A tomada do Altíssimo

June 3, 2017 | Autor: Def Yuri | Categoria: Hip-Hop/Rap, Artigos, Viva Favela
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A tomada do Altíssimo

Autor: Def Yuri | 03/08/2001 | Seção: Def Yuri

Segunda-feira, 23h30. Estou na sala da minha casa conversando com minha esposa. Ela me conta como foi seu dia - ela é professora. Levanto-me para pegar um café na cozinha. No caminho, paro no quarto da minha filha, que dorme feito um anjo, e dou um beijo na testa dela. Ao ver essa criança linda, até esqueço o que ia fazer. Volto para sala, tenho que agradecer a minha esposa por ter me dado uma filha tão linda. Mal cheguei na sala e o celular toca. Do outro lado, uma voz fala: "sangue" e desliga. Essa é a senha do plano de chamada, não tenho tempo a perder. Enquanto me visto, minha esposa tenta saber o que está acontecendo - ela sabe que é algo sério! Saio correndo, nem dá tempo de me despedir da minha filha - Deus queira que eu volte! Beijo minha esposa, entro no carro. As ruas estão vazias, o Rio de Janeiro dorme. Vinte minutos e eu chego à unidade. Todos estão chegando e ninguém se cumprimenta - não temos tempo a perder! No alojamento, a correria não pára. Abro o meu armário, pego o meu uniforme "véio de guerra", o suspensório, o coturno e o gorro. Peço ao armeiro o kit de limpeza: uma .40 , uma HK mp5 e munição, muita munição. A adrenalina é grande. Estamos em uma sala e todos estão equipados. O líder explica que um merda de um dono de morro está aprontando muito. Ontem ele fez um baile. Parece que houve tiroteio. Encontraram dois presuntos próximos ao local: um estava de "faraó" e o outro estava todo furado - tinha um corte na altura do pescoço. Até parecia que tinham bebido o sangue do boneco. O cara lá do morro desafiou o B.S.! As unidades regulares, que já estarão nas proximidades do objetivo, estão prontas para intervir em uma "guerra" entre traficantes - essa é a versão oficial da operação. Ficamos cerca de duas horas avaliando a operação. Ainda está escuro, mas posso ver a aproximação do carcará - helicóptero Puma para transporte de tropas - que pousa no pátio da unidade. Somos oito e antes de a aeronave decolar gritamos o nosso lema: "matar rindo". Ganhamos pouca altura e o vôo segue quase que rasante, a cidade ainda está por acordar. O piloto avisa que estamos chegando e que a aproximação será feita pelas costas do morro. A ação deve ser rápida - as luzes de segurança estão apagadas. É agora! Desembarcamos de rapel, eu sou o prec. Iniciamos o deslocamento até o cume onde será feito o PRPO. Agora podemos ver a olho nu o alvo: é uma casa amarela, com uns dois quartos. Três vagabundos fazem a segurança. Nos dividimos em dois grupos: o primeiro tem como missão silenciar os vagabundos e o segundo faz a entrada e a captura do alvo. Falo com o atirador: " é contigo! Deita o da laje". Ele ri e diz: "um disparo, uma vida" Ele pega o fuzil G3, com mira telescópica e silenciador - o boneco lá da laje, dentro de segundos, vai estar sentado no colo do capeta! Respiração presa, gatilho acionado e o sopro da morte chega ao "filho da puta", sem chance! O primeiro grupo parte. Eles não usam armas de fogo. Seguem no rastejo e chegam bem próximos das duas sentinelas. Um é garroteado e o outro é atingido por um golpe certeiro entre a terceira e a quarta costela. Pulmão perfurado, o boneco nem tem como gritar. Uma granada de luz e som é jogada dentro da casa, que é sacudida por uma forte explosão. O meu grupo invade! Uns vão para o quarto da esquerda, eu e um parceiro seguimos para o da direita - na minha frente está o "fodão"! Ele não deve estar acreditando, está todo cagado! Arrastamos o cara para fora da casa. Ele tenta argumentar e fala para mim: "perdi! perdi!". Eu respondo: "perdeu mesmo". E dou um tiro de PT na testa dele. Ele agoniza com os olhos esbugalhados. Os meus camaradas começam a bicar e a cuspir na carcaça do "puto". Em seguida, iniciam uma troca de tiros com a vagabundagem. Não posso perder tempo - pego uma 380 e efetuo alguns disparos para o alto. Depois, planto a arma na mão do "puto". Digo para ele: "só não bebo o seu sangue porque sangue de porco é salgado!" E descarrego minha arma no peito do "puto". Um abraço! Me junto aos companheiros, o tiroteio é intenso. Já fizemos a nossa parte e, daqui a pouco, o helicóptero estará de volta para a retirada. A chapa está quentíssima. Os "filhos da puta" estão jogando pesado contra a gente. Um colega diz que é o tal de T1000. Está de frente no bonde. Mando o pessoal partir para dentro dos "merdas". Agora estou próximo do T1000. É ele que eu quero. De repente, cessam os tiros, um silencio de doer o ouvido. Estou me aproximando do "merda". Percebo um vulto próximo a um barraco de madeira. Por

instantes, esqueço a perseguição e na minha frente surge um papa-mike. Coloco minha arma em posição sul e com a mão esquerda aponto para aonde o bandido está indo. Sem mais nem menos, ele descarrega em cima de mim. Um tiro me pega na perna - o impacto é forte. Sou tomado por uma dor incontrolável, o sangue sai em jatos - tento conter! Acho que atingiu a femoral. À minha frente, vejo o papa-mike cuzão rindo. Também vejo um homem de uns 40 anos se aproximando. Deve estar indo para o trabalho. Ele pára, parece querer entender o que ocorre, mas antes que ele possa pensar, o papa-mike safado o alveja com um tiro na cabeça. "Desgraçado! É um inocente! Como esse verme faz isso?" O cuzão pega a arma com que atirou em mim e coloca na mão do inocente. Ele se aproxima de mim rindo e diz: "viu colega, o BS quis me atrasar, então tive que te deitar. Não é nada pessoal, esse aqui é o meu ganha pão! A polícia é só um bico". Minha agonia aumenta. Na cabeça, a imagem da minha filha, da minha mulher. Como eu entrei nessa guerra? Eu estou morrendo. Já não vejo mais nada, só escuto o "filho da puta" falar pelo walk talk: "prioridade! Prioridade! Policial gravemente ferido, necessito reforço! Um bando fortemente armado está nos atacando"... (pode continuar!) Glossário: .40 - pistola calibre .40 HK mp5 - metralhadora de assalto alemã calibre 9mm Boneco - corpo, pessoa Carcará - helicóptero da polícia B.S. - bonde suicida, comando de policiais especializados em operações não oficiais Prec - precursor PRPO - ponto de reunião próximo ao objetivo Deita - mata G3 - fuzil alemão, modelo G3, calibre 762, utilizado por atiradores de elite (snippers) do mundo inteiro Carcaça - corpo Perdi!: eu me rendo! A chapa está quentíssima: a situação está crítica Bonde - grupo Partir para dentro: enfrentar Papa-mike: policial militar Posição sul - para baixo Bico - biscate Walk talk - rádio comunicador Cuzão - otário

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