA, 1997,p. 27).

Figura 1 – Três fases da trajetória do Manuel.

A primeira fase mostra um cenário de um sertão com condições precárias onde Manuel e Rosa, sua esposa, levam suas vidas em condição de exploração, fome e miséria. “Na terra do sol, além de beatos, vaqueiros, vacas e cactos, figuravam também os carros, o posto

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Shell, a indústria, e sobretudo a exploração de um mundo cada vez mais subordinado a um capital avassalador” (NOVA, 2008, p. 230). O trabalho de Manuel é cuidar das vacas do coronel Morais que impões suas condições de trabalho e de exploração. Porém estas condições são questionadas pelo vaqueiro quando ele se revolta as imposições do coronel que afirmou que as vacas que tinham morrido eram de Manuel e não as suas. Neste momento, há uma ruptura na narrativa e instaura uma desconstrução temporal, com saltos de planos, descontínuos, acelerados e de ação fragmentada. Manuel questiona esta determinação, percebendo sua condição de explorado: Manuel: Mas, seu Morais, as vacas tinham ferro do senhor. Não pode ser logo as minha. Sou homem porbre. Foi azer mais foi verdade. As cobras morderam as reias do senhor.” Coronel Morais: Já disse, tá dito. A lei tá comigo. Manuel: Dá licença outra vez Moraes. Mas que lei é esta? Coronel Morais: Quer discutir? Manuel: Não senhor. Só to querendo saber que lei é esta que não projeto o que é meu. Coronel Morais: Já disse. Tá dito. Você não tem direito a vaca nenhuma. Manuel: Mas, seu Moraes. O senhor não pode tirar o que é meu. Coronel Morais: Tá me chamando de ladrão?

Figura 2 – Coinciência de Manuel da exploração do coronel Morais.

Após matar coronel Morais, Manuel foge com a sua esposa Rosa, após enterrar sua mãe, morta pelos capangas do coronel. Os dois partem para o Monte Santo encontrar o profeta Sebastião que prevê que “o sertão vai virar mar, o mar vai virar o sertão”. Com esperança de uma “terra onde tudo é verde, os cavalos comendo a flor e os meninos bebem leite do rio”, É nesta esperança do povo nordestino que surge na segunda fase da trajetória de Manuel, na qual o profeta prenuncia que o “homem não pode ser escravo do homem”.

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Remetendo à discussão do sagrado e do profano de Benjamin (1994), na tese IX, na qual ele inverte a visão da história “desmistificando o progresso e fixando um olhar marcado por uma dor profunda e inconsolável – mas também por uma profunda revolta moral – nas ruínas que ele produz” (LÖWY, 2005, p. 92). A dúvida é como interromper o Progresso em sua progressão fatal? Neste sentido, Benjamim tem a reposta: religiosa e profana. “A interrupção messiânica/revolucionária do Progresso é, portanto, a reposta de Benjamin às ameaças que fazem pesar sobre a espécie humana a continuação da tempestade maléfica, a iminência das catástrofes novas” (idbem, p. 93).O novo paraíso, para Benjamin, seria uma sociedade sem classes, mas não se remetendo àquelas da pré-história, mas à verdadeira história na remoção de todas as vitimas sem exceção. É preciso restituir ao conceito de sociedade sem classes seu verdadeiro caráter messiânico, dentro do próprio interesse da política revolucionária do proletariado; porque somente quando se dá conta do seu significado messiânico é que se podem evitar as armadilhas da ideologia progressista (opt.cit, p.94).

Mas qual o sentido de inferno? Em Das Passagem-Werk, “a quintaessência do inferno é a eterna repetição do mesmo, cujo paradigma mais terrível não se encontra na teologia cristã, mas na mitologia grega: Sísifo e Tântalo, condenados à eterna volta da mesma punição.” (opt.cit, p.90). Nesta parte, Benjamin cita Engels comparando a eterna volta a uma condição do operário na esteira da fábrica. Mas também a sociedade moderna que é, “dominada pela mercadoria, é submetida à repetição, ao sempre igual disfarçado em novidade e moda: no reino mercantil, a humanidade parece condenada às penas do inferno” (opt.cit, p.90).

Figura 3 – Fase mística de Manuel – transencencia de sua situação pela intevernção divina.

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Manuel fica totalmente entregue ao misticismo mesmo sabendo que Rosa não acredite em Sebastião. Nesta fase, ele tem esperança de que o poder divino possa transcender esta situação de miséria que ele se encontra. “A salvação” do passado se associa à resistência política do presente; de modo que a própria revolução pode ser concebida como um momento do projeto de “redenção da humanidade: Em cada época é preciso esforça-se por arrancar a tradição do conformismo que está a ponto de subjugá-la. O Messias vem não só como Redentor, mas também como vencedor do Anticristo (BENJAMIN, 1994, p. 76 apud NOVA, 2008, p.229).

Porém, Antônio das mortes, mandado pelos Senhores de Terra e pela Igreja católica, extermina o bando de Sebastião. Manuel e Rosa sobrevivem, no entanto, e fogem para o cangaço. Lá, encontram Corisco, o diabo loiro. Mesmo com esta destruição do mito, Manuel continua afirmando sua fé e buscando a vingança da morte do profeta. “O povo que matou o santo”. Se da realidade paradisíaca simboliza na figura do mar, invade-se o inverno do cotidiano sertanejo na seca, a libertação final está na busca de mudanças que acabarão por trazer uma conscientização, junto a descoberta do mar e da instauração de uma nova ordem (GRAÇA, 2008, p. 38).

Enquanto isso, Antônio, figura que representa as próprias contradições e o discurso burguês-esquerdista do autor, percorre o sertão atrás de Corisco que em um momento de reflexão, com seus olhos para câmera, relata que é preciso ficar no sertão para acabar com o que é ruim, ou seja, o sofrimento, a dor, a fome, a miséria e fazer justiça.

Agora quero ver se este homem de duas cabeças não pode consertar este sertão. É o gigante da maldade comendo o povo para engordar o gigante da República. Mas São Jorge me emprestou a lança dele para matar o gigante da maldade. Ta aqui meu fuzil para não deixar pobre morrer de fome [...] Mataram Virgulino também. Governo de uma peste. Mataram o beato e mataram o Lampião.

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Figura 4 – Fase cangaceiro de Manuel

Na terceira fase, há uma ruptura com a própria realidade. Corisco é morto por Antônio e em uma cena rastejando grita “mais fortes são os poderes do povo”. Manuel e Rosa saem em corrida em direção ao mar, à salvação, à transcendência daquela situação social que vivia de miséria, dor e fome. Um Brasil arcaico, longe do progresso dos centros urbanos. Um sertão-mar onde “a terra não é de Deus e nem do Diabo. A terra é do Homem”. Glauber choca, confunde e atordoa a narrativa do filme com o horror da fome e da miséria como um modo de transmitir epicamente e didaticamente uma verdadeira situação social. Para ele, a única opção do intelectual no mundo subdesenvolvido é uma cultura revolucionária. Uma revolução não entendendo só como tema, mas como estética e ideologia. Como poderá o intelectual do mundo subdesenvolvido superar suas alienações e contradições e atingir uma lucidez revolucionária? Através do exame crítico de uma produção reflexiva sobre dois temas justapostos: o subdesenvolvimento e sua cultura primitiva; o desenvolvimento e a influência colonial de uma cultura sobre o mundo subdesenvolvido. A cultura colonial informa o colonizado sobre sua própria condição (ROCHA, 2004, p. 99).

A revolução da sociedade do subdesenvolvido, superando suas contradições, acontecerá quando o subdesenvolvido se perceber como subdesenvolvido e não se deixar levar pelo discurso e ideologia do opressor. O que se queria era uma arte popular revolucionária, que procurasse: [...] usar as formas populares e rechear estas formas com o melhor conteúdo ideológico possível [...] Ou seja, usar formas de artes populares (feitas para o povo) redirecionadas ideologicamente para uma pedagogia conscientizadora revolucionária (GRAÇAS, 1997, p.24).

A condição de oprimido mostrada através de uma revolução estética dos filmes para posteriormente um caminho de informação, análise e negação. Uma negação do seu falso passado, criando uma forma de pensar própria, baseada nas questões locais e não digerindo uma Indústria Cultural padronizada. Mostrar através do ambiente rural, a verdadeira condição econômica, política e social do país e uma cultura popular, que mesmo alienada, possa ser utilizada

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ideologicamente como a matriz de uma identidade cultural e como matéria de um processo de conscientização (ibdem, p. 26).

Os filmes de Glauber Rocha têm uma proposta, através de engajamentos nas lutas sociais, utilizar a estética e a arte como forma de libertação da produção espiritual da sociedade. É uma forma de potencializar a arte como uma ferramenta revolucionária e transformadora e não somente como mercadoria ou manutenção de status da burguesia. Uma transformação da cultura, em uma cultura em revolucionária, permitindo um momento de liberação e desenvolvimento mental da sociedade subdesenvolvida. Porém é preciso pensar se a revolução estética e transformadora do filme, proposta por Glauber, foi uma revolução nas estruturas sociais do país ou uma vanguarda modernista na linguagem cinematográfica? Glauber proclama por uma revolução como forma de acabar com o distanciamento entre o progresso econômico e o subdesenvolvimento cultural do país, através de filmes que permitam mostrar à classe a sua condição de subdesenvolvido para que assim haja uma negação e uma transformação. Mas a classe explorada retratada nos filmes se viu no cinema? O morador do sertão e a classe operária puderam ter esta reflexão? A proposta era chocar e incomodar só aconteceu com espectadores do cinema padronizado da Industria Cultural? Estas são, portanto, questões para problematizar a revolução estética proposta por Glauber em uma sociedade brasileira das décadas de 60 e 70 onde a regressão da sociedade, contra-revolução, arcaísmo combina-se com modernização. Uma revolução que aponta para uma teorização da linguagem cinematográfico e sua potencialidade educativa potencializadora contra a repressão e massificação da propaganda ideológica pelo Estado.

REFERÊNCIAS BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sergio Paulo Rouanet. 7.ed.São Paulo: Brasiliense, 1994. CIAVATTA, Maria. O conhecimento histórico e o problema teórico-metodológico das mediações. In. Teoria e educação no labirinto do capital. FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (orgs.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p.121-144. GRAÇA, Marcos da Silva. et all. Cinema brasileiro: três olhares. Niterói: EDUFF, 1997. JAMESON, Fredric. “Fim da arte” ou “fim da história”. In.: ___. A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Trad. Maria Elisa Cevasco, Marcos César de Paulo Soares. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p.73-94.

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LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. Trad. Wanda Nogueira Caldeira Brant. São Paulo: Boitempo, 2005. NOVA, Cristiane. A história em transe: o tempo e a história na obra de Glauber Rocha. In. NÓVOA, Jorge. BARROS, José D´Assunção. Cinema-história: teoria e representações sociais no cinema. 2.ed. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. p. 219-236. ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. São Paulo: Cosac Naify, 2004. VERTOV, Dziga. Nascimento do Cine-Olho (1924). In: XAVIER, Ismail. A experiência do cinema: antologia. RJ: Graal: Embrafilmes, 1983.

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