A trajetória econômica da comarca do Rio das Velhas: um estudo das estruturas de posse de escravos e as relações com o mercado internacional de escravos (século XVIII)

June 15, 2017 | Autor: R. Santos | Categoria: Escravidão, História de Minas Gerais
Share Embed


Descrição do Produto

A trajetória econômica da comarca do Rio das Velhas: um estudo das estruturas de posse de escravos e as relações com o mercado internacional de escravos (século XVIII) Raphael Freitas Santos – Mestre em História (UFMG) e prof. da Faculdade ASA Carolina Perpétuo Corrêa – Mestre em História (UFMG) e prof. da Faculdade ASA

Após a redução das explorações auríferas, a sociedade e a economia mineira teriam entrado em colapso. Essa realidade, que perpassaria a segunda metade do século XVIII e quase todo o século XIX, teria se consolidado logo depois que a mineração teria deixado de ser a atividade majoritária, passando para a agricultura de subsistência esse título. Nesse sentido, cunhou-se a noção de “decadência” para explicar esse momento da história de Minas Gerais. Conforme diagnosticou Celso Furtado, “não havendo criado as regiões mineiras formas permanentes de atividade econômica – à exceção de alguma agricultura de subsistência – era natural que, com o declínio da produção do ouro, viesse uma rápida e geral decadência”.1 De acordo com essa lógica de raciocínio, a economia teria se atrofiado, perdido vitalidade, e a sociedade involuído para “uma massa de população totalmente desarticulada, trabalhando com baixíssima produtividade numa agricultura de subsistência”.2 A decadência teria acontecido uma vez que a produção do ouro não engendrava segmentos produtivos in loco. Como se gastava muito na importação de gêneros de subsistência e quase nada se produzia dentro das Minas, sua economia não teria se dinamizado e, por isso, não teria condições de se sustentar diante da crise na mineração. 3

1

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 10ª edição. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1970, p. 91. 2 FURTADO, Celso. Formação ... op. cit., p. 93. 3 De acordo com Laura de Mello e Souza a produção do ouro não teria engendrado “segmentos produtivos in loco, pois importava-se a maior parte dos meios de subsistência e quase não havia produção interna ou retenção do excedente produzido”. SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1982, p. 28. Por isso, a produção de alimentos passara a ser uma atividade de grande vulto nas Minas a partir do declínio da exploração aurífera. Segundo Zemella: “Vemos que, ao declinar o século XVIII, o panorama econômico da capitania de Minas Gerais era bem diferente do que se descortinava no início da centúria. O desenvolvimento da agricultura, da pecuária e das manufaturas, conferindo à Capitania elemento de auto-suficiência, permitiu-lhes dispensar os fornecimentos externos”. ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da capitania de Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: [s.n.] 1951, p. 258.

1

Na contramão da noção de “decadência” da economia mineira, foram produzidos estudos que apontaram para a dinamicidade dessa região, mesmo após a crise na mineração4. Isso porque, como já disse Kenneth Maxwell, “a economia regional, com suas propriedades rurais horizontais integradas, era particularmente capaz de absorver o choque das transformações que vieram após a exaustão do ouro aluvial”. 5 Vem sendo demonstrado que, devido à complexidade da formação econômica e social das Minas ao longo do século XVIII, algumas regiões mineiras foram capazes de superar a crise na mineração, reorientado as atividades produtivas em torno da agricultura mercantil e de subsistência no século XIX.

6

A constatação de que cerca de 46% dos 75.778 africanos

desembarcados no Rio de Janeiro entre 1822 e 1833 foram destinados ao mercado mineiro7 consiste em importante argumento contra a noção de uma decadência generalizada. Isso indica que a economia mineira não só foi capaz de sustentar uma utilização maciça de mão-de-obra escrava nas atividades agropastoris destinadas ao auto-consumo e aos mercados locais, como foi capaz de ampliar seu contingente cativo decorrer do século XIX, por meio de novas importações. 8 Tais números apontam para duas questões importantes: a) que a importação e a posse de cativos podem ser importantes indicadores do grau de dinamismo da economia setecentista; b) que não apenas as atividades 4

Ver, por exemplo, GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste: elite mercantil e economia de subsistência em São João del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002. 5 MAXWELL, Kenneth. A devassa da Devassa. A Inconfidência Mineira. Brasil – Portugal, 17501808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 112. 6 Nesse sentido destacam-se os trabalhos de: SLENES, Robert. Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século XIX. In: Cadernos IFCH-UNICAMP, o n 17, 1985; LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988; LENHARO, Alcir. As Tropas da Moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-1842. São Paulo: Símbolo, 1979; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana – 17501850. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1994; CARRARA, Ângelo Alves. As minas e os currais; produção rural e mercado interno de Minas Gerais, 1674-1807. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997.. 7 FRAGOSO, João Luís. Homens de Grossa Aventura. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 177. 8 De acordo com os dados apresentados por Roberto Martins, a população escrava em Minas Gerais subiu de 170 mil, em 1819, para 380 mil, em 1878. Ver: MARTINS, Roberto Borges. A Economia Escravista de Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 1980, p. 1.

2

voltadas para o mercado externo que eram lucrativas – e que o mercado interno era importante o suficiente para pelo menos ensejar a aquisição, junto ao mercado internacional, de mão-de-obra escrava africana. Uma vez que a economia mineira contava com um dinamismo que se sustentava para além da exploração aurífera – mesmo durante a primeira metade do século XVIII –, foi possível uma “acomodação evolutiva” ao longo do século XIX, contribuindo, assim, para ampliação do contingente escravo na região.

9

Além disso, a Capitania era marcada pela combinação de diversos

ritmos de desenvolvimento, alternando-se, no tempo e no espaço, os de crise e de prosperidade. 10. Dada essa complexidade de realidades econômico-sociais, variando no tempo e nos espaço, acreditamos que a compreensão das Minas setecentistas só se dará a partir da proliferação de estudos regionais com preocupações comparativas. Embora tais diferenças não se encerrassem em divisões artificiais como comarcas e termos, estudos locais podem oferecer um panorama

capaz

de

revelar

algumas

nuances,

apontando

para

as

especificidades de cada região mineira. A comarca do Rio das Velhas, por exemplo, se localizava no centro da Capitania de Minas Gerais. Era rica em veios auríferos (a região entre Sabará e Caeté) e em terras férteis, tanto para agricultura quanto para a pecuária. Possuía, ainda, importantes entrepostos comerciais, como Santa Luzia, Sabará, Roça Grande e Pitangui. Foi uma região marcada, portanto, pela diversificação produtiva. No entanto, a atividade mais importante, sem sombra de dúvidas, foi a produção mineral e, apesar do impacto da crise da mineração não ter sido imediatamente sentido, como na Comarca de Ouro Preto,11 acreditamos que causaria perdas irreparáveis a médio e longo prazos. Já a comarca do Rio das Mortes abrangia uma extensa área, com relevo diversificado, que abrigava desde regiões montanhosas e ricas em águas, até terrenos planos com extensos campos, propícios para a criação de gado. As 9

Sobre a redefinição do conceito de “acumulação evolutiva” desenvolvido por Celso Furtado, ver: LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho... op. cit. 10 SILVEIRA, Marco Antônio. O Universo do Indistinto: Estado e Sociedade nas Minas Setecentistas (1735-1808). São Paulo: HUCITEC, 1997, p. 235, 236. 11 MÔNICA, Daniele. A produção social da desigualdade: hierarquização social e estratégias de classe na formação da sociedade mineira (Mariana, 1701-1750). Monografia (Bacharelado em História) – Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2003, citado por: SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Crédito e circulação monetária na colônia: o caso fluminense, 1650-1750. Anais do I encontro da Pós-graduação em História Econômica. Caxambu: ABPHE, 2003, p. 14.

3

áreas mais dinâmicas dessa região eram as vilas de São João e São José Del Rey, Barbacena, Baependi e Queluz. Contava, portanto, com uma significativa produção mineral, mas se destacou, desde os primórdios, a produção agrícola pastoril. Tal característica teria sido responsável por uma realidade diversa das demais comarcas ao final do século XVIII. Enquanto em outras regiões o declínio da extração mineral teria abalado significativamente a economia regional, no Rio das Mortes, devido à sua vocação agropastoril e sua proximidade com a fronteira do Rio de Janeiro, se consolidou como uma região escravista, produtora de alimentos e voltada par o mercado interno. 12 Do contraste entre as comarcas do Rio das Velhas e do Rio das Mortes fica patente a complexidade da Capitania de Minas Gerais. Existiram diferenças enormes entre regiões, parecendo-nos mais apropriado falar em economias mineiras que em uma “economia mineira”. Tendo em vista as especificidades regionais, o objetivo do presente trabalho é, a partir das tendências apontadas sobre as estruturas de posse de escravos na Comarca do Rio das Velhas, detectar possíveis especificidades da região em foco, reafirmando as nuances regionais e as idéia de que as Minas são muitas. Para tanto, utilizamos de dados retirados de inventários post-mortem. Os inventários post-mortem são documentos judiciais produzidos com o objetivo de fazer uma espécie de balanço dos bens e dívidas de uma pessoa, após seu falecimento, a fim de legalizar o processo sucessório. Uma das vantagens desse tipo de fonte é que seu formato variou muito pouco ao longo do tempo, possibilitando análises seriais. Os inventários caracterizam-se, portanto, por grande uniformidade de informações, contento, quase sempre, dentre outras informações, os nomes dos escravos do inventariado, sua avaliação, sua região de origem (na África ou no Brasil) e, eventualmente, a idade e atuação profissional dos cativos. 13 Todavia, apesar de sua enorme utilidade, os inventários, como de resto qualquer documento histórico, precisam ser usados com parcimônia. Libby aponta os problemas inerentes a esse tipo de fonte, como, por exemplo, a temporalidade do “retrato” dos bens ali arrolados - deve-se ter em mente que o 12

Ver:GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A princesa... op. cit. Sobre os Inventários post mortem, ver: MAGALHÃES, Beatriz R. Inventários e Seqüestros: Fontes para a História Social. In: Revista do Departamento de História UFMG. Belo Horizonte: v. 9, 1989, p. 31-45. 13

4

documento é produzido no momento da morte do senhor de escravos, fase muito específica do “ciclo” da própria posse escravista. Como nos lembra Gutman14, as diferentes fases da vida dos senhores se refletem na composição de sua escravaria. Assim, parece plausível pensar, por exemplo, que um senhor moço, no começo da vida, recorreria com muito mais freqüência ao mercado de escravos, já que vivia um momento de investimento e montagem de sua unidade produtiva. Em oposição, um velho fazendeiro, proprietário de longa data, talvez tivesse dentre os seus bens um plantel escravo já consolidado, que contava com várias famílias e quiçá cresceste por si mesmo. Em outras palavras, os inventários não refletiriam necessariamente o caráter das posses de escravos como um todo, em um dado momento. Além disso, é preciso ter em mente que, principalmente quando utilizados como evidências indiretas do tráfico de escravos, os inventários inevitavelmente trazem dados um pouco “atrasados” em relação à aquisição de escravos no mercado. Segundo Graça Filho, “lembrando que os inventários post-mortem revelam as escravarias no momento do falecimento dos senhores e que suas importações de escravos poderiam ter acontecido bem antes dessa data”. 15 De fato, os inventários nos oferecem apenas uma fotografia de uma unidade produtiva, ou seja, provisória e referente a um recorte bastante específico no tempo. Isso não quer dizer, necessariamente, que esse recorte represente o momento de declínio de uma unidade produtiva. A morte do proprietário, não significa, necessariamente, a morte de seus bens. Ou seja, os inventários dizem muito sobre o passado de uma unidade produtiva, mas ensinam também sobre o seu presente. Além disso, com freqüência, os inventários de grandes proprietários estão desaparecidos. De acordo com Libby, “é bastante plausível sugerir que, de uma forma ou de outra, as famílias da elite mineira e seus advogados conseguiam ficar de posse de inventários que deveriam ter permanecido nos

GUTMAN, Herbert G. The black family in slavery and freedom, 1750-1925. New York: Pantheon Books [Random House], 1976. 15 ST GRAÇA FILHO, Famílias Escravas Em São José do Rio das Mortes, 1743-1850. In: 1 INTERNATIONAL HISTORY WORKSHOP ON POPULATION AND ECONOMY IN MINAS GERAIS - CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS, UFMG, Belo Horizonte, 14 e 15 de dezembro de 2005, p. 15 (Texto não Publicado).

5

cartórios”16. Isso também faria com que os grandes plantéis estejam subrepresentados em dados extraídos dessa documentação. Apesar de todas as precauções, nada desautoriza a utilização dos inventários como fontes de pesquisa, mesmo quando o objeto em foco é a estrutura de posse de escravos. Ao trabalhar com esses dados, estaremos tentando vislumbrar tendências, sem jamais ter a pretensão de, através deles, reconstituir a realidade estudada. Foram examinados, através uma base de dados, 750 inventários, produzidos entre 1713 e 1793, dos quais foi possível extrair informações sobre 8462 escravos descritos entre os bens dos inventariados.

17

Para melhor

acompanhar as mudanças processadas na economia mineira setecentista e nas estruturas de posse de escravos, os dados foram analisados em períodos de aproximadamente 20 anos, marcados por momentos distintos da economia regional. São eles: 1º) 1713-1733; 2º) 1734-1753; 3º) 1754-1773; 4º) 17741793. A conjuntura econômica de cada um destes períodos pôde ser caracterizada a partir dos próprios dados, especialmente com base principalmente na média de escravos por inventariado, importante indicador da dinamicidade de uma economia (Tabela 1).

TABELA 1: Posse média de escravos por inventariado ao longo do século XVIII.

Períodos Entre 1713-1733 Entre 1734-1753 Entre 1754-1773 Entre 1774-1793

Escravos por inventariado 10,8 14,7 12,5 7,6

FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII

16

LIBBY, Douglas Cole. Minas na Mira dos Brasilianistas: reflexões sobre os trabalhos de Higgins e Bergad. In: BOTELHO, Tarcísio R. (Org.) História Quantitativa e Serial: um balanço. Belo Horizonte: ANPUH-MG, 2001, p. 295. 17 As informações quantitativas foram potencializadas por meio da utilização de uma base de a dados informatizada, gentilmente cedida pela Prof . Beatriz R. Magalhães, coordenadora do Projeto “Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII”.

6

O primeiro período enfocado, referente ao intervalo entre 1713 e 1733, corresponde à montagem da estrutura produtiva da sociedade mineira - daí a incidência de posses escravistas menores. Embora o ouro já tivesse sido ali encontrado desde o final do século XVII, com os achados de Fernão Dias Paes na jornada de Sabarabuçu (1674-1681),

18

a ocupação efetiva ocorreu após a

elevação à vila do antigo arraial de Nossa Senhora de Conceição do Sabará, em 1711, e com a criação da Comarca, em 1713. O segundo momento, representado aqui pelos inventários feitos entre 1734 e 1753, representaria o auge da produção mineral, quando a posse média de escravos atingiu seu ápice – 14,7 cativos por inventariado. Embora não haja consenso na historiografia quanto ao momento áureo da economia mineira19, alguns autores, como Virgílio Noya Pinto, acreditam que as maiores remessas de ouro foram enviadas a Portugal entre 1735 a 1760. 20 A partir da década de 1750, além da diminuição na arrecadação com a exploração do ouro, fazia-se sentir, de acordo com os discursos dos memorialistas, um quadro que sugeria a desagregação da região. Tal discurso foi corroborado, muitas vezes acriticamente, por uma parte da historiografia, que denominou todo o período correspondente à segunda metade do século XVIII, como uma época de “decadência” da economia mineira. Embora concordemos com a historiografia revisionista, crítica dessa noção de decadência, percebemos que no terceiro período (1754-1773) há uma ligeira queda na média de escravos por inventariado, embora a redução mais significativa vá ocorrer no período seguinte. Tal queda estaria indicando uma

perda

de

dinamismo

econômico,

provavelmente

relacionada

à

desaceleração da atividade mineratória, já a partir da década de 1760. Seja como for, a se julgar por nossos dados, a conjuntura de desaquecimento da economia da Comarca do Rio das Velhas se consolidará no período seguinte (1774-1793), quando a média de escravos por inventariado sofre uma acentuada queda, passando para 7,6. As conseqüências desse

18

HOLLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. A época colonial. Vol. a 2. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p. 261. 19 SILVEIRA, Marco Antônio. O Universo... op. cit, p. 108. 20 PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português: Uma contribuição aos estudos da economia atlântica no século XVIII. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.

7

desaquecimento econômico podem ser percebidas quando analisada a inserção da região ao mercado negreiro internacional (Tabela 2).

TABELA 2: Relação entre escravos coloniais e africanos inventariados ao longo do século XVIII.

Período 1713-1733 1734-1753 1754-1773 1774-1793

Coloniais N % 102 23,6 494 25,8 776 27,0 1061 42,0

Africanos N % 331 76,4 1422 74,2 2094 73,0 1465 58,0

Total N 433 1916 2870 2526

FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII

Percebemos, a partir da analise da tabela acima, que durante o período de montagem da economia e da sociedade mineiras a taxa de africanidade era bastante elevada; de fato, a mais alta de todo o século. É bastante lógico que, nesse primeiro momento, a imensa maioria dos escravos fosse importada da África. O interessante é que a taxa de africanidade permanece elevada, sofrendo apenas uma redução muito ligeira, até 1773. No período posterior, todavia, ela sofre brusca queda, que se coaduna perfeitamente com os dados anteriormente analisados sobre a média de escravos por proprietário, que naquele mesmo momento sofrem drástica redução. Em parte, o aumento da participação dos crioulos na escravaria da Comarca após 1774 estaria diretamente relacionada à redução da compra de escravos importados, resultado direto da perda de dinamismo econômico da região, e do concomitante aumento do potencial de reprodução natural do população mancípia21. Isso pode ser verificado na Tabela 3, principalmente no

21

O tráfico negreiro africano trazia para o Novo Mundo muito mais homens que mulheres, e muito poucas criancinhas pequenas – não importando se esta situação era desencadeada pela natureza da oferta africana ou pela demanda americana. A constante chegada de levas de escravos africanos com tais características resultava, portanto, em aumento da distribuição desigual entre os sexos e, consequentemente, vinha a dificultar ou mesmo inviabilizar o crescimento vegetativo da população escrava. A impossibilidade de reprodução natural de populações escravas a curto prazo, em uma economia extensiva em expansão, criava um círculo vicioso, dando continuidade à dependência do tráfico para aumento do contingente cativo. A incapacidade reprodutiva, todavia, poderia não vigorar em todas as situações no tempo e nos espaço. Um arrefecimento do tráfico negreiro durante um período razoável de tempo, permitindo um maior equilíbrio entre os sexos, podia criar condições propícias à reprodução natural, como ocorreu no Sul dos Estados Unidos, no início do século XIX. Ver: CORRÊA, Carolina Perpétuo. “Por que sou um chefe de famílias e o Senhor da Minha Casa”: proprietários de escravos e famílias cativas em Santa Luzia, Minas

8

que tange à razão de sexo dos africanos, muito mais elevada que dos coloniais. TABELA 3: Taxa de africanidade entre os escravos inventariados durante o século XVIII

Período 1713-1733 1734-1753 1754-1773 1774-1793

Coloniais Homens Mulheres 47 55 276 218 451 325 643 418

Razão 85,5 126,6 138,8 153,8

Africanos Homens Mulheres 263 68 1213 209 1875 219 1256 209

Razão 386,8 580,4 828,8 601,0

FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII

No entanto, o progressivo aumento da razão de sexo dos escravos coloniais parece sugerir que a queda na taxa de africanidade não se devesse somente ao incremento na reprodução natural. Note-se que a desproporção entre os sexos para os escravos coloniais atinge o seu ponto mais elevado justamente no período 1774-1793, justamente quando o recurso ao mercado internacional de escravos tornou-se menos intenso. Isso sugere que talvez os senhores da Comarca estivessem adquirindo escravos coloniais, devido ao momento de recessão econômica e capitais mais escassos. De modo geral, os dados sobre o tráfico negreiro (de qualquer lugar para qualquer lugar) ainda são muito incertos, embora os pesquisadores estejam produzindo informações cada vez mais confiáveis. De acordo com os dados de Eltis e Richardson, percebemos que, ao longo do século XVIII, houve um aumento constante no volume dos escravos saídos da África em direção às Américas. Notamos também que a importância das diferentes regiões africanas com fornecedores de cativo sofreu alterações. No início do século XVIII, a maioria dos escravos embarcados pra a América era proveniente da África Ocidental (Baía de Benin e Costa do Ouro). No entanto, a África Ocidental, em especial a Costa do Ouro, foi, ao longo dos setecentos, paulatinamente perdendo importância, tanto em termos relativos quanto absolutos, e a África Centro-Ocidental foi ganhando terreno. No final do século a maioria dos escravos já saía desta última região, que, em ermos absolutos foi responsável por um volume de exportação de homens Gerais, século XIX. Dissertação (Mestrado em História), Departamento de História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005, p. 38.

9

incomparavelmente mais elevado que qualquer outra durante o total do período.

TABELA 4: Partidas de escravos das principais regiões exportadoras da África, durante o século XVIII Período

Baia de Benin

%

Costa do Ouro

%

África CentroOcidental

%

Todas as regiões

181,7 186,3 263,9 240,7

19,0 14,2 13,9 12,5

408,3 306,5 250,5 264,6

42,6 23,4 13,1 13,8

257,2 552,8 714,9 816,2

26,8 42,2 37,5 42,5

958,6 1311,3 1905,2 1921,1

1701-1725 1726-1750 1751-1775 1776-1800

FONTE: Adaptado de ELTIS, David e RICHARDSON, David. Os mercados de escravos africanos recém-chegados às Américas: padrões de preços, 1763-1865. IN: Topoi 6 Revista de História, Rio de Janeiro, março 2003, p. 10.

O aumento percentual na proporção de escravos oriundos da costa Centro-ocidental pode ser explicado também pelo incremento do mercado internacional de escravos durante esse período. A partir da década de 1740 o porto do Rio de Janeiro se torna o maior entreposto comercial de escravos da América portuguesa – conforme aponta a tabela 3. Nesse período intensificouse, principalmente, o comércio com o porto de Luanda e os demais portos de Angola. 22 Depois dos conflitos que assolaram a região durante o século XVII, a região de Congo e Angola passaram a participar mais ativamente do mercado atlântico de escravos.

23

O aumento da oferta de cativos provenientes dessa

região pode ser visto na Tabela 5. O aumento da entrada de escravos via Região Sudeste (principalmente através do porto do Rio de Janeiro) é concomitante a uma diminuição da entrada de cativos pela Bahia, que aos poucos vai perdendo a sua posição de maior porto receptor de escravos.

TABELA 5-Chegada de escravos nos principais portos da América portuguesa, durante o século XVIII Período

Bahia N

%

Sudeste do Brasil N

%

Todas as regiões N

22

FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.; 64-69. 23 SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo. A África e a escravidão, de 1500 a 1700. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, Fundação Biblioteca Nacional, 2002.

10

1701-1725 1726-1750 1751-1775 1776-1800

199,6 104,6 94,4 112,5

24,2 9,2 5,7 6,5

122 213,9 210,4 247,2

14,8 18,8 12,7 14,2

825,8 1136,9 1653,9 1735,4

FONTE: ELTIS, David e RICHARDSON, David. Os mercados de escravos africanos recémchegados às Américas: padrões de preços, 1763-1865. IN: Topoi 6 Revista de História, Rio de Janeiro, março 2003, p. 16.

Ainda se está longe de um conhecimento aprofundado sobre o tráfico de escravos para a região das Minas. Todavia, sabe-se que a maior parte desses escravos, inicialmente, foi adquirida junto ao mercado africano. Entraram nesse momento,

majoritariamente,

escravos

oriundos

do

que

chamamos

genericamente de Costa Ocidental, principalmente da Costa da Mina.

24

Os

escravos mina chegaram a Minas Gerais principalmente pelos caminhos que ligavam a Bahia à Capitania, através do rio das Velhas. De fato, nos primeiros anos de ocupação do território mineiro, essa era a principal rota comercial com o mercado externo, o que explicaria a predominância de escravos da África Ocidental. Uma outra explicação plausível para a preponderância de escravos dessa região específica da África passaria pelos conhecimentos técnicos na extração mineral e em metalurgia que possuíam esses indivíduos. Em alguma parte dessa região africana, segundo Del Priori e Venâncio, “a exploração das minas era submetida a um rigoroso controle e consistia na principal fonte de renda dos soberanos”.

25

Ainda de acordo com os autores, “a extração de ouro

[na África Ocidental] atingiu seu apogeu no século XVII”. 26 A valorização dos negros mina estaria relacionada, também, à superstição corrente entre os mineiros de que escravos dessa região teriam o dom especial para descobrir novas minas. Segundo Paiva, Esses homens e mulheres embarcados na Costa da Mina com destino ao Brasil eram tradicionais conhecedores de técnicas de mineração do ouro e do ferro, além de dominarem antigas técnicas de fundição desses metais. Eles conheciam muito mais sobre a matéria que os portugueses (...) Ao que parece, o poder quase mágico dos Mina para acharem ouro e a sorte na 24

A origem dos escravos, declarada nos documentos, diz respeito apenas ao local de desembarque dos cativos, e não ao seu grupo étnico de origem. Ao categorizar a origem dos escravos em costa ocidental e centro-ocidental, sabemos que muitas especificidades de origem étnica estão sendo ignoradas. 25 PRIORE, Mary del, VENANCIO, Renato Pinto. Ancestrais: Uma introdução à história da África Atlântica. São Paulo: Campus, 2003, p.113. 26 PRIORE, Mary del, VENANCIO, Renato Pinto. Ancestrais..., p.113.

11

mineração associada a uma concubina Mina eram, na verdade, aspectos alegóricos de um conhecimento técnico apurado 27.

Com a intensificação da exploração mineral, a economia da comarca do Rio das Velhas mostrou sinais de crescimento. Nesse período, as atenções estavam voltadas todas para as Minas. O porto do Rio de Janeiro foi consolidando como centro econômico da América portuguesa, em grande medida, devido à sua posição estratégica em relação à região mineradora. O crescimento econômico da região, somado ao aumento do comércio com o Rio de Janeiro e as conjunturas internacionais descritas acima, permitiram a importação cada vez maior de escravos africanos, principalmente aqueles adquiridos na costa Centro-ocidental. Mas, como apontam os dados apresentados anteriormente, o final do século XVIII foi um período de empobrecimento da Comarca do rio das Velhas. Isso se explicaria, possivelmente, pela ligação estreita da economia regional com a atividade mineradora. Ao que parece, após a rarefação do ouro, houve uma intensa migração, possivelmente para dentro dos limites da comarca, o que teria gerado uma mudança econômica importante para a região. 28 Embora os números de entradas de escravos nas Minas durante o setecentos ainda seja precária, existem alguns estudos criativos que tentam perceber tendências a partir de dados indiretos. Um bom exemplo é um trabalho de Libby, que se utilizou de registros paroquiais de batismos de escravos adultos como indicadores das tendências de compra de escravos africanos em localidades de Minas Gerais29. Trabalhando

com

três

bases

de

dados

cedidas

por

outros

pesquisadores, estudou a Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de São João del Rei, entre 1736-1854 (embora faltem registros para os intervalos 1754-60; 1775-8; 1842-7); a localidade de Catas Altas, entre 1715-1753 (com lacunas apenas para o ano de 1720); e finalmente, a Paróquia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, no período que se estende de 1712 a 1843 (com uma lamentável lacuna para o intervalo 1720-35). 27

PAIVA, Eduardo França; ANASTASIA, Carla Maria Junho. (Orgs.). O trabalho mestiço: maneiras de pensar e formas de viver – séculos XVI a XIX. São Paulo: Annablume, 2002, p.187. 28 Será necessário um estudo mais aprofundado com relação a tais mudanças, para que se possa efetivamente caracteriza-las. Por enquanto, ela pode ser simplesmente intuída. 29 LIBBY, Douglas Cole. Notes on the slave trade and natural increase in Minas Gerais in the eighteenth and nineteenth centuries. November, 2004. DRAFT (Citado com autorização do autor)

12

Impressiona a consistência das tendências encontradas para cada uma destas localidades. De modo geral, os números, elevados no começo do século XVIII, começam a cair por volta da metade do século (décadas de 40 e 50, para São João e Catas Altas, e 50, para Ouro Preto). A tendência decrescente se mantém até a década de 90 dos setecentos, com aumentos esporádicos em São João e Ouro Preto, mas não em Catas Altas. À virada do século, as cifras atingem seu nível mais baixo, chegando a cessar totalmente em Catas Altas, em 1809-10, em São João, em 1805-10, e em Ouro Preto, em 1811. O século XIX alvorece, portanto, com as importações de escravos africanos por estas localidades mineiras em seu ponto mais baixo desde a introdução do escravismo na região. Essa nova realidade econômica vivida em toda a Capitania, em algum momento após a redução na extração mineral, trouxe mudanças nas condições de aquisição de escravos. Percebe-se a diminuição nas importações de escravos africanos e o aumento dos escravos coloniais. No entanto, um dado sobre esse período é bastante peculiar à comarca do Rio das Velhas. A região entre os anos de 1773 e 1793, de acordo com a Tabela 6, apresentou uma mudança peculiar na origem dos escravos importados da África. TABELA 6: Origem dos escravos africanos inventariados durante o século XVIII Origem

1713-1733 1734-1753 1754-1773 1774-1793 MÉDIA Período Centro-Ocidental 40% 49% 49% 35% 45% Ocidental 60% 49% 48% 63% 53% Outras regiões 0% 2% 3% 2% 2% FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII

Os dados para o período 1713-1733 condizem com as noções correntes na historiografia sobre o tráfico para as Minas. Nesse momento observamos uma predominância de cativos oriundos da Costa Ocidental africana (60%), como seria de se esperar. Uma análise menos agregada dos dados mostrounos inclusive que parte considerável desses escravos era proveniente da Costa da Mina. Esse quadro sofre algumas mudanças significativas no período seguinte. Entre 1734-1753, a porcentagem de escravos da costa Centro-ocidental se 13

iguala aos da Costa Ocidental, sendo que cada uma dessas regiões responde por 49% dos cativos africanos inventariados. Essa equivalência se manteve praticamente inalterada até 1773. Acreditamos que tal equilíbrio esteja relacionado a um aumento, cada vez maior, do comércio com o porto carioca. Lembramos também que o período 1734-1753 corresponde a um momento de aumento tanto na demanda por escravos na região das Minas quanto em um incremento da oferta de escravos no mercado internacional. Os números para os anos 1774-1793 são intrigantes. Nesse momento, houve uma diminuição brusca na proporção de escravos oriundos da África Centro-ocidental, que passaram a representar apenas 35% dos cativos inventariados, contra 63% da África Ocidental. De acordo com a Tabela 4, 42,5% dos escravos que saíam da África entre 1776-1800 vinha dos portos da região Centro-ocidental, enquanto menos de 30% partia da região Ocidental. Ou seja, as posses escravistas da Comarca do Rio das Velhas apresentavam, no final do século XVIII, uma conformação diversa das posses do sudeste do Brasil (ver Tabela 5). Acreditamos que esse dado é muito valioso e que nele reside a chave para a compreensão da conjuntura econômica da Comarca naquele momento. Entre as hipóteses vislumbradas, podemos dizer que, em um contexto de crise, conforme apontam os dados sobre a comarca do Rio das Velhas, a compra de escravos junto ao mercado internacional apenas se justificava pelos conhecimentos específicos que os cativos pudessem ter. Quando a necessidade da força de trabalho não era acompanhada de nenhum conhecimento técnico específico, era possível recorrer, nesse período, aos escravos nascidos na América portuguesa. Eles poderiam ser adquiridos, por um preço bem menor, junto ao mercado interno ou poderiam ter nascido no próprio plantel. Isso explicaria, por um lado, o aumento da proporção de escravos nascidos na América portuguesa e, por outro lado, a predominância de escravos da Costa Ocidental africana. No entanto, acreditamos que essa mudança na estrutura de posse de escravos africanos estava muito mais ligada à oferta do que à demanda de cativos. Antes de tudo, é importante lembrar que o comércio de cativos no mercado interno não era, na maioria das vezes, um ramo especializado e não 14

havia uma distinção clara entre tropeiros e comboieiros. Segundo Cláudia Chaves30, de todos os registros de entrada de mercadorias na capitania ao longo do século XVIII analisados pela autora, só nos do Caminho Novo aparecem com freqüência carregamentos compostos exclusivamente por cativos. Mas, mesmo no Caminho Novo, os mesmos negociantes que transportavam, em algumas viagens, somente escravos, em outras levavam cargas diversas. 31. Observando os investimentos dos comerciantes locais e as dívidas contraídas por eles junto a comerciantes cariocas, percebe-se que boa parte dos negócios entre essas duas regiões estava assentada em produtos de luxo. 32

Com o escassez do ouro na região do Rio das Velhas, as relações

comerciais entre as principais praças da comarca (como Sabará, Roça Grande, Santa Luzia e Pitangui) e o Rio de Janeiro diminuem consideravelmente. Com isso, comprava-se menos de tudo da praça do Rio de Janeiro, inclusive escravos. O comércio com a Bahia, no entanto, apesar de provavelmente ter diminuído durante esse período, permaneceu com certo fôlego. Dessa região, além dos escravos da costa Ocidental, chegavam produtos para o abastecimento da Comarca, como gado e fumo, por exemplo. Tal panorama não teria sido observado em outras regiões mineiras. Quando comparados a comarca do Rio das Velhas à Comarca do Rio das Mortes, por exemplo, os resultados se mostram bastante diferentes. A região do rio das Mortes, por um lado, também foi atingida pela recessão do final dos setecentos, o que teve um impacto na sua capacidade/necessidade de adquirir escravos africanos – conforme aponta a tabela 6. Mas, por outro lado, ao contrário da comarca do Rio das Velhas, a região sempre manteve estreitas relações com o porto Rio de Janeiro. Grande parte dos alimentos que abasteciam a cidade do Rio de Janeiro eram provenientes do sul de Minas, encabeçado pela vila de São João del Rei. Essa relação passou a ser cada vez mais estreita. Isso explicaria o fato de ter permanecido, no final do século XVIII, 30

CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Perfeitos Negociantes: mercadores das Minas setecentistas. São Paulo: Annablume, 1999, p. 52. 31 CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Perfeitos Negociantes... op. cit., p. 53. 32 SANTOS, Raphael Freitas. Devo que pagarei: sociedade, mercado e práticas creditícias na comarca do Rio das Velhas - 1713-1773. Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de pós-graduação em História/ UFMG, 2005.

15

a predominância de escravos da áfrica centro-ocidental na região do rio das Mortes, conforme aponta a Tabela abaixo.

TABELA 7 - Origem regional de africanos por período de tempo entre 1743 e 1850. África Ocidental Períodos 1743-1789 1790-1810 1811-1825 1826-1850 Total

N 194 40 6 17 257

% 14,7 4,2 1,6 3,5 8,2

África CentroOeste N 994 850 357 376 2577

África Oriental % 75,5 88,9 92,7 78,2 82,1

N 6 2 1 25 34

Total de africanos % 0,5 0,2 0,3 5,2 1,1

N 1317 956 385 481 3139

Fonte: inventários post-mortem da Vila de São José, 1743-1850, Museu Regional de São João Del-Rei, IPHAN.33

Acreditamos que a Comarca do Rio das Velhas enfrentou efetivamente um processo de crise, em algum momento a partir da segunda metade do século XVIII, com a diminuição da atividade mineratória. Um desdobramento de tal conjuntura econômica foi a alteração nos padrões de posses de escravos (diminuição da média de escravos por inventariado e redução da taxa de africanidade). Além disso, a crise engendrou uma diminuição das ligações comerciais com a praça do Rio de Janeiro, percebida aqui, principalmente, a partir da mudança na composição da população escrava africana (havendo, no período 1774-1793 um aumento proporcional no número de escravos da África Ocidental em detrimento dos da África Centro-Ocidental). Por outro lado, as relações comerciais com a Bahia (responsável pela importação de escravos da África Ocidental), ao que parece, foram menos afetadas pela crise. Ao que tudo indica, a crise no final do XVIII aconteceu em toda a Capitania. No caso específico da comarca do Rio das Velhas essa crise engendrou uma reordenação das relações comerciais. Mas essa não é uma conclusão

extensível

a

todas

as regiões mineiras.

Isso porque

os

desdobramentos da crise variaram de acordo com as diferentes realidades regionais. Se a Capitania de Minas Gerais apresentava, no século XVIII, um 33

ST

GRAÇA FILHO, Famílias Escravas Em São José do Rio das Mortes, 1743-1850. In: 1 INTERNATIONAL HISTORY WORKSHOP ON POPULATION AND ECONOMY IN MINAS GERAIS - CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS, UFMG, Belo Horizonte, 14 e 15 de dezembro de 2005, p. 15 (Texto não Publicado).

16

mosaico de realidades sócio-econômicas, será somente a partir de estudos regionais articulados que um panorama mais preciso da economia mineira setecentista poderá ser traçado.

17

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.