A TRADUÇÃO DO LIVRO INFANTIL THE GRUFFALO E SUA CONSTRUÇÃO RÍTMICA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

May 27, 2017 | Autor: Mariane Caetano | Categoria: Translation Studies
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A TRADUÇÃO DO LIVRO INFANTIL THE GRUFFALO E SUA CONSTRUÇÃO RÍTMICA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO.
Mariane Oliveira Caetano (UEM)

Introdução
Os trabalhos de tradução de Literatura Infantil e Juvenil são realizados há muito tempo. De acordo com Azenha Jr (2015), a tradução desse gênero pode ser uma das atividades mais antigas a se datar no âmbito tradutório, diferente do que se acredita no senso comum.
Congruente ao pensamento do senso comum – que a tradução de Literatura Infantil e Juvenil é algo recente – tem se propagado, até os dias atuais, a ideia de que a tradução de gêneros voltados ao público infantil é uma tarefa fácil de ser realizada devido ao seu vocabulário mais simples, seu conjunto, muitas vezes, de texto e imagem, público-alvo etc. Todavia, essas obras apresentam desafios que, por vezes, passam despercebidos por aqueles que estão aquém do processo tradutório.
Por outro lado, pode-se notar, atualmente, o crescimento dos estudos em Literatura Infantil Estrangeira dentro do ambiente acadêmico – sendo este tanto no âmbito de pesquisa científica quanto na oferta de disciplinas relacionadas à temática – fator que leva professores e alunos ao contato com obras e suas respectivas traduções. Ademais, dentro das próprias universidades, há interesse em traduzir obras remetidas ao público infantil. Dessa maneira, analisando brevemente apenas o contexto acadêmico, pode-se observar que esses fatores contribuem na disseminação da prática e análise tradutória da Literatura Infantil.
Azenha Jr (2015) explica que esse gênero textual não só tem ganhado mais espaço nos Estudos da Tradução e no mercado de Tradução como também tem conquistado novas abordagens teóricas, isso devido às mudanças ocorridas no mundo das crianças e no papel que elas desenvolvem. Dessa forma, a Literatura Infantil começa a conquistar maior valorização e, também, inicia um processo de obtenção de domínio próprio, definindo suas peculiaridades dentro da área de Tradução Literária.
Atendo-se a Literatura Infantil de Língua Inglesa, pode-se constatar que o número de obras desse campo é vasto e crescente. Clássicos como The Fairy Tales – Cinderella, Rapunzel, Little Red Riding Hood, The Three Little Pigs etc – são conhecidos universalmente e isso se deve a grandes trabalhos de tradução e adaptações para as mais diversas culturas e mídias – é possível encontrar tais contos adaptados para diferentes filmes, quadrinhos, desenhos animados etc. Seguidamente e até os dias atuais, muitas outras obras também ganharam destaque internacional, sendo estas traduzidas e consumidas em grande escala.
O livro The Gruffalo, de autoria de Julia Donaldson, foi publicado pela primeira vez em 1999, no Reino Unido, pela Macmillan Children's Books e foi destinado a um público infantil de 3 a 7 anos. O livro foi traduzido para cerca de 28 línguas, vendeu mais de 13 milhões de cópias em todo o mundo e foi vencedor de diversos prêmios na categoria de Literatura Infantil. Ademais, sua história foi adaptada e encenada nos palcos da Broadway e da West End Theatre. Além de dramatizações em teatros, a história ganhou uma adaptação para o cinema. Lançado pela BBC One, The Gruffalo foi adaptado para um curta metragem de 27 minutos em 2009, venceu alguns prêmios e foi indicado para outros como o Academy Award para melhor curta-metragem (animado) em 2010.
A autora narra a ficção a partir de rimas e pode-se considerar que a obra se popularizou devido a esse aspecto, pois garante uma leitura estimulante para as crianças em virtude da musicalidade que as rimas possibilitam. Van der Westhuizen (2007) denomina o gênero de The Gruffalo como story-poem (história-poema), por conter muitos aspectos poéticos como a narrativa em versos, a métrica elaborada e as rimas.
Tendo em vista o teor poético da narrativa, encontra-se um desafio estilístico para o sujeito tradutor – tarefa esta constantemente defrontada por tradutores do gênero poesia. Sobre a tradução de poesia, Arrojo (2007) considera a necessidade de atenção não somente ao conteúdo, mas também à forma, pois ambos estão atrelados no processo tradutório desse gênero. Nessa perspectiva, utiliza-se a teoria de Arrojo (2007) para discutir as escolhas e estratégias utilizadas durante o processo de uma tradução que visa reconstruir determinada estrutura e conteúdo. Dessa forma, este trabalho visa analisar a tradução do livro The Grufallo e sua construção rítmica no português brasileiro. Além disso, tem-se como objetivo analisar qual aspecto foi priorizado – forma ou conteúdo –, como também, constatar se a linguagem necessária para o público alvo foi respeitada.
Na primeira parte desse artigo, intitulada A dualidade forma e conteúdo são apresentadas algumas teorias correspondentes ao tema que sugerem discussões sobre as escolhas do tradutor durante a tradução de textos que envolvem conteúdo atrelado à forma. Em um segundo momento, no tópico intitulado O Grúfalo no Brasil: análise tradutória expõe-se as análises realizadas de excertos do livro The Gruffalo e de sua tradução para o português brasileiro, atentando-se, especialmente, às escolhas que levaram à reconstrução das rimas na língua de chegada. Por fim, busca-se atrelar as reflexões feitas nos tópicos anteriores a fim de apresentar algumas considerações finais.
A dualidade forma e conteúdo
A tomada de decisões e a escolha de estratégias utilizadas de acordo com cada texto/gênero e suas características são aspectos que envolvem todo processo tradutório. De fato, esses são desafios desconhecidos pelo senso comum. Todavia, ao considerar uma tradução de Literatura Infantil, existem, antes de tudo, preconceitos a serem quebrados, pois este campo da Literatura não é simples e nem fácil de ser traduzido, como se acredita. De acordo com Coelho (1993), as obras infantis tratam aspectos abordados também nas obras literárias destinadas a adultos, diferindo-se apenas no público-alvo. Dessa forma, trata-se de conteúdos semelhantes, porém com uma nova abordagem, ou seja, uma nova sugestão de linguagem, pois ao se tratar de um público com características tão peculiares, uma obra estritamente voltada para eles exige cuidados específicos com a língua, e isso não significa uma linguagem mais simples, mas sim uma linguagem que se apresente mais íntima, que atraia a atenção dos pequenos, que apresente algo que, para eles, é familiar.
Uma vez que esta é uma preocupação durante a escrita de cada obra infantil em seu texto de partida, ela também o é para o tradutor ao trazer o texto para um contexto doméstico. Assim sendo, durante a tradução de uma obra infantil, o tradutor depara-se com desafios agrupados, tendo este que definir seu objetivo e estratégias durante o processo tradutório, considerando o conteúdo e seu público-alvo específico, que requer uma abordagem diferenciada.
Meireles (1984), ícone na pesquisa da Literatura Infantil, afirma que esta possui duas funções primordiais: a educadora e a lúdica. Em suma, a função educadora é um aspecto que está sempre presente nas obras infantis e tem função de educar, doutrinar e preparar os pequenos para a vida em sociedade; tudo isso a partir de aspectos culturais, históricos, geográficos etc. A segunda função, a lúdica, tem como objetivo atrair seu público-alvo através dos elementos do texto, como: linguagem, imagens, sonoridade, expressões e, dessa forma, facilitar a compreensão das crianças, o que pode fazê-los mais interessados na leitura da obra, ou seja, as escolhas durante a elaboração de uma história infantil – sejam elas léxicas, imagéticas, sonoras – denotam a intenção do autor em causar interesse em seu público-alvo.
Em relação à tradução de Literatura Infantil e Juvenil (LIJ) e às funções educadora e lúdica, Azenha Jr (2015) explica:
Entre utilidade e prazer, a experiência de traduzir LIJ evidencia a necessidade de se dominarem recursos linguísticos e estilísticos, que poderão estar a serviço de uma ideologia ou da criatividade e do caráter lúdico ou de ambos em diferentes proporções. (AZENHA JR, 2015, p. 216)
Isso significa que o tradutor, ao deparar-se com um texto literário infantil, possui conteúdo/utilidade e forma/prazer que exigem, respectivamente, competências linguísticas e estilísticas.
O texto literário pode ser definido como aquele que possui uma conjunção entre forma e conteúdo. Congruente a essa definição, Arrojo (2007) explica que muitos escritores afirmam que a tradução de textos literários nunca será totalmente bem-sucedida, pois a forma e o conteúdo da obra não poderão ser traduzidos sem serem prejudicados de forma vital.
No entanto, ao entender que não existem equivalentes exatos entre as línguas, será sabido que a tradução acarretará um processo de recriação de sentido em uma língua de chegada e, também, na reconstrução da forma textual do texto literário/artístico.
Quando Arrojo (2007) discute as peculiaridades e traduzibilidade do texto poético, há uma preocupação com a manutenção das características do gênero – forma e conteúdo. Dessa forma, considerando a tradução como reconstrução, Arrojo (2007) repensa o caráter do texto literário e sua traduzibilidade e considera que o tradutor tem uma tarefa semelhante ou igual ao dos poetas.
Quando equiparamos a tradução ou a leitura de um poema à sua criação, fica claro que exigimos de seu leitor ou tradutor uma sensibilidade e um talento semelhantes aos que tradicionalmente se exigem dos poetas. (ARROJO, 2007, p. 36)
Dessa maneira, sendo a forma elemento crucial caracterizador do gênero literário/artístico, um texto construído a partir de rimas – que é o caso do corpus de análise desse trabalho – ao ser traduzido, exige atenção e criatividade especial, o que, certamente, configurará um processo de recriação e transformação.
Outro aspecto determinante durante um processo tradutório é a definição do objetivo. Tal como explica Vermeer (1985), reavaliando e combatendo qualquer perspectiva teórica de fidelidade linguística, o tradutor deve ser fiel ao seu objetivo de tradução. Dessa forma, "cada tradução há de obedecer ao seu objetivo e procurar realizá-lo da melhor maneira possível em determinada situação." (VERMER, 1985, p. 16). Arrojo (2007) também aborda o objetivo do tradutor durante a tradução de um texto poético afirmando que "além de ser fiel à nossa concepção de poesia e à nossa concepção de tradução, a tradução de um poema deve ser fiel também aos objetivos que se propõe." (ARROJO, 2007, p. 45).
O objetivo da tradução, explanado e defendido por Vermeer (1985) como Skopostheorie, é fundamental durante a tradução de qualquer texto. Ao que se refere ao texto considerado artístico/estilístico, a definição e fidelidade ao objetivo garantem ao tradutor a liberdade de optar tanto entre a priorização da forma ou do conteúdo, pois é evidente a impossibilidade de se manter o mesmo conteúdo com a mesma forma a partir dos mesmos elementos fonéticos entre texto de partida e texto de chegada, quanto optar por diversos termos e expressões visando seu objetivo final. Dessa forma, a tradução poderá ser entendida como um processo de recriação, ou seja, o tradutor é um novo autor, um novo poeta.
O livro The Gruffalo, sendo um texto literário infantil poético, abarca todas as especificidades explanadas até aqui. Em seu conteúdo temos uma história. Na construção dessa narrativa, temos as funções educadora e lúdica e, esse todo foi construído em forma de poema, com versos, estrofes, métrica e rimas. Dessa maneira, sua tradução implica em diversas estratégias e tomadas de decisões que serão analisadas no tópico seguinte.
O Grúfalo no Brasil: análise tradutória
O livro The Gruffalo foi traduzido para o português brasileiro como O Grúfalo por Gilda de Aquino e publicado pela Editora Brinque-Book. O livro na língua de partida contém rimas e muitas repetições de termos e versos – o que, de certa forma, foi preservado na língua de chegada. Lima (2015) afirma que obras de autores consagrados, normalmente, são traduzidas em consonância à sua própria poética, como foi o caso de Aquino ao traduzir The Gruffalo, que priorizou a forma textual da língua de partida, visto que ela configura em um grande atrativo para seu público alvo.
Muitas estrofes são repetidas ao longo da história. Diante disto, foram selecionados seis excertos distintos. À esquerda são descritos os trechos do texto de partida e, à direita, os trechos referentes no texto de chegada.

A mouse took a stroll through the deep dark wood.
A fox saw the mouse and the mouse looked good.
"Where are you going to, little brown mouse?
Come and have lunch in my underground house."
"It's terribly kind of you, Fox, but no –
I'm going to have lunch with a gruffalo."
"A gruffalo? What's a gruffalo?"
"A gruffalo! Why, didn't you know?

Um ratinho foi passear na floresta escura.
A raposa viu o ratinho e o achou apetitoso.
- Aonde você vai? Perguntou a raposa com brandura.
Venha almoçar comigo, faço um almoço gostoso.
- Quanta gentileza, raposa, mas não posso aceitar.
Já marquei com o Grúfalo para almoçar.
Um Grúfalo? O que é um Grúfalo?
Você não conhece? Um Grúfalo!

Na primeira estrofe da narrativa – na qual o rato encontra a raposa pela floresta – a princípio, pode-se notar que o esquema rítmico se alterou de AABBCC, no inglês, para ABABCC, no português. Em relação às escolhas tradutórias, a tradutora optou por traduzir mouse por "ratinho" no primeiro verso, talvez, por já utilizar da informação do terceiro verso: little brown mouse. Ademais, na terceira estrofe, houve a omissão da tradução de little brown mouse e a adição de "Perguntou a raposa com brandura.", visando a rima com "floresta escura", na primeira estrofe. Na quarta estrofe, também houve omissão da tradução de in my underground house e a adição de "faço um almoço gostoso", a fim de rimar com o termo "apetitoso", do segundo verso. Ao fim dessa estrofe e na estrofe seguinte que finaliza a página, a autora optou pelas palavras no, Gruffalo e know que no inglês britânico, são finalizadas com a mesma pronúncia, o ditongo /əʊ/. A tradutora substituiu os termos finais da quinta e da sexta estrofe por "aceitar" e "almoçar", visando sua construção rítmica. Por fim, na estrofe seguinte, houve a repetição do termo "Grúfalo". Durante toda a narrativa, Aquino não apresentou um termo a ser rimado com "Grúfalo", todavia, sua estratégia de repetição é plausível dentro de uma obra infantil, pois garante ênfase e sonoridade poética para o jovem leitor.
"He has terrible tusks,
and terrible claws,
And terrible teeth in his terrible jaws."
"Where are you meeting him?"
"Here, by these rocks,
And his favourite food is roasted fox."
Ele tem presas incríveis
e garras terríveis.
E em sua boca, dentes horríveis.
- E onde vocês vão se encontrar?
- Perto dessas pedras é o lugar.
E sua comida favorita é raposa frita.


Neste momento, o protagonista, tentando se salvar da raposa, começa a descrever a criatura – o Grúfalo – a fim de aterrorizar a predadora para que ela o deixe em paz. A autora utiliza da repetição do termo terrible, fator que contribui na sonoridade do trecho. Todavia, a tradutora optou por três traduções diferentes para o termo terrible – "incríveis", "terríveis" e "horríveis" –, que também enfatizam a grandiosidade/monstruosidade da criatura. Cabe, aqui, ressaltar o teor criativo e autoral da tradutora, que a partir da inserção desses diferentes termos, garante novas rimas e nova sonoridade à estrofe. Além disso, como discute Arrojo (2007), o tradutor também se apresenta como um produtor de sentidos, fator que permite que seu público – na língua de chegada – também possa realizar novas leituras e produzir novas significações.
Na estrofe seguinte, o esquema rítmico é alterado de ABB para AAB. Todavia, no último verso, a tradutora sugere uma rima entre "favorita" e "frita". Aquino opta por recriar o sentido traduzindo roasted fox, que literalmente seria "raposa assada", para "raposa frita", visando a sonoridade do verso e a rima com "comida favorita".

"Roasted fox! I'm off!" Fox said.
"Goodbye, little mouse," and away he sped.
"Silly old Fox! Doesn't he know,
There's no such thing as a gruffalo?"
-Raposa frita? Estou fora – a raposa falou
- Adeus, ratinho, já me vou!
- Raposa boba! Será que não sabe
que Grúfalo não existe?

Na primeira estrofe do trecho acima, a rima do texto de partida se construiu a partir dos termos said /sed/ e sped /sped/. Para o texto de chegada, a tradutora acrescentou à fala da raposa a frase "já me vou", o que se mostrou viável tendo em vista o final do verso anterior "a raposa falou", ou seja, a tradutora utiliza a estratégia de transferir a frase and away he sped para a fala da raposa "já me vou". Essa opção também descreve o sentido de rapidez e pressa da personagem e contribui no cumprimento do objetivo – as rimas.
A segunda estrofe, que se repete outras vezes durante a narrativa, diferenciando-se apenas nos animais citados – fox, owl e snake –, não possui rimas em seu texto de chegada. Percebe-se que a tradutora optou por uma reconstrução a partir de uma tradução mais literal.

"Oh help! Oh no!
It's a gruffalo!"

"My favourite food!" the Gruffalo said.
"You'll taste good on a slice of bread!"

"Good?" said the mouse. "Don't call me good!
I'm the scariest creature in this wood.
Just walk behind me and soon you'll see,
Everyone is afraid of me."
- Oh, socorro! Oh! Não,
é um Grúfalo!
Minha comida preferida. – Disse o Grúfalo então.
- Vai ficar gostoso no meio do pão.
- Gostoso? – Exclamou o ratinho.
– Dos bichos da floresta, sou o mais perigoso.
Siga-me e verá isso sim,
que todos aqui têm medo de mim.

Este trecho descreve o momento em que o ratinho encontra a temida criatura que ele descreveu para seus predadores, mas que ele mesmo não acreditava existir. Com muita astúcia, ele tem a ideia de levar o Grúfalo para um passeio pela floresta a fim de que os outros animais os vissem, fugissem de medo e, assim, o Grúfalo pensaria que o ratinho era o ser assustador.
Como pode-se notar, foi feita uma tradução basicamente literal da primeira estrofe. Já na segunda estrofe, Aquino acrescenta o termo "então" após a fala do Grúfalo visando sua rima com "no meio do pão".
Na estrofe seguinte, a autora não descreveu a ênfase na fala do ratinho em Don't call me good! . Todavia, ela termina a frase com: "Exclamou o ratinho", o que também sugere a ideia de exaltação. Ademais, a opção pelo termo "gostoso" no início do primeiro verso rima com "perigoso", ao final do segundo verso. Nos dois últimos versos da estrofe, em que a rima ocorre a partir dos termos see /si:/ e me /mi:/, Aquino optou pelo acréscimo do termo "sim" intentando a rima com "mim".
Podemos perceber que há um esforço quanto à aproximação da construção rítmica do texto de partida. A tradutora, por vezes, adiciona, substitui e retira termos visando a elaboração dos versos e suas respectivas rimas. Vemos aqui a teoria de Vermeer (1985) aplicada à prática, pois, a partir do momento em que a tradutora decidiu priorizar a forma do texto, ela definiu estratégias que colaboraram com esse objetivo.

They walked and walked till the Gruffalo said,
"I hear a hiss in the leaves ahead."

"It's Snake," said the mouse. "Why, Snake, hello!"
Snake took one look at the Gruffalo.
"Oh crumbs!" he said, "Goodbye, little mouse!"
And off he slid to his logpile house.
Caminharam algum tempo até que o Grúfalo falou:
- Ouço um barulho aí na frente, você escutou?
- É a cobra – disse o ratinho
– Oi cobra – falou de mansinho.
A cobra olhou para o Grúfalo e tremeu.
Foi embora depressa e se escondeu.


Na primeira estrofe deste recorte, a opção pelo acréscimo de "você escutou" à fala do Grúfalo no segundo verso, garante a rima da estrofe com "o Grúfalo falou". A tradutora recria a fala da criatura visando seu escopo de tradução – de reconstruir uma narrativa também em versos.
Na estrofe que se segue, o esquema rítmico é o mesmo na língua de partida e na língua de chegada – AABB. Ademais, como em excertos anteriores, Aquino opta por inserir um adjetivo à forma com que os personagens se expressaram – "falou de mansinho" – o que não é descrito no texto de partida. Por outro lado, a tradutora reconstrói o terceiro verso ao transformar a fala da cobra – Oh crumbs! he said, "Goodbye, little mouse!" – em uma descrição de suas ações – "olhou para o Grúfalo e tremeu." Há, também, a inserção de termos no quarto verso. A tradutora opta por indicar indiretamente que a cobra se escondeu em sua casa sem citá-la – "Foi embora depressa e se escondeu" – em vez de traduzir logpile house, que poderia comprometer suas rimas.

"Well, Gruffalo," said the mouse. "You see?
Everyone is afraid of me!
But now my tummy's beginning to rumble.
My favourite food is – gruffalo crumble!"
- Viu só, Grúfalo?
Como todos fogem de mim assustados?
Mas agora a minha barriga está começando a roncar,
e meu prato predileto é Grúfalo ensopado!
All was quiet in the deep dark wood.
The mouse found a nut and the nut was good.

Tudo se acalmou na floresta frondosa.
E o ratinho achou uma noz que estava muito gostosa.
Neste último recorte, temos os momentos finais da história nos quais o ratinho "ratifica" sua monstruosidade e faz com que o Grúfalo fuja de medo. Por fim, ele se encontra em paz na floresta saboreando uma noz.
Quanto à tradução, pode-se verificar que a construção rítmica da primeira estrofe foi reelaborada de AABB para ABCB na língua de chegada. Desta vez, a autora opta por não traduzir said the mouse, no primeiro verso – como fez em outros momentos em que até inseriu adjetivos. No segundo verso, a escolha em usar o termo "assustados", por certo, definiu a opção por "Grúfalo ensopado" no último verso. Gruffalo crumble, como indica o texto de partida, sugere uma "torta" ou um "assado" de Grúfalo, todavia, se tratando do objetivo – que é de construir uma narrativa em versos – e considerando que a forma com que o animal seria comido não muda o curso da história, optar por "Grúfalo ensopado" denota fidelidade ao objetivo, criatividade e atenção à linguagem indicada para crianças. Além disso, o uso de tummy no texto de partida e "barriga" no texto de chegada indica preocupação e cuidado quanto ao uso da língua e seu público-alvo.
Por fim, a última estrofe selecionada, que também é a última do livro, apresenta dois versos no texto de partida e no texto de chegada. No começo do livro, Aquino optou por traduzir deep dark wood por "floresta escura", no entanto, na última estrofe, ela opta por "floresta frondosa". A opção garante tanto a sonoridade ao verso pela repetição do som /f/ quanto a rima com o último verso, que é finalizado com "muito gostosa", se referindo à noz. De acordo com Arrojo (2007), que assim como outros teóricos também descarta as exigências quanto à fidelidade linguística, deve existir o reconhecimento da natureza essencialmente criativa nos processos tradutórios, pois estes configuram em novas criações e novas obras.
Algumas considerações
As análises realizadas nesse trabalho e as reflexões feitas durante a explanação da base teórica levam a concluir, primeiramente, que a tradução de um texto literário/artístico exige habilidades do tradutor que vão além do conhecimento de duas línguas. O tradutor, aqui, passa a ter a função de autor, pois recria, transforma e dá novos sentidos a um texto que agora se apresenta para um novo público.
Ademais, pode-se verificar que a tradutora atentou-se especialmente à construção rítmica do texto, utilizando estratégias linguísticas e estilísticas a fim de alcançar seu objetivo. De fato, uma tradução que visasse os sentidos mais literais dos termos, comprometeria a forma textual e, consequentemente, suas rimas. Assim sendo, entende-se que a tradutora foi fiel ao seu objetivo.
Quanto à linguagem necessária para o público-alvo infantil, constatou-se que a tradutora também dedicou cuidado especial na escolha das palavras, optando por termos mais coloquiais e que se apresentam mais íntimos às crianças.
Em suma, considera-se fundamental a definição do objetivo durante a tradução literária infantil e atenção especial ao público-alvo e o que ele propõe em níveis de conteúdo e forma. É importante, também, reconhecer o caráter dinâmico/criativo do processo tradutório e, ainda mais, da tradução de textos literários, pois os trabalhos realizados nesse âmbito configuram em recriações, transformações e, consequentemente, novas obras literárias.
Referências
ARROJO, R. Oficina de tradução: a teoria na prática. 5ª Edição. São Paulo: Ática, 2007. 85p. (Série Princípios)
AZENHA JR, J. Tradução & literatura infantil e juvenil. In.: AMORIN, L.M.; RODRIGUES, C.C.; STUPIELLO, E.N.A. (org.). Tradução &. Perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Editora da UNESP Digital, 2015. Recurso digital. pp. 209-232.
BENJAMIN, W. A Tarefa Renúncia do Tradutor. Trad. de Susana K. Lages. In Clássicos da Teoria da Tradução. Florianópolis: UFSC. 2001.
COELHO, N. N. A tradução: núcleo geratriz da literatura infantil/juvenil. In: COSTA, W.C. (Org.). Ilha do Desterro. A Journal of Language and Literature. Revista de Língua e Literatura, n.17. Florianópolis: Editora da UFSC, 1987. p. 21 – 32.
DERRIDA, J. Torres de Babel. Tradução de Júnia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
DONALDSON, J. The Gruffalo. Reino Unido: Pan Macmillan, 1999. 32p.
DONALDSON, J. O Grúfalo. Tradução de Gilda de Aquino. São Paulo: Brinque Book, 2004. 32p.
LIMA, Lia Araújo Miranda. Traduções para a primeira infância: o livro ilustrado traduzido no Brasil. 2015, 196 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Tradução) – Instituto de Letras, Universidade de Brasília, Brasília.
MEIRELES, C. Problemas da literatura infantil. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
VAN DER WESTHUIZEN, B. Humour and locus of control in The Gruffalo (Julia Donaldson & Axel Scheffler). Literator, Potchefstroom, v. 28, n. 3, 2007. Disponível em: http://www.literator.org.za/index.php/literator/article/viewFile/168/141. Acesso em: 30/05/2016.
VERMEER, H. J. Esboço de uma teoria de tradução. Lisboa. 1985

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