A tradução na didática de PLE como veículo de interculturalidade: estudo de caso

December 31, 2017 | Autor: Nuno Carlos Almeida | Categoria: Tradução, Competência Intercultural, Didática de PLE
Share Embed


Descrição do Produto

A tradução na didática de PLE como veículo de interculturalidade: estudo de caso Nuno Carlos de ALMEIDA 1 Davor GVOZDIĆ 2 Resumo Neste trabalho, apresentamos as linhas gerais que enquadraram uma tarefa concreta de tradução, realizada por alguns aprendentes de português. Apesar de na didática de línguas estrangeiras, a tradução nem sempre ser bem aceite, sustentamos que esta é uma atividade válida, com benefícios para o desenvolvimento pleno das competências gerais e comunicativas, de natureza linguística, pragmática e sociolinguística, entre as quais a competência intercultural, aqui em destaque pelo modo como contribuiu para a resolução dos aspetos mais problemáticos na referida tarefa de tradução. Palavras-chave: tradução, didática de PLE, competência intercultural

0. Introdução Tendo sido convidados a participar nas IV Jornadas de Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas da Europa Central e de Leste, decidimos partilhar com os colegas uma experiência francamente positiva que tivemos durante o ano letivo anterior, em que trabalhámos com mestrandos em tradução que simultaneamente eram ainda aprendentes de português como língua estrangeira (PLE). Segundo pudemos constatar, os trabalhos de tradução que foram fazendo resultaram numa melhoria visível do seu desempenho comunicativo em PLE, para além de que reforçaram particularmente a sua competência enquanto

mediadores

interculturais,

papel

de que

não

estavam

até

então

verdadeiramente conscientes. Surpreendentemente, ao contrário do que seria expectável, tendo em conta a nossa satisfação com os resultados positivos que havíamos constatado, depois de alguma pesquisa bibliográfica sobre o assunto, verificámos que o lugar da tradução no ensino de LE nem sempre tem sido consensual. A ideia geral que transparece é a de que o conceito de tradução, assumida durante séculos como técnica fundamental na aprendizagem de LE, não acompanhou a evolução operada na área da didática de LE, acabando por dar azo a uma tendência para o seu afastamento das aulas de LE, 1

Docente do Camões IP na Universidade de Zadar, Croácia. Licenciado em Linguística, mestre em LCP – Metodologia do Ensino do Português (LE/L2) e doutorando em Língua e Cultura Portuguesa (Língua Estrangeira / Língua Segunda). [email protected]. 2 Bolseiro Fernão Mendes Pinto, docente do Camões IP na Universidade de Zadar, Croácia. Licenciado em Estudos Pedagógicos e Língua e Literatura Portuguesas, mestre em Estudos Portugueses Multidisciplinares, especialização em Linguística Portuguesa. [email protected].

sobretudo a partir do surgimento da abordagem comunicativa. Felizmente, no entanto, multiplicam-se os trabalhos em defesa das virtudes e das potencialidades da tradução, numa lógica de redefinição / atualização do conceito de tradução como estratégia de aprendizagem de uma LE. Sobre o tema da tradução no ensino-aprendizagem de línguas, recomendamos a consulta dos trabalhos de Ridd (2009), que compila uma extensa bibliografia de referência neste âmbito, e de Balboni (2011), por ter sido aquele que primeiramente nos chamou a atenção. Num trabalho tão breve como este, o que pretendemos não é repetir argumentos ou fazer uma revisão da literatura de referência mas somente acrescentar algumas notas para o esclarecimento do lugar da tradução na aula de LE (portanto, de PLE), partindo de uma experiência positiva, numa perspetiva de ensino-aprendizagem voltada para a ação e destacando a importância da competência intercultural nas atividades linguísticas de mediação. 1. Tradução na aula de PLE: sim ou não? Segundo Bravo (2008: 4-5), o lugar da tradução no ensino-aprendizagem de LE tem sido um assunto bastante controverso devido ao facto de haver um entendimento frequentemente errado da natureza desta atividade, para além de que a sua função no processo de aprendizagem não tem sido adequadamente explicada. Pelo que nos foi dado a perceber ao longo desta brevíssima investigação, não poderíamos estar mais de acordo com as afirmações da autora, que cita o trabalho de Vinary & Darbelnet (1958:24-25) para distinguir três grandes áreas na prática da tradução, como uma competência específica: a área educacional, a área profissional e a da investigação linguística. Se, enquanto atividade pedagógica, a tradução é uma ferramenta de aprendizagem e, frequentemente, também de testagem, por exemplo, da compreensão em LE, como atividade profissional, ela transforma-se dado que o tradutor não traduz para compreender mas para fazer com que outros compreendam. Quanto à dimensão de investigação, esta baseia-se na noção de tradução como instrumento de análise linguística, através do estudo comparativo de duas línguas. No entanto, na lógica de uma didática de LE, o mais natural é que esta distinção tripartida não seja assumida como estanque ou verdadeiramente compartimentada. Na verdade, as três referidas dimensões sobrepõem-se e complementam-se, sugerindo, numa abordagem mais atual, voltada para a ação, a convocação de outras noções

pertinentes para uma correta avaliação do papel da tradução no processo de ensinoaprendizagem de LE. Comecemos por nos referir à tradução enquanto atividade profissional, dimensão que à partida seria menos relevante numa reflexão sobre o lugar da tradução na didática de uma LE, como a que apresentamos nestas páginas. Sobre isto, apontamos desde já que, ao pensar-se que o objetivo do tradutor não é propriamente compreender mas fazer com que os outros compreendam, coloca-se em evidência quer a funcionalidade da tradução enquanto atividade linguística de mediação quer o papel do tradutor enquanto mediador. No âmbito das políticas educativas europeias para o ensino das línguas, as atividades de mediação “ocupam um lugar importante no funcionamento linguístico normal das nossas sociedades” (Conselho da Europa, 2001: 36). A mediação não é neste contexto considerada apenas como um exclusivo dos tradutores profissionais, sendo antes perspetivada como mais uma das atividades linguísticas envolvidas na ativação da competência comunicativa de qualquer aprendente / utilizador da língua, a par de outras: a receção, a produção e a interação (ibidem: 35). Note-se que nesta abordagem, orientada para a ação, os utilizadores e os aprendentes de uma língua são vistos como “atores sociais, que têm de cumprir tarefas em circunstâncias e ambientes determinados, num domínio de atuação específico” (ibidem: 29). Quer isto dizer que, enquanto utilizador / aprendente de uma língua, a dado momento, um indivíduo poderá ter de realizar, na vida real, tarefas que envolvam a mediação enquanto atividade linguística, ainda que não faça da tradução a sua atividade profissional. Logo, se numa aula de LE o que se pretende é preparar os aprendentes para agir em diferentes circunstâncias e em diversos domínios, seria contraproducente ignorar a validade das atividades de tradução enquanto potenciadoras de uma preparação necessariamente mais completa. Todavia, uma intervenção adequada exige que um ensinante de LE esteja consciente de que “atividades linguísticas” e “tarefas”, termos usados no parágrafo anterior, são conceitos importantes e têm um significado particular, à luz das atuais tendências europeias. Vale a pena, por isso, ver de que modo estes dois conceitos são definidos no QECR 3, o referencial europeu para o ensino das línguas. As atividades linguísticas abrangem o exercício da própria competência comunicativa em língua num domínio específico no processamento (receção e/ou produção) de um ou mais textos, com vista à realização de uma tarefa. 3

QECR: Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (Conselho da Europa, 2001).

Uma tarefa é definida como qualquer ação com uma finalidade considerada necessária pelo indivíduo para atingir um dado resultado no contexto da resolução de um problema, do cumprimento de uma obrigação ou da realização de um objetivo. Esta definição pode abranger um vasto leque de ações tais como deslocar um armário, escrever um livro, obter certas condições ao negociar um contrato, jogar às cartas, pedir uma refeição num restaurante, traduzir um texto escrito em língua estrangeira ou preparar a realização de um jornal de turma em grupo. (Conselho da Europa, 2001: 30)

Parece-nos importante sublinhar dois aspetos nas definições apresentadas: o primeiro é a particularidade de as atividades linguísticas serem associadas à realização de uma tarefa; o segundo tem a ver com o facto de uma tarefa ser uma ação considerada necessária pelo indivíduo. Para além disto, é pertinente acrescentar que no QECR as tarefas são consideradas em duas dimensões distintas, como “tarefas comunicativas” e/ou como “tarefas de aprendizagem”, estando a dimensão comunicativa ligada à ativação estratégica de competências específicas em resposta às necessidades do indivíduo enquanto utilizador da língua, ao passo que a dimensão de aprendizagem tem mais a ver com as necessidades do indivíduo como aprendente. Também não podemos deixar de salientar que a pertinência de uma tarefa para as necessidades comunicativas reais do aprendente tem implicações ao nível da motivação intrínseca para a sua realização e que, por isso, uma tarefa será tanto mais produtiva quanto mais fizer coincidir a dimensão de aprendizagem com a dimensão comunicativa. Paralelamente, com a exceção de situações particulares, o mais provável é que na tradução, enquanto atividade que exige o estudo comparativo de duas línguas, tal comparação se faça entre a língua materna (LM) e uma língua não materna (LNM). Tal probabilidade obriga-nos a fazer aqui um apontamento quanto ao papel inegável que a LM tem na aprendizagem de uma LNM, para dizer que, quanto a nós, o conhecimento e o domínio de uma LNM (e também da LM) sai reforçado sempre que o aprendente tem a necessidade / oportunidade de estabelecer associações ou dissociações concretas entre o funcionamento desta e da sua LM. 4 Assim sendo, uma tarefa que envolva atividades linguísticas de mediação acaba por, inevitavelmente, por contribuir para reforçar também a sua dimensão de aprendizagem. De acordo com Hinojosa e Lima (2008: 2), um outro aspeto enfatizado pela prática da tradução é o da relação língua-cultura dado que o aprendente é levado a refletir sobre as

4 O papel da LM no ensino-aprendizagem de LNM não é um tema consensual. Uma consulta de trabalhos como os de Atkinson (1987), Jovanovic (1992), Pereira (2001), Butzkamm (2003) ou Bernabé (2008), entre outros, será um bom ponto de partida para aprofundar o assunto, conhecendo diferentes perspetivas.

relações da LE com a sua LM e demais línguas, numa dimensão sincrónica e cultural. Para além disso, tendo como pano de fundo o modo como é perspetivada no QECR a construção do repertório linguístico-cultural, assume-se que o aprendente de uma língua e cultura estrangeiras não guarda essa nova competência à parte do conhecimento linguístico-cultural anterior (da sua LM ou de outras LNM). O que acontece é que, à medida que o aprendente se torna plurilingue e consequentemente desenvolve a interculturalidade, não só “as competências linguísticas e culturais respeitantes a uma língua são alteradas pelo conhecimento de outra”, como também os aprendentes se tornam “mediadores, pela interpretação e tradução, entre falantes de línguas que não conseguem comunicar diretamente” (Conselho da Europa, 2001: 73). Mantendo presente o binómio língua-cultura 5, recorrente no QECR, e retomando a dinâmica de mediação, subjacente à atividade da tradução e ao papel do tradutor, não poderíamos passar ao lado da ideia de mediação intercultural, por ser um dos aspetos centrais neste breve trabalho, seja devido à importância que teve na resolução das situações mais problemáticas surgidas no caso que aqui relatamos, como veremos mais à frente, seja pelo facto de ser um assunto recorrente em trabalhos nas áreas da tradução e do ensino de LE. Segundo o QECR, as capacidades interculturais incluem a capacidade para estabelecer uma relação entre a cultura de origem e a cultura estrangeira, bem como a capacidade para desempenhar o papel de intermediário cultural entre a sua própria cultura e a cultura estrangeira, gerindo com eficácia as situações de mal-entendidos e de conflitos interculturais (ibidem: 151). Ao mesmo tempo, em trabalhos da área específica da tradução, embora sob uma perspetiva diferente, a mediação intercultural também não é, de todo, ignorada. Nessa linha, Katan (2009), por exemplo, observa a tradução como um exercício de comunicação cultural em que o tradutor, enquanto mediador intercultural, aplica ao texto em LE um filtro cultural, negociando significados tendo em vista o leitor do texto de chegada. 6 De Facto, este é um dos aspetos frequentemente tidos em conta na descrição da missão do tradutor, que ilustramos com as palavras de Martins: Será então missão ou meta do tradutor, como comunicador, ter em conta esta diversidade para com ela criar um trabalho que estabeleça não só um ato de comunicação entre o autor da Cultura

5 O termo cultura é aqui usado no sentido que é assumido, em geral, nos estudos sobre ensino-aprendizagem de LE e que se confunde com a vida dos homens, tal como referido por Diaz (2005: 840). 6 Ao longo do texto original, em inglês, os termos exatos usados são “intercultural communication”, “cultural mediator” e “culture / cultural filtre”, respetivamente.

de Partida e o leitor real na Cultura de Chegada mas também, consequentemente, uma ponte eficaz entre Cultura de Partida e Cultura de Chegada. (Martins, 2009:23)

Acrescentaríamos ainda, de passagem, a referência ainda a dois autores cujos trabalhos consideramos assaz relevantes para completar o enquadramento da tradução enquanto reflexão intercultural. Galisson (1991) desenvolve o conceito de lexicultura, que evidencia o facto de as palavras serem recetores de conteúdos culturais, fazendo com que a língua se confunda com a cultura dos seus falantes. Em resposta à pergunta “o que significa traduzir?”, Eco (2003) reúne uma série de trabalhos seus mostrando que traduzir é negociar significados e que, por isso, o texto de chegada apenas pode dizer quase a mesma coisa. Nesta compilação, a ideia transversalmente presente é a de que a impossibilidade de uma tradução plenamente equivalente se deve mais a questões culturais do que exclusivamente linguísticas. Por tudo isto, a resposta à pergunta tradução na aula de PLE: sim ou não? é, logicamente, sim. Porém, o uso da tradução como ferramenta de ensino-aprendizagem requer o devido enquadramento, que implica algumas condicionantes. Desde logo, não pode ser abordada como a resolução de meras questões linguísticas, como a equivalência morfossintática e semântica. Depois, de modo a que o contributo da tradução para o desenvolvimento das competências comunicativas do aprendente seja potenciado e aproveitado, a atividade da tradução deve incluída em tarefas significativas revestidas de uma dimensão comunicativa, ou seja, com aplicação na vida real, fora da aula, e não apenas pensadas como tarefas de aprendizagem, dentro da aula. Só assim, a tradução exigirá a ativação de um leque mais diversificado de competências gerais e comunicativas, de natureza linguística, pragmática e sociolinguística, entre as quais a competência intercultural, que aqui pretendíamos destacar. Quer isto dizer que, na verdade, somos obrigados a reformular a resposta que demos no início do parágrafo, esclarecendo que o nosso sim não vai para a tradução na aula mas para a tradução a partir da aula. 2. Particularidades do exercício da tradução (para legendagem). A bem da coerência deste nosso breve trabalho, é devida uma referência a alguns aspetos particulares não só da atividade de tradução em geral, como também, especificamente, da tradução para legendagem. Mais do que definir, explicar ou desenvolver conceitos, apenas nos cabe aqui chamar a atenção para alguns dos fatores

que inevitavelmente provocam a existência de um espaço de tensão, no qual se processa a mediação através da tradução. Para o tradutor, a tensão traduz-se na necessidade de tomar decisões que, na tradução de qualquer texto, independentemente do tipo de texto ou da modalidade da tradução, implicarão sempre uma aproximação ou um afastamento do texto de chegada relativamente ao texto de partida. Temos, portanto, o mediador entre o autor, o texto de partida e a cultura de partida, por um lado, e o leitor, o texto de chegada e a cultura de chegada, por outro. Depois, se uma tradução em adequação convoca conceitos como os de exotização ou estrangeirização, que tendem para uma especificação ao nível do significado, uma tradução em aceitabilidade comunga de uma lógica de naturalização ou domesticação, associada a um estilo mais vago, de generalização, favorecendo a compreensão na cultura de chegada (cf. Martins, 2009). Adicionalmente, a uma correspondência formal opõe-se uma equivalência funcional, para as quais concorrem as estratégias usadas pelo tradutor, entre as quais se encontram o empréstimo, o decalque, a tradução literal, a transposição, a modulação, a equivalência ou a adaptação, entre outras (cf. Newmark, 2009). 7 Quando o objetivo da tradução é especificamente a legendagem de um texto oral/visual, para além dos focos de tensão referidos no parágrafo anterior, o tradutor terá de lidar ainda com outro tipo de restrições, que resultam de condicionalismos de tempo e de espaço, na passagem de um texto de partida oral para um texto de chegada escrito. Vale a pena lembrar que na legendagem não há lugar para notas de rodapé com informações do tradutor para ajudar a descodificar vocabulário ou referentes culturais do texto de partida, como acontece na tradução de um romance ou de um poema escrito, por exemplo. Através da consulta do trabalho de Xavier (2010), percebe-se que, por um lado, é exigido que a legenda não contamine a imagem, o que leva a que habitualmente a legenda não tenha mais de duas linhas, geralmente na parte inferior do ecrã, onde existe um menor grau de informação visual. Por outro lado, é fundamental encontrar um equilíbrio entre a velocidade do texto de partida, o tempo da legenda e a velocidade de leitura do espetador, sendo a sincronização entre o início de uma sequência oral e a respetiva legenda também, neste contexto, um aspeto de grande relevância. Acentua-se, portanto, a importância do público-leitor como condicionador do processo, já que a

7

Para uma consulta destes e de muitos outros conceitos relevantes no domínio da tradução, veja-se AAVV (2009).

velocidade de leitura esperada é um elemento-chave na legendagem (pensemos, por exemplo, na diferença entre crianças e adultos a este nível). Em resultado disto, ainda de acordo com Xavier (2010), a tradução para legendagem resulta numa redução vocabular de cerca de 30% relativamente ao texto de partida. Adicionalmente, deve ter-se em conta que a leitura e descodificação das legendas não acontece como um exercício isolado já que o leitor, simultaneamente, tem de observar o fluir da imagem, decifrando a informação visual e relacionando-a com a história do filme, ouvindo os sons naturais, as músicas e os diálogos, e pensando ainda no que se vai passar a seguir, sem deixar de ter presente o que já se passou. Assim, para que o recetor não seja privado dos aspetos fulcrais do texto de partida audiovisual, exige-se que o texto de chegada seja de fácil leitura, o que, tendo em conta o espaço e o tempo disponíveis, acaba por implicar uma simplificação do discurso, com o uso de vocabulário transparente, de acordo com aquilo que se julga ser mais familiar para o público-leitor. Tendo em conta as particularidades da atividade de tradução especificamente para legendagem, parece-nos importante referir que também ela apresenta virtudes no que se refere à aprendizagem de uma língua estrangeira. 8 Vale a pena, por isso, nessa perspetiva, observar a passagem abaixo, em que a autora cujo trabalho temos vindo a citar descreve os problemas que se colocam ao tradutor num trabalho para legendagem, bem como o tipo de competências que lhe são exigidas: [O] tradutor deparar-se-á com os problemas característicos da tradução para legendagem, de teor linguístico-cultural. A competência linguística de redução e condensação de informação ocupa um lugar primordial neste estádio, em que é exigido que um TP extenso seja compactado em duas linhas no ecrã. Os vocábulos culturalmente restritos, como os referentes culturais, o humor, a variação linguística ou a linguagem tabu, colocarão problemas ao tradutor dada a necessidade de transferência extralinguística e adaptação ao contexto de chegada. (Xavier, 2010: 43)

3. A tarefa. A tarefa que realizámos consistiu em traduzir de português para croata os diálogos do filme Capitães de Abril, realizado por Maria de Medeiros em 2000, com o intuito de o legendar. Esta atividade foi realizada por quatro estudantes de português, sob a supervisão de um professor, no âmbito da disciplina Práticas de Tradução HR-PT, 8

O trabalho de Bavo (2008) é bastante elucidativo relativamente aos efeitos das legendas e da legendagem na aprendizagem de uma língua estrangeira.

disciplina do Mestrado em Tradução, oferecido pela Universidade de Zadar, na Croácia, com momentos de trabalho individual e em grupo. Os referidos mestrandos eram simultaneamente aprendentes de português, inscritos no sexto e último semestre do curso de Língua Portuguesa na mesma universidade, facto que assinala a dimensão de aprendizagem da tarefa realizada. Enquanto tarefa comunicativa e significativa, a tradução e legendagem eram uma necessidade para a projeção do dito filme, no contexto da comemoração dos 40 anos do 25 de Abril de 74. O que se pretendia não era que esta atividade fosse direcionada apenas para os alunos de português mas que pudesse ser também aberta à comunidade de Zadar, que obviamente não fala português e que desconhece muitos dos aspetos culturais específicos presentes no filme, evidenciando-se neste ponto a dimensão cultural da tarefa. Portanto, as exigências do texto de chegada passavam por conseguir um texto de fácil leitura, que permitisse uma descodificação tão completa quanto possível, desejavelmente enquadrada por referentes da cultura de chegada. 4. Situações problemáticas e o filtro de equivalência. Durante a realização da tarefa acima descrita, surgiram alguns casos mais difíceis de resolver, que corresponderam grosso modo ao tipo de aspetos linguísticos, pragmáticos e culturais que frequentemente são referenciados como problemáticos neste tipo de atividade – veja-se o tipo de problemas elencados por Chiaro (2009). De facto, os idiomatismos (expressões idiomáticas e de uso metafórico), as formas de tratamento e interjeições, a linguagem tabu, as siglas e outras designações oficiais, o efeito prosódico de algumas sequências (ritmo, rima), bem como o humor, particularmente o resultante de cómico de linguagem, suscitaram bastantes dúvidas e exigiram opções de tradução mais criteriosas. Para facilitar e regular a tomada de decisões, foram então definidos alguns critérios, que constituíram aquilo que aqui apelidamos de filtro de equivalência. Pelo facto de encararmos a tradução como uma atividade linguística de mediação que exige a ativação da competência comunicativa, tal como explicámos na parte inicial do presente texto, na linha do que é assumido pelo QECR, fazia todo o sentido servirmo-nos deste mesmo referencial para a definição do nosso filtro de equivalência, concebendo-o à imagem da competência comunicativa, com as respetivas componentes.

De acordo com o QECR, a competência comunicativa engloba três tipos de competências: as linguísticas, as sociolinguísticas e as pragmáticas. A competência linguística é definida como “o conhecimento de recursos formais a partir dos quais se podem elaborar e formular mensagens corretas e significativas, bem como a capacidade para os usar”, englobando parâmetros de natureza lexical, gramatical, semântica, fonológica, ortográfica e ortoépica (Conselho da Europa, 2001: 157). A competência sociolinguística refere-se “ao conhecimento e às capacidades exigidas para lidar com a dimensão social do uso da língua” e confunde-se em larga medida com a competência sociocultural (ibidem: 169). As competências pragmáticas permitem lidar com a mensagem, com a sua estrutura, com a realização de funções comunicativas (como relatar, pedir, responder, exprimir satisfação ou desagrado, persuadir, entre diversas outras), incluindo a capacidade para usar esquemas interacionais e transacionais, que subjazem à comunicação (ibidem: 174-182). Nesta linha de raciocínio, o filtro de equivalência deveria englobar três componentes: equivalência linguística, equivalência sociocultural e equivalência pragmática. Desde logo, tendo em conta os condicionalismos inerentes à modalidade de tradução (para legendagem), ficou claro que, salvo casos muito específicos, sempre que não fosse possível conseguir uma equivalência plena entre o texto de partida e o texto de chegada, a equivalência linguística seria a menos relevante das três, sendo preferível conseguir-se uma equivalência pragmática. Porém, era importante não perder de vista nem as características do público recetor nem os objetivos da tarefa, tal como foram descritos anteriormente, pelo que a equivalência sociocultural era altamente desejável. Assim, o critério cultura foi em muitos casos decisivo para as opções de tradução, facto que não é de todo surpreendente, a julgar pelas palavras de Xavier (2010) quando diz que se exige ao tradutor “que ultrapasse os limites das barreiras linguísticas e faça equivaler unidades com a mesma conotação extralinguística” (ibidem: 76) ou quando sustenta que “a tradução só atinge o seu propósito comunicativo havendo partilha de significação pelos membros da Cultura de Chegada” (ibidem: 54). 5. Exemplos de aplicação do filtro de equivalência. Não sendo este um trabalho especificamente sobre tradução, muito menos sobre a tradução de Os Capitães de Abril, de Maria de Medeiros, não faria muito sentido elencarmos todas as situações problemáticas ou as opções tomadas para as resolver, até

por motivos relacionados com a extensão do texto. O nosso propósito é apenas apresentar alguns exemplos ilustrativos da aplicação do filtro de equivalência que definimos, suficientes para, pelo menos, constatar a importância da competência intercultural para a resolução das questões mais problemáticas. Abaixo, encontram-se 2 exemplos de tradução de idiomatismos, 2 exemplos de tradução de linguagem tabu, 2 exemplos de situações em que o efeito prosódico é preponderante e, por questões de espaço, apenas um exemplo de cómico de linguagem. Cada um dos exemplos numerados, para além da sua localização no texto de partida, em minutos e segundos, é acompanhado de informação sobre a aplicação do filtro de equivalência, linguística (EL), pragmática (EP) e sociocultural (ES), assinalando se ela é nula (-N), parcial (-P) ou total (-T). Antes de apresentarmos os exemplos, porém, uma rápida referência ao tratamento das interjeições e das siglas ou designações oficiais. Em relação ao primeiro tipo de unidades linguísticas (como “pá”, “hã”, entre outras), o critério usado tendeu para a sua eliminação no texto de chegada, devido sobretudo aos condicionalismos de espaço e de tempo da legendagem. Muito embora estivéssemos conscientes de que transportam uma carga sociocultural complementar que não deve ser ignorada (em situações ideais, sem qualquer tipo de condicionalismos), entendemos que a sua tradução não seria decisiva para o sucesso na transmissão da mensagem. Relativamente ao segundo tipo de casos, a palavra PIDE surge diversas vezes ao longo do filme, seja como designação oficial da instituição Polícia Internacional e de Defesa do Estado, seja com o significado metonímico de agente dessa mesma instituição. Na legendagem, a opção foi usar o termo tajna policija (polícia secreta), que de certo modo parafraseia o conceito e que, por feliz coincidência, para além de servir para designar tanto uma instituição como um indivíduo pertencente à instituição, em croata, transporta uma carga sociocultural associada a um regime ditatorial na história recente do país, tal como acontece com PIDE, na sociedade portuguesa. No caso de Ultramar, designação oficial portuguesa para o território colonial ultramarino, a estratégia foi fundamentalmente a mesma, explicitando-se o conceito através da paráfrase prekomorske kolonije (colónias ultramarinas) já que, sem a presença da palavra colónias, a leitura seria mais que provavelmente incompleta. Feito o apontamento que pretendíamos e que, de resto, evidencia a importância do conhecimento simultâneo da cultura de partida e da cultura de chegada, passamos então à breve apresentação dos exemplos que havíamos referido.

1 (CA: 65m46s) (EL-N) (EP-T) (ES-P) PT- Isto agora, os novos políticos… os gajos vão cantar o fadinho ao povo, pá. HR- Ovo sad, ovi novi političari... pričat će bajke narodu. A expressão cantar o fadinho surge num registo oral informal e, no contexto em que está inserida, significa enganar, mentir, ludibriar, sugerindo a ideia de alguma ingenuidade do povo. Ao mesmo tempo, não podemos ignorar a carga sociocultural que o conceito de fado transporta na cultura portuguesa, ainda que não contribua decisivamente para a interpretação da expressão. Em croata, a expressão que mais naturalmente surgiria num contexto socioculturalmente equivalente, com o mesmo valor pragmático, seria pričati bajke, em que pričati é contar e bajke é o nome dado ao tipo de histórias que se contam às crianças, em português, as histórias da carochinha ou os contos de fadas. Neste caso, não foi conseguida uma equivalência linguística mas a equivalência em termos pragmáticos é evidente. Devido ao conceito especificamente português de fado, a equivalência sociocultural é apenas parcial, mantendo-se porém a ideia principal, aceite em ambas as culturas, de que o povo é ingénuo relativamente aos artifícios dos políticos. 2 (CA: 80m36s) (EL-P) (EP-T) (ES-T) PT- Parece uma mosquinha-morta, hã? E afinal… HR- Izgleda ko’ mrtvo puhalo. A na kraju… Tal como no caso anterior, temos uma expressão idiomática de registo informal. O idiomatismo mosquinha-morta aplica-se a uma pessoa apática, pouco dinâmica, sem iniciativa, surgindo frequentemente também com o significado de sonso, dissimulado em relação à intimidade com pessoas do sexo oposto, sobretudo quando é usado o verbo parecer. Em croata, a expressão achada como equivalente foi mrtvo puhalo, em que mrtvo significa morto e puhalo significa soprador. Como se verifica, em termos puramente linguísticos, a equivalência é parcial, pela coincidência da utilização do adjetivo participial do verbo morrer. Porém, os valores pragmático e sociocultural da expressão do texto de partida são mantidos de modo a permitir uma leitura equivalente no texto de chegada. 3 (CA: 9m18s) (EL-P) (EP-T) (ES-P)

PT- Se fossem à merda!... São mesmo uma cambada de veteranos! HR- Ma idite k vragu!... Vi ste jedna obična veteranska hrpa govana! Neste primeiro exemplo do tratamento de linguagem tabu, temos a expressão ir à merda, que no texto de partida é usada por alguém que, numa conversa entre amigos, militares e veteranos de guerra, já está farto de que os outros falem sobre experiências de guerra e quer que mudem de assunto. Este é precisamente o valor pragmático da expressão, ou seja, mostrar desagrado / desinteresse pelo assunto da conversa e, ao mesmo tempo, fazer com que os interlocutores falem de outras coisas. Em termos pragmáticos, a estrutura de conjuntivo adquire o valor de imperativo, sendo equivalente a vão à merda. Apesar de ser uma expressão rude e potencialmente ofensiva, no contexto específico em que surge não chega a ter um caráter verdadeiramente ofensivo pois, culturalmente, corresponde ao tipo de linguagem esperado de alguém que é duro quando fala com outros semelhantes, também eles pouco suscetíveis de serem ofendidos pelo uso de linguagem tabu, o que acontece tanto na cultura associada ao texto de partida como na cultura associada ao texto de chegada. Ainda numa dimensão sociocultural, quer a palavra merda, em português, quer o seu correspondente croata, sranje, têm vindo a perder o estatuto de linguagem tabu, principalmente no registo oral e informal, assistindo-se a uma equivalência quanto ao grau de aceitação manifestado em ambas as culturas. Porém, como observa Xavier (2009: 77), no texto escrito, este tipo de expressões provocam um efeito mais forte do que na oralidade, o que leva a que se verifique uma tendência para a sua suavização na legendagem. Então, apesar de haver um possível equivalente perfeito em termos linguísticos, pragmáticos e socioculturais, o que aconteceu na passagem do discurso oral, em português, para o texto escrito, em croata, foi a opção por uma suavização, usando-se a expressão imperativa idite k vragu, ou seja, vão para o diabo, em português. 4 (CA: 55m11s) (EL-T) (EP-T) (ES-T) PT- Filho da puta! HR- Kurvin sine! Esta é uma expressão usada para ofender alguém, especialmente quando é dirigida diretamente a outra pessoa, que é precisamente o que se verifica no caso exemplificado. Paralelamente, a mesma expressão torna-se mais suave quando é empregue para

expressar inveja pelo facto de alguém ter conseguido algo difícil, seja por mérito ou por sorte. O equivalente em croata kurvin sin, é perfeito: basicamente, em termos linguísticos a tradução é literal, o valor pragmático de ofensa mantém-se e o grau de aceitação na cultura de chegada é semelhante. Ao contrário do que sucedeu no exemplo anterior, em que a opção foi substituir por uma expressão mais suave, até porque não se tratava de uma verdadeira ofensa, neste caso isso não aconteceu para que a carga ofensiva contida no texto de partida se mantivesse explícita no texto de chegada. 5 (CA: 112m36s) (EL-P) (EP-T) (ES-P) PT- O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO! HR- ZAJEDNO JAČI, NIKO NAS NE TLAČI! 6 (CA: 113m22s) (EL-P) (EP-T) (ES-P) PT- O POVO ESTÁ COM O MFA! HR- MI SMO UZ VAS, NOSITE NAM SPAS! Estes são dois exemplos em que a prosódia assume um papel de destaque, desde logo porque é habitual que as palavras de ordem ou slogans, usados em coro pelos participantes em manifestações públicas, recorram à rima, o que cria um efeito prosódico específico e que, ao mesmo tempo, facilita quer a articulação coordenada do mesmo slogan por muitas pessoas, em simultâneo, quer a compreensão do que é dito. Em termos socioculturais, verifica-se que tanto o primeiro como o segundo slogans têm, na cultura de partida, uma conotação histórica, política e social particularmente ligada ao 25 de Abril de 1974. Sendo impossível uma equivalência perfeita na tradução de português para croata, era importante manter o efeito prosódico da rima, objetivo que foi conseguido e que acaba por assegurar uma equivalência linguística parcial, tentando não perder de vista a equivalência pragmática. Assim, a tradução encontrada para O povo unido jamais será vencido foi Zajedno jači, niko nas ne tlači, que significa Unidos mais fortes, ninguém nos pisa e que, em termos pragmáticos, se mantém como uma expressão que celebra a invencibilidade do povo quando unido. O segundo exemplo, O povo está com o MFA, foi traduzido por Mi smo uz vas, nosite nam spas, ou seja, Nós estamos convosco, trazem-nos a salvação, mantendo-se, na leitura do texto de chegada, um valor pragmático muito próximo do original, que é o de manifestação de apoio

àqueles que puseram um ponto final na ditadura. Pelo facto de os slogans no texto de chegada não terem qualquer conotação histórica, política ou social (não são reais), a equivalência sociocultural nunca seria possível. No entanto, se pensarmos que numa hipotética situação de manifestação pública na cultura de chegada seriam esperadas palavras de ordem gritadas pelos manifestantes, e que seria esperado que tais slogans apresentassem o mesmo efeito prosódico de rima, podemos admitir que foi conseguida aqui, pelo menos, uma equivalência parcial. 7 (CA: 20m34s) (EL-P) (EP-T) (ES-T) PT- Todos nós sabemos… que existem diversos tipos de Estado. Os estados liberais… os estados social-democratas… os estados socialistas… et cetera. Mas nenhum deles… é pior do que o estado a que isto chegou. HR- Svi znamo... da postoje različita državna uređenja. Liberalno državno uređenje... socialno-demokratsko državno uređenje... socialističko državno uređenje... itd. Ali nijedna država... nije se toliko uneredila kao naša. Este excerto surge num discurso proferido pausadamente e com um ar solene pelo protagonista do filme, o Capitão Maia, aos seus subordinados, que, dispostos em formatura militar à sua frente, seguem atentamente as suas palavras. O efeito cómico provocado pela última frase do excerto é visível através da reação das personagens, que riem. Isto fez com que fosse indispensável na tradução, não só manter esse efeito cómico, como também conseguir que a reação dos leitores do texto de chegada fosse coincidente com a reação das personagens, no filme. Digamos que a reação da audiência do filme legendado em croata seria o teste a superar no que se refere à adequação da tradução, testando neste caso específico a equivalência pragmática. Depois, há que ter em conta que se trata de um cómico de linguagem, conseguido através de um trocadilho entre o termo Estado enquanto equivalente a Nação e a palavra estado na aceção de estado de coisas. Dado que a palavra correspondente a Estado na língua croata é država, que não permite o mesmo tipo de trocadilho linguístico, uma outra solução teve de ser encontrada. Para tal, partiu-se da expressão državna uređenja, traduzível como organização estatal e que inclui uređenja (organização, sistema), nome associado ao verbo urediti (organizar, arranjar), cujo antónimo é unerediti. Ambos os verbos podem ser usados com o pronome reflexo se mas a expressão verbal reflexa na negativa unerediti se (desorganizar-se, desarranjar-se) tem um duplo sentido, podendo ser

interpretada, em contexto informal, como borrar-se, uma interpretação possível, aliás, também em português, se pensarmos que a palavra desarranjo pode ser facilmente interpretada como na expressão desarranjo intestinal, em que significa, basicamente, diarreia. Com esta solução, traduzindo mais ou menos literalmente para português o texto de chegada, o resultado foi o seguinte: Todos nós sabemos… que existem diversos tipos de organização estatal. As organizações estatais liberais… as organizações estatais social-democratas… as organizações estatais socialistas… etc. Mas nenhum Estado… se desorganizou [se desarranjou, se borrou] tanto como o nosso. Verifica-se, então, que a equivalência pragmática foi conseguida, já que o efeito cómico foi mantido (e validado pelos risos da audiência aquando da exibição do filme legendado). Para tal, recorreu-se a um trocadilho, que parte da proximidade entre o nome uređenja e o verbo urediti se para tirar partido da polissemia da expressão contrária unerediti se, o que significa que, em termos linguísticos há pelo menos uma equivalência parcial. No que se refere à equivalência sociocultural, consideramos ter sido total pois, não só a sátira política é frequente, como também a ridicularização das instituições de poder é uma estratégia recorrente em textos cómicos, seja na cultura associada ao texto de partida seja na de chegada. Para além disto, mantém-se a mesma lógica de evolução do discurso, que começa com um registo aparentemente mais formal para introduzir inesperadamente uma expressão de uso mais popular, que provoca o riso devido à sua polissemia. 6. Em jeito de conclusão. A terminar, salientamos alguns dos aspetos referidos ao longo do texto, os que entendemos serem essenciais, tendo em mente o nosso objetivo inicial, que, lembramos, era o de contribuir para o esclarecimento do lugar da tradução na aula de LE (logo, de PLE), partindo de uma experiência positiva, numa perspetiva de ensino-aprendizagem voltada para a ação e destacando a importância da competência intercultural nas atividades linguísticas de mediação. Assim, parece-nos pertinente e adequado afirmar que: i) a tradução tem de facto um lugar a preencher na aula de LE, desde que não seja centrada em questões meramente intralinguísticas, como a equivalência morfossintática e semântica; ii) perspetivada como uma tarefa comunicativa, a tradução não deixa de ser uma tarefa de aprendizagem de LE, ao passo que o inverso não é verdade, isto é, perspetivada apenas como uma

tarefa de aprendizagem de LE, a tradução perde força enquanto tarefa comunicativa; iii) a dimensão comunicativa da tarefa e o facto de ser significativa (uma tarefa realmente necessária, de mediação entre a língua e a cultura de partida e a língua e a cultura de chegada, tendo em vista um público real e definido) são determinantes para que todas as competências gerais e comunicativas, de natureza linguística, pragmática e sociolinguística, sejam plenamente ativadas; iv) a competência intercultural é um dado relevante na capacidade para comunicar e revela-se decisiva na resolução dos aspetos mais problemáticos da tradução, enquanto atividade linguística de mediação. Por último, retomando o título do texto, no caso estudado, verificámos que a tradução é de facto um veículo de interculturalidade na didática de PLE, todavia não deve acontecer apenas na aula – ela deve fazer-se a partir da aula. Referências bibliográficas. AAVV. “Key concepts”. The Routledge Companion to Translation Studies. Jeremy Munday. Abingdon: Routledge, 2009. 166-240. Atkinson, David. “The mother tongue in the classroom: a neglected resource?”. ELT Journal. Vol. 41, n.º 4. (1987): 241-247. Balboni, Paolo “A tradução no ensino de línguas: história de uma difamação” (tradução do italiano de Maria Teresa Arrigoni). In-Traduções, v. 3, n.º 4 (2011): 101-120. Acesso: 29 de out. de 2014 Bernabé, Flávia H. L. “O uso da língua materna no ensino de língua estrangeira”. Diálogos Pertinentes – Revista Científica de Letras. Vol. 4, n.º 4 (2008): 243-257. Acesso: 29 de out. de 2014 Bravo, Maria da Conceição C. Putting the Reader in the Picture: screen translation and foreign-language learning, Dissertação de Doutoramento em Tradução e Estudos Interculturais. Universitat Rovira i Virgili. 2008. Acesso: 29 de out. de 2014 Butzkamm, Wolfgang. “We only learn language once. The role of the mother tongue in FL classrooms: death of a dogma”. Language Learning Journal. N.º 28 (2003): 2939. Acesso: 29 de out. de 2014 Chiaro, Delia. “Issues in audiovisual translation”. The Routledge Companion to Translation Studies. Jeremy Munday. Abingdon: Routledge, 2009. 141-165. Conselho da Europa. Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas: Aprendizagem, Ensino, Avaliação. Porto: Asa, 2001.

Diaz, Carmen G. “Los Contenidos Culturales”. Vademécum para la Formación de Professores – Enseñar Español como Segunda Lengua (L2) / Lengua Extranjera (LE). Jesus S. Lobato e Isabel S. Gargallo. Madrid: SGEL, 2005. 835-851. Eco, Umberto. Dire quasi la stessa cosa: Esperienze di traduzione. Milano: Bompiani, 2003. Galisson, Robert. De la langue à la culture par les mots. Paris: CLE International, 1991. Hinojosa, Fedra R. e Lima, Ronaldo. “A tradução como estratégia de interculturalidade no ensino de língua estrangeira”. BOCC – Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação. 2008. Acesso: 29 de out. de 2014 Jovanovic, Aleksandar. “Língua materna vs. língua estrangeira: uma relação fundamental (porém menosprezada) no ensino/aprendizagem de línguas”. Revista da Faculdade de Educação. Vol. 18, n.º 2 (1992): 174-184. SIBi Portal de Revistas. Acesso: 29 de out. de 2014 Katan, David. “Translation as Intercultural Communication”. The Routledge Companion to Translation Studies. Jeremy Munday. Abingdon: Routledge, 2009. 7492. Martins, Pedro. “Em Busca do Equilíbrio”: Interculturalidade na tradução de “Night of the Quicken Trees”. Dissertação de Mestrado em Tradução. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 2009. Acesso: 29 de out. de 2014 Newmark, Peter. “The Linguistic and Communicative Stages in Translation Theory”. The Routledge Companion to Translation Studies. Jeremy Munday. Abingdon: Routledge, 2009. 20-35. Pereira, Elizabete F. O. “O papel da língua materna na aquisição da língua estrangeira”. Inter-Ação. Vol. 26, n.º 2 (2001): 53-62. Acesso: 29 de out. de 2014 Ridd, Mark “Bibliografia de Referência sobre Tradução no Ensino e Aprendizagem de Línguas”. Horizontes de Linguística Aplicada. Vol. 8, n.º 2 (2009): 255-269. Acesso: 29 de out. de 2014 Vinary, J. P. & J. Darbelnet. Stylistique Comparée du Français et de l’Anglais: Méthode de Traduction. Paris: Didier, 1958 Xavier, Catarina D. S. A. Esbatendo o tabu: estratégias de tradução para legendagem em Portugal. Dissertação de Mestrado em Estudos Anglísticos. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 2010. Acesso: 29 de out. de 2014

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.