A Transformação dos Liberais em Conservadores (em Spencer): uma Análise

June 8, 2017 | Autor: Eduardo Sumares | Categoria: Sociologia, Herbert Spencer, Liberalismo, Conservadorismo
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INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

A TRANSFORMAÇÃO DOS LIBERAIS EM CONSERVADORES: UMA ANÁLISE Teoria e História da Sociedade Aberta Prof. Rui Ramos

Eduardo Fernandes Sumares Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais Universidade Católica Portuguesa

15 de Junho de 2015

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1. Introdução

Dentre os fenômenos linguísticos mais curiosos está a transformação semântica. Por meio dele, uma palavra como “caneta”, originalmente denotativa de uma pequena cana, passa a significar um instrumento de escrita. Mais raro e curioso ainda é o subfenômeno da inversão. Jocosamente, imputa-lhe um dos mais espantosos mistérios da história ocidental: o processo pelo qual, em alguma altura entre Maquiavel e a Rainha Vitória, a palavra “virtude” deixou de significar a virilidade masculina e passou a designar a castidade das mulheres. Mas inversões não valem apenas como boutades, frequentemente também encerram importantes lições sobre a história. Fenômeno análogo é tratado por Herbert Spencer em The New Torysm, o primeiro capítulo de The Man Versus the State. Nele, o autor discorre sobre o processo pelo qual os “Liberais” ter-se-iam convertido em uma nova espécie de “Conservadores”1.

Este ensaio propõe-se a analisar a referida transformação. Iniciará por determinar os conceitos de Liberal e Conservador, tais quais compreendidos por Spencer, bem como os critérios definidores dessa tipologia. Ao fazê-lo, buscará solucionar tensão encontrada entre essa tipologia e seus critérios subjacentes. Superada essa primeira parte, o ensaio enunciará os argumentos de Spencer de forma a iluminar seus pressupostos e contexto, bem como analisar suas implicações. Na conclusão, argumenta-se que a tese de Spencer permanece relevante devido à renitência do problema por ele diagnosticado: a incapacidade de se perceber a real natureza de certas políticas protetivas.

2. Conceitos Iniciais Uma análise da transformação descrita por Spencer tem por pré-requisito a definição dos conceitos de Liberal e Conservador. Importa, assim, preliminarmente, esclarecer o entendimento esposado pelo autor acerca de cada um. Aqui, de logo, encontra-se uma surpresa: não obstante tratarem-se de partidos, Spencer classifica Liberal e Conservador

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Note-se que o conceito de Spencer faz dos Conservadores não se confunde com a tradição conservadora inglesa que tem seu principal expoente em Edmund Burke. Burke era um Whig, ou seja, um Liberal.

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não sob o ângulo político, mas sociológico.2 A definição de ambos os conceitos impõe, portanto, um breve itinerário desde a esfera sociológica até a política.

É a sociologia a fornecer o critério subjacente à tipologia empregada por Spencer, qual seja, a cooperação. Com base nele, o autor distingue dois tipos opostos de organização social: a militante, em que a cooperação decorre de status, sendo portanto compulsória; e a industrial, na qual a cooperação resulta de contrato, pelo que é voluntária. Como verse-á na sequência, Spencer relacionará cada um desses tipos de organização social a uma tendência política. Mas, para tanto, é antes necessário traduzir o critério sociológico em político. Se a cooperação vale para o plano horizontal das relações sociais, a verticalidade da relação política entre governo e governados impõe critério diverso: o de sujeição ao soberano. Assim, na esfera política, a cooperação compulsória corresponderia à sujeição incondicional perante monarca tido por divinamente inspirado. E à cooperação voluntária corresponderia a sujeição condicional perante monarca tido como meramente civil.

O breve itinerário até aqui trilhado evidencia, portanto, que a tipologia de Spencer fundamente-se em um critério bidimensional: sociológico (cooperação) e político (sujeição). E o que permite relacionar o referido critério aos conceitos políticos de Liberal e Conservador é precisamente essa duplicidade de dimensões. Senão vejamos: a primeira dimensão, sociológica, diz respeito ao ideal normativo de cada tendência política. Nele, cada forma de sociedade, militante ou industrial, constitui ideal normativo que engendra uma determinada tendência política. Assim, a ordem social militante constituiria o ideal normativo social dos Conservadores, enquanto a sociedade industrial seria o ideal normativo dos Liberais. Já a segunda dimensão do critério, a política, diz respeito à força motriz que propele a evolução da ordem social, desde a forma militante até a industrial. Spencer considera a sociedade industrial resultado da evolução da militante. Curiosamente, embora essa evolução ocorra no plano horizontal da sociologia, ela não resulta, contudo, de alteração diretamente no padrão de cooperação social. Em vez disso, decorre de alteração no eixo vertical da sujeição política.

“Dating back to an earlier period than their names, the two political parties first stood respectively for two opposed types of social organization…”(Spencer, p. 5) 2

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Spencer considera ser a evolução da sociedade um resultado dos esforços políticos dos Liberais em resistir ao poder coercitivo do estado. Tais esforços consubstanciaram-se, por exemplo, na lei do Habeas Corpus, no Bill of Rights, na proibição à escravidão bem como em outros atos tendentes a expandir o espaço de exercício das liberdades individuais ao custo da redução do espaço ao exercício do poder estatal. Embora atinentes ao eixo vertical da política, essas medidas operam efeitos também no plano horizontal da ordem social. Portanto, os esforços Liberais de resistência ao poder coercitivo do soberano operariam efeitos tanto no nível político quanto sociológico: ao restringirem o espaço ao exercício da autoridade coercitiva estatal, simultaneamente propelem a evolução da sociedade no sentido industrial.

2.1.

Evolução Social para o Individualismo

O que foi exposto acima sugere uma aparente tensão: por um lado, a resistência à coerção estatal favorece a liberdade individual, tendendo, portanto, ao individualismo; por outro, essa mesma resistência à coerção estatal tendente ao individualismo é considerada força motriz da evolução social. Logo, como poderia um crescente individualismo resultar na evolução da sociedade? Como compatibilizar, de um lado, a evolução orgânica da sociedade e, de outro, o crescente individualismo traduzido em liberdades individuais? Antes de se prosseguir com a exposição do argumento de Spencer, convém superar a aparente tensão no enfoque do autor. Como ver-se-á na sequência, a chave solucionadora dessa tensão consiste no facto de a conceção organicista de Spencer ser bastante particular.

Na esteira da sociologia de Comte e em linha com a antropologia de gabinete de E.B Tylor, a sociologia de Spencer é marcadamente evolucionista.3 Em The New Torysm, essa premissa de evolução evidencia-se na passagem da sociedade militante para a sociedade industrial. Não se trata de mera mudança de estado, mas de uma mudança qualificada, ou seja, evolutiva, na qual o critério evolucionário consiste no ganho em heterogeneidade. Nas palavras de Spencer: “a change from state of relatively indefinite, inconherent Sobre a premissa evolucionista de Spencer, Coser afirma que: “It is axiomatic to Spencer that ultimately all aspects of the universe, whether organic or inorganic, social or nonsocial, are subject to the laws of evolution.” (Coser, p. 90) 3

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homogeneity to a state of relatively definitive, coherent heterogeneity.”4 Tal qual a teoria da evolução de Darwin5, em que a quantidade das espécies tende a aumentar em função da crescente diferenciação biológica, Spencer entende a evolução social como a passagem de um estado de homogeneidade para um de maior heterogeneidade. 6 Para além de evolucionista, tão em linha com o Zeitgeist da altura, e na esteira de Comte, a sociologia de Spencer é também caracteristicamente organicista. E, à primeira vista, na medida em que o organicismo se contrapõe ao individualismo, essa característica apenas fortaleceria a tensão em comento. Surpreendentemente, contudo, ao invés de fortalecê-la, o organicismo de Spencer a desfaz. Aqui, verifica-se que as semelhanças entre a sociologia do autor e a cosmovisão da sua época têm limite. Spencer não é discípulo de Comte.

Com efeito, as conceções evolucionistas e organicistas de Spencer diferem fundamentalmente das de Comte. A esse propósito, Lewis A. Coser afirma que, enquanto o francês esposava um organicismo anti-individualista, em que o indivíduo subordinavase à sociedade7, o inglês considerava a sociedade como um veículo para o aprimoramento das finalidades dos indivíduos.8 Assim, a sociologia de Spencer, entendida em sua natureza evolucionista a organicista, tende não à homogeneidade, mas à heterogeneidade e, portanto, não ao coletivo, mas ao individual. Esse curiosamente paradoxal organicismo-individualista de Spencer desfaz a referida tensão por sintetizar conceitos aparentemente antagónicos. Além disso, harmoniza os sentidos de individualismo e evolução social. Sob a perspetiva do organicismo-individualista, incrementos ao espaço de liberdade individual resultam em uma sociedade mais heterogênea e, portanto, mais evoluída. Percebe-se, assim, que a crescente liberdade individual configura progresso social, em linha com a passagem evolutiva de ordem militante para a industrial.

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Apud Coser. p. 90 da qual Spencer foi notável entusiasta, tendo inclusive formulado a cérebre expressão “survival of the fittest” e sendo considerado um dos pioneiros do darwinismo social. 6 Coser assim resume a visão de Spencer sobre a evolução: “Social aggregates, like organic ones, grow from relatively undifferentiated states in which the parts resemble one another into differentiated states in which these parts have become dissiliar.” (Coser, p. 91) 7 Coser. p. 98 8 A esse propósito, Spencer afirmou: “The society exists for the benefit of its members; not its members for the benefit of society.” (Apud Coser p. 99) 5

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Admite-se que, em virtude do seu caráter complexo, o organicismo individualista de Spencer mereceria tratamento mais analítico de forma a expor sua solidez conceitual. Contudo, a brevidade do presente exercício não autorizaria tal tratamento. Superadas as tensões inerentes à tipologia conceitual e seus critérios subjacentes, passe-se, a seguir, à análise da tese de Spencer propriamente dita: a transformação dos Liberais em uma nova espécie de Conservadores.

3. A Transformação O Liberalismo descrito acima corresponde, na visão de Spencer, àquele da primeira metade do Século XIX. Em apertada síntese, o autor argumenta que, a partir de então, os governos Liberais patrocinaram políticas que terminaram por converter o Liberalismo em uma nova espécie de Conservadorismo. A evidenciar sua tese, Spencer relaciona uma variada gama dessas políticas adotadas entre 1860 e a publicação de The Man Versus the State. Dessas, destaca-se por particularmente ilustrativas (i) a extensão da vacinação compulsória à Escócia e Irlanda, em 1863; (ii) a criação de monopólio no setor de comunicações mediante a incorporação de uma companhia estatal de telégrafos, em 1869; (iii) a proibição da venda de bebidas alcoólicas aos menores de 16 anos, em 1872; e (iv) o incremento da coerção estatal sobre os pais para que matriculassem seus filhos na escola, em 1881. Porém, interessa a Spencer não a finalidade dessas políticas, mas a sua natureza. Segundo o autor, partilham de uma mesma natureza, qual seja, a obrigatoriedade. Cada uma dessas políticas produz, independentemente do seu conteúdo, uma relação de coerção pela qual o estado obriga os indivíduos.

A adoção de políticas compulsórias pelos Liberais resulta, segundo Spencer, não de uma deliberada reorientação ideológica. Longe de uma voluntariosa mudança de mentalidade, deve-se, isso sim, a um processo inconsciente e, portanto, involuntário. Spencer argumenta decorrer tal inconsciência de um vício mental: o pensamento não analítico (“unanalytical thought”). Nesse ponto, sublinhe-se a eloquência do expediente adotado pelo autor da ilustração do argumento. Talvez por entusiástico adepto da teoria Darwiniana da evolução das espécies, Spencer se inspira em exemplo da biologia: a evolução da perceção visual até a intelectual. Enquanto a visão limita-se a perceber as características externas de um dado objeto, a intelecção alcança a sua natureza intrínseca 6

e, portanto, permite classificá-los corretamente. Assim, segundo Spencer, a adoção de políticas coercitivas pelos Liberais explica-se por vício na intelecção da natureza intrinsecamente coercitiva dessas políticas. No caso, em vez de apreenderem a sua essência coercitiva, os Liberais limitaram-se a perceber suas características externas e, logo, classificaram-nas erroneamente: tomaram-nas por Liberais quando, em verdade, eram coercitivas e, portanto, segundo Spencer, mais afeitas aos Conservadores.

Na análise desse erro de classificação, convém preterir o ângulo objetivo em prol do subjetivo. De pouco adiantaria expor as razões pelas quais as caraterísticas externas das políticas Liberais pós-1860 mascararam sua intrínseca essência coercitiva. Em linha com o exemplo visual adotado por Spencer, se conforme o ditado a beleza está nos olhos de quem vê, no caso em comento, poder-se-ia argumentar que o vício está na mente dos que não percebem. E os Liberais não perceberam a real natureza das medidas que adotaram. Importa, assim, sublinhar as causas dessa falta de perceção. Segundo Spencer, decorreria de o pensamento pouco analítico dos Liberais, de forma inconsciente, ter tomado o que era consequência por finalidade. A descrição do processo nas palavras de Spencer é tão elegante que convém respeitá-la em sua integridade, in verbis:

For what, in the popular apprehension and in the apprehension of those who effected them, were the changes made by Liberals in the past? They were abolitions of grievances suffered by the people, or portions of them: this was the common trait they had which most impressed itself on men’s minds. They were mitigations of evils which had directly or indirectly been felt by large classes of citizens, as causes to misery or as hindrances to happiness. And since, in the minds of most, a rectified evil is equivalent to an achieved good, these measures came to be thought of as so many positive benefits; and the welfare of the many came to be conceived alike by Liberal statesmen and Liberal voters as the aim of liberalism. Hence the confusion. The gaining of a popular good, being the external conspicuous trait common to Liberal measures in the earlier days (then in each case gained by a relaxation of restraints), it has happened that popular good has come to be sought by Liberals, not as an end to be indirectly gained by relaxations of restraints, but as the end to be directly gained. And in seeking to gain it directly, they have used methods intrinsically opposed to those originally used (Spencer, p.14).

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Da leitura da passagem, percebe-se que, na origem da falta de perceção dos Liberais encontra-se um esquema moral rudimentar, por excessivamente simplificador da realidade. Em suas raízes mais profundas, nota-se uma tipologia maniqueísta que simploriamente classifica o mundo em categorias monolíticas de bem e mal, ignorando a possibilidade de conflitos no interior de cada categoria. Mais superficialmente, podem-se ouvir ecos utilitaristas na automática transformação da abolição de males em um princípio moral da busca pelo bem-estar, entendido negativamente como a mera ausência do mal. Essa excessiva simplificação conceitual levou os Liberais a confundirem dois objetivos sociais inteiramente diversos: a liberdade e a segurança -- por deixarem de perceber a necessária oposição entre ambos. Embora tanto liberdade quanto segurança possam ser consideradas, de um ponto de visto moralmente neutro, dimensões do mesmo bem social, quando concretamente incorporadas na realidade social, tornam-se frequentemente antagônicas. Por enfocarem o bem social sob o ângulo da liberdade, esperar-se-ia que os Liberais detetassem a ameaça representada pela segurança. Isso, contudo, jamais ocorreu.

A explicação de Spencer acerca das causas da transformação dos Liberais em Conservadores vai às raízes do processo mental dos primeiros. Importa, contudo, sublinhar que o intelecto dificilmente age ex nihilo; pelo contrário, costuma responder a estímulos da realidade exterior. Assim, cabe averiguar a realidade da época a fim de determinar os fatos sociais que teriam levado os Liberais a patrocinar políticas coercitivas. Em rápida síntese, dentre esses fatores contextuais, destacam-se os seguintes três: (i) o aumento da influência da doutrina socialista fabiana nas duas últimas duas décadas do século XIX; (ii) o aumento da demanda por segurança social em decorrência de o Second Reform Bill de 1867 ter expandido o sufrágio até os trabalhadores urbanos; e (iii) a política externa pautada pela competição colonial em África ter ocasionado maior nacionalismo e fervor estatal. Argumenta-se que tais fatores possam ter ocasionado demandas por políticas estatais mais abrangentes. E a natureza intrinsecamente coercitiva dessas demandas, por sua vez, foi mal compreendida pelos Liberais.

Demonstradas portanto as origens do erro Liberal, convém retornar à tipologia lançada por Spencer no início do capítulo em comento, a fim de verificar o modo pelo qual, sob

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a ótica do autor, a adoção de políticas coercitivas pelos Liberais prejudica a evolução da sociedade.

4. Consequências da Transformação Para Spencer, políticas coercitivas são essencialmente involutivas. Assim, sua crítica aos Liberais não se resume a apontar-lhes a falta de intelecção do caráter coercitivo de tais políticas, mas constitui também um alerta acerca dos prejuízos inerentes à involução social.

Essa involução originar-se-ia na mudança no sentido das políticas Liberais: ao deixarem de resistir à coerção estatal e passarem a patrocinar novas formas de coerção. Explica-se: a resistência à coerção, embora, ocorresse no plano da política, tinha dividendos sociais: aumentava o espaço individual para cooperação voluntária via contrato, produzindo, assim, heterogeneidade e, portanto, evolução social. De modo inverso, a criação de novas formas de coerção deixa de apresentar os mesmos dividendos sociais. Pelo contrário, é socialmente prejudicial, pois, ao diminuir o espaço de liberdade individual, prejudica a cooperação voluntária, contribuindo assim para homogeneizar a sociedade. O espaço da cooperação social passa a ser ocupado pela sujeição política. Há, portanto, um recuo da dimensão sociológica face à política e uma perda de heterogeneidade da sociedade, podendo causar, in extremis, sua involução do estágio industrial para a militante.

Sob ângulo mais político, a tradição liberal clássica é pródiga em alertas para os perigos em se sacrificar a liberdade individual em prol de outros valores como, por exemplo a segurança ou a igualdade material. Benjamin Constant sublinhou que, à diferença da antiguidade clássica quando “The laws regulated custom, and as custom touch on everything, there was hardly anything that the laws did not regulate” (Constant, p.311) a era moderna reconhece aos indivíduos uma esfera de ação imune à coerção estatal. Seu contemporâneo, Alexis de Tocqueville, em uma das passagens mais marcantes da literatura política, assim descreveu a distopia da completa sujeição dos indivíduos ao soberano protetor:

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Thus the ruling power, having taken each citizen one by one into its powerful grasp and having molded him to its own liking, spreads its arms over the whole of society, covering the surface of social life with a network of petty, complicated, detailed, and uniform rules through which even the most original minds and the most energetic of spirits cannot reach the light in order to rise above the crowd. It does not break men’s will but it does soften, bend, and control them; rarely does it force men to act but it constantly opposes what actions they perform; it does not destroy the start of anything but it stands in its way; it does not tyrannize but it inhibits, represses, drains, snuffs out, dulls so much effort that finally it reduces each nation to nothing more than a flock of timid and hardworking animals with the government as shepherd. (Tocqueville, p. 806)

Como a eloquência dessa crítica pode ocasionar overinterpretation, convém sublinhar que a tradição liberal não se confunde com a anárquica. Ela admite, desde a sua origem, uma esfera de atuação estatal para resguardar a segurança dos indivíduos e de sua propriedade. Daí decorre a noção liberal de contrato social encontrada em Locke, bem como a admissão de Mill de que o estado tem legitimidade de agir na prevenção de danos (Shapiro, p. 70), entre outras. Spencer admitiria essas concessões liberais clássicas à segurança ao custo de alguma liberdade individual. Sua crítica aos Liberais poupa as políticas por eles adotadas durante a primeira metade do século XIX para enfocar apenas aquelas que, após 1860, passaram a expandir a esfera típica de coerção estatal. Não basta que o arbítrio do estado esteja sujeito às leis. Como sublinhou Constant: “… laws too must have their limits.”(Constant, p. 320).

5. Conclusão Este ensaio analisou a tese de Spencer segundo a qual, por patrocinarem políticas coercitivas de liberdade individual a partir da segunda metade do século XIX, os Liberais ingleses ter-se-iam transformado em uma nova espécie de Conservadores. Na raiz dessa transformação estaria erro de intelecção pelo qual os Liberais deixaram de perceber o caráter coercitivo daquelas políticas, bem como sua mentalidade simplificadora ter classificado tais políticas com base em seu aspeto exterior, qual seja, a aparência de contributos ao bem-estar da população.

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Partindo dos conceitos de Liberal e Conservador adotados por Spencer, o ensaio demonstrou derivarem de critério sociológico, porém traduzível em linguagem política. Foi encontrada aparente tensão entre o evolucionismo social do autor e o crescente individualismo que lhe dá ensejo. O ensaio demonstrou que a tensão se desfaz uma vez que se constata ser o organicismo de Spencer tendente não ao coletivismo mas ao individualismo, em marcado contraste com a sociologia de Comte. Por fim, sublinhou-se o que seria, segundo Spencer, o maior perigo associado à transformação dos Liberais em Conservadores: a possibilidade de involução social. Como última nota, ressalvou-se que a doutrina Liberal clássica admite esfera de atuação estatal, com a qual Spencer fatalmente concordaria.

Descontada sua ótica evolucionista tão característica do Século XIX, verificou-se que, ao aproximar sociologia e política, a tese de Spencer permanece relevante. Ela sugere uma arena social passível de atuação por dois grupos de agentes: (i) os voluntariamente coordenados e/ou (ii) os compulsoriamente subordinados. A grosso modo, esses atores de inspiração Spenceriana corresponderiam ao que se convencionou denominar, respetivamente, “sociedade civil” e “estado”.

Mais de um século volvido desde a publicação de The Man Versus the State, a proporção ideal da partilha do palco entre tais grupos permanece controversa. A partir do colapso do comunismo soviético, a partilha mais radical - pela qual o estado praticamente ocupava-o todo -, desapareceu do horizonte. No entanto, nem mesmo tão impactante evento logrou eliminar a controvérsia. Se, como argumentou Spencer, o avanço das políticas coercitivas beneficiou-se de vulnerabilidades intelectivas dos agentes, a julgar pelo quadro atual, argumenta-se, continua a fazê-lo. Não obstante o alerta do autor, largas faixas dos eleitores continuam a ignorar a real natureza de certas políticas de bem-estar. No caso de países altamente endividados, como Portugal, lamenta-se que esses eleitores não recordem mais amiúde Ben Franklin, quando este afirmou que “Those who would give up essential liberty, to purchase a little temporary safety, deserve neither liberty nor safety.”9

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Apud Hayek, p. 156

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6. Referências Constant. B. “The Liberty of the Ancients Compared with that of the Moderns” em Political Writings, Cambridge: Cambridge University Press, 1988 pp. 309-328

Coser. L. A. (1971) Masters of Sociological Thought: Ideas in Historical and Social Context. New York: Harcourt Brace Jovanovich.

Hayek. F.A (1944) The Road to Serfdom. London: The University of Chicago Press, 2007

Ortega y Gasset. J. (1930) The Revolt of the Masses. New York; W.W. Norton Company, 1993.

Shapiro. I (2003) Os Fundamentos Morais da Política. São Paulo: Martins Fontes, 2006 Spencer, H. (1884) “The New Torysim” em The Man Versus the State. Indianapolis: Liberty Classics, 1982 pp. 5-30

Tocqueville. A. Democracy in America and Two Essays of America. London: Penguin Books, 2003.

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