A transição solar como possível-impossível

July 21, 2017 | Autor: Daniel Cunha | Categoria: Marxismo, ENERGIA, Energia Solar, Mudanças Climáticas, Aquecimento global, Crítica Do Valor
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[-] www.sinaldemenos.org Ano 7, n°11, vol. 2, 2015

2

[-] Sumário # 11 vol. 2 EDITORIAL

4

PAULO ARANTES

9

Entrevista com Marcos Barreira e Maurílio Lima Botelho

ARTIGOS SOBRE O LI MITE ABSOLUTO DO CAPITAL

48

Especulações acerca de uma hipótese teórica Daniel Feldmann A POTÊNCIA DO ABSTRATO

70

Resenha com questões para o livro de Moishe Postone Cláudio R. Duarte A DEMOCRACIA E O SONO DA HISTÓRIA

123

Fragmentos Raphael F. Alvarenga DIREITO E INTERCÂMBIO SOCIAL

142

Hipóteses sobre a forma e a função do direito à luz do desenho histórico-estrutural de Kojin Karatani Joelton Nascimento ISAAK RUBIN E GYÖRGY LUKÁCS As origens da “leitura crítica” de Marx na década de 1920 Marcos Barreira

169

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O RENASCIMENTO MILAGROSO DE ANTONIO GRAMSCI

3 214

Robert Bösch FAVELIZAÇÃO MUNDIAL

248

O colapso urbano da sociedade capitalista Maurilio Lima Botelho CIBERATIVISMO, O PARADIGMA DO ANTIPODER E

271

AS FISSURAS DO CAPITALISMO A revolução em tempos de internet Sílvia Ramos Bezerra PÓS-NATUREZA

286

Pilhagem ecológica e os monstros do capital André Villar Gomez O CAPITALISMO E A MALDIÇÃO DA

297

EFICIÊNCIA ENERGÉTICA John Bellamy Foster, Brett Clark e Richard York A TRANSIÇÃO SOLAR COMO POSSÍVEL-IMPOSSÍVEL

312

Daniel Cunha O DINHEIRO COMO CORAÇÃO DAS TREVAS

328

Nota sobre o último livro de Robert Kurz Daniel Cunha O QUE FALTA? Francisco C.

332

312

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A TRANSIÇÃO SOLAR COMO POSSÍVEL-IMPOSSÍVEL

Daniel Cunha

El tiempo se bifurca perpetuamente hacia innumerables futuros. En uno de ellos soy su enemigo. (Jorge Luis Borges, El jardín de senderos que se bifurcan).

1. Possível

O capitalismo, ao mesmo tempo que desenvolve as forças produtivas e o seu potencial emancipatório, apresenta uma tendência imanente estruturalmente destrutiva do meio natural e material, decorrente de um metabolismo com a natureza inconsciente, que assume a forma do trabalho abstrato. Nesse contexto, a mudança climática se apresenta talvez como o problema mais crítico e de abrangência global. 1 Atualmente, o mundo se encaminha para um aquecimento de 3,9

oC,

muito além do limite

politicamente convencionado de 2 oC e certamente muito além de qualquer limite seguro; recentemente foi divulgado que 2014 foi o ano mais quente do registro histórico meteorológico. 2 O problema do aquecimento global exige que a base energética fóssil seja substituída nas próximas décadas. A queima de combustíveis fósseis gera a emissão de carbono à atmosfera, a maior contribuição para as emissões de gases de efeito estufa. 1 2

V er meus textos Cunha (2012), Cunha (2013) e Cunha (2015). Sobre a tendência de aquecimento, ver Climate Action Tracker (nd); sobre o recorde de temperatura média global em 2014, ver Japan Meteoro logical Agency (nd).

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Cientistas estabelecem como um limite de segurança para a concentração de carbono atmosférico de 350 partes por milhão (ppm), valor que já foi ultrapassado. 3 Para manter a possibilidade de permanecer abaixo desse limite, a queima de carvão deveria ser imediatamente interrompida, as emissões de carbono reduzidas à taxa de 6% ao ano e aplicadas técnicas de captura de carbono na biosfera e nos solos. 4 O comportamento não-linear, sujeito à ocorrência de pontos de não-retorno (tipping points) torna a questão não-trivial. 5 Retroalimentações positivas, como o derretimento das camadas polares e a liberação do metano no gelo permanente, podem causar acelerações súbitas nas mudanças climáticas, e a inércia sistêmica pode atrasar a resposta às decisões humanas em milhares de anos – é a escala de tempo na qual o aumento da temperatura média global permaneceria após a cessação das emissões e sem geoengenharia (manipulação intencional do clima), segundo modelos climáticos. 6 As alternativas aos combustíveis fósseis já existem, destacando-se a energia solar fotovoltaica e a energia eólica. Para que tais sistemas energéticos possam substituir a infraestrutura fóssil, porém, é necessário que eles “parasitem” essa base, ou seja, a energia para a construção da infraestrutura solar deve ser fornecida pela base fóssil. A energia solar existe em quantidade suficiente, já que atualmente o consumo global de energia é de 17 TW, e a energia solar capturável com células fotovoltaicas, apenas em áreas facilmente acessíveis, é de 360 TW. 7 Ao final 2013, a capacidade instalada de energia fotovoltaica era de apenas 0,136 TW, apesar do impressionante crescimento exponencial nos últimos anos. 8 A questão pertinente, portanto, é quanto à possibilidade da construção de uma base solar a partir da base fóssil, em poucas décadas, para não se correr o risco de desestabilizar o sistema climático de maneira catastrófica, e sem tampouco submeter parte ou a totalidade da população mundial à escassez energética. Aqui é preciso mencionar que, ao contrário do que pregam certas ideologias (“decrescimento” e afins) o consumo total global de energia precisa aumentar, ao invés de diminuir, para que toda a população mundial tenha alta Röckstrom et al (2009); Steffen et al (2015). Hansen et al (2008) e Hansen (2013) 5 Hansen (2013) 6 Solomon et al (2009) 7 Estamos computando tão somente a energia solar fotovoltaica, sem contar energia eólica e outras.EIA (nd); Jacobson & Delucchi (2009). 8 International Energy Agency (201 4). 3

4

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qualidade de vida. Isso é ilustrado em um gráfico cruzando consumo energético per capita por país com o IDH, o que também mostra que além de 3,5 kW per capita não há aumento de IDH (ver figura 1). Com esse valor para uma população mundial atual de 7 bilhões de pessoas, seriam necessários 24,5 TW ou 35 TW com os 10 bilhões projetados em 2050. Ou seja, ainda vivemos um período de carência energética agregada global, concomitantemente a uma distribuição extremamente desigual, com “excesso energético” para alguns países e carência para muitos outros. 1 0,9 0,8 0,7

IDH

0,6 0,5 0,4

0,3 0,2 0,1

0 0

5

10

15

20

25

kW/hab

Figura 1: Índice de Desenvolvimento Humano da ONU em função do consumo energético, por país. O gráfico mostra uma correlação entre qualidade de vida e consumo energético, e que com cerca de 3,5 kW/hab é possível atingir um alto IDH. Acima disso, porém, há um platô, onde o aumento do consumo energético não corresponde a um aumento do indicador.9

Com esse intuito de investigar uma transição solar sem carência energética, David e Peter Schwartzman desenvolveram um modelo matemático que mostra que uma transição solar é possível em poucas décadas, caso se dedique um percentual da energia fóssil para a construção da base renovável (solar e eólica), somada a uma fração 9

Fonte: Wikipedia (nd a) e Wikipedia (nd b); v er também Goldemberg (1 998), p. 47 -9.

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desta própria para a sua expansão. Segundo esse modelo, em 40 anos seria possível uma transição com a utilização de 1 a 2% da energia fóssil e cerca de 10% da energia renovável gerada para autoexpansão. 1 0 Crítico nessa modelagem é o retorno energético sobre a energia investida (EROI), a proporção entre a energia que é gerada pelo sistema e a que é investida em sua construção. O modelo Schwartzman utiliza um EROI de 20, baseado em dados da literatura. Porém, após a publicação do seu estudo, um estudo das usinas fotovoltaicas espanholas forneceu uma visão muito mais detalhada (e pessimista) do EROI para a energia fotovoltaica, que seria de 2,46. Esse valor de EROI poderia inviabilizar uma transição energética como visualizada no modelo Schwartzman. De outra parte, outros elementos que não foram considerados nesse modelo podem melhorar o prospecto da transição: a “curva de aprendizado” dos módulos solares, que aumenta o EROI em 17% a cada vez que a capacidade instalada é dobrada 1 1 ; a vida útil estendida dos painéis, com vários estudos indicando que se degradam à taxa de 1% ao ano, e, portanto, podem ser utilizados por período muito mais longo do que a vida útil nominal de 25 anos modelada por Schwartzman. 1 2 Especialmente, os dados das usinas espanholas incluem a energia embutida na construção e operação das usinas ( o gasto energético indireto “embutido” em cada componente da planta, força de trabalho, etc.), o que foi apenas assumido no modelo Schwartzman. 1 3 Com o fim de investigar como esses fatores influem a transição solar, propomos modificações no modelo Schwartzman para incorporar esses fatores. O detalhamento matemático do modelo se encontra no apêndice. Os resultados do modelo modificado com os dados de EROI mais pessimistas encontrados na literatura indicam que a transição solar é mais difícil do que mostrado no modelo Schwartzman, porém confirma que ela é possível. Com nossa modelagem, é necessário reinvestir cerca de 40% da energia renovável em sua autoexpansão, além de 3% da energia fóssil, para concluir a transição em cerca de 36 anos (figura 2). Os resultados são indicados nas figuras 1 e 2, onde R é a fração de potência energética Schwartzman e Schwartzman (201 2) Görig & Brey er (2012) 1 2 Skoczek et al (2009) 1 3 O modelo Schwartzman assume que a energia embutida está contida em três fatores da transição solar: maior eficiência termodinâmica das energias renováveis, maior eficiência energética no norte global e o crescimento exponencial das energias solares, com EROI’s muito maiores. Es sa assunção, porém, é bastante v aga. No modelo aqui proposto, essa energia está quantificada em um EROI muito menor. 10 11

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renovável em relação à potência fóssil inicial – ou seja, quando R=1 a base solar iguala a base fóssil, mas esse valor é levado até adiante até que se atinja o nível de 3,5 kW/hab. A figura 3 compara o modelo Schwartzman com o modelo aqui proposto, com os mesmos valores de EROI, energia fóssil e energia renovável investidos na infraestrutura solar, mostrando que o modelo aqui apresentado é mais pessimista. É preciso enfatizar que aqui se está usando mais pessimista de todos os EROI’s já publicados.

Figura 2: Transição solar segundo o modelo modificado proposto

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Figura 3: comparação entre o modelo proposto (R) e o modelo Schwartzman (R_Sch)

Figura 4: evolução da base energética segundo o modelo proposto, com evolução da potência requerida para garantir 3,5 kW/hab (P_req), potência total disponível (P_disp), potencia fóssil (P_FF) e potência renovável (P_RE).1 4

Na figura 4 pode-se ver a evolução da transição energética, onde se ilustra que a base fóssil somente é desativada após garantido o acesso energético global no nível desejado, sendo que após atingido esse patamar o crescimento da base energética corresponde à modelagem do crescimento populacional. As emissões de carbono no período estão ilustradas na figura 5. Durante a transição aqui modelada seriam emitidos cerca de 320 GTon de carbono à atmosfera. Hansen (2013) propõe um limite total de 500 GTon de emissões cumulativas (concomitantemente ao sequestro de 100 GTon por reflorestamento), o que, descontados os 337 GTon já emitidos 1 5 , resulta em um saldo de 163 GTon. Os cenários mais permissivos (de 450 ppm) permitem emissões cumulativas de 1000 GTon, o que resulta em um saldo de 663 GTon. A modelagem proposta indica ultrapassagem do limite proposto por Hansen, o que implicaria a necessidade um programa de reflorestamento mais ambicioso. A potência disponível (P_disp) é definida como a potência fóssil mais a potência renovável descontada da fração para autoex pansão, ou seja, apenas a potência disponível para outros usos que não a autoexpansão do sistema. 1 5 Cf. CDIAC (nd) 14

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Figura 5: emissões de carbono durante a transição solar – emissões anuais (E_FF), eixo vertical à direita; e emissões acumuladas (E_FF_cum), eixo vertical à esquerda.

É importante salientar que tanto o modelo Schwartzman quanto o aqui proposto não são preditivos. Tratam-se de modelos utópico-materiais que mostram que uma transição a um comunismo solar é materialmente possível caso estejam dadas as condições sociais e políticas. Eles pressupõem transformações radicais na forma do metabolismo social com a natureza (trabalho social) para que a primazia seja das satisfações das necessidades humanas, e não da acumulação de capital.

2. Impossível

A curvas mostradas nos gráficos acima são “utopias materiais”. Elas mostram que a transição solar é possível, caso tomemos unicamente as propriedades materiais (“valor de uso”) da tecnologia existente, mesmo em sua versão mais pessimista. Porém, no capitalismo, a técnica, como tudo o mais, está submetido ao buraco de agulha da valorização do valor. Não basta que uma tecnologia seja socialmente desejável e

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ecologicamente necessária, é preciso que ela passe pelo processo da valorização e pela mediação da concorrência. É esclarecedor aqui citar os autores do estudo das usinas fotovoltaicas espanholas: Sabemos que se tomamos três unidades de calor a partir do carvão podemos gerar uma unidade de eletricidade de alto valor em uma usina termelétrica. Se, ao invés disso, investirmos três unidades de calor provenientes da queima de carvão em um sistema fotovoltaico na Espanha, ele geraria 7,35 unidades de eletricidade de alto valor; isso perfaz 7,35 vezes mais do que queimando carvão numa usina termelétrica. O problema é que a primeira gera eletricidade imediatamente; o problema para a geração fotovoltaica é que essas unidades são geradas ao longo de 25 anos, e precisam de uma antecipação de investimento de combustíveis fósseis de cerca de 2 unidades térmicas no primeiro ano para o sistema fotovoltaico, e a terceira unidade ao longo dos 25 anos para operação e manutenção e outras despesas recorrentes. (...) Pensamos que a falta de incentivo mercadológico para a energia fotovoltaica não se deve tanto ao seu baixo EROI, mas à taxa de desconto, ao valor temporal do dinheiro.1 6

Ou seja, aqui o fetiche do valor atua como uma camisa de força da tecnologia ecológica e socialmente mais adequada, entravando o seu desenvolvimento. A usina fotovoltaica gera mais energia e de maneira mais ecológica, mas na competição por rentabilidade ela perde a concorrência para o carvão e, em termos capitalistas, é um “investimento irracional” – mesmo que insistir com a queima de fósseis signifique induzir uma catástrofe ecológica global. Daí que só pode tornar-se “competitiva” e desenvolver-se no capitalismo à base de subsídios ou taxação sobre o carbono. A “solução” da moda é o keynesianismo de um “New Deal Verde”, proposto mesmo alguns postulantes do ecossocialismo (como Schwartzman), uma nova era de ouro de “regulação estatal, crescimento e empregos”, que combinaria ecologia e acumulação. 1 7 Mas o que significa isso no século XXI? As forças produtivas microeletrônicas simplesmente não comportam mais o emprego em massa de força de trabalho como as fábricas de automóveis da primeira metade do século passado. 1 8 Por outro lado, os investimentos são enormes. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), são necessários investimentos de 700 bilhões de dólares anuais ao longo de vinte anos Prieto e Hall (2013), p. 119 (tradução minha). UNEP (2009), Schwartzman (2011). 1 8 Kurz (201 4), Kurz (1991 ). 16 17

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para manter a concentração de carbono atmosférico abaixo de 450 ppm. Parece pouco, mas é 1% do PIB mundial, todos os anos, em tempos de recessão em que cada fração de ponto percentual no PIB é celebrado. E os custos tendem a subir muito para manter a teor em 350 ppm. Na Alemanha e na Espanha, dois dos países com maior potência fotovoltaica instalada e com boa base de dados, o que se viu empiricamente foi um aumento vertiginoso no preço da energia. Na Alemanha esse custo é repassado principalmente aos consumidores residenciais, para não prejudicar a “competitividade” da indústria exportadora.1 9 Na Alemanha, ao mesmo tempo em que avança a Energiewende (as energias renováveis já respondem por 25% da energia elétrica), retorna a exploração de carvão, o combustível mais intensivo em carbono. Esses padrões indicam que a transição energética que vem sendo feita em alguns países tem objetivos concorrenciais entre estados, geopolíticos e de segurança energética – redução de dependência dos produtores de petróleo e riscos do pico do petróleo – muito mais do que redução de emissões de carbono. 2 0 De resto, o baixo custo de certas técnicas de geoengenharia associado às análises de custo benefício da economia neoclássica, que descontam impactos futuros e compõe os lucros presentes à taxa de juros e pressupõe a substitutibilidade absoluta da riqueza material pela acumulação de capital, e a cada vez mais intensa crise de valorização capitalista apontam fortes contratendências a uma transição energética. 2 1 A crise de 2008 teve forte impacto na expansão das usinas solares espanholas e no investimento em energia renovável no mundo inteiro, e as expansões do capital em busca de mais-valia absoluta costumam associar-se aos combustíveis fósseis, como no caso Chinês. 2 2 A recente corrida ao gás via fracking parece ser o golpe de misericórdia.

Cf. Borden & Stonington (201 4). Cf. Rest (2011). 21 Sobre o baixo custo da geoengenharia, ver Barrett (2007 ). Sobre a economia neoclássica aplicada ao aquecimento global, ver Nordhaus (2013), e para uma crítica v er Cunha (2012) e (2015). Sobre a crise da valorização v er Kurz (1992) e Kurz (2014); no contex to de uma transição energética, ver Konicz (2012). 22 Cf. Hall & Prieto (2013), Rest (2011 ). Sobre o caso chinês e o aumento recente das emissões, ver Malm (2012) e Cunha (2013). 19

20

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Perspectivas

De acordo com os resultados do modelo matemático, combinad os com uma análise crítica da economia política, as tendências indicam que, no interior da forma capitalista, a transição energética não será viável e o aquecimento global, além dos prejuízos materiais diretos decorrentes de eventos extremos, inundações, ondas de calor, epidemias, etc., será um peso econômico adicional na espiral descendente da crise do capital ao longo das próximas décadas, ao mesmo tempo em que gerará desperdício de energia nos países do centro e carência energética na periferia. Isso tudo mesmo que, material e tecnologicamente, uma transição energética seja tanto desejável quanto possível, mesmo em uma modelagem extremamente conservadora, utilizando os dados mais pessimistas publicados na literatura e um requerimento energético por habitante que certamente seria diminuído com a abolição da “anarquia do mercado”. O valor reverte as forças produtivas em forças destrutivas. A transição energética, com abundância e sem aquecimento global catastrófico, do ponto de vista material, ainda é possível, mesmo que se torne a cada ano mais difícil, pois as emissões acumuladas a cada ano diminuem o “inventário” de carbono disponível para a levar a cabo a construção da infraestrutura solar – porém depende da ação política organizada em escala mundial para a desnaturalização das tendências fetichistas de acumulação de capital e implementação de políticas “antieconômicas”. O que, é preciso que se diga, parece uma hipótese muito distante diante da desarticulação dos movimentos de contestação da ordem e das condições atuais do capitalismo de crise.

(2013-2015)

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ANEXO Equações do modelo

O modelo baseia-se no modelo Schwartzman. 2 3 As modificações se referem ao EROI dinâmico, variando com a capacidade instalada, 2 4 a inclusão da totalidade da energia embutida no denominador do EROI (energia embutida em infraestrut ura, reprodução da força de trabalho, etc.) 2 5 e a modelagem explícita da degradação a 1% ao ano, com extensão da vida útil dos painéis para 40 anos. 2 6 As equações são as seguintes:

A variável de estado e os parâmetros do modelo são listados na tabela 1. Na primeira equação, o primeiro termo da equação diferencial refere-se à potência renovável gerada a partir de energia fóssil, o segundo termo corresponde à potência renovável gerada a partir da própria base solar e o terceiro termo corresponde à degradação anual dos painéis. A segunda equação modela o EROI dinâmico, utilizando o fator empírico definido pela terceira equação. A quarta expressão é um indicador do avanço da transição solar (razão entre a potência solar construída e a potência fóssil inicial). O valor do EROI inicial de 2,46 foi modificado para 6,9 no modelo proposto ponderando quantitativamente as diferenças do contexto global em relação ao espanhol Schwartzman & Schwartzman (2010). Görig (2012). 25 Prieto & Hall (2013). 26 Skokczek (2009). 23

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e excluindo o custo energético embutido que são especificamente capitalistas (tais como custos financeiros), a fim de modelar tanto quanto possível apenas as condições e restrições materiais envolvidas. As modificações do EROI incluíram: correção para vida útil de 40 anos, substituição da irradiação espanhola (1700 kWh/m2 /ano) por uma irradiação representativa global (2000 kWh/m2 /ano) e exclusão do efeito da degradação dos painéis (já que a degradação é modelada explicitamente no modelo). Ainda, a “curva de aprendizado” é aplicada apenas para os módulos solares, e não para a estrutura como um todo, de maneira que a taxa de aprendizado efetiva, com a devida proporção quantitativa, é de 6,9%. Como todo modelo, o aqui proposto possui limitações. De todo modo, utilizouse estimativas conservadoras, entre as quais podemos citar a não consideração do efeito de inovações tecnológicas, modelagem apenas da energia fotovoltaica (de menor EROI), sem considerar a aplicação simultânea de energia eólica e outras, bem como considerar a energia requerida de 3,5 kW/hab, quando certamente a abolição da “anarquia do mercado” acarretaria uma diminuição desse requerimento – isso se reflete no fato de que o I DH, usado na correlação com requerimento energético, é uma composição de expectativa de vida, escolarização e PIB per capita, sendo este último índice muitas vezes desacoplado da das necessidades ecológico-sensíveis. Ainda, trata-se de um modelo que desconsidera especificidades geográficas, subestimando, assim, fontes energéticas que em localidades específicas podem ser muito mais eficientes do que a fotovoltaica (eólica, marés, etc.). Tudo isso faz com que os resultados sejam conservadores. Finalmente, as emissões de carbono foram calculadas considerando a desativação do uso de carvão, petróleo e gás natural, nesta ordem (ou seja, em ordem decrescente de emissões por unidade de energia produzida) , utilizando os fatores de emissão típicos. Deixamos para investigações futuras a análise do efeito da variação dos valores de EROI e energia requerida por habitante e outros.

324

[-] www.sinaldemenos.org Ano 7, n°11, vol. 2, 2015 Tabela 1: v ariáveis e parâmetros do modelo

Símbolo

Variável / parâmetro PRE

Valor inicial / valor

Unidade

Potência renovável instalada

0,136

TW

Fração da potência renovável

0,35

-

0,03

-

D Taxa de degradação dos painéis

0,01

-

M

calculado

-

6,9

-

40

anos

0,136

TW

0,069

-

calculado

-

17

TW

calculado

-

f

instalada utilizada para ampliação de infraestratura renovável fFF Fração da potência fóssil instalada utilizada para construção de infraestrutura renovável

EROI de novos painéis

M0 EROI inicial de novos painéis L Vida útil dos painéis PRE0 Potência renovável instalada inicial LR Taxa de aprendizado b Constante empírica PFF0 Potência fóssil instalada inicial R Razão de transição energética (R=1 corresponde a PRE = PFF0)

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Design

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325

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February

2015)

http://www.sciencemag.org/content/early/2015/01/14/science.1259855 UNEP (2009) Global Green New Deal: Policy Brief. Disponível em http://www.unep.org/pdf/A_Global_Green_New_Deal_Policy_Brief.pdf (acesso em janeiro/2015). Wikipedia (n.d. a), List of countries by energy consumption per capita, http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_energy_consumption_per_capita Wikipedia (n.d. b) List of countries by Human Development Index, http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_Human_Development_Index

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