A Turma da Mônica em: \" Brincando \" de Cidadania

May 31, 2017 | Autor: Victor Barcellos | Categoria: Histórias em Quadrinhos (HQ's, Comic Books, Mangás), Cidadania
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Descrição do Produto

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E ARTES

Análise da linguagem nos quadrinhos A Turma da Mônica: A Turma da Mônica em: “Brincando” de Cidadania

São Paulo Junho de 2013

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E ARTES

Análise da linguagem nos quadrinhos A Turma da Mônica: A Turma da Mônica em: “Brincando” de Cidadania

Trabalho

apresentado

para

a

avaliação na disciplina de Linguagem Verbal nos Meios de Comunicação I, da Escola de Comunicação e Artes da USP, ministrada pela Profª. Dra. Roseli Fígaro.

Luciana Ne Freire – 4931020 Luzia Saeko Kanashiro – 1107550 Mônica Neves Santos – 2853242 Paulo Roberto Ribeiro – 3320062 Renata Garabedian – 8542761 Ronei Ximenes da Fonseca – 7268801 Sofia Frost Noffs – 8544700 Stephani Marina Becker – 8545451 Vanessa Rondine - 8545506 Victor Gomes Barcellos – 8545253

São Paulo Junho de 2013

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SUMÁRIO Introdução

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Objetivo

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Metodologia

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História em quadrinhos (HQ)

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História em quadrinhos – Gênero e Linguagem

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HQs: leitura do verbal e do não verbal

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As histórias em quadrinhos no Brasil

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Mauricio de Sousa – Biografia e Produção

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Panorama das HQs A Turma da Mônica no Brasil

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História da Cidadania

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A Cidadania no Brasil

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Análise das HQs institucionais A Turma da Mônica sobre o tema Cidadania Bloco Direitos das Crianças e Adolescentes

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Bloco Drogas

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Bloco Ecologia e Sustentabilidade

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Bloco Cidadania

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Transcrição e análise das entrevistas sobre o tema Cidadania

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Considerações Finais

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Referências

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INTRODUÇÃO “A criança, dominada que é pelo adulto e por seus valores, desenvolve táticas particulares para distanciar-se dessa dominação e jogar com ela, subvertendo-a, muitas das vezes. É nesse processo que a ficção literária destinada à infância deve funcionar – não como instrumento de controle do imaginário infantil, mas como arma de construção de indivíduos capazes de refletir sobre os valores, as práticas, os discursos que os cercam, criando alternativas de diálogo com esse universo, sem que sejam devorados por ele”1.

É inegável que Maurício de Sousa, como poucos outros, sintetiza aspectos da linguagem dos quadrinhos e da relação entre pedagogia e entretenimento. Conforme o site do seu instituto, o Instituto Maurício de Sousa, sua produção está ligada a programas educacionais com o intuito de “levar a filosofia e a força de comunicação da “Turma da Mônica” para desenvolvimento de programas nas áreas de saúde, educação, meio-ambiente e cultura”2. Quando suas personagens são direcionadas para esse vetor, do ponto de vista da produção, faz-se necessário trabalhar o tema que vem de fora, no caso, a proposta pedagógica, dentro da linguagem própria dos quadrinhos, bem como, no sentido oposto, a linguagem que é utilizada e o tipo de identidade que se quer construir. As histórias em quadrinhos possuem um vasto e variado público-leitor, mas os gibis da Turma da Mônica inclinam-se mais para o público infantil, sem que isso, no entanto, signifique restringir-se a esse público específico. Tendo em vista esse leitor e reconhecendo a HQ como um gênero que sempre flertou com a literatura, embora tenha linguagem autônoma, acreditamos ser relevante 1

in A Literatura infantil e juvenil hoje: múltiplos olhares, diversas leituras

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Site do Instituto Maurício de Sousa : http://www.monica.com.br/fwelcome.htm

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uma definição do que seria literatura infantil, não para exemplificar o ponto em comum dos dois gêneros, que possuem uma narrativa, com princípio, meio e fim, mas para entendermos o valor estético de ambos no imaginário infantil. Para isso, utilizaremos a definição de Nelly Novaes Coelho que nos diz que a “literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, arte: fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra. Funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais e sua possível/impossível realização (...).3”

OBJETIVO O objetivo desta pesquisa é analisar a mudança cultural do conceito de cidadania através das histórias em quadrinhos (HQs) A Turma da Mônica, durante os cinquenta anos de sua edição. Visa analisar o contexto histórico, a aplicação e o direcionamento da linguagem e a mensagem transmitida ao público infantil.

METODOLOGIA A análise foi sobre as revistas produzidas em parceria com órgãos públicos, com temáticas que abordam os conceitos de cidadania, cruzando dados de contexto histórico: social, político e econômico. Foi identificado o número de edições, ao longo dos cinquenta anos de produção, que tratam de assuntos relacionados à cidadania e selecionados os temas abordados com maior frequência (ecologia, drogas, cidadania e direitos das crianças) e selecionados, ao menos, uma revistinha representativa da temática por década.

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“Memórias de Emília, de Monteiro Lobato: uma reflexão sobre a linguagem” , in Panorama Histórico da literatura infantil e juvenil.

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HISTÓRIA EM QUADRINHOS (HQ) As histórias em quadrinhos (HQs), ainda hoje, fazem sucesso entre adultos e crianças, divertindo e informando, ao mesmo tempo. Apesar de sempre remeterem à atualidade, com seus desenhos coloridos e chamativos, essas histórias têm uma origem um pouco distante do nosso tempo. Elas têm como início o ano de 1895, o mesmo da invenção do cinema. Teve como precursores o suíço Rudolph Topffer (exímio ilustrador, admirado, entre outros, pelo famoso escritor alemão Goethe), o alemão Wilhelm Busch e o francês Chistophe Colomb (pseudônimo de Georges Colomb), apesar de, até hoje, serem consideradas originárias dos Estados Unidos. O país teria inaugurado o novo estilo com a revista Yellow Kid, de Richard Outcalt, publicada em 1897. A princípio, tais histórias não foram bem aceitas pela sociedade europeia, sendo acusadas de desestimular crianças a estudar e desenvolver o gosto pela leitura, sofrendo, assim, perseguições. Somente no ano de 1929 foram defendidas através de um artigo redigido pelo escritor Gilbert Selders, que intercedia pelas histórias em quadrinhos estadunidenses Krazy Kat, de Herrimann, que se tornariam um grande sucesso naquele país. Na década de 1960, três decênios depois da publicação desse artigo, as histórias em quadrinhos foram redescobertas pelos europeus, caindo no gosto popular. Assim, invadindo as universidades e os museus, entre outros, virou moda entre os jovens. Tal fenômeno fez com que a linguagem veiculada nessas revistas passasse a ser alvo de estudos,

buscando-se,

assim,

elementos presentes

nelas

que

pudessem

ser

academicamente usados, com o intuito de facilitar o aprendizado infantil. Desse ponto em diante, graças ao peso cultural internacional do velho mundo, as histórias em quadrinhos se expandiram para o resto do planeta, quebrando barreiras de língua e se convertendo em uma linguagem universal, partilhando conceitos e ideologias. Através delas, por exemplo, desenhos (como os balões de fala), a luta do bem contra o mal e o heroísmo foram mundializados. Assim, difundindo conceitos, educando e divertindo, elas se tornaram parte integrante do nosso cotidiano, sendo querida por todos, no mundo inteiro.

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HISTÓRIA EM QUADRINHOS – GÊNERO E LINGUAGEM Nesta análise, utilizaremos o termo história em quadrinhos, ou sua abreviação HQs, mesmo tendo ciência de que esse rótulo engloba gêneros diversos, distintos entre si, em suas peculiaridades. No entanto, aqui cabe o uso dessa “espécie de hipergênero”, porque o estudo se dará justamente a partir das características comuns entre eles. Embora a discussão terminológica sobre os nomes dados às HQs em outras regiões do mundo não seja objeto desta análise, é interessante citar Waldomiro Vergueiro, professor e estudioso das histórias em quadrinhos, quando este informa que o termo adotado no Brasil, histórias em quadrinhos, é uma versão feliz, pois encerra em seu significado a evidência de dois elementos básicos constitutivos das HQs: “uma forma narrativa composta por uma sequência de quadros pictográficos” 4. Como meio de comunicação de massa, as histórias em quadrinhos existem há mais de um século. Elas não deixam de ser um resgate do modo de contar histórias dos nossos ancestrais que pintavam as paredes das cavernas que habitavam, com ilustrações que representavam, por assim dizer, o seu mundo. As HQs podem ser classificadas como um gênero híbrido e de caráter multimodal, já que integra, em um mesmo sistema, mais de um tipo de recurso de linguagem. Além de transitar entre a palavra e a imagem, pode, até mesmo como diz Canclini5, transitar entre o erudito e o popular, reunindo características do artesanal e da produção em massa. Se os signos são suportes exteriores e materiais da comunicação entre as pessoas e a relação entre e um homem e outro está mediatizada pelo signo, a análise que se dará mais adiante considera as HQs como um signo que une elementos verbais e não verbais. Para tal, é necessário entender linguagem como algo híbrido, um código de regras próprias, que pode ser formado por signos tanto verbais, como visuais. Para serem compartilhadas, as regras devem ser conhecidas e reconhecidas pelo sujeito cognitivo. No caso específico desta análise, o leitor das histórias em quadrinhos.

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In: Revista de Ciência da Informação, v. 6, n. 2, abril/2005.

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In: Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.

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Assim como as palavras, as imagens também estabelecem uma relação necessária entre a parte que expressa, formalmente, o conteúdo, no caso, o significante, e o conteúdo expressado, a saber, o significado. De acordo com Will Eisner, quadrinista americano e teórico das histórias em quadrinhos, os processos psicológicos envolvidos na compreensão de uma palavra e de uma imagem seriam semelhantes. Sua afirmação baseia-se no fato de que as estruturas da ilustração e da prosa são similares. Partindo do fato de que as HQs agregam dois códigos distintos, o linguístico e o pictórico, Vergueiro nos mostra que o primeiro está presente nas palavras utilizadas nos elementos narrativos, na expressão dos diversos personagens e na representação dos diversos sons. Já o segundo, diz respeito à representação pictórica de pessoas, de objetos, do meio ambiente, de ideias abstratas, entre outras. Além dos códigos linguístico e pictórico, as HQs desenvolveram vários outros elementos, que constituem, dentro de sua narrativa, também elementos próprios de sua linguagem, como o balão, as onomatopeias, as parábolas visuais etc. Utilizando-se reiteradamente desses recursos, esses elementos passam a ser facilmente reconhecíveis para o leitor e tornam-se elementos próprios de sua linguagem. Eisner chama essa aplicação disciplinada de “gramática” da Arte Sequencial. HQs: LEITURA DO VERBAL E DO NÃO VERBAL Quando o texto verbal se descobre em texto visual A leitura plena das HQs pressupõe total interação entre o texto escrito e todo o restante que as compõem. Para efetivamente constituir sentido, é necessário combinar o verbal e o visual na leitura dos quadrinhos. Ângela Dionísio, professora e especialista em gêneros do discurso, nos alerta que, no caso das HQs, prestar atenção apenas na mensagem escrita pode não ser satisfatório, pois esta constitui apenas um elemento representacional que coexiste com uma série de outros, como a formatação, o tipo de fonte, a presença de imagens e todo tipo de informação advinda de quaisquer modos semióticos embutidos na cultura humana e que estão presentes no texto, como a comida, as roupas, a diversão, a arte, a música, a fotografia etc.

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A menor unidade narrativa de uma HQ é o quadrinho. Tal como o texto escrito, eles se sucedem da esquerda para a direita e de cima para baixo. Esta mesma ordem de leitura também ocorrerá dentro de cada quadrinho, em relação aos personagens e a suas falas e ações. Para Eisner, os quadrinhos são segmentos sequenciados, resultado da decomposição de eventos capturados no fluxo da narrativa; eles limitam o espaço onde se colocam objetos e se passam as ações. A sequência dos eventos é disposta de tal modo que as lacunas da ação sejam preenchidas. Ao leitor, cabe a capacidade imaginativa e criadora para, a partir de sua vivência, completar a ação a fim de criar coerência. Essa lacuna da ação chamamos de hiato ou elipse e constitui-se em um dos trechos da sequência que completamos mentalmente. Vergueiro nos mostra que as HQs dependem desse efeito elíptico para existirem e é a ele que se deve atribuir a participação mais efetiva do leitor na narrativa, pois, sem essa complementação mental dos espaços “vagos” na sequência entre um quadrinho e outro, ela não poderia configurar-se. Para o quadrinista Scott McCloud (2005 apud RAMOS, 2009, p. 145), há seis diferentes possibilidades de salto de um quadrinho para outro: - de momento para momento (do dia para a noite); - de ação para ação; - de tema para tema (a cena muda, mas a ideia entre um quadrinho e outro permanece a mesma); - de cena para cena (há mudança de uma cena para outra); - de aspecto para aspecto (o olho passa por diferentes aspectos da cena; cada quadrinho apresenta um detalhe da cena, como numa detalhada descrição); - non-sequitur (corte entre vinhetas sem uma sequência aparentemente lógica).

Os balões Na leitura de uma história em quadrinhos encontramos como indicador do discurso direto o balão, que não contém só a fala dos personagens, mas também o que eles pensam e sonham. É dotado de um apêndice ou rabicho, um prolongamento que aponta para o emissor, que, segundo Vergueiro, serve de alerta ao leitor, dando-lhe a

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seguinte mensagem: “Eu estou falando!”. Ainda segundo ele, a localização do balão indica a sequência de quem iniciou o diálogo, portanto, determina qual balão será lido primeiro. Para o quadrinista americano Eisner, “os balões captam e tornam visível um elemento etéreo: o som”. Eles requerem a cooperação do leitor, pois se exige que sejam lidos numa sequência determinada para que se saiba quem fala primeiro. Conforme se pode ver nos exemplos a seguir, existem vários contornos para os balões utilizados em HQs. Eles podem propor novos significados aos textos, quando deixam de representar apenas a fala dos personagens. São fontes de informações, que começam a ser transmitidas ao leitor antes mesmo que a leitura seja iniciada, ou seja, pela sua existência, sua forma e sua posição no quadrinho. O balão normalmente é arredondado, com um rabicho que indica a que personagem ele está relacionado. Se este contorno se apresentar em forma de bolinha é recurso indicador de pensamento, de imaginação ou de sonho do personagem.

Figura 1: exemplos de onomatopeias fora dos balões. Disponível em: (“Como fazer uma História em Quadrinhos”).

As onomatopeias

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A representação de sons ou de ruídos (explosões, socos, tiros, objetos quebrados, colisões etc.) presentes nas HQs é feita por meio do uso de onomatopeias que, segundo Vergueiro, são signos convencionais que representam ou imitam um som por meio de caracteres alfabéticos. Ele nos mostra que as onomatopeias não são uma reprodução exata do som e sim uma aproximação. Isso se configura pelo fato das onomatopeias variarem de país para país, na medida em que os sons são representados por diferentes línguas, de autor para autor de acordo com suas preferências pessoais. Geralmente, ainda conforme Vergueiro, as onomatopeias são grafadas fora dos balões, próximas do local em que ocorre o ruído ou o som que representam. Andrade afirma que as onomatopeias estão presentes nas HQs para fortalecer as imagens auditivas que o autor deseja reforçar.

Figura 2: exemplos de onomatopeias fora dos balões. Disponível em: (“Como fazer uma História em Quadrinhos”).

As onomatopeias também podem estar dentro de balões, como nos exemplos a seguir:

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As metáforas visuais Nas HQs, as imagens estão sempre paradas e para dar ideia de movimento dos personagens, de trajetória de objetos em plena ação, foram desenvolvidos sinais gráficos ou, como nomeia Vergueiro, figuras cinéticas. As metáforas visuais constituem outro recurso usado nas HQs para expressarem ideias ou sentimentos por meio de imagens, reforçando, em geral, o conteúdo verbal. São signos que adquirem conotação e características diferentes, quando são apropriados pelas histórias em quadrinhos, como o uso de estrelas para indicar que o personagem está ferido ou sentindo dor, uma lâmpada acesa sobre a cabeça de um personagem para indicar que ele teve uma ideia etc. Nesse sentido, o sinal gráfico está diretamente atrelado ao contexto da narrativa e reforça a mensagem que se deseja transmitir.

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Gestalt e a psicologia da cor

A psicologia se consolidou, ao longo do século XIX, como uma vertente filosófica; neste período ela estudava somente o comportamento, as emoções e a percepção, buscando compreender o todo através das partes, onde era possível perceber uma imagem apenas por meio dos seus elementos. Em oposição a esse processo, nasceu a Gestalt – termo alemão intraduzível, com um sentido aproximado de figura, forma, aparência. Por volta de 1870, alguns estudiosos alemães começaram a pesquisar a percepção humana, principalmente a visão. Para alcançar este fim, eles se valiam especialmente de obras de arte, ao tentar compreender como se atingia certos efeitos pictóricos. Estas pesquisas deram origem à Psicologia da Gestalt ou Psicologia da Boa Forma. Seus mais famosos praticantes foram Kurt Koffka, Wolfgang Köhler e Max Werteimer, que desenvolveram as Leis da Gestalt, válidas até os nossos dias. Com seu desenvolvimento teórico, a Gestalt ampliou seu leque de atuação e transformou-se em uma sólida linha filosófica. Esta doutrina traz em si a concepção de que não se pode conhecer o todo através das partes, e sim as partes por meio do conjunto. Só assim o cérebro percebe, interpreta e incorpora uma imagem ou uma ideia. Segundo o psicólogo austríaco Christian Von Ehrenfels, que em 1890 lançou as sementes das futuras pesquisas sobre a Psicologia da Gestalt, há duas características da forma, que levam a sensações e geram as percepção: - sensíveis - inerentes ao objeto - formais - impressões sobre a matéria, que se impregna de ideais e de visões de mundo. É muito importante nesta teoria a ideia de que o conjunto é mais que a soma dos seus elementos; assim deve-se imaginar que um terceiro fator é gerado nesta síntese. Observando-se o comportamento espontâneo do cérebro durante a percepção, chegou-se á elaboração de leis que regem esta faculdade de ler os objetos. Estas normas podem ser resumidas como: - Semelhança: Objetos semelhantes permanecem juntos, seja nas cores, texturas ou nas impressões dos elementos. Pode ser usada como fator de harmonia ou de desarmonia visual.

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- Proximidade: Partes mais próximas, em um local, tendem a ser vistas como um grupo. - Boa Continuidade: Alinhamento harmônico das formas. - Pregnância: simplicidade natural da percepção para melhor assimilação da imagem. É a lei mais importante. - Clausura: A forma encerra-se sobre si mesma, tendo a figura limites marcados. - Experiência Fechada: está relacionado ao atomismo, pensamento anterior ao Gestalt. Se conhecermos anteriormente determinada forma, com certeza a compreenderemos melhor, por meio de associações do aqui e agora com uma vivência anterior. A tendência à estruturação, por exemplo, explica como os povos distinguem grupos de estrelas e constelações no céu; a configuração ideal mais conhecida é a Proporção áurea dos arquitetos e geômetras gregos, o que explica muitas das formas que se tornam agradáveis aos olhos humanos. As empresas de publicidade e os criadores de signos visuais (marcas) são grandes usuários da descoberta dos símbolos e de seu poder de atração (pregnância). Vários artistas se utilizaram das ilusões de óptica. Muitas delas são explicadas pela lei da segregação da figura e fundo, a exemplo das obras de Escher e Salvador Dalí ou dos discos ópticos de Marcel Duchamp. A ilusão de perspectiva e a proposição cubista de criação de uma cena com (sob) múltiplos pontos de vista também são explicados pela teoria da Gestalt. Através dos estudos das teorias elaboradas pela Gestalt, referentes a psicologia das imagens, foi possível criar condições favoráveis para a racionalização na construção de projetos gráficos. Reforça-se a ideia que o todo, é mais que a soma das suas partes, existindo um envolvimento psicológico e cultural. Compreender a construção de imagens é imprescindível para a elaboração e desenvolvimento de objetos visuais, viabilizando a ampliação do acervo de soluções gráficas. Dentro disto, as HQ utilizam estes conceitos para reforçar a leitura da imagem e assim compor a cena da narrativa acelerando ou retardando a leitura através dos traços aplicados no desenho. Veja o exemplo a seguir:

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Olhando o projeto gráfico da tira acima como um todo podemos perceber a aceleração da imagem e a leitura da distração dos personagens Cebolinha e Cascão através dos princípios de Gestalt, que utiliza alguns traços e aproximações de cena, estimulando sensações vividas pelos leitores que estão na sua memória. No primeiro quadro percebemos que os personagens estão correndo porque há traços saindo do corpo dos personagens em alusão ao deslocamento de ar ocorrido quando se pratica tal atividade. O movimento da perna dos personagens faz é dado através de vários desenhos de perna que simulam o movimento e o conjunto com as nuvens próximas aos pés dos personagens. Por fim podemos perceber a atitude e a presença da Mônica na cena, quando vemos o coelho no canto da imagem, percebendo que ele foi lançado pela mesma através da posição das orelhas e da distância do coelho Sansão do solo. No segundo quadro a cena continua acelerada através dos traços vindos dos corpos dos personagens, porém podemos perceber a passagem do tempo através da queda do coelho no chão, sendo utilizados traços em ângulo reto para que se obrigue o leitor a fazer o movimento de queda do coelho. No terceiro e último quadro vemos a passagem de tempo através de dois fatores. O primeiro é a mudança de ângulo de desenho dos personagens associados ao aumento do quadro de desenho, o que causa a leitura da passagem de tempo do relógio, além disso, podemos desta vez observar a chegada da Mônica para apanhar o coelho no chão. Por fim temos a ironia colocada no rosto da Mônica ao perceber que os meninos vão cair no barranco, simbolizada através de lua para cima, dando a impressão que a mesma vai rir, fechando assim o conceito da Gestalt no quadro. Isso está diretamente relacionado ao texto de Paulo Freire, onde ele aborda a questão, falando que o homem será reflexo da sociedade em que vive e este aspecto influenciará na sua percepção do mundo. Essa leitura só é possível, graças a formação de sinais que recebemos desde o nosso nascimento, e que influenciam nossa leitura do mundo, e, portanto da história narrada no quadrinho também. Outro fator muito importante é a utilização das cores nos quadrinhos, pois as cores têm a capacidade de liberar a criatividade do homem, agindo não em quem admirará a imagem, mas também em quem a produz. Sobre o observador que recebe a comunicação visual, a cor exerce a função de impressionar a retina, a de provocar a

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reação e a de construir uma linguagem própria comunicando uma ideia. Seu valor de símbolo e é tão grande, que a expressividade das cores se torna um transmissor de ideias tão poderoso que ultrapassa fronteiras espaciais e temporais, e sua mensagem pode ser entendida até por analfabetos. Para que uma HQ, ou uma informação, tenha legibilidade é preciso que se análise a cor de fundo deles para que haja um contraste. Do contrário, terão a visibilidade prejudicada e dificilmente serão memorizados, sendo que a luz é de grande importância para a leitura das cores, visto que precisamos sempre dela para uma boa visualização delas. É claro que há um peso psicológico na escolha desta ou aquela cor, que é definido pelo sistema neurofisiológico de cada indivíduo. Young-Helmholtz procurou a existência das três cores primárias na constituição do homem, e não na natureza da luz como outros teóricos fizeram. Segundo Young, a maioria dos fenômenos relacionados à cor deve-se à existência de estímulos de excitação do olho humano, sensíveis à luz que reagem, respectivamente, ao azul-violeta, ao verde e ao vermelho-alaranjado. Ewald Hering, fisiologista alemão (1834-1918) trabalhou especialmente sobre a fisiologia do sentido da vista, da percepção do espaço e das cores. Christine Ladd Franklin, psicóloga, realizou nos Estados Unidos vários estudos sobre a evolução da sensação da cor. As cores quentes são estimulantes e produzem as sensações de calor, proximidade, opacidade, secura e densidade. Em contraste, as cores frias parecem nos transmitir as sensações de frias, leves, distantes, transparentes, úmidas, aéreas e calmantes. Existem três fatores que determinam as escolhas de cores, são eles: psicológicos, sociológicos e fisiológicos. Porém, a escolha da cor, algumas vezes se determina não por preferências pessoais, mas pela utilização que poderá ter em função de algo. A partir de hábitos sociais que se estabelecem durante a vida, fixam-se reações psicológicas que norteiam tendências individuais. Mesmo que a reação à cor seja algo instintivo, não podemos negar as experiências que o homem vai acumulando em sua memória no decorrer de sua vida que o define e o faz agir de determinadas maneiras. Esta constatação é algo fundamental as histórias em quadrinhos. Segue abaixo algumas sensações cromáticas: 1. Vermelho

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 Associação material: guerra, sangue, sol, mulher, feridas, perigo, fogo, rubi.  Associação afetiva: força, energia, paixão, vulgaridade, coragem, agressividade. 2. Laranja (faz correspondência ao vermelho moderado) • Associação material: pôr do sol, festa, laranja, luz, outono, aurora, raios solares. • Associação afetiva: tentação, prazer, alegria, energia, senso de humor, advertência. 3. Amarelo • Associação material: palha, luz, verão, calor de luz solar, flores grandes. • Associação afetiva: alerta, ciúme, orgulho, originalidade, iluminação, idealismo. 4. Verde • Associação material: frescor, primavera, águas claras, folhagem, mar, umidade. • Associação afetiva: bem-estar, saúde, paz, crença, coragem, serenidade, natureza. 5. Azul • Associação material: frio, mar, céu, gelo, águas tranquilas, feminilidade. • Associação afetiva: verdade, afeto, serenidade, espaço, infinito, sentimento profundo. Veja agora a seguinte cena:

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No primeiro quadro percebemos que o Cebolinha está sob uma forte chuva através dos traços e a forma de gota azul, além da utilização do fundo roxo, que associado ao nosso condicional de símbolos sociais, nos passa a ideia de chuva. A passagem de tempo se da através da variação de tons de roxo utilizados nos quadros, que associados a constante mudança de ângulos na sequencia nos dão esta noção de passagem. A mudança de tons no fundo do desenho também nos dá a ideia de variação da intensidade da chuva. O último quadro reforça a ideia da passagem do tempo e da mudança climática através da mudança de cores do fundo. Podemos observar um céu limpo através da utilização do azul em grande parte do quadro. Outro fator que reforça é a utilização de

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cores alegres e vivas no fundo do desenho, além da retirada de gotas azuis caídas em sentido do chão. E mais importante a chegada do Cascão na cena, que dita o ponto final da mudança de clima, com a ironia do balão do cebolinha que pergunta o porquê do amigo chegar atrasado.

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NO BRASIL Waldomiro Vergueiro (2007), citando Lailson de Holanda Cavalcanti (2005), afirma que a primeira ocorrência no país de um “desenho que representa a realidade de forma humorística e alegórica” foi a publicação pernambucana “O Corcundão”, datada de 1831. A primeira revista de caricaturas regular e de longa duração foi a “Semana Ilustrada”, de Henrique Fleiuss, que seguiu o modelo de todas as publicações humorísticas brasileiras do século XIX. O humor gráfico teve, desde seu início no país, grande participação em discussões sobre a realidade social e política brasileiras, contando com uma série de artistas cujas obras tiveram considerável impacto social. Entre estes, destacou-se e destaca-se Angelo Agostini, autor no período do Segundo Império no país, e que é tido como pioneiro e introdutor, no Brasil, da linguagem gráfica sequencial e como um dos precursores das Histórias em Quadrinhos, a “9ª arte”. Isso devido, principalmente, às suas séries “As aventuras de Nhô Quim” (1869) e “As aventuras de Zé Caipora” (1883), nas quais surgiram os primeiros personagens fixos dos quadrinhos brasileiros (VERGUEIRO, W. 2007, apud. CARDOSO, 2005). Com a introdução no país do modelo norte-americano de quadrinhos, através da publicação “Suplemento Juvenil”, de 1934, ocorreu o direcionamento dos produtos de linguagem gráfica sequencial para um público que não era o adulto: o infanto-juvenil. Essa publicação introduziu de forma maciça os heróis norte-americanos no Brasil, tornando-os populares por todo o país. A partir daí, as histórias em quadrinhos brasileiras seguiram caminhos semelhantes às de outros países. Desacreditadas pela maioria dos intelectuais e educadores, apesar de adoradas pelos adolescentes, não escaparam de serem consideradas produto cultural de segunda classe e vistas como objeto de desconfiança por pais e educadores.

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No entanto, as histórias em quadrinhos no Brasil atraíram a atenção de artistas, dos quais muitos foram além da produção para as crianças e utilizaram a linguagem dos quadrinhos como instrumento de denúncia das mazelas da sociedade. Deste ponto em diante, houve o florescimento de uma produção significativa de revistas alternativas e fanzines (VERGUEIRO, 2007 apud. MAGALHÃES, 2003), garantindo uma produção com certa constância de quadrinhos veiculados fora do circuito comercial, destinados a leitores mais velhos. O público principal de consumo dos quadrinhos no Brasil é, ainda, o infantojuvenil, com ênfase ainda nas crianças, que são tradicionais consumidoras dos quadrinhos infantis de autores como Ziraldo Alves Pinto e Maurício de Sousa, autor da tão conhecida “Turma da Mônica”.

MAURICIO DE SOUSA Biografia e Produção Mauricio de Sousa nasceu em outubro de 1935, numa pequena cidade do estado de São Paulo, chamada Santa Isabel. Filho do barbeiro Antônio Mauricio de Sousa e da poetisa Petronilha Araújo de Sousa, passou parte da infância em Mogi das Cruzes. Tempos depois dividia os estudos com trabalhos diversos. Trabalhou em rádio, desenhava cartazes e inclusive fazia algumas ilustrações para o jornal da cidade de Mogi para contribuir com o orçamento doméstico. A partir daí, seu sonho passou a ser se tornar um desenhista profissional. Para isso, precisava procurar os grandes centros, onde editoras e jornais pudessem se interessar pelo seu trabalho. Dirigiu-se então para São Paulo em busca de um emprego. Conseguiu somente uma vaga com repórter policial no jornal Folha da Manhã onde permaneceu por quase cinco anos. Entre uma matéria e outra continuava a dedicar-se ao desenho e os mostrava para os colegas de trabalho. Isso lhe proporcionou uma oportunidade para escrever algumas tiras para o jornal.

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Sua primeira série de tiras em quadrinhos foi a que continha um cãozinho e seu dono

Bidu e Franjinha

esta começou a circular através do jornal em 1959.

Nos anos seguintes, Mauricio foi criando outras personagens Piteco, Chico Bento, Penadinho

Cebolinha,

e páginas tipo tabloide para publicação semanal -

Horácio, Raposão, Astronauta - a partir daí não parou mais. Para a distribuição desse material, Mauricio criou um serviço de redistribuição que atingiu mais de 200 jornais ao fim de uma década. Em 1963, Maurício criou sua personagem mais famosa: a Mônica, inspirada em sua filha. Sendo pai de dez filhos, o cartunista teve inspiração de sobra para criar suas personagens e assim, criou outras muitas. Mônica foi lançada em 1970 já com tiragem de 200 mil exemplares. Foi seguida, dois anos depois, pela revista Cebolinha e nos anos seguintes pelas publicações do Chico Bento, Cascão, Magali, Pelezinho e outras. Durante esses anos todos, Mauricio desenvolveu um sistema de trabalho em equipe que possibilitou, também, sua entrada no licenciamento de produtos. Seus trabalhos começaram a ser conhecidos no exterior e em diversos países surgiram revistas com a Turma da Mônica. No entanto,na década de 80, Maurício presenciou a invasão no mercado brasileiro dos desenhos animados japoneses e com isso acabou perdendo bastante de seu mercado, pois naquela época ele ainda não tinha nenhum produto televisivo. Resolveu então, enfrentar o desafio e abriu um estúdio de animação White

a Black &

realizando oito longas-metragens. Estava se preparando para a volta aos

mercados perdidos, mas não contava com as dificuldades políticas e econômicas do país. Além da inflação que impedia projetos a longo prazo (como têm que ser as produções de filmes sofisticados como as animações), a lei de reserva de mercado da informática impedia qualquer tipo de modernização, a qual era necessária para a animação moderna.

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Mauricio, então, parou com o desenho animado e concentrou-se somente nas histórias em quadrinhos e seu merchandising, até que a situação se normalizasse. Consequentemente, voltam os planos de animação e outros projetos. Dentre esses projetos, após a criação do primeiro parque temático (o Parque da Mônica, no Shopping Eldorado, em São Paulo, seguido do Parque da Mônica do Rio de Janeiro) Mauricio prevê a construção de outros, inclusive no exterior. Além disso, suas obras começaram a ser adaptadas para o cinema, televisão, videogames e licenciamentos para diversos produtos utilizando marcas com os seus personagens.

PANORAMA DAS HQS A TURMA DA MÔNICA NO BRASIL A primeira personagem criada pelo cartunista Mauricio de Sousa em 1959, Bidu, cujo dono era o Franjinha, foi inspirado em si próprio quando tinha a idade de 10 anos. Foram as primeiras personagens da Turma da Mônica. Bidu apareceu no formato revista em 1963.

Capa do primeiro número da revista do Bidu (1963) Em seguida, nasceram, inicialmente também nas tirinhas, outras figuras: Cebolinha, a personagem que troca o “r” por “l”, foi criado em 1960. A primeira aparição foi nas tiras do Bidu e Franjinha na Folha de São Paulo, à época em que o jornal se chamava Folha da Manhã. O formato revista foi lançado em 1973.

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Cascão, o melhor amigo do Cebolinha, surgiu em 1961 e teve revista própria em 1982. Mônica, a personagem mais famosa, com seu inseparável coelho de pelúcia Sansão, apareceu em 1963 na tira do Cebolinha. Com o sucesso, ganhou posteriormente, em 1970, uma história própria, e foi a primeira revista infantil brasileira a ser publicada colorida. Magali (1963), assim como Mônica, foi inspirada em uma das filhas de Mauricio de Sousa. Em 1989, Magali estreia em revista própria. Outras personagens bem conhecidas foram criadas na década de 1960: Piteco, Horácio, Chico Bento e Raposão em 1961, Jotalhão em 1962, Anjinho em 1967.

A revista nº 1 da Turma da Monica (1970). Fonte: http://www.monica.com.br O bloco de personagens do extenso universo da Mônica criado por Mauricio de Sousa presente no núcleo denominado Turma da Mônica é formada por: Monica, Cebolinha, Cascão, Magali, Xaveco, Franjinha, Anjinho entre outros. Há outros grupos de personagens formando outros núcleos, outras “Turmas”, com revistas próprias em ambientações diversas: na pré-história, a turma do Piteco, formada por Piteco, Thuga, Bolota, Ogra etc., e também nesse ambiente, a turma do Horácio, com a presença de Lucinda, Tecodonte, os Napões; na roça, a turma do Chico Bento, com Rosinha, Zé Lelé, Hiro, Zé da Roça; a turma da Tina, com histórias que se

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passam na época hippie e da cultura paz e amor, com Rolo, Pipa, Zecao; a turma da Mata com Jotalhão, Raposão, Coelho Caolho, Rita Najura, e até a turma do Astronauta. Inovando o estilo e mudando os perfis característicos das personagens, o lançamento mais recente (2008) são as revistas da Turma da Mônica Jovem, em estilo mangá dos quadrinhos japoneses, com as personagens vivendo aventuras na fase da adolescência. Com sua força comunicativa, e personagens presentes no imaginário de gerações de brasileiros, a Turma da Mônica, nesses 50 anos, influenciou a formação de crianças, que assimilaram hábitos e valores das histórias da turma nos quadrinhos. Em edições especiais da revista, abordaram com linguagem simples, direta e com humor, desde a década de 1970, conceitos importantes e complexos de ética e cidadania: saúde, educação no trânsito, drogas, direitos humanos, conservação de áreas públicas, proteção ao meio ambiente, cuidado ambiental urbano, ECA (em três edições), vacinação, higiene. A essas publicações, reunidas sob a organização do Instituto Cultural Mauricio de Sousa, criado em 1997 pela Mauricio de Sousa Produções, se somaram diversos outros gibis e cartilhas educativas em parceria com instituições e governos, além das parcerias em campanhas e outras ações de cunho social. Alguns exemplos de títulos mostram as temáticas abordadas.

(Fonte: WWW.monica.com.br)

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HISTÓRIA DA CIDADANIA

A historia da Cidadania, na sua origem, está atribuída ao surgimento da polis, da cidade grega. Na Grécia antiga, cidadãos eram aqueles que possuíam condições de refletir, opinar e agir sobre os negócios da sociedade, mas para essas atribuições fazia-se necessário a condição de ser totalmente livre não exercendo trabalhos manuais, o que possibilitava a dedicação aos assuntos públicos. Estavam excluídos da cidadania os escravos, as mulheres, os estrangeiros e os trabalhadores, comerciantes e artesãos. Portanto, era pequeno o número de cidadãos e neste momento histórico, a cidadania se limitava aos direitos políticos através da efetiva participação nas decisões sobre os interesses do grupo social e da vida publica. Na Idade Média, com as mudanças nas estruturas sociais, uma sociedade estamental, rígidas hierarquias (clero, nobreza e servos) e a Igreja Cristã fortalecida e controladora, as concepções de direito e de estado mudam e são “suspensos”, sendo retomados apenas nos processos de formação dos Estados modernos, a partir de meados do século XVII. Durante a Idade Moderna, grandes pensadores como Rousseau, Montesquieu, Diderot, Voltaire e outros, questionaram as distorções e privilégios da nobreza e do clero sobre o povo e difundiram ideais de liberdade e igualdade, governo democrático com participação popular, tripartição do poder, cessão de privilégios de classe e direitos fundamentais do homem, ideias que foram fundamentais para a estruturação do Estado Moderno, marcando a historia da Cidadania. A história da cidadania está intrinsecamente relacionada às ações e lutas por direitos e, portanto, está em permanente construção, ela se constrói e é conquistada cotidianamente nos percursos da história e atualmente, seu exercício pressupões ter direitos civis, políticos e sociais, tais como o direito à vida, o direito de ir e vir, direito à liberdade, ao livre arbítrio e à igualdade. E também pressupõe os deveres e responsabilidades de quem faz parte de uma complexa coletividade, a nação.

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A CIDADANIA NO BRASIL Na atualidade, vivemos sob os olhos de uma Constituição enunciada cidadã, mas passados vinte e cinco anos da proclamação da carta magna de 1988, a cidadania no Brasil ainda está longe de ser estável. Temos por costume dizer que o exercício de cidadania é a garantia de direitos, tendo o uso renitente dos termos abandonado por completo a dimensão da cidadania como um dever de participação na vida pública, não associando que a pessoa individual tem responsabilidade com o bem comum que onera cada um de nós. A cidadania é o reconhecimento e a promoção, por parte do Estado, dos direitos e de um conjunto de obrigações dos indivíduos que o integram, levando em conta o princípio da solidariedade característico das sociedades. Tais direitos têm assumido historicamente formas distintas em razão dos diferentes contextos temporais, espaciais e culturais, revelando que a cidadania não obedece a uma sequência única e lógica, mas sim a um conceito e uma prática próprios que variam de acordo com o Estado-Nacional e a época observada. Embora a carta constitucional de 1988, direcionou uma ampla evolução nas dimensões civil e política da cidadania brasileira, principalmente garantindo as liberdades individuais e de participação no governo, é inevitável ver que a evolução não se procedeu de maneira igual quanto aos direitos e garantias sociais, pois problemas como a violência urbana, o analfabetismo, entre outros, continuam sem solução. Desde seu descobrimento em 1500 até a proclamação de sua independência em 1822, o Brasil foi um Estado absolutista e escravocrata, cuja economia era dependente da monocultura, e a maioria do povo era analfabeta. O poder concentrado na realeza, cujo apoio político era oriundo dos proprietários de terras e escravos, da alta administração pública e da burguesia comercial metropolitana. A vontade do monarca sobrepunha-se e subordinava todos os aspectos da vida pública. Inexistia um poder público que garantisse a igualdade e a garantia de direitos. Os escravos não eram considerados cidadãos, também não se podem considerar os senhores de terras como tais, visto que julgavam-se acima do Estado e utilizavam da justiça como instrumento de poder pessoal. Havia uma

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população livre, que não exerciam direitos de cidadania, devido à completa dependência dos latifundiários. Com a proclamação da independência em 1822 e a produção do texto constitucional imperial de 1824, houve inúmeros limites à cidadania. Do ponto de vista dos direitos civis, a população escrava não era considerada como sujeitos de direitos. Do ponto de vista dos direitos políticos, havia uma separação entre cidadãos, como sendo aqueles portadores apenas dos direitos civis, e cidadãos ativos, portadores também de direitos políticos. O sistema eleitoral era baseado no voto censitário, ou seja, no critério da renda. Havia um limite mínimo de renda para que o indivíduo tivesse acesso aos direitos políticos, o que limitava a cidadania política apenas àqueles indivíduos dotados de posses consideráveis. Com a abolição do tráfico negreiro 1850, e o lento processo de abolição que atingiu seu apogeu em 1888, os libertos passaram a carregar a violência simbólica expressada nos preconceitos que vinculavam o trabalho manual à escravidão. Aos exescravos não foi dada alternativa de sobrevivência em liberdade, e a exclusão social passam a fazer parte de sua história. A República proclamada em 1889 herdou os aspectos negativos do período imperial e que impediram o progresso da cidadania no país até 1930, pois a federalização introduzida fortaleceu o poder das elites locais e estimulou a formação das oligarquias estaduais. A proibição do voto do analfabeto e a determinação do voto facultativo e descoberto contribuíram para o controle da população por parte dos coronéis e chefes políticos locais. Nesse período a situação dos direitos sociais não era animadora. No campo dos direitos sociais o operariado industrial dos grandes centros urbanos, formado por exescravos e imigrantes e influenciados pelo anarquismo europeu, organizava-se e começava a se levantar em favor de uma legislação trabalhista, direito de férias, regulamentação de jornadas. O grande acontecimento de desenvolvimento da cidadania brasileira foi o movimento revolucionário de 1930, que foi a única tentativa de manifestação popular ativa, organizada e de amplitude nacional da história do Brasil. A participação das massas populares e o sentimento nacionalista dos cidadãos deu ao movimento um

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caráter diverso da proclamação da república, representando assim uma maior ampliação na noção de cidadania. O golpe do Estado novo de Vargas, em 1937, representou um avanço em termos de direitos sociais e um retrocesso quanto aos direitos civis e políticos, devido à onda de violações às garantias individuais, características do regime ditatorial da época. O projeto do governo Getúlio Vargas era um modelo de desenvolvimento econômico que privilegiava a industrialização fomentou uma séria de mecanismos de fortalecimento do trabalhador urbano-industrial. O aspecto negativo da política de Vargas foi a exclusão de certas categorias de trabalhadores, como os autônomos, os domésticos e os trabalhadores rurais, e também a vinculação dos direitos trabalhistas a uma legislação sindical. Certos benefícios eram reservados apenas aos sindicalizados, e essa não universalização dos direitos trabalhistas representava um limite ao pleno exercício da cidadania. A Constituição de 1946 manteve as conquistas sociais do Estado Novo e assegurou os direitos civis e políticos. Até 1964 viu-se uma intensa participação política dos mais diversos setores da sociedade. Com o golpe militar de 1964 houve um retrocesso no desenvolvimento da cidadania, pois os militares tinham como ideologia a idéia do desenvolvimento e da segurança nacional, e para tanto, lançaram no país um regime político que restringiu ao máximo os direitos civis e políticos na tentativa de enfrentar os “movimentos subversivos”. Em 1974, com o fim do regime ditatorial o Brasil iniciou um processo gradual em direção à democracia. O governo, embora lentamente começava a eliminar os mecanismos restritivos do período militar, e a sociedade civil começava a se organizar e os movimentos populares voltam a atuar. O auge desse novo período foi o movimento de Diretas já. Nesse momento, o país se colocou nos rumos da democracia política, e em 1988 foi elaborada a mais avançada carta constitucional da história brasileira no que tange ao reconhecimento e garantia dos direitos de cidadania, uma Constituição Cidadã, e em 1989 o novo presidente da república foi eleito pelo voto direto. A partir disso, os direitos civis e políticos adquiriram uma amplitude nunca antes atingida, no entanto, a

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efetivação dos direitos sociais permaneceu incerta, deixando à cidadania plena no Brasil com um conjunto problemático de obstáculos a serem superado. Por tudo isso, é inviável ver o Brasil sob o aspecto da cidadania como um dever de todos, pois a cidadania sempre figurou como privilégios concedido as elites brasileiras. Assim, ser cidadão brasileiro não é ser titular de direitos e deveres, mas ser acima de tudo, um guerreiro em defesa do direito a tê-los.

ANÁLISE DAS HQS INSTITUCIONAIS TURMA DA MÔNICA SOBRE O TEMA CIDADANIA Análise dos Quadrinhos da Turma da Mônica com o tema Direitos das Crianças e Adolescentes (ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente)

As revistas da Turma da Mônica relacionadas ao tema “Estatuto da Criança e do Adolescente”, publicadas em 1991, 1993 e 2007, tratam dos direitos e deveres da criança através de uma linguagem própria para público a que se destina primordialmente. A linguagem se mostra mais próxima do falar da criança e a cada definição importante, seja de família, de direito à educação e à saúde, as situações e imagens correspondentes servem para ilustrar o conceito e é a partir disso que o leitor terá de que se situar para elaborar relação de sentido entre as palavras e as imagens, para compreender as noções de direitos e deveres que se pretende transmitir. A criança não é retratada como um adulto em miniatura, mas como um ser em formação. Por conta disso, o imbricamento linguagem verbal e visual tem como função orientar o leitor para um propósito que esteja de acordo com o plano narrativo que é a transmissão dos principais tópicos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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A criança não é um ser à parte do mundo, ela pertence ao universo de sua família e de seus amigos. É a partir da convocação e reunião de um grupo de amigos de uma comunidade imaginária, das quais fazem parte as personagens da Turma da Mônica, que o Estatuto Social da Criança e do Adolescente é apresentado por uma das suas personagens. A personagem responsável pela transmissão e explicação dos conceitos contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente é o Franjinha e a linguagem adotada por ele aproxima-se de norma culta e possui o didatismo característico da fala de um professor, sendo claramente distinta da fala das outras personagens infantis. Na edição de 2006, explica-se os conhecimentos de Franjinha e até o uso da norma culta: ele é filho de um advogado, que explica os conceitos aos filhos

Aqui fica evidente a diferença entre os registros, mais formal para o Franjinha que faz uso da 2ª pessoa do plural (nós), enquanto a Mônica prefere a informalidade de “gente”.

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Conceitos mais complexos, como adoção e guarda, são explicados em quadrinhos à parte da interação de Franjinha com as outras personagens, sendo ilustrados, em paralelo, em situações concretas. Detalhe para a presença da personagem Anjinho elogiando a ação do adulto que dá casa, comida e carinho a uma criança.

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Ações politicamente incorretas são banidas de uma edição para outra, com a inclusão de recursos tecnológicos típicos do período em questão:

Edição de 1993 X Edição de 2006 Novas entidades sociais são apresentadas, transmitindo a sensação de uma sociedade mais democrática:

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Inserção de temas atuais, como exploração sexual e pedofilia. Temas existentes anteriormente, mas trazidos à luz:

Interessante como, do mesmo modo que na vida real, os pedófilos não possuem rosto e características indentificáveis, agindo de foma oculta. Presença uma vez mais de novas tecnologias como computador e acesso à Internet.

O discurso se mantém, mas sua representação pictória... Quanta diferença!

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Atenção para a representação de um ambiente degradado de uma casa que recolhe “menores infratores”.

Exemplo de signo que adquire conotação e características diferentes, quando são apropriados pelas HQs: pássaro como metáfora de liberdade:

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Exemplo de variação regional na fala caipira de Chico Bento:

Ícone de uma sociedade mais inclusiva

Análise dos Quadrinhos da Turma da Mônica com o tema Drogas:

O gênero quadrinhos, pela relevância alcançada como um gênero artístico e tendo reconhecida importância nas práticas pedagógicas, foi um dos veículos a que os governos encomendantes (de José Sarney, na revista “Pare de fumar perto de mim”, criada em meados de 1980, e de Fernando Henrique Cardoso, na revista “Uma história que precisa ter fim”, de 2002, reeditada em 2008 no governo Lula) recorreram para

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levar às crianças e jovens a discussão e conscientização sobre o problema do fumo e das drogas mais pesadas. 1. “Pare de fumar perto de mim” A revistinha “Pare de fumar perto de mim” trata da questão do cigarro em meio ao público infantil. Mônica, andando juntamente com Titi, que é um dos mais velhos da turma, se depara com um menino fumando e vai até ele para tentar convencê-lo a largar o vício. Este, mostrando-se convencido ao ouvir os argumentos da menina, joga o cigarro para trás imediatamente. Nessa tira, há certo descuido da parte dos criadores do quadrinho. Da forma que é abordada a temática, parece que o ato de fumar é algo casual e não viciante. Não é por acaso que 1.2 bilhões de pessoas ao redor do mundo fumam, estas se tornaram dependentes da nicotina. Logo depois, aparece a figura de um cigarro “falante”, ou seja, para a revistinha ficar mais dinâmica, os criadores inseriram um elemento antropomorfizado. Essa figura vem com o intuito de oferecer a droga às crianças de uma forma sutil, fazendo uso dos elementos persuasivos. Mônica: Cuidado! Você está queimando essa árvore! Cigarro: Ah! Isso... É apenas uma insignificante perda em nome de algo bem mais importante! Mônica: E podemos saber o que é? Cigarro: Hã... claro, claro! Mas é uma longa conversa! Aceitam um cigarrinho enquanto isso? Mônica: NÃO! Cigarro: Ora, vamos... Estes são tão levinhos...

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Ao analisar o trecho, percebe-se uma forte presença do discurso persuasivo. Segundo Citelli (2012, p.44), “discursos persuasivos podem formar, reformar ou conformar

pontos

de

vista

e

perspectivas

colocadas

em

movimento

por

emissores/enunciadores”. Nesse caso específico, o cigarro está querendo que a personagem Mônica forme uma nova opinião e passe a usar a droga. Além disso, o discurso é caracterizado como sendo autoritário já que o cigarro tenta se impor diante das crianças. Outro autor, Paul Ricoeur, expõe que o sentido de um texto não é dado só pelas relações linguísticas internas no texto, ele é construído também pela relação do texto com a sua exterioridade (RICOEUR, 1986 apud FIORIN, 2013). Na revistinha, que foi criada na década de 1980, há um momento, que pode ser visto na imagem anterior, em que o cigarro diz: “Ora, toda pessoa bem sucedida tem que fumar! Dá mais charme, entende?” Essa fala remete ao tempo em que o cigarro era um símbolo de status social. Nessa época, a droga tinha ótimas campanhas nas quais os publicitários faziam o possível para inserir uma famosidade em suas peças para aumentar a venda e a influência do produto no mercado. Na obra de Maurício de Sousa, o cigarro fala que fumar é charme. Essa pode ser uma maneira de citar o cigarro

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“CHARM”, produto de marca brasileira fabricado pela empresa Souza Cruz, de maneira despercebida pela grande parte dos leitores. Este é um ótimo exemplo de como fazer uso do subentendido para se formar um dialogismo. Bakhtin apud Fiorin (2012, p.64) já dizia que o dialogismo “significa que um discurso se constitui em oposição a outro”. Para isso, ele se baseou no pensamento de Bakhtin que afirmava que o mesmo seria uma “relação de contrariedade”, ou seja, o diálogo entre dois textos diferentes, um sendo possivelmente uma crítica do outro. O gibi relata de uma forma bem dinâmica e explicativa a questão do combate às drogas. Ao final da historinha, o restante da turma chega e joga água para espantar o cigarro e seus amigos (cachimbo e charuto). Mesmo assim, na página 6, a última da revista, Cebolinha se mostra desacreditado ao dizer à Mônica: “Ainda tem muita fumaça no mundo!”. A personagem feminina, no entanto, responde: “Eu sei Cebolinha... Mas um dia todo mundo vai saber [...] que o cigarro não tá com nada!”. Com essa fala, Mônica fala indiretamente com o público leitor fazendo com que eles não se desestimulem já que se cada um fizer sua parte e combater o cigarro individualmente, chegará o dia no qual todos irão saber sobre os malefícios da droga. 2. “Uma história que precisa ter fim” A revistinha “Uma história que precisa ter fim” trata de um menino, chamado Zélio, que compra drogas de um traficante e as leva para as demais crianças do bairro com o intuito de persuadi-las a fumar também. No momento em que o menino se dirige às crianças, elas estão brincando com bolinhas de gude, sentadas a grama. O menino chega e diz: “Tenho algo muito melhor pra vocês.” Cebolinha logo tenta adivinhar: “Jogo de bafo?” Esse trecho recorre novamente à persuasão e explicita a inocência e a ingenuidade das crianças. Mostra também o quanto um “falso amigo” pode ser uma má influência e o quão fácil é convencer uma criança, que não teve as orientações adequadas, a adentrar ao mundo das drogas. Este menino é um bom exemplo de estereótipo de “mau”. No começo e durante a história ele porta óculos escuros, como se fosse suspeito e tivesse algo a esconder. Isto muda apenas ao final da revistinha. Zélio, após permanecer afastado por um tempo, supostamente se “recuperando” e se “tratando” do vício que fora adquirido

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anteriormente, aparece sem os óculos e com traços mais limpos, se assemelhando mais com o restante da turminha. Outro tema que se pode entrelaçar a esse trecho é a questão da tecnologia. A revista fora redigida em 2002, época em que os videogames já existiam e a internet já estava presente no cotidiano da maioria das crianças. Mesmo assim, Maurício de Sousa parece querer preservar elementos e brincadeiras mais antigas talvez como uma forma de “resgatar” sua própria infância em que ainda era possível brincar nas ruas sem tanto perigo, já que hoje raramente se vê uma criança sozinha nas ruas sem necessidade. O respaldo dado às crianças também exige uma análise. Vejamos um recorte de quadrinhos da revista “Uma história que precisa ter fim”, em que mostra que em uma situação de problema, no caso de exposição à droga, a Turma busca ajuda e orientação na escola.

Fonte: http://www.monica.com.br/institut/drogas/pag1.htm

A referência principal na mediação do problema, na revistinha, é a professora e não os pais. Isto pode ser considerada uma crítica à falta de presença materna e paterna, já que no século XXI os adultos passaram a estar cada vez menos em casa. Mesmo assim, logo no começo da revistinha há um trecho em que os pais de Zélio são retratados. A mãe do menino mostra-se preocupada com o sumiço de alguns objetos de valor, mas não associa este problema ao filho. Já no final da história, a professora leva o

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menino aos pais, explica a situação esclarecendo-a para os progenitores e a partir deste momento eles passam a tomar atitudes. Também nessa revista ocorre uma inadequação na sequência observada a seguir.

Fonte: http://www.monica.com.br/institut/drogas/pag12.htm Tendo a revista sido elaborada com fins educativos, o confronto direto com traficantes, ainda mais por uma criança, é uma ação de alto grau de exposição ao perigo, sendo totalmente desaconselhável indicar tal reação na revista. Embora seja típico da personagem Mônica saltar à frente com bravura em defesa de seus amigos e outras crianças, a sequência mostra um equívoco dos criadores quanto a atitude de se tomar frente em uma situação dessas, muito comumente vivenciada por crianças e jovens, particularmente nas chamadas regiões de alta vulnerabilidade social.

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História e linguagem Na contra-capa da revista “Uma história que precisa ter fim” nota-se a relevância do assunto drogas no governo, quando se vê que há uma carta do próprio ministro (Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República) assinada, dirigindo-se diretamente ao leitor sobre a questão das drogas. A Secretaria Nacional Antidrogas, inclusive, foi criada em 1998. A preocupação está explicitada também na elaboração melhor da história, com mais elementos nos quadrinhos, no visual mais cuidado, e também no papel mais vistoso usado na impressão, no maior número de páginas etc. Quanto ao que transparece na linguagem com relação aos diferentes tempos de publicação, as personagens das revistas usam expressões e palavras que marcam o período de enunciação das falas, como, por exemplo: - na revista da década de 1980 (“Pare de fumar perto de mim”): “Ei, garotinho!”, “Ô!” (no sentido de ‘ô, se faz mal’), “Ora!” - na revista da década de 2000 (“Uma história que precisa ter fim”): “tostão”, “topo”, “Ô meu!” Outro recurso linguístico que mostra a evolução do tempo é a maior aproximação da língua escrita à língua falada, com maior liberdade de uso na revista mais atual. Na revista “Uma história que precisa ter fim” observa-se uma maior quantidade de expressões coloquiais, palavras simplificadas, próprias da oralidade que a revista “Pare de fumar perto de mim”.

Análise dos Quadrinhos da Turma da Mônica com o tema Ecologia e Sustentabilidade 1. Prazer, sou a água! (1972) No bloco temático “Ecologia, Sustentabilidade e Educação Ambiental”, a primeira revistinha a ser analisada, sendo a mais antiga, é “Prazer, sou a Água”, que data de 1972, e foi realizada em parceria com a Superintendência de Água e Esgotos da

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Capital (SAEC) da Secretaria dos Serviços e Obras Públicas do Governo do Estado de São Paulo. A revistinha teve sua distribuição gratuita. A revistinha claramente tem como principal intuito o de informar sobre a distribuição de água na cidade de São Paulo (da captação à coleta e tratamento de esgotos), com foco em esclarecer a mudança, na época, do DAE (Departamento de Água e Esgotos) para a SAEC (Superintendência de Água e Esgotos da Capital) e órgãos complementares da prefeitura, como a Comasp (Companhia Metropolitana de Água de São Paulo) e a Sanesp (companhia metropolitana de Saneamento de São Paulo). A historinha principal tem como personagem central uma gota d’água personificada, além de Mônica, Cebolinha, Cascão e pequena participação do cão Bidu. Inicialmente, Cebolinha voluntariamente demonstra interesse sobre como a água chega dos rios à torneira que aparece no quadrinho, ou seja, até a sua casa, quintal, vizinhança, bem como dos demais personagens da turma (com o efeito de simbolizar todas as “torneiras” da cidade de São Paulo, de modo geral). Mônica sugere então que Cebolinha pergunte a “quem entende”, querendo demonstrar seu próprio entendimento do assunto, e é quando surge em cena a personagem da Gotinha de Água, que sai da torneira que era admirada pelos dois, e que é incontestavelmente a melhor entendedora do assunto em questão, por se tratar, justamente, da própria água. A Gota conta, então, uma breve história da relação do Homem com a água, desde os “homens das cavernas” e o armazenamento primitivo da água até o surgimento e crescimento “vertiginoso” das cidades (como São Paulo), levando ao momento atual da revista, ou seja, a década de 1970. A partir daí, a Gotinha passa a responder perguntas de Mônica e Cebolinha sobre a distribuição de água na cidade de São Paulo, contando sobre os órgãos responsáveis pela captação e distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto na capital do estado. Todas as informações e dados são fornecidos visando, aparentemente, esclarecer dúvidas e curiosidades das crianças. Ao final, quando a Gotinha termina de contar sua história e responder às perguntas, Cebolinha comenta sobre a conta de água pagar “tudo isso”, e Mônica então

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se lembra de que sua mãe havia lhe pedido pagar a conta de água, e que mostra pressa em fazê-lo, ressaltando que não quer ficar sem água em sua casa – o que pode ocorrer caso a conta não seja paga no prazo correto. Toda a historinha é permeada por falas e intervenções do personagem Cascão, conhecido por sua aversão à água (e consequente falta de higiene), que tenta colocar argumentos em oposição à importância da água e de sua distribuição para as casas, questionando a relevância de tais órgãos responsáveis pela água e permitindo, consequentemente, a reafirmação dessa importância durante a própria história.

Linguagem e ambientação Apesar de poder parecer, primeiramente, uma historinha comum da turma da Mônica, um olhar um pouco mais atento permite perceber facilmente a intenção da prefeitura de informar os pequenos leitores e seus pais sobre as mudanças recentes e o funcionamento dos órgãos responsáveis pelo saneamento básico da cidade de São Paulo. O gibi utiliza linguagem simples e didática, garantindo assim atingir o maior número de leitores possível e com o máximo de eficiência. É muito grande a ênfase nos órgãos do governo, principalmente a SAEC, cujo nome é repetido inúmeras vezes durante a historinha. Não há presença de termos de difícil compreensão, ocorrendo uma aproximação do texto à fala cotidiana pelo predomínio do nível de linguagem do “registro coloquial”, de acordo com PRETI (2003), devido também ao simulacro de diálogo falado em que se constrói a historinha. Todos os processos são simplificados e explicados de forma a possibilitar o fácil entendimento da criança. Devido a esses fatores, é criado na revistinha um “enunciado escrito de estilo falado”, de acordo com a classificação de Maingueneau (2002). A Gotinha utiliza a pessoa “eu” para se referir a toda a água que é distribuída e utilizada na cidade de São Paulo, assim como a água descartada em forma de esgoto, posteriormente tratado.

Pelo modo como se refere à SAEC e aos outros órgãos

responsáveis pela água em São Paulo (comasp e sanesp), estes parecem muito

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próximos, praticamente amigos da personagem, e por extensão benéficos e próximos às crianças (tanto as personagens quanto as leitoras).

Os quadrinhos acima são exemplos tanto da utilização de linguagem e termos simplificados e didáticos (“... COMASP que me pega nos rios!”; “... a SAEC que me leva até a casa de vocês”) quanto da aproximação dos órgãos públicos às personagens e aos leitores (“não tem perigo de eu me perder, não!” “eu sou muito bem tratada”; “a COMASP me encaminha para a SAEC”; e novamente “A SAEC que me leva até a casa de vocês!”), com ênfase na personificação tanto da água em si quanto dos órgãos mencionados. Novamente, é visível a utilização do nível de registro “coloquial”, como classificado por PRETI (2003). A curiosidade de Mônica e Cebolinha é utilizada como “deixa” para a apresentação de dados e informações mais extensas, além de acrescentar as informações

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sobre a divisão da cidade em distritos regionais (juntamente com os endereços e telefones para contato, num mapa):

Acima, exemplos de dados e informações mais extensas apresentadas em função da “curiosidade” das personagens e utilizadas para enaltecer os serviços que são explicados, criando um valor altamente positivo em torno dos órgãos responsáveis mencionados e também em torno do governo da Cidade como um todo.

Mapa informativo sobre os Distritos Regionais criados pela SAEC para atendimento da população

Além disso, os quadrinhos não deixam abertura para reclamações contraargumentos e reclamações possíveis, pois são apresentados e resolvidos (ou silenciados) na própria revistinha. Como já mencionado, o personagem Cascão é utilizado para

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apresentar os possíveis contra-argumentos, e é silenciado tanto verbalmente, através de argumentos favoráveis a toda a questão da distribuição e tratamento de água, quanto fisicamente, através da violência e força características da personagem Mônica, que espanca Cascão com seu coelho de pelúcia, Sansão. As possíveis reclamações e dúvidas restantes são resolvidas a partir de pergunta da própria Mônica e seguinte resposta da Gotinha. A página a seguir mostra tanto Cascão sendo silenciado à força (primeiro e últimos dois quadrinhos) quanto a pergunta de Mônica sobre as reclamações (quarto quadrinho), e em seguida o quadrinho que esclarece as possíveis falhas nos processos de captação ou distribuição, enfatizando a preocupação dos Órgãos em resolver os problemas.

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O discurso da revistinha pode, portanto, ser classificado como autoritário, de acordo com CITELLI (2004, pp. 51 – 53), ao utilizar argumentos que se encerram em si mesmos, não dando abertura ao questionamento do leitor ou interlocutor, o “tu”, que se transforma em “receptor com pouca ou nenhuma capacidade de interferir e modificar o que está sendo dito” (CITELLI, 2004 p.52). É o que ocorre, por exemplo, quando o possível contra-argumento surge na própria história, na voz de Cascão, e é nela silenciado. Quando se analisa os quatro elementos para as análises dos discursos (COURDESSES apud CITELLI, 2004 pp.52 - 53), nota-se: o “enunciado marcado pelo ‘desaparecimento’ dos referentes”; a modalização característica; a tensão presente entre a Gota (enunciador), em conjunto com seus aliados Mônica e Cebolinha, e Cascão, no papel de opositor ou, no caso, “receptor” do argumento; e principalmente a transparência, presente em alto grau, que faz com que o discurso seja compreendido de forma rápida e direta e a mensagem (sobre a água, sua importância, e a importância dos órgãos públicos, etc.) seja claramente afirmada (e reafirmada). Essa transparência é visível, inclusive, na alta disposição da Gotinha em responder às dúvidas das personagens, além da “repressão” aos questionamentos de Cascão, seguida da explicação coerente. No final da historinha é apresentado um esquema simplificado do percurso da água partindo de sua captação nos rios, passando pela sua distribuição pelas casas, e então coleta e tratamento dos esgotos (ver ao

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lado). O esquema utiliza áreas de cor de fundo, aliadas à presença dos logotipos dos órgãos municipais, para deixar clara aos leitores a delimitação de responsabilidade de cada órgão (captação, tratamento de água, distribuição, coleta de esgotos e tratamento de esgotos), passando também a imagem de um funcionamento integrado e harmonioso entre esses órgãos. Após a historinha principal, há uma historinha de apenas uma página, intitulada “Mônica e o desperdício”. Nela, Mônica está indo regar flores e esquece a torneira que utilizou para encher o regador aberta, desperdiçando água. Cebolinha então aparece e alerta a menina para o desperdício da água não só como um problema pontual, mas também para o fato de que a água desperdiçada pode fazer falta em outros lugares (ou seja, o desperdício de água afeta a água do mundo como um todo). A historinha utiliza um tom de urgência, na voz de Cebolinha (e que acaba afetando Mônica), para alertar os leitores sobre a importância de não desperdiçar a água. Além de informar sobre o desperdício, a historinha final é útil também para finalizar a revistinha em um tom de “real preocupação ecológica”, aliviando o viés informativo sobre o governo exaustivamente explorado na historinha principal, e deixando uma “última impressão” mais incontestavelmente positiva sobre a revistinha e sobre a prefeitura (mais especificamente a SAEC), que participam na revistinha e a veiculam. Cria-se, assim, um éthos, na apropriação do conceito aristotélico em FÍGARO, R. (2012 pp. 69 – 70), do enunciador, a Gotinha, e também do emissor, que seria o Governo, de caráter amigável, próximo ao receptor, simpático, que quer apenas o “bem maior”, e não apenas “divulgar” os órgãos do Governo, por exemplo. Contextualização É importante ressaltar que a revistinha foi criada e veiculada na época da Ditadura Militar no Brasil, o que pode apresentar uma justificativa para a preocupação do texto em manter as informações e a positividade incontestáveis, além de ressaltar e elevar os serviços do governo, ainda que se tratando apenas da cidade de São Paulo. Nessa época, o governo não era inclinado a abrir possibilidades de criticas ou contestações a respeito de seus serviços e funcionamento, e tinha grande preocupação em tentar criar uma imagem positiva destes aos olhos da população, numa tentativa de esconder a repressão e violência que regiam o país.

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É possível, todavia, perceber na revistinha indicações muito sutis do que poderia acontecer caso alguém decidisse se pronunciar em oposição, que aparecem nas repressões violentas de Mônica às “amolações” de Cascão. A violência, no caso, é amenizada pelo fato de ser traço característico de Mônica, e ainda o fato da aversão à água como traço característico de Cascão, em oposição. O contexto para a criação da revistinha inclui, ainda, a mudança que ocorreu nos órgãos responsáveis pela distribuição, tratamento e captação de água e esgoto da cidade de São Paulo em época próxima à de veiculação da revistinha: O anterior DAE (Departamento de Água e Esgotos) mudou para a SAEC (Superintendência de Água e Esgotos da Capital) e órgãos complementares da prefeitura, a Comasp (Companhia Metropolitana de Água de São Paulo) e a Sanesp (companhia metropolitana de Saneamento de São Paulo), justificando a necessidade “explicação” dessa mudança para a população.

2. Ecologia Urbana (1996) No bloco “Ecologia, Sustentabilidade e Educação Ambiental”, analisamos, também, a revistinha “Ecologia Urbana”, que circulou no ano de 1996 e teve a participação do vereador Roberto Trípoli, que aparecia nela também como personagem. Trípoli ajudou a fundar o Partido Verde no Brasil. Eleito pela primeira vez vereador do município de São Paulo em 1988, foi reeleito em 1992, 1996, 2000, 2004, 2008 e 2012 (sétimo mandato). Ele já legislou sobre poluição do solo, aumento de áreas verdes, educação ambiental, proteção e preservação dos animais silvestres, controle populacional e propriedade responsável de animais domésticos, proibição da entrega de animais do CCZ (Centro de Controle de Zoonoses) para centros de ensino e pesquisa, combate à caça, rodeios, farra do boi e touradas, animais em circos e pela humanização no trato dos animais abandonado. O gibi tem como centro apresentar os tipos de poluição presentes na cidade de São Paulo, seu impacto na saúde da população e elevar o nível de consciência desta com

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relação ao seu papel para combatê-los. Na historinha, os tipos de poluição apresentamse como as do ar, da água e sonora. Também é mostrado o problema do excesso de lixo e da escassez de área verde no local. A poluição visual Também é tema e é caracterizada na época pela forte presença de outdoors na cidade. Em 2007, porém, foi aprovada no município a “Lei Cidade Limpa”, que proíbe a propaganda nos referidos outdoors e regula o tamanho de letreiros em estabelecimentos comerciais. Desde então, o a propaganda naquele formato está proibida, e, consequentemente, o indicador visual da poluição na capital paulista diminuiu. A revista coloca Trípoli como interlocutor do assunto, assumindo papel central no tratar do tema. Ele apresenta o tópico, o explora e sugere meios de como agir sobre ele de forma a trazer benefícios a todos, amenizando o problema e visando o aumento da consciência ambiental dos paulistanos. Podemos localizar, no texto, algumas marcas desse propósito. Segundo Citelli (2004), é possível concluir que houve escolha criteriosa das palavras utilizadas para a elaboração do texto, visando construir o conceito ideológico que se pretendeu transmitir ao leitor: o da consciência ecológica. Dessa forma, também podemos classifica-lo como discurso persuasivo, uma vez que incita a mudança da atitude ambiental da população, formando um novo ponto de vista sobre o assunto. Podemos, também, considerar tal texto como autoritário, já que apresenta baixa polissemia em seus signos e uso de verbos na forma imperativa, além de ser reafirmado por uma personalidade do meio político, o que dá a tal discurso legitimidade. Utilizemos como exemplo disso a recorrente pergunta “Tem jeito?” e a resposta “Claro que tem” dada por Trípoli e que precede uma explicação mais detalhada do caminho a ser traçado para que se atinja a solução do problema. Nessas explicações, há o uso amplo de verbos na forma anteriormente descrita, incitando o leitor a se engajar nas práticas que levariam à tal resultado. Vejamos, como exemplo, os quadrinhos a seguir:

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Também em Fígaro (2012), podemos identificar, baseados em Benveniste, o receptor do texto, ou seja, o “tu”, a criança, que é o público-alvo claro da revista e considerado o agente transformador da sociedade. Em um primeiro momento, Roberto incita o envolvimento dos pequenos com a causa e, no final da história, após a turma se dispor a conversar com os pais sobre o tema, disseminando, assim, as práticas ambientalmente responsáveis que aprenderam, alega que ainda há esperança de salvação para a cidade. Assim, esse “tu” se posiciona próximo ao sujeito do texto, o que trás a ideia de proximidade do leitor e interatividade com o conteúdo sugerido no texto, assim como o estudioso defendia.

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Outra característica dos quadrinhos em questão é a ambientação, com grande predominância de cenários ao ar livre. Trípoli e a Turma da Mônica® andam pela cidade, abordando durante o passeio os problemas ambientais que se propõem a apresentar.

Dessa forma, além de trazerem realidade à revistinha, transmitem a

mensagem pretendida de forma mais eficaz, uma vez que as crianças, público majoritário da revista, são bastante receptivas ao estímulo visual. Assim, podemos notar a presença de ruas cheias de outdoors, rios sujos, lixo espalhado pelo chão e lixões, fábricas no momento em que poluem a atmosfera, entre outros. Os cenários visuais construídos, dialogando com os vocábulos escolhidos para formar a revista, constroem um sistema de linguagens complexas (Citelli, 2006), que consiste na reunião de dois ou mais tipos diferentes de signos utilizados para compor um mesma peça de comunicação. Além disso, também podemos identificar a construção de mecanismos sinérgicos, ou seja, “a capacidade dos signos se retroalimentarem, cooperarem uns com os outros, no que

resultam

determinados

(CITELLI, 2006, pg 137).

sentidos”

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De acordo com Maingueneau (2002), é possível identificarmos a presença do gênero textual do discurso, uma vez que apresenta orientação, ou seja, apresenta uma finalidade: aumentar o nível de consciência ambiental da população paulistana. Dessa forma, também age sobre ela, tendo como objetivo modificar uma situação pré-existente (a possível ignorância do leitor quanto a poluição ambiental e as medidas que podem ser tomadas para amenizá-la), apresentando mais uma característica do gênero, entre outras existentes. Além disso, podemos entender o texto, também, através da adequação deles aos “quatro elementos”:  Distância: a voz do enunciador, Roberto Trípoli, visa ser mais forte do que o próprio texto, o colocando em situação de destaque (aspecto será abordado no próximo tópico);

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 Modalização: o texto apresenta marcas como uso de verbos no imperativo, podendo ser classificado, portanto, como autoritário.  Tensão: o enunciador procura sobrepor a sua fala à do receptor, reforçando, assim, a ideia do discurso autoritário, impositor de opinião.  Transparência: assim como é típico do gênero que o texto apresenta, o nível de transparência do discurso é alto, visando emitir informações objetivas e de apreensão literal pelos receptores.

Discurso Político na mensagem Como se pode notar e já foi dito anteriormente, o propósito da revistinha é aumentar o nível de conscientização da população paulistana para as causas ambientais. Da mesma forma, foram abordados anteriormente os instrumentos discursivos utilizados para se atingir tal objetivo. Porém, em uma análise mais profunda, é possível notar que esse não é o único propósito na criação e veiculação da mesma, sendo necessário, então, um olhar mais profundo. Ao analisar a cronologia da publicação da revista, é possível notar que ela acontece no período das eleições municipais de São Paulo, na qual o vereador Trípoli se candidata à reeleição sendo, assim, passível de conclusão que ela foi concebida em parceria com ele para a promoção de suas ações públicas e, de certa forma, como propaganda política. Abordaremos, a seguir, a forma como o discurso político faz parte da publicação e o impacto causado na população paulistana enquanto participante do processo eleitoral do município. Mostrando a cidade às crianças, como Trípoli faz durante toda a história, ele demonstra conhecer o problema da poluição e todas as suas vertentes de forma profunda, estando interado sobre suas causas, implicações e formas de resolução, transmitindo a mensagem de que tratará do tema de forma confiável e séria. Dessa forma, coloca-se, também, como defensor pessoal do tema e, implicitamente, coloca a questão ecológica como um dos pontos a ser defendido em seu mandato, caso seja reeleito.

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Da mesma forma, quando aborda a questão da poluição sonora, apresenta a “Lei Trípoli” que, sendo elaborada por ele, transmite a mensagem de que ele se envolve ativamente no tópico, se engajando em trazer melhorias para a população e, portanto, digno de ocupar o cargo por mais quatro anos.

Um pouco mais à frente, na última página da revista, há um texto escrito pelo vereador destinado às crianças. Nele, valendo-se de características recebidas positivamente pela sociedade (se apresenta como defensor do meio ambiente, pai de família, concebe a mudança social para melhor como algo possível através do trabalho coletivo), difunde a imagem pessoal de responsabilidade e comprometimento, além de se apresentar como um parceiro na luta ambiental através da frase “Que tal lutarmos juntos para atingir esse ideal?”. Dessa forma visa a transferência desses valores pessoais para valores nos quais irá se basear no exercício de sua função, reafirmando, mais uma vez, sua competência enquanto vereador, cargo no qual deve prosseguir. Também, disponibiliza seus contatos na câmara de vereadores (destacados no rodapé da página), fato que espera ser entendido pelos leitores como indicação de disponibilidade em atender a população, mostrando-se, assim, não apenas pronto para servi-la, mas também disponível para ouvi-la e acatar seus pedidos, trabalhando pelas suas necessidades.

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Baseados nos parágrafos anteriores nos preceitos de Aristóteles sobre o discurso (Fígaro, 2012), podemos, então, concluir que o interlocutor cria um éthos sobre si mesmo, ou seja, constrói uma segunda imagem, que pode não corresponder à sua imagem real, que será transmitida ao interlocutário com a finalidade de embasar seu discurso e facilitar a identificação do público-alvo com ele, inspirando confiança através da força da sua oratória. Assim, o “éthos é o caráter do orador, não o caráter real, mas uma imagem de ser caráter, de suas qualidades caracteriológicas, criadas no discurso”. (FÍGARO 2012, pg 63) Das categorias existentes de éthe, podemos classificar a escolhida por Trípoli como Eúnoia, que se baseia o caráter do orador em características como simpatia e benevolência, demonstradas durante todo o texto. Assim, reitera as características teoricamente desejadas para um candidato a qualquer cargo político no Brasil, reforçando seu preparo para o cargo ao qual pretende ser reeleito e buscando convencer os eleitores a elegerem para vereador. Dado isso, é importante frisar que, embora a publicação não seja destinada a adultos a princípio, sendo um produto infantil, deverá passar por eles. Logo, eles também serão atingidos pelo conteúdo transmitido por ela nos planos ambiental e político e, por isso, é também efetiva como propaganda eleitoral.

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Assim, a publicação causa duplo impacto social, não só agindo sobre posicionamento da população com relação à sustentabilidade, mas, também, a influenciando na escolha do candidato digno de seu voto nas eleições. Papel Social da Criança e sua mudança no decorrer do tempo Analisando-se o gibi acima, podemos notar que é atribuído à criança o papel central na difusão do conhecimento, sendo ela (simbolizada pela Turma) instrumento de conscientização ecológica, retratada, na história, como aquela que levará à família as informações sobre como ser um cidadão ambientalmente consciente. Porém, analisando a mudança das características sociais no Brasil, constataremos a evolução do papel dos infantes nesse quesito, assim como o câmbio dos lugares tidos como possibilitadores do conhecimento. Há algumas décadas atrás, a escola era tida como local majoritário (ou único) de aprendizagem e a criança era exclusivamente receptora daquele conteúdo, que era escolhido e transmitido pelo professor. Era atribuída à escola a responsabilidade de toda a educação que essa criança receberia, assim como a forma como isso seria feito e o seu conteúdo. À criança não cabia opinar sobre esse conteúdo ou transmiti-lo a terceiros, pois era julgada incapaz disso pela sociedade. Nos dias atuais, porém, nota-se a ampliação dos veículos de conhecimento e do papel da criança, que não mais adquire algo pura e simplesmente mas, também, o transmite a terceiros. O gibi analisado pode ser considerado um excelente exemplo de tal fato. Podemos concluir facilmente que o conteúdo por ele explicitado também apresenta cunho pedagógico, demonstrando que o conhecimento está presente em vários lugares e não só em ambiente acadêmico. Além disso, não só é atribuído aos pequenos o poder da disseminação da informação, mas os coloca como agentes no processo de conscientização social, sendo responsáveis, na essência, por mudanças importantes causadas na sociedade. Projetos de Lei do vereador Roberto Trípoli sobre Meio Ambiente: Lei 10.861/90 - Dispõe sobre a concessão de licença de funcionamento para locais destinados à compra e venda de ouro, metais nobres, joias usadas ou antigas e similares e dá outras providências. Regulamentada pelo Decreto 31.336/92.

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Lei 11.290/92 - Institui o Dia do Parque da Aclimação, e dá outras providências. Lei 11.350/93 - Dispõe sobre a obrigatoriedade de identificação visual nos veículos limpa-fossas. Lei 12.379/97 - Dispõe sobre alterações na Lei 12.268/96, de dezembro de 1986. Lei 13.309/02 - Dispõe sobre o reuso de água não potável e dá outras providências (projeto original da Bancada do PSDB) Lei 10.919/90 - Dispõe sobre a obrigatoriedade de o Executivo Municipal dar publicidade à poda e corte de árvores. Regulamentada pelo Decreto 29.586/91. Lei 10.952/91 - Institui as Brigadas Ecológicas no âmbito do Município de São Paulo, e dá outras providências. Regulamentada pelo Decreto 30.092/91. Lei 14.902/09 - Dispõe sobre as infrações administrativas de provocação de danos em vegetação de porte arbóreo pela colocação de adereços, enfeites, placas e similares e, por consequência, de danos em animais vertebrados da fauna silvestre. Lei 15.120/10 - Estabelece procedimentos de controle ambiental para a aquisição de carne bovina “in natura” pelo Município de São Paulo, e dá outras providências. Projetos de Lei do vereador Roberto Trípoli sobre Poluição Sonora: Lei 11.501/94 - Dispõe sobre o controle e a fiscalização das atividades que gerem poluição sonora; impõe penalidades, e dá outras providências, regulamentada pelo Decreto 34.741/94 Lei 11.986/96 - Com esta lei, o Vereador Trípoli aprimorou a 11.501/94. Projetos de Lei do vereador Roberto Trípoli sobre Animais: Lei 12.055/96 - Implantação do CETAS (Centro de Triagem de Animais Silvestres) e do CRAS (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres) no Parque Anhanguera. Lei regulamentada pelo Decreto 37.653/98. Lei 12.327/97 - Conhecida como Lei Trípoli da Castração, instituiu campanhas de esterilização de cães e gatos.

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Lei 13.131/01 - Posse Responsável de Cães e Gatos, aprimorada pelas Leis 13.531/03 e 14.262/07 (aumenta a multa por abandono de animais) do próprio autor. A lei é regulamentada pelo Decreto 41.685/02, modificado pelo Decreto 45.568/04. Lei 13.943/04 - Proíbe a entrega de animais capturados pelo CCZ, nas ruas, para instituições e centros de pesquisa e ensino. Lei 13.767/04 - Regula o PSA – Programa Saúde Animal. Sofreu vetos pelo Executivo, e somente em 2010 o Art. 3 foi restabelecido, mas sem os incisos, com a derrubada de um dos vetos pela Câmara Municipal. Veja o Art. 3 como ficou. Lei 14.146/06 - Dispõe sobre a circulação de veículos de tração animal e de animais montados, ou não, em vias do Município (equinos, muares, asininos, caprinos, ovinos e bovinos). Lei regulamentada pelo Decreto 49.525/08. Lei 14.483/07 - Dispõe sobre a criação e a venda no varejo de cães e gatos por estabelecimentos comerciais; regulamenta eventos de doação; e proíbe as vendas em áreas públicas. Foi regulamentada pelo Decreto 49.393/08. Lei 15.023/09 - Institui o Programa Municipal de Proteção e Bem-Estar De Cães e Gatos - PROBEM e cria o Núcleo de Proteção E Bem-Estar de Cães E Gatos. Ainda não regulamentada.

3. Água Boa Pra Beber (2006) A historinha principal tem como personagem central o Astronauta, que fica responsável pela narrativa da história, além de Mônica, Cebolinha, e o Cascão, que é responsável pela contraposição dos elementos da história. Inicialmente, Cascão tenta pegar um pedaço da melancia da Magali e a mesma o adverte, porque ele esta com as mãos sujas. Nisso chega o resto da turma e o Cascão tenta comer a melancia que caiu para o chão, é quando a Mônica atira a melancia longe e acerta a nave do Astronauta, que desce dela e pergunta o que o atingiu. A Mônica explica o que aconteceu e o Astronauta começa a narrativa do enredo da HQ. O Astronauta Gota conta uma breve história da relação do Homem com a água, desde a idade média e o armazenamento primitivo da água, o que causava doenças até o

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surgimento e crescimento “vertiginoso” das cidades, levando ao momento atual da revista, onde há grande poluição nos rios e consumo excessivo de água. A partir daí, o Astronauta passa a responder perguntas da turma sobre a água, bem com seu tratamento e distribuição em São Paulo, contando sobre a captação e distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto. Todas as informações e dados são fornecidos visando esclarecer dúvidas e curiosidades das crianças. Ao final, quando ao Astronauta termina de contar a história e responder às perguntas, a Mônica e a Magali falam que o Astronauta é muito viajado relacionando ele ao tempo de vida vivido , deixando claro que ele é o adulto da história, e a turma despede-se dele.comenta sobre a conta de água pagar “tudo isso”, e Mônica então se lembra de que sua mãe havia lhe pedido pagar a conta de água, e que mostra pressa em fazê-lo, ressaltando que não quer ficar sem água em sua casa – o que pode ocorrer caso a conta não seja paga no prazo correto. Toda a historinha é permeada por falas e intervenções de cena , que mostram o personagem Cascão, conhecido por sua aversão à água (e consequente falta de higiene), colocando nisso argumentos sobre à importância da água e de sua distribuição para as casas, questionando as questões de higiene do personagem e permitindo, consequentemente, a reafirmação dessa importância durante a própria história.

Linguagem e ambientação Assim com nos demais gibis analisados na série ecologia, a primeira vista parece uma historinha comum da turma da Mônica, porém ao analisar com um olhar um olhar mais atento permite perceber facilmente a intenção da revista em informar os leitores e seus pais sobre as importância da água na vida humana, bem como os cuidados e o funcionamento das estações de tratamento, responsáveis pelo saneamento básico da cidade de São Paulo. A HQ utiliza linguagem simples e didática, de fácil visualização, garantindo assim atingir o maior número de leitores possível e com o máximo de eficiência. É muito grande a ênfase na higiene, bem como no tratamento da água ,repetido inúmeras vezes durante a historinha. Não há presença de termos de difícil compreensão, ocorrendo uma aproximação do texto à fala comum do leitor, principalmente a criança, e demais processo são simples processos são e explicados de forma a possibilitar o fácil entendimento.

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O personagem Astronauta tem a função de ensinar as crianças sobre a importância da água e a e a forma como ela é distribuída e utilizada na cidade de São Paulo, assim como a água descartada em forma de esgoto, posteriormente tratado. Há uma forte chamada de atenção com relação a poluição das águas em rios e córregos da cidade. Pelo modo como se refere às questões de tratamento e consumo d’água como muito próximos dos personagens, vivenciados no dia a dia (tanto as personagens quanto do leitor).

Os quadrinhos acima são exemplos tanto da utilização de linguagem e termos simplificados e didáticos (“... pode vir de rio ou fonte; “...dai a água é filtrada e recebe cloro na estação de tratamento!..... Com nos outros gibis a curiosidade dos personagens é usada para que o Astronauta, responsável pela divulgação da informação, apresente as informações mais extensas, além de acrescentar as informações sobre a estação de tratamento e utilização do cloro na Água.

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Exemplos de dados e informações mais extensas apresentadas em função da “curiosidade” das personagens e utilizadas para enaltecer os serviços que são explicados.

As cenas não deixam espaço para contra-argumentos e reclamações possíveis, pois são apresentados e resolvidos (ou silenciados) na própria revistinha. Como já mencionado, o personagem Cascão é utilizado para apresentar os possíveis contraargumentos, e é através de argumentos favoráveis a toda a questão da distribuição e tratamento de. Os possíveis questionamentos são resolvidos a partir de pergunta dos próprios personagens e a resposta fica a cargo do Astronauta. É importante ressaltar que a revistinha foi criada e veiculada em 2002, o que pode apresentar uma justificativa para a preocupação do texto em manter as informações e a positividade incontestáveis, além de se preocupar com o início do consumo excessivo de água, ainda que se fale apenas de São Paulo. Nessa época, o governo iniciava

campanhas para evitar qualquer tipo de desperdício, e havia

preocupação em tentar criar uma imagem positiva destes assuntos, numa tentativa de esconder as diferenças sociais que assolavam o país.

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Análise dos Quadrinhos da Turma da Mônica com o tema Cidadania: O caracter ecosistêmico das histórias em quadrinhos, que articula a linguagem visual e escrita, já analisado neste trabalho como sendo um importante instrumento de comunicação e cultura, pode ser ilustrado de forma significativa na leitura e reflexão da história em quadrinhos “Cidadania”, publicada pelo Instituto Cultural Mauricio de Sousa, em 1993, em parceria com o Instituto Liberal de São Paulo (entidade apartidária?) e com o patrocínio dos bancos Unibanco, Bradesco, Citibank, a empresa Metalac e o Shopping Eldorado. No contexto político-social, o período da década de 1990, época de produção da HQ “Cidadania”, foi marcado por ações sociais de reinvindicação e manifestação decorrentes do enfrentamento do impeatchman do ex-presidente Fernando Collor de Melo, que assumiu a presidência da República em 1990 e que com o Plano Collor 1 confiscou aplicações e poupanças da população por quase dois anos, além de instituir o congelamento dos salários e dos preços, com o plano Collor 2, na tentativa de controlar uma desenfreada inflação. Os movimentos estudantis dos caras pintadas protestaram contra o governo e em 1992 foi decretado o impeachment contra Collor. Itamar Franco, então vice-presidente, assumiu a presidência da República e seguiu uma política liberal de gradual abertura externa, de privatizações e integração regional, em meio a um cenário de inflação crônica, desemprego e recessão. Em 1993, é realizado um plebiscito, como previsto na Constituição Brasileira, no qual a população decidiu a forma e o sistema de governo do Brasil, entre República ou Monarquia, Presidencialismo ou Parlamentarismo. O resultado foi: República 66% contra 10% da Monarquia e o Presidencialismo 55% contra 25% do Parlamentarismo. E o Plano Real, plano monetário que criou uma unidade real de valor (URV) para todos os produtos (equivalendo a 1 U$$ e desvinculada do Cruzeiro Real, moeda vigente do período), elaborado pelo então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, passou a vigorar, objetivando o controle inflacionário da Nova República, e tornandose, posteriormente, a nova moeda brasileira.

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Diversas lideranças da sociedade civil passaram a atuar de forma destacada em prol dos direitos do cidadão, em nome da cidadania. Movimentos como o Movimento pela Ética na Política (1992) e a Ação da Cidadania (1993), criada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, mobilizaram diferentes seguimentos da sociedade em busca de incentivar a participação do cidadão na melhoria, solução dos problemas e construção de políticas públicas e sociais. Nesse contexto, portanto, a historinha “Cidadania” deve ser analisada levando-se em conta todo o seu dialogismo, pois segundo Maingueneau, cada tipo de discurso é estruturado conforme as situações e os processos de comunicação, que evolvem o objetivo de comunicação, o tema, os interlocutores e como tudo isso vai se relacionar. Interagindo com o interlocutor, na relação eu-tu, a linguagem utilizada por Maurício de Sousa para apresentar às crianças o conceito de cidadania, orienta, através do ponto de vista deste enunciador, sobre o seu significado. No início da história, a palavra cidadania é apresentada como um “sentimento”.

Esse “sentimento” Cidadania é colocado como um sentimento comum, portanto, existente em cada uma das pessoas. Essa ideia de sentimento coletivo, de comum a todos, direciona para uma identificação. A imagem de diferentes pessoas passando pela

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rua corrobora com a ideia transmitida de que, apesar das diferenças entre as pessoas, elas possuem algo em comum que as relacionam, o “sentimento” da cidadania. A forma retórica, com a estratégia do envolvimento emocional, e metafórica do discurso utilizado já institui no leitor a reação do “sentir” e do “buscar” essa identificação apresentada, para também tornar-se parte. Para situar a história narrada, Mauricio de Sousa descreve o Brasil, mas sem identificálo de imediato, através das características comumente conhecidas pelos brasileiros, tais como às musicalmente divulgadas pela famosa canção “País Tropical”, de 1969, da autoria do cantor e compositor Jorge Ben.

Os signos utilizados são persuasivos, afirmando que a verdade agora será apresentada e a “solução” do problema será revelado. No decorrer da historinha as ações negativas da “lei dos mais espertos” são apontada: desde as trapaças de jogos infantins, a ultrapassagens pelo acostamento, sonegação de

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impostos, o ato de sujar as vias publicas jogando lixo no chão, funcioário fantasma, corrupção e outros. Didaticamente e explicado o que é a inflação com argumentos de que o governo não tem o suficiente para gerenciar as suas atribuições de saúde, educação e demais serviços públicos, pois não arrecada o suficiente devido às sonegações e o não cumprimento dos deveres do cidadão, como o pagamento de impostos. O discurso ideológico se conclui com a pergunta “e a solução?”. A partir desse momento se induz a atitude salvadora: ser cidadão. E isso é orientado com indicações de que não se deve esperar o político “salvador”, pois é uma “ilusão”, mas sim se articular, reconstruir a sociedade (representada por um formigueiro agitado e confuso), cumprindo de forma íntegra os deveres sociais, respeitando os direitos alheiso, a natureza, mobilizando a familia e a sociedade como um todo e exigindo o cumprimento dos direitos aos representantes políticos. Esse discurso salvador, de mudança social, tem o claro objetivo de, através do público infantil, atingir também os adultos.

TRANSCRIÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS SOBRE O TEMA CIDADANIA Segundo Fiorin (2000), “uma formação ideológica deve ser entendida como a visão de mundo de uma determinada classe social, isto é, um conjunto de representações, de ideias que revelam a compreensão que uma determinada classe tem do mundo”.

A partir desse postulado sobre ideologia, é possível depreender das entrevistas realizadas, como alguns conceitos circulam entre as classes sociais e como a linguagem verbal utilizada traz à tona, ou melhor, reflete a realidade recortada do mundo.

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Saussure, no seu Curso Geral de Linguística, nos diz que é o ponto de vista que faz o objeto e não o contrário. Com isso, é possível entender que é a visão de mundo que delimita os contornos conceituais dos objetos postos no mundo, por isso a visão que se tem do mesmo objeto pode variar.

A análise das transcrições leva em consideração, além do aspecto ideológico, as características próprias da fala que, por si, colocam-na em oposição à escrita. É necessário compreender que a situação de interação face a face, própria da fala, faz com que o planejamento dos enunciados ocorra, praticamente, de forma simultânea à produção, por isso será possível encontrar diversas marcas de reformulação do texto falado. Momentos de hesitação também são marcantes, uma vez que diferentemente da escrita, não há possibilidade de consulta a outros textos. Além disso, a fala é distensa, ou seja, muitas vezes descompromissada e sem a preocupação da reflexão lingüística. Alguns marcadores que testam se o canal de comunicação entre os interlocutores está aberto, a chamada função fática, também aparece de forma rotineira.

Transcrição e Análise – Nível social A Entrevistada: Luisa Elena, 62 anos, classe A 1. Hoje em dia falamos muito sobre cidadania, sobre os direitos e os deveres que o cidadão tem. Pra você, quais são os direitos do cidadão? E os deveres? Olha, direitos à saúde, à escola, à moradia, né... e... deveres: deveres eu acho que... é óbvio né, honestidade, integridade, né, lealdade, trabalho, hm... eu acho que é isso. 2. Hoje está cada vez mais comum as crianças terem contato com o mundo das drogas, desde o cigarro até as drogas mais pesadas como o crack. Como você acha que devíamos fazer pra não deixar elas se viciarem?

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Eu acho que (a) primeira coisa é um bom exemplo dos pais, né, que eu acho que a família é o c-, é o... mais importante, as crianças normalmente elas seguem os exemplos, né, então, se a família é estruturada.. normalmente, a criança não segue esse exemplo. E isso vai de tudo: cigarro, que é uma coisa.. que a turma acha normal, tomá uma... um uísque, tomá uma cerveja... eu acho que parte principalmente de uma educação familiar, porque... é difícil né, se você... se você com-... ‘cê bebe, depois ‘cê fala ‘pro teu filho: “não”; cigarro, aí do cigarro ele vai ‘pra maconha, da maconha vai ‘pra uma droga mais pesada; eu acho que basicamente é isso... 3. Quem deve orientar as crianças e os jovens? É, família e escola também, mas eu acho que em primeiro momento é a família. Querê delegá essa responsabilidade ‘pros outros ‘num’ dá certo, eu acho que a família é fundamental. 4. No mundo todo as crianças e os jovens são protegidos pela Lei. No Brasil, que tipo de lei pode proteger a criança e o adolescente? Ah, eu acho que aí v... eh.. teria que sê uma coisa... de educação mesmo. Obrigá criança a ir ‘pra escola... tê condições de ir ‘pra escola, né... ‘pra tê uma boa alimentação, uma boa educação... eu acho que isso aí é o... uma coisa que ta faltando muito aqui, tê acesso a saúde, também, né, ‘pra podê fazê (com) que a criança vá.. hã.. saudável... alimentação... no final é um... é um... contexto completo, né... a escola, a... a educação, é importante, mas, ‘pra ela ir pra escola ela precisa ta alimentada, precisa ta com saúde... eu acho que são esses três cons-, esses três componentes. 5. Por que você acha que existem adolescentes que cometem crimes? O que devemos fazer com eles? Olha, eu acho que assim, hã... primeiro que eu acho que a impunidade no Brasil, ela ficou muito, muito acentuada depois do advento Lula. Eu acho que ficô meio que assim, hã, ‘posso fazê o que eu quero, que eu num vô sê punido’. Então, se você tem uma criança que não é bem estruturada dentro da família, e isso a gente tem muito, porque tem muita gente que ta.. com uma família desestruturada, ou não tem recurso... e vê que os políticos, eles não são punidos, eles acham que eles também podem fazê. Eu acho

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que, se a gente tivesse uma... punição exemplar nos maiores, os menores ficariam também... receosos e cuidariam disso. Então, obviamente que, hoje, você vê um ministro da... da justiça, que é o José Eduardo Cardoso, falá contra. E tem que falá contra mesmo, que o PT é o maior mau exemplo que tem ‘pra juventude. Eu acho isso. 6. Sustentabilidade, Ecologia, Meio Ambiente, são temas muito debatidos hoje. Como você acha que esse assunto deveria fazer parte do nosso dia a dia? Olha, eu lembro que, quando eu estudei, tinha ‘Educação Moral e Cívica’. Isso era uma matéria que fazia parte do currículo, como fazia o português, a matemática. E hoje eu num ouço mais as pessoas falarem nisso, então, não se tem mais ética, não se tem mais moral, e por tabela não se tem mais preocupação com ecologia, né, eu acho que é, é... quando você... respeita, eh.. porque eu tive vizinho que cortô a árvore da m-, da.. da frente da minha casa, jogou veneno na verdade, que ele não queria que caísse folha, né. Então, se você for vê a f-, a... a... o fundo da história, é falta de educação, de moral, de ética, né é um, é um...é, é tudo amarrado, eu acho; eu acho que é isso aí: quem tem esses princípios respeita, num joga o chiclé na rua, num joga o cigarro, num joga o papel, né... jamais vai jogá um PET, num é isso? Então assim, no final é educação, é a moral, é ética, é bom custume, porque... se você não preserva a natureza é porque você num tem mínima noção do que isso representa ‘pra sua vida, né, então a gente volta aquela história, a questão da educação.

Entrevistado: Elísio, cerca de 60 (?) anos, classe A 1. Hoje em dia falamos muito sobre cidadania, sobre os direitos e os deveres que o cidadão tem. Pra você, quais são os direitos do cidadão? E os deveres? Os direitos do cidadão, em primeiro lugar, são os direitos à liberdade. Liberdade de expressão, falar o que bem entende, né, dar a sua opinião a respeito de todos os temas que existem. Isso, né. E liberdade... bom, essa é uma liberdade geral, né, que a pessoa tem. E também... é.. a liberdade do ir e vir, quer dizer, poder se locomover sem... sem.. necessidade de autorizações... isso é muito comum nos, nos governos, hã... autoritários, né.. E também... hm... ‘tchô vê.. falar o que bem entende, já falei, né? Tinha mais uma

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coisa que me passou pela cabeça e eu esqueci, hm... A liberdade em geral, a liberdade de expressão fundamentalmente, mas fazê o que bem entende e... que quiser, desde que seja dentro da lei, claro. Obedecendo a lei. Acho que no geral é isso. 2. Hoje está cada vez mais comum as crianças terem contato com o mundo das drogas, desde o cigarro até as drogas mais pesadas como o crack. Como você acha que devíamos fazer pra não deixar elas se viciarem? Olha, em primeiro lugar, a coisa é tão complicada, tão, tão... tão envolvente, porque... corre muito dinheiro, né... na distribuição de drogas, e isso aí é difícil você... controlar. Nem tem forças pra isso... Tem muita gente hoje que espalha droga por aí por dinheiro, né, é uma profissão, já. Então... eu acho que tem que tê cuidado com... os filhos, com as companhias, acompanhá-los sempre que puder, hã... até nas escolas, hoje... existem essas... existe essa, essa... minha filha por exemplo chegou na faculdade e... ela ia ao banheiro, o banheiro tava com cheiro de maconha, e isso já faz vinte anos, né, um cheiro de maconha e as meninas lá dentro oferecendo maconha pras outras, que não fumavam... Ah, esse cuidado precisa ter e acompanhar, até as coisas, os materiais dessa f-, das roupas dos filhos pra ver se tem alguma coisa. É o máximo que se, que eu acho que se pode fazer. Mais do que isso... é difícil, porque... eles tão envolvidos com outras pessoas, e nesse... e conversar né... orientar, explicar os males, os, os malefícios que tem, e as conseqüências que poderão advir de uma... do vício. 3. Quem deve orientar as crianças e os jovens? Bom, é, quem deve orientar, em primeiro lugar são os pais. Os pais são fundamentais na educação dos filhos e no cuidado com... possíveis problemas que eles venham a ter, tem que... tem que ta com os olhos abertos, acompanhando dia e noite, orientando muito, falando sobre os temas e, mostrando exemplos, daqueles que... por exemplo, usam droga, qual o final deles, é.. as conseqüências e, bom, e a... e a vida que vai embora, através de uma... de um vício desse tipo, né, só traz problemas. E os professores também, né, nas escolas devia ter essa educação. 4. No mundo todo as crianças e os jovens são protegidos pela Lei. No Brasil, que tipo de lei pode proteger a criança e o adolescente?

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Olha, a proteção aqui no Brasil é meio complicada, porque aqui não se obedece a lei, o estado num... quando cê vê que... os traficantes mesmo são presos e no dia seguinte já tão soltos, então... é muito difícil, eu acho que... hã... além da, da lei, acho que tem que haver um cuidado dos pais. Os pais principalmente e as escolas, escolher bem as escolas, porque uma proteção, cê não tem... como, hoje. Num, hã... quem é livre, num país livre, onde as crianças se, se envolvem com outras crianças, que possam estar envolvidas com drogas e tal, é difícil você controlar. [ intervenção da entrevistadora: “não só das drogas, mas em geral...”] -Ah, em geral. É, eu acho que tem que dá... em primeiro lugar, o governo devia dar... escola, educação, saúde, são os três pontos principais, né. Cuidar dessas nossas crianças, evitar... evitar que... hajam situações... que as escolas devam ser fiscalizadas, orientadas... pelo governo, pra proteger, porque lei, lei exatamente eu, eu acho que aqui no Brasil, é... difícil, de... 5. Por que você acha que existem adolescentes que cometem crimes? O que devemos fazer com eles? Ah, olha, eu acho – essa é a minha opinião, hein... os adolescentes hoje cometem crimes por falta de atenção dos pais, que largam, largam os filhos à vontade... hã... eu acho que muitos pais que se... não dão o devido... hã, o... devido controle a essas crianças, aos filhos. Deixam sair... são modernos, e os pais são modernos, e vão deixando os filhos à vontade, os filhos, hã... pedem essa... liberdade, e os pais dão... e não pode, não pode haver isso, porque no instante em que você libera, a coisa prolifera, não adianta... se você não tiver controle sobre... desde, desde o nascimento da criança, a edificação, a formação, os ensinamentos, a cultura que você dá, né, e os exemplos, principalmente os exemplos, de pais, dentro de casa que brigam, que... uma fuma, o outro... age conforme a droga... o outro bebe... isso aí, os filhos com certeza vão ter problemas... 6. Sustentabilidade, Ecologia, Meio Ambiente, são temas muito debatidos hoje. Como você acha que esse assunto deveria fazer parte do nosso dia a dia? Eu acho que isso devia, só pode fazer parte do nosso dia a dia através das escolas, dos cursos esperados pra... onde a... a educação, que é grande parte feita dentro da escola, e.. esses cursos apareçam dentro dos... currículos escolares, que tudo isso seja tratado no dia a dia dentro da escola, as crianças começam desde pequenas a ir entendendo, como

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funciona, o que é ecologia, o por quê da ecologia, os g-, os benefícios que a ecologia traz. Então isso tudo, é dentro da escola. Os pais, muitas vezes não tem condições. Ou num aprenderam, não sabem, ou então, hoje em dia, os pais e, pai e mãe trabalham, os filhos chegam na hora... né, tarde, eles não têm nem tempo disso. Então as escolas deviam se responsabilizar a isso mas com orientação do governo. Obrigatoriedade, pelo governo, das escolas ensinarem isso. Como colocam o inglês, colocam o francês, né, o espanhol ta surgindo agora, que eles coloquem esses cursos que trazem essa... essa orientação toda com respeito à natureza. Linguagem Verbal Em relação à linguagem utilizada, as principais palavras e expressões utilizadas foram: família, educação, escola, saúde, trabalho, casa, controle, crianças, pais, filhos, liberdade, impunidade. Há a predominância de períodos longos e médios, compostos em sua maioria por subordinação, acompanhando uma linha de raciocínio do enunciador (“...Então, se você tem(...) também podem fazê”, “Deixam sair(...) o outro bebe” . Ocorrem períodos mais curtos ou compostos por coordenação quando a intenção é de concluir uma ideia ou então reafirmar a ideia central, após uma construção mais complexa (“...eu acho que basicamente é isso”, “Então isso tudo, é dentro da escola.”). Seguindo a classificação de Preti (2003), tanto o dialeto social quanto o nível de fala predominantes nesta classe social foram da categoria “comum”, intermediária entre “culto” e “popular”. Há a presença de marcas de informalidade, expressões típicas da oralidade (“cê”,“né”,“‘pra”,“num”, etc.), terminações de palavras que não acentuam “R”s e “U”s ao final de verbos, por exemplo, ( “fazê”, “ficô”, etc.), muito características da pronúncia do português brasileiro. Entretanto, é forte a presença de vocabulário mais amplo e elaborado, frases longas pensadas e construídas previamente à enunciação, e poucos desvios da norma culta, no que se refere a concordâncias verbais e nominais, correlação verbal entre tempos e modos, uso de preposições, etc.. Há a aproximação, assim, dos falantes ao nível culto, demonstrando que têm conhecimento da norma culta e a utilizam com frequência. Valores, níveis de persuasão e tipo de discurso

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Em se tratando dos valores majoritariamente veiculados por essa classe social, sobre os assuntos abordados nas questões, é notável a valorização praticamente hegemônica da instituição familiar. Esta é tida como o berço tanto dos problemas ( uma falta de “estrutura familiar” pode gerar adolescentes criminosos ou drogados, por exemplo) quanto das soluções e “virtudes” (um lar bem estruturado, com bons e firmes valores, cria bons cidadãos, que não cometem crimes, não usam drogas e se preocupam com o meio ambiente e a ecologia). Juntamente à instituição da família, aparecem como direitos do cidadão os “três pilares” que constroem o “bom cidadão”: escola, educação e saúde. Nota-se fortes concepções conservadoras e moralistas, e por isso mesmo um discurso persuasivo com a intenção de conformar pontos de vista ( CITELLI, 2004), pois interessa manter os valores morais, éticos e institucionais vigentes como estão. É importante ressaltar que esta classe social localiza-se no extrato dominante da população, e por isso seus valores e concepções são, geralmente, os que regem a sociedade. Por isso mesmo, interessa a essa camada manter as ordens de funcionamento inalteradas. Apesar disso, o governo do país é muito criticado, chamado de corrupto, e paira sobre ele a questão da “impunidade”. A responsabilidade quase total pela cidadania, educação, saúde, e comportamentos (como em relação a drogas e crimes) das crianças e jovens é tida como da família, e em segundo plano das escolas (que são sempre “escolhidas” pelas famílias – nunca públicas). Há, todavia, forte zelo pelo cumprimento da lei. Os falantes mostram-se sempre muito confiantes em relação a seus pontos de vista, afirmando o que pensam sem medo e demonstrando em sua que esperam, quase de maneira óbvia, pela concordância do interlocutor (no caso, o entrevistador). O discurso é, na maioria dos casos, polêmico (CITELLI, 2004), pois há a intenção de persuasão e convencimento dos pontos de vista, porém os argumentos podem ser contestados. Transcrição e Análise – Nível social B Entrevistada: Carla, 42 anos, Classe B 1. Hoje em dia falamos muito sobre cidadania, sobre os direitos e os deveres que o cidadão tem. Pra você, quais são os direitos do cidadão? E os deveres?

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O direito? O direito do cidadão... é de conquistar sempre o melhor né, de querer sempre o melhor, esses seriam os direitos mesmo. De ele ter a sua opinião própria, né, e saber respeitar o próximo, né, as leis também que são impostas pra que tudo corra conforme o... o que foi... é. 2. Hoje está cada vez mais comum as crianças terem contato com o mundo das drogas, desde o cigarro até as drogas mais pesadas como o crack. Como você acha que devíamos fazer pra não deixar elas se viciarem? é, difícil, né, esse controle aí, mas o controle ele tem que vim desde casa, da educação, né? De poder ensinar, de amor, de amar, né? Porque muitos pais, eles tão deixando esse valor, né? De hoje, né? Por causa...nós vivemos num mundo capitalista então até as mulheres hoje em dia não cuidam na realidade, né? Não dá tempo, né? Corre muito e acaba deixando aquele, aban...muito estudo, bens materiais, mas o,o... cuidado em si se de educação, o valor, né, mesmo, de pai e mãe, essa afinidade eles não tão dando e é por isso que muitos...aí o que acontece, o inimigo...ele adota, né? o traficante adota. 3: Quem deve orientar as crianças e os jovens? Sim, porque eles querem chamar atenção, né, é um fato de você chamar a atenção dos pais...daquele que não te dá atenção. Então muitos fazem isso, roubo, até pra achar “eu sou o bom, eu sou o cara”, aquele que o pai e a mãe muitas vezes não enxergam, porque não tem nem tempo, né? o que a sociedade? É, a sociedade tem que tentar fazer,né...ajudá-los, mas a pessoa precisa querer, não adianta as pe é... a sociedade né, ou então poss... querer ajudar e a pessoa em si própria não querer. Só que isso a família também tem que fazer parte, desse envolvimento, porque não adianta s... ele querer e a família em si não acreditar, né? Então é um trabalho de família e a própria pessoa porque se não fica uma codependência, né? Da própria família. 4. No mundo todo as crianças e os jovens são protegidos pela Lei. No Brasil, que tipo de lei pode proteger a criança e o adolescente?

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que tipo de lei? Cidadania?? (rs)..... é, eu não sei te dizer não, que lei poderia ser... lei da cidadania, lei da educação... não sei, não sei mesmo. 5. Por que você acha que existem adolescentes que cometem crimes? O que devemos fazer com eles? é aquilo que eu falei, né, primeiro lugar é dentro de casa, ensinar, né? Quem ensina, né, quem educa, né, na realidade quem educa é a família, né? Ensinar é na escola né, mas quem educa na realidade são os pais, não adianta ir na escola, ir na escola, muitas vezes as pessoas até colocam como se fosse um depósito só...cuida aí, né? Que eu e muitas vezes a pessoa mesmo, os pais, não tão fazendo a parte deles. 6. Sustentabilidade, Ecologia, Meio Ambiente, são temas muito debatidos hoje. Como você acha que esse assunto deveria fazer parte do nosso dia a dia? é, ele devia fazer mais parte, não faz tanto, né? Se nos investimos né... o incentivo é muito pouco, né, pra nós, é a nossa cultura na realidade, né? É uma cultura que não investe, né, não investem mesmo. Tanto é que os prisioneiros aqui são parados, não colocam eles para trabalhar, desenvolver, e poderiam colocar isso, como diz o ditado, né, “cabeça vazia, oficina do diabo”. Por isso que coloca lá saem piores, né? Eles mesmo continuam sempre manipulando, até lá dentro aqui a própria sociedade, né? É o que a gente ouve. Entrevistado: Leonardo, anos, classe B 1 - Hoje em dia falamos muito sobre cidadania, sobre os direitos e os deveres que o cidadão tem. Pra você, quais são os direitos do cidadão? E os deveres? Do cidadão? Ah, eu acho que os direitos seriam, acho que, acesso a saúde, educação,é... ter uma vida digna né? Porque tem miséria, tem muita gente aí né, que tá na rua. E... os deveres eu acho que seria contribuir, né, pra fazer essa sociedade melhor. 2- Hoje está cada vez mais comum as crianças terem contato com o mundo das drogas, desde o cigarro até as drogas mais pesadas como o crack. Como você acha que devíamos fazer pra não deixar elas se viciarem?

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Ah, eu acho que tem que se observar nas escolas, porque acontece até de vender nas escolas né? E, eu acho que o problema maior, também assim é família, sabe? Porque acho que as crianças, digamos, ficam “meio deprê”, e infelizmente esse mundo de hoje também porque as pessoas não tem uma perspectiva né? A criança assim, ela já nasce num mundo que ela é muito cobrada né? E ela não sabe como vai ser a vida,o futuro e os pais ficam muito ausentes, brigam né, trabalham muito, não tem tempo, então ai gera tudo isso aí. No caso das drogas tem que ter uma conscientização, e eu acho que a família mesmo, é... melhorar o convívio familiar, de educação das crianças. Stephani: mas parte mais da família do que da escola? Leonardo: eu acho que sim, a escola no caso eu acho que, é... vigiar pra não ter vendas, e talvez fazer algumas aulas pra conscientizar. 3- Quem deve orientar as crianças e os jovens? No Brasil tem um estatuto né? Da criança e do adolescente, e eu acho que é bom assim, do que eu tenho conhecimento dele. É mais uma questão de ser botado em prática mesmo. Stephani: No Brasil tem muito isso né? Fazer muita lei bonita e... Leonardo: não porque o estatuto é bonito mesmo, ele é, assim, cuida muito da criança, tanto que cê vê que a criança, a questão da maioridade, ela é muito protegida. E só mesmo botar em prática, cuidar bem das escolas, né assim, dar a segurança pública, porque você vê aqui no Brasil, uma coisa, eu tive uma oportunidade uma vez de ir pro Japão, e uma coisa que me chocou a diferença em termos de sociedade mesmo é que em Tóquio tem uma cidade igual São Paulo, muito grande, e você vê as crianças assim de 6 e 7 anos num grupinho indo pra escola sozinhos, caminhando, é uma coisa que a gente não consegue nem conceber pra cá. Porque a criança aqui ela é muito... presa, né, coitada. Ela não pode andar né, interagir, então você já cresce com esse medo. 4- No mundo todo as crianças e os jovens são protegidos pela Lei. No Brasil, que tipo de lei pode proteger a criança e o adolescente? Pois é, eu acho que o problema assim, digamos como a gente está nesse sistema capitalista, um sistema muito excludente, infelizmente assim, por exemplo: vagas de emprego, as pessoas vão fazer vestibular, são não sei quantas mil que tentam, pra... Victor e Stephani: acabamos de passar por isso. Leonardo: e aí depois cê vai vendo,

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pessoas que vão tentar um concurso,né, aí você vê que o... lá em Brasília teve um concurso que foi nacional né? E minha mãe tava falando que foi quase duas mil pessoas pra uma vaga, então assim, é uma excludência, assim, uma exclusão muito grande de gente, e as pessoas ficam meio sem perspectiva, então eu acho que se o jovem tivesse uma boa perspectiva de inclusão, sabe assim de... e aí há famílias que já estão completamente desestruturadas e a pessoa está totalmente desestruturada, e aí por uma força ela acaba sendo levada até o crime, mas ... 5- Por que você acha que existem adolescentes que cometem crimes? O que devemos fazer com eles? Pois é, é claro que dependo do crime assim, de, esses crimes assim ofensivos assim, eu acho que sim quando é uma coisa assim: quando é um assassinato bárbaro, uma coisa muito forte; agora se for roubo, uma coisa assim o jovem deve tentar ser reeducado, porque a pessoa hoje vai pra cadeia, igual tava aí nessa novela, não sei se vocês viram, é um cara que ele saiu mal, que ele desenvolveu um lado mal, porque a cadeia aqui é um terror: a pessoa entra, ela sai muito pior, ela aprende muita coisa. Então, alguém tava comentando que foi preso na Suíça ou na Alemanha, até um brasileiro que foi preso por lá, e falou que foi interessante, assim, que a cadeia realmente reeducava, dava leitura, tinha biblioteca, não humilhava assim, porque lá dentro, se você maltrata né? A pessoa ela vai sair com um ódio muito grande, então ele realmente disse que foi, ele realmente diz que foi ressocilizado nesse sentido, aprendeu, assim, foi tratado com respeito apesar do crime que cometeu. Porque aqui a pessoa entrar numa cela com não sei quantos, que ela nem consegue dormir, é uma condição assim que nem animal, é uma condição terrível. 6- Sustentabilidade, Ecologia, Meio Ambiente, são temas muito debatidos hoje. Como você acha que esse assunto deveria fazer parte do nosso dia a dia? O que a gente poderia fazer né? Eu acho que é uma causa também muito difícil né? Porque o mundo ... eu pessoalmente acho que só uma mudança muito grande, assim, de...no sistema de vida das pessoas, porque como a gente tá nessa coisa de comprar, isso que gera as riquezas, comprar coisas e tal, a gente acaba poluindo, criando muito lixo, muita coisa, então eu acho que é uma mudança assim que.. conforme eu acho que o

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nosso sistema entrar mais em crise, a gente vai buscar novas possibilidades. Mas o que a gente pode fazer por enquanto, eu acho é, tentar não ser tão consumistas né? Tentar reutilizar um pouco as coisas, as roupas, digamos: a pessoa ao invés de seguir a moda a todo momento, customizar, não jogar aquela roupa fora, desse jeito. Linguagem Verbal: A linguagem utilizada apresenta cunho predominantemente oral, com a forte presença de interjeições/marcas de informalidade (né? , é..., etc). Prevalecem, também, períodos longos e compostos, por coordenação em sua maioria. Relativamente ao nível de fala, Identificamos as variantes do dialeto social e do nível de fala como comuns, com vocabulário característico, ou seja, que transita (e, em algumas entrevistas, oscila) entre o culto e o popular. Quanto ao vocabulário e palavras e expressões-chave, as entrevistas podem ser resumidas nas seguinte palavras: educação, escassez de tempo, capitalismo, mudança, ausência da família, a escola ensina e a família educa. Valores Comuns, Níveis de Persuasão e Tipos de Discurso Surpreendentemente, os entrevistados da classe B não apresentaram um padrão linear de respostas, o que dificultou o processo de identificação de um discurso comum do nível social. Mesmo assim, um perfil foi traçado, embora sem grande exatidão devido à diversidade de informações encontradas. De uma maneira geral, os entrevistados da classe social B apresentam valores considerados conservadores, ou seja, acreditam que tanto os direitos quanto os deveres do cidadão estão relacionados a ter e contribuir para obter uma sociedade melhor. Além disso, também acreditam que, se a família se fizer mais presente na vida das crianças, dando mais atenção e orientação, a incidência de menores envolvidos com drogas irá diminuir. E que a falta dessa presença familiar se deve ao sistema capitalista vigente, que faz com que os pais trabalhem mais e tenham menos tempo para seus filhos. Já com relação à leis que protegem a criança e o adolescente no Brasil, as respostas foram variadas: algumas pessoas sabem sobre a existência do ECA; outras, sabem que há algum tipo de lei, mas não sabem qual é; outros, ainda, não sabem quais leis protegem os menores em nosso país.

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Já no tocante aos motivos da criminalidade infantil, as razões apontadas para tal são falta de perspectiva de vida, carência emocional - chamar a atenção dos pais e desestrutura e falta de orientação familiar para a vida. Além disso, acreditam que os transgressores devem pagar pelos crimes cometidos, de forma a ser discutida para que ele seja realmente reabilitado na sociedade em que vive. Por ultimo, foi abordado o tema ecologia. Para os entrevistados, a questão não pode ser posta em nosso cotidiano sem uma grande mudança na consciência coletiva e uma crise do capitalismo, que nos ensinaria a consumir menos e, logo, a produzir menos lixo. Podemos notar, analisando as entrevistas, a prevalescência de tempos verbais como o presente do indicativo e o infinitivo, a serem entendidos de forma literal, o que caracteriza, assim, um texto de discurso predominantemente polêmico, uma vez que ele visa persuadir o entrevistador e imprimir a ele o conteúdo do diálogo; porém, não parafraseia e não é legitimado por uma figura única, diferença entre esse e o discurso autoritário. O sujeito falante é presente no enunciado, imprimindo a ele suas marcas, e o apresenta com um alto nível de transparência, apesar da presença de algumas expressões com maior nível polissêmico, como ditados populares. Transcrição e Analise – Nível Social C Entrevistado: Marley, classe C 1- Hoje em dia falamos muito sobre cidadania, sobre os direitos e os deveres que o cidadão tem. Pra você, quais são os direitos do cidadão? E os deveres? Tem que fazer pergunta difícil, não? Direitos... direito: liberdade de expressão, liberdade de circulação... tá gravando? Expressão, circulação, respeito. Deveres: cumprir todos esses deveres em relação às outras pessoas. 2- Hoje está cada vez mais comum as crianças terem contato com o mundo das drogas, desde o cigarro até as drogas mais pesadas como o crack. Como você acha que devíamos fazer pra não deixar elas se viciarem?

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Eu acho que a escola deveria trabalhar a esse respeito... já que muitas famílias não tem muitas condições de fazer isso, então a escola deveria assumir. Os professores não querem, mas... 3- Quem deve orientar, é mais a escola? Ou quem que deve orientar? São varias ações né... eu acho também que deveria haver um controle desse tráfico de drogas, fechamento das fronteiras, a polícia federal deveria agir pra cuidar disso, quê mais? A polícia civil, a local também combater os traficantes... e a ação educativa nas escolas mostrando os efeitos. 4- No mundo todo as crianças e os jovens são protegidos pela Lei. No Brasil, que tipo de lei pode proteger a criança e o adolescente? Proteger do que? De tudo? 4- Exatamente porque eles são protegidos né? As crianças são minoria. Talvez né.. Ué, tem o estatuto da criança não tem? 4 - Exatamente, o estatuto. Ele é muito comprido não é? E por incrível que pareça eu acho que as famílias não respeitam muito as crianças, as próprias famílias, até por ignorância, por falta de educação. 5- Por que você acha que existem adolescentes que cometem crimes? O que devemos fazer com eles? Exatamente, porque faltou uma orientação adequada na vida, a família não deu também pela carência econômica, jovens quer coisas que não tem condições de ter. Os exemplos que eles têm são maus. Acaba indo pro crime. 5- O que devemos fazer com eles? Puní-los? Não, eu acho que...É, naqueles casos graves obviamente tem que ser punido e afastado da sociedade, mas precisa ver uma ação de prevenção né?

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E ação de prevenção é essa. Tem que, dar...tem que apoiar a população mais carente, educação tem que ser melhor... Deixa eu completar mais alguma coisa na pergunta anterior...é, os professores deveriam assumir mais a função de educadores. Eles falam muito em educação de qualidade mas ninguém sabe o que é isso. E também, eles querem ficar só na coisa teórica que aprendem na academia. Eu acho, minha opinião particular, que os professores não deveriam ser formados na academia, que a academia tem um cunho teórico acima de tudo, então os professores saem muito teóricos. Acho que deveria ter escolas superiores separadas da academia. Inclusive eu até proibiria que professores doutores das outras universidades fossem participar disso. Pergunta o que que eu era? Eu era professor. ( risos) Diga. 6- Sustentabilidade, Ecologia, Meio Ambiente, são temas muito debatidos hoje. Como você acha que esse assunto deveria fazer parte do nosso dia a dia? É...aí acontece também...nada tem solução simples, né?! Precisa ver essa questão dativa, mas também é preciso que os governos deem condições e as empresas parem de...de ser...demagógicas. Por exemplo, quando começou a se falar nisso, teve aquela propensão dos três erres, né? E..se não me engano era... Victor: Reciclar, reutilizar Não, não...reciclar deveria ser a última. A primeira era, diga. 6 - Reutilizar, reciclar e reaproveitar? Então, reaproveitar é reutilizar. É repensar. Não era repensar? 6- É, acho que era isso. Reutilizar..reduzir. Na verdade, o que se deveria fazer é reduzir o consumo. Agora, as empresas perceberam logo que isso iria... não era do interesse deles. Não era do interesse deles reduzir o consumo. Eles querem que aumente. Tanto é que os idiotas da economia...Vocês fazem economia?

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6- Não, a gente faz relações públicas. Eles...faz o que? 6- Relações públicas Relações públicas...O pessoal da economia só imagina que, é...que tem que crescer, crescer o crescimento. Ó, o crescimento não é infinito, tem que parar uma hora, né?! O que precisa é assistir a todos. Tem que haver igualdade para todos. E...as empresas só querem crescer, crescer, crescer... não pode ser assim! Então o que eles fizeram? Olha, esse negócio é perigoso, vamos engabelar o pessoal. Aí fizeram uma onda tremenda com o negócio da reciclagem. A reciclagem é o último recurso. Primeiro você precisa repensar, precisa reduzir o consumo, precisa reutilizar o que for reutilizável e em último caso recicla. Não, mas elas adotaram logo o reciclar. Mas não há, porque também não fica por conta delas né?! Fizeram aquela onda em relação aos sacos plásticos e agora tá todo mundo usando de novo os sacos plásticos e... É reutilizável né? E...os governos também não dão apoio, você vê...eu tenho um cuidado tremendo de por tudo pra reciclar em casa... separo em sacolinhas. Até tipo essas do Pão de açúcar (mostra o saco), separo uma pra metais, outra pra plástico, outra pra papéis e outra para... 6- Metais? Ah, e vidros né? 6 - Isso E coloco lá fora no dia que a prefeitura diz que passa a coleta seletiva. Agora, a prefeitura é dar a concessão para uma empresa particular, essa empresa particular o que que faz? A ECOurbs Ela simplesmente pega um caminhão comum desses compactadores, pinta de branco e diz que é da reciclagem. Aí os caras passam e jogam o que você teve o cuidado de separar, direitinho, eu até lavo tudo... joga lá dentro e compacta tudo , arrebenta tudo, mistura tudo...e pior ainda, dizem que passa na minha

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região, que passaria na terça-feira de manhã. Pô, eu não vou tá 7 horas da manhã, eu sou velho mesmo né, então eu levanto mais tarde. Então eu fui, eu fui, na segunda-feira a noite, eu fui lá e coloquei. E, depois tive que sair uma meia-hora depois havia passado o caminhão da coleta normal e tinha levado também aquele que eu tinha pus pra reciclar. Então, vi agora recentemente uma declaração que nem 5% do lixo em SP é reciclado, não existem centrais de reciclagem suficientes. Então você vê, é um engordo, não tem capacidade pública pra fazer isso, ficou também, deveria ser obrigação das empresas e ficou por conta do poder público. O poder público não consegue atender essas necessidades. O que tem que fazer é reduzir o consumo. As embalagens são tremendamente complicadas, você pode notar que qualquer produto a embalagem é complicadíssima, cheia de coisas. Que isso? Eu lembro meu tempo de criança, eu pegava a cestinha lá, a sacola da minha mãe, a cesta e ia até a venda. Andava lá umas quadras até a venda e comprava lá, sei lá, dois quilos de feijão, três quilos de arroz, o vendeiro punha num saquinho de papel, punha na minha sacolinha, na minha cesta e eu ia pra casa. E também tinha a cadernetinha, que você, ele também anotava no caderninho e você ia pra casa. Imagina só que confiança que eles tinha. Aí inventaram essa porcaria de supermercado, o primeiro que fizeram aí foi o “Pegue e Pague”, quer dizer, tudo que é besteira dos Estados Unidos, o pessoal imita... né?! Esse negócio de supermercado é um roubo. Por exemplo, a verde aí, que tá tomando conta de tudo. Agora nem é mais brasileiro, o Pão de Açucar... é o mais careiro de todos. Né? Então você vê, tem muita coisa errada aqui no Brasil. Linguagem e Discurso Marley foi abordado enquanto alimentava os pombos em plena Avenida Paulista. De início, se mostrou surpreso com nosso interesse em entrevista-lo, fico um tanto receoso, mas quando viu que eram perguntas do cotidiano, mostrou-se apto a nos conceder entrevista. Ao ser perguntado sobre os direitos e os deveres do cidadão, o entrevistado primeiramente se sentiu acuado, talvez por conta da gravação, já que anteriormente havia nos perguntado com que finalidade ela seria usada. Contudo, ao decorrer da entrevista, apresenta ideias claras e coerentes.

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Ele se porta com muita segurança principalmente quando responde à questão do Estatuto da Criança e do Adolescente, acreditando que todos detêm o conhecimento necessário para saber de sua existência. O entrevistado, portanto, difere-se do restante das pessoas da Classe C, já que a maioria não conhecia tal lei. Ao ser perguntado sobre quem deveria orientar as crianças a respeito das drogas, Marley leva a entrevista para outro rumo. Fala pouco da ação dos pais, foca na educação que deve ser dada nas escolas, mas fala, principalmente, do controle do tráfico de drogas nas fronteiras e da ação da polícia. Quando perguntamos sobre a possível punição dessas crianças, o entrevistado volta a comentar das ações de prevenção, evitando talvez pensar a respeito do que fazer com os futuros jovens. No momento em que Marley pede para acrescentar algo na pergunta anterior, ele se dispersa da entrevista (do foco das nossas perguntas) para inserir uma opinião dele a respeito dos professores. Nesse momento, não há mais interrupções em seu discurso que era, anteriormente, utilizado para “ganhar tempo” para pensar e nem a presença da palavra “né”, usada em momentos de incerteza quando ficava na dúvida se estava respondendo as perguntas corretamente. Ou seja, quando o entrevistado pede para acrescentar algo na pergunta anterior, ele se encontra tão imerso em seus pensamentos que chega até a esquecer de que está sendo gravado. Isso, no entanto, não acontece na pergunta seguinte. Marley tem muitas ideias interessantes, mas demora a formulá-las, precisando, no caso, do respaldo dos entrevistadores para lembrar-se dos “três erres”, por exemplo. Além disso, ele faz uso da sacolinha plástica que se encontra em sua mão para nos mostrar o logotipo da marca da qual falava e utilizando-a como um recurso para se lembrar do que iria falar a seguir. Nessa última pergunta, conseguimos adquirir do entrevistado algumas de suas experiências de vida. Ele nos contou sobre sua indignação com a separação do lixo em São Paulo (o que fica evidente quando utiliza a palavra “pô” e a pergunta “que isso?” em seu discurso) e também de como era antigamente, quando não existiam supermercados, para nos mostrar que existem outras maneiras de se viver sem a necessidade de importar elementos estrangeiros, no caso, os supermercados.

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A entrevista, portanto, foi muito agradável de fazer. Marley se mostrou muito prestativo e apreciou nosso interesse em ouvi-lo. Como se encontrava sozinho, passeando pela Av. Paulista, tinha tempo para conversar conosco e formular suas respostas, diferentemente das demais pessoas entrevistadas. Por esse mesmo motivo, ao decorrer da entrevista, Marley se sentiu mais “à vontade” e fez relativamente pouco uso das fórmulas fáticas. Entrevistada: Talita, classe C 1. Hoje em dia falamos muito sobre cidadania, sobre os direitos e os deveres que o cidadão tem. Pra você, quais são os direitos do cidadão? E os deveres? Direitos e deveres? Mas são tantos, né? Ah, direito que a gente tem de poder usar os hospitais públicos, saúde, eu acho que é um dever também né? É nosso direito e um dever do governo também fazer isso pela gente. Stephani: e os deveres? Talita: não, porque a gente já paga muito impostos né? Então eu acho que meio, entre aspas, é uma obrigação deles fazer isso pela gente né?'' 2 - Hoje está cada vez mais comum as crianças terem contato com o mundo das drogas, desde o cigarro até as drogas mais pesadas como o crack. Como você acha que devíamos fazer pra não deixar elas se viciarem? 3. Quem deve orientar as crianças e os jovens? Ensinamento né? Eu acho assim tem que ter ensinamento dentro de casa, começando pelos pais , como eu sei que meus pais sempre me ensinaram, o que é certo e o que é errado, nunca vai por esse caminho, mesmo que tenha seus amigos, às vezes eles te chamam: vamo que é legal, vamo experimentar, e sempre tentar, né? Dizer não. 4. No mundo todo as crianças e os jovens são protegidos pela Lei. No Brasil, que tipo de lei pode proteger a criança e o adolescente? Que tipo de lei que poderia proteger? Essa é difícil' 5. Por que você acha que existem adolescentes que cometem crimes? O que devemos fazer com eles?

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Foi o que eu falei na van, por mais que às vezes é mais assim, pela cabeça dos outros, na minha opinião né? Tem alguns que são bem influenciados, às vezes por morar em comunidades tipo favelas né? E achar às vezes que, às vezes por ser pobre, achar que não ter condições pra trabalhar, fazer uma faculdade, eles acabam tentando com o roubo, acha que é o jeito mais fácil de conseguir o que eles conseguir, uma coisa que eles querem. Na minha opinião de um rapaz de 16 anos ele rouba, ele tem aquela ... sabe o que é errado, faz o que não deve, eu acho que ele deve ser punido. Não interessa a idade, se ele já tem ... ele sabe o que ele tá fazendo e sabe que aquilo é errado, ele sabe que também ele tem que ser punido. É difícil viu? Porque eu acho que deveria ter um lugar onde eles poderiam ficar, se for, vai, pra mim uns 6 meses, que pelo menos eles tomar consciência. *** os pais não conseguem educar, não consegue, sabe, levar pra um lugar que seja mais rígido um poucos pra eles poderem ...'' 6. Sustentabilidade, Ecologia, Meio Ambiente, são temas muito debatidos hoje. Como você acha que esse assunto deveria fazer parte do nosso dia a dia? Meio ambiente? Eu acho que, a gente fala, fala: não joga as coisa no chão, mas não adianta. Às vezes você tá chupando uma bala, joga aqui e acha que não vai fazer mal nenhum, mas acaba fazendo né? O nosso cidadão já deve ter uma consciência né? É, pegar, tá comendo alguma coisa, tá com alguma coisa, guarda dentro da bolsa, leva uma sacolinha, né? Aqui todas as coisas, todos os postes tão com a sua lixeirinha, o quê que custa a pessoa ir lá, jogar o lixo num, né? Numa lixeira, não mas tem gente que teima em jogar no chão, acha que não vai, né? Aí acontece o que a gente vê, muitas comunidades, muitas casas que acabam tendo enchentes né? Pessoas acabam perdendo as coisas, acho que é diminuir as ...'' Linguagem e Discurso: A entrevista aqui transcrita foi feita na Av. Paulista, lugar conhecido de São Paulo, haja visto que pode ser considerado o centro financeiro do país, fluxo de trabalhadores de diversas classes econômicas e seu peso histórico na formação da cidade. Em horário de grande movimento na avenida, encontramos a entrevistada sentada em um banquinho, e apesar da simpatia, já em nossa abordagem notamos seu receio em ter de opinar sobre temas complexos.

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Mesmo assim, aceitou a nossa proposta, deixando claro que apresentaria sua opinião pessoal, e não uma resposta assertiva, manifestando essa insegurança no vocábulo ''né'' constante no texto e deixando frases abertas, sem completar seu sentido; atitude notada também em outras entrevistas, principalmente naquelas de entrevistado com o mesmo nível socio-econômico. Iniciadas as perguntas, pudemos notar em seu discurso a heterogeneidade, contendo muitos traços dos discursos dominantes da mídia de massa, principalmente nas questões mais relacionadas à política, como têm sido as reclamações pelo direito à saúde pública e os altos impostos. Com a transcrição, tornou-se mais nítido outras duas características de seu discurso, que também consideramos ser uma marca da classe por ela representada: a presença maior de coordenação que de subordinação nas orações e o uso de linguagem predominantemente coloquial, marcada pela economia linguística, discordância verbal, e marcas da oralidade. Ainda em relação ao seu discurso, e apropriando-nos das ideias de Citelli***, encontramos elementos persuasivos, como nos momentos em que a enunciadora insere experiências pessoais, e de elementos autoritários, porque o tú (enunciatário) praticamente desaparece, tem pouca capacidade de modificar o que está sendo dito. E por fim, acreditamos que a constante repetição da pergunta ou partes dela também são marcas da oralidade, que denunciam tanto o esforço para memorizar o que se está sendo solicitado quanto para que haja tempo de entendimento da questão e elaboração do discurso.

Transcrição e análise, nível social D Entrevistada Maria, 33 anos, nível social D. 1. Hoje em dia falamos muito sobre cidadania, sobre os direitos e os deveres que o cidadão tem. Pra você, quais são os direitos do cidadão? E os deveres? Ah... Direitos e deveres? [é]

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Ah, deveres é... pagar cont’. Direitos é... é o que não existe, menos imposto, né. A gente, a gente paga muito imposto e a gente não tem direito a... transporte..., segurança... 2. Hoje está cada vez mais comum as crianças terem contato com o mundo das drogas, desde o cigarro até as drogas mais pesadas como o crack. Como você acha que devíamos fazer pra não deixar elas se viciarem? Ai, moça, acho que menos tecnologia no... no assunto de criança, quando se trata. Porque acho que o mundo... O mundo quanto mais moderno, mais.... chega mais..., tem mais..., mais fácil acesso, né, a essas coisas. 3. Quem deve orientar as crianças e os jovens? Os pais. [mais os pais, o governo não...] É, o governo faz sua parte, mas... vai mais dos pais, tam’em. 4. No mundo todo as crianças e os jovens são protegidos pela Lei. No Brasil, que tipo de lei pode proteger a criança e o adolescente? Proteger a criança? Até agora acho que não existe. [não?] Não. 5. Por que você acha que existem adolescentes que cometem crimes? O que devemos fazer com eles? Eu acho que vem da orientação em casa. [não tem?] É, não tem a orientação. Não. Acho que tem que... ah, acho que é o apoio da família, né. Acho que é... é tudo o apoio. Se não tiver o apoio da família não adianta o governo entrar se a... família não colabora. 6. Sustentabilidade, Ecologia, Meio Ambiente, são temas muito debatidos hoje. Como você acha que esse assunto deveria fazer parte do nosso dia a dia?

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Pra começar na escola,... que não se fala mais, né, nisso. [disso aí?] É, não se tem mais aula disso na escola. Igual a gente tinha... Antigamente a gente tinha na escola, né. Hoje em dia não se fala. Linguagem e Discurso: Os entrevistados do nível socioeconômico D usaram em suas falas, um vocabulário simples, restrito, expressões não elaboradas, mostraram uma linguagem informal, bastante coloquial e espontânea, popular. A gramática da norma culta da língua é algo que se faz ausente na linguagem popular (PRETI, 2003). Observa-se nas entrevistas ausência de concordância verbal e nominal, mistura de pessoas gramaticais, troca frequente do “eu” ou “nós” pela expressão “a gente” etc. Alguns exemplos das entrevistas: “as criança sabe que é de menor”, “todo os problema que nós tem hoje”, “i com advogado pra soltá ele”, “a população era bem menas”, “a lei tá a favô a ele”, “a gente paga muito imposto”. Mesmo quando, frente à situação de gravação, há um esforço do entrevistado em adequar sua fala à norma padrão, ele o faz usando termos como “devido a ocorrência de agressões..”, “está cada dia mais extinto isso”, próximo ao discurso de relatos policiais. Não há articulação de argumentos mais complexos, fazem uso de exemplos pragmáticos, da vivência cotidiana, sendo observadas marcas de saudosismo (‘antigamente a gente tinha na escola”, “no tempo do militar”). Fatores extralinguísticos comparecem na maneira de falar dos entrevistados. Percebe-se na maioria das falas traços de origem dos entrevistados identificados como sendo da região Nordeste no país. As expressões que caracterizam o discurso oral persuasivo, como “né”, muito usado nas falas, foram utilizadas como afirmação (perspectiva de se fazer entender) e espaço de tempo para articular o pensamento sobre o assunto, e não no sentido de cooptação do interlocutor (o entrevistador).

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Além de “né”, outro recurso para abrir um tempo para pensar na resposta, é a repetição das perguntas, como por exemplo: “Ah... Direitos e deveres?” (sobre a pergunta 1), “Proteger a criança?” (sobre a pergunta 3). As fórmulas fáticas, com o intuito de manter o contato (MAINGUENEAU, 2001) se manifestam em expressões usadas pelos entrevistados como “ah”, “entendeu?”, “ai, moça”. A ocorrência considerada mais marcante foi a grande presença de pausas, quebras nas frases, simplificações, inversões, repetições, elipses, como nos trechos a seguir: “- Ah, deveres é... pagar cont’. Direitos é... é o que não existe, menos imposto, né. - A gente, a gente paga muito imposto e a gente não tem direito a... transporte..., segurança...” - “Ai, moça, acho que menos tecnologia no... no assunto de criança, quando se trata.” Com tal riqueza de expressão na linguagem, aliada a gestos, entonação e expressões faciais, que são marcas da conversação presencial, na transcrição das gravações das entrevistas pudemos sentir a dificuldade em transpor a linguagem oral para a linguagem escrita. Foi necessário usar a criatividade em recursos como pontuação, colchetes e parênteses, para ajustar e adequar as redes de sentido identificadas (CITELLI, 2006) no ato da entrevista aos códigos da linguagem escrita. E mesmo assim, em algumas passagens o leitor perderá o sentido do que os entrevistados pretendiam comunicar, pois “não

podemos

interpretar

verdadeiramente

sem

conhecermos

a

entonação”

(MAINGUENEAU, 2001). A transcrição foi um exercício que possibilitou ampliar o entendimento da linguagem dos quadrinhos, em particular os que buscam aproximar a linguagem das personagens da oralidade, caso das histórias da Turma da Mônica. As palavras e expressões recorrentes entre os entrevistados foram “pagar conta” (como dever do cidadão), “imposto” (citado tanto como dever quanto direito – no caso, direito a menos impostos), “pais”, “família”, “punir”.

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Observa-se no discurso valores conservadores, centrado na família (“vem da criação dos pais”, “família é tudo”, foi mencionado inclusive a “lei dos pais” na pergunta sobre qual lei poderia proteger as crianças e jovens), tradicionais do senso comum (“tem que punir”, “não deixar sem”, “hoje está muito solto”, “hoje em dia tão liberando muito”, “tem que pagar”) e valores morais cristãos (foi mencionado, por exemplo, como dever do cidadão “fazer bem ao próximo”, “respeitar, cuidar, amar”). O discurso revela a sociedade autoritária e excludente em que vivemos. Transcrição e análise, nível social E Entrevistado Astrogildo, 66 anos, classe E 1- Hoje em dia falamos muito sobre cidadania, sobre os direitos e os deveres que o cidadão tem. Para você, quais são os direitos do cidadão? E os deveres? O dever meu é pagar o que deve, num é? O dever do cidadão é pagar o que deve, eh? Porque todo ele deve, eh? Cumprir com a minha obrigação, eh? Mesmo com a idade que tenho, 66 anos, ganho um salário mínimo... é ruim com ele, pior sem ele, éh?E lutar pelos meu direito, por exemplo, um dos direito que eu acho que o brasileiro tem... num tamo usendo, os direitos... da vida progressa, por exemplo, o governo gasta milhões num estádio de futebol e esquece a seca no nordeste. Lá também são cidadão, só lembrado no dia da eleição. Num sou contra o que os estudantes tão fazendo, já deveria ter feito a muito tempo. Sou contra os badernero que se mete no meio deles, éh? Eu vou dar uma opinião aos estudante. Dizê o seguinte: fala com teu amigo do teu lado que se ele fize bagunça nois vamo entregar ele a policia. Aí vai acaber a bagunça. Ce tá do meu lado, tamo no protesto, aí eu digo “ói, se você fizer a bagunça , eu vo lhe entregar você a policia”, e caba com a bagunça. Eu sou da época da ditadura, num fui participante do ditador, mas fui sofredo com aqueles que lutaram... pela liberdade que nois temo. O governo do PT é um bom governo, não posso falar mal, mas só que... a Dilma não é Jesus Cristo. Jesus Cristo foi traído mas sabia que ia ser traído e ela tá sendo traída mas tem medo. Grita pro povo “me ajuda”, que o povo ajuda ela. É isso? Tem outras pergunta, garota?

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2- Hoje está cada vez mais comum as crianças terem contato com o mundo das drogas, desde o cigarro até as drogas mais pesadas como o crack. Como você acha que deveríamos fazer para não deixar elas se viciarem? 3-Quem deve orientar as crianças e os jovens? Ói, em primeiro lugar eu digo o seguinte: eu fui criança. Hoje... trabalhei na construção civil muito tempo, quando eu não tava na construção civil, tava na rua vendendo, viu? Toda cabeça que não tem uma ocupação, ela é moradia do Satanás. Ela é fácil do inimigo entrar. Então faz o seguinte: incentiva os donos de empresa, de firma, e disso e daquilo que existe aí, dá trabalho as criança. Porque o governo diz que ensina, éh?. O governo diz que tem escola, éh? O professor finge que ensina... então bota a criança pra trabalhar, não trabalhando de carvoaria, nem nada, mas chega numa empresa e diz: ói, cada empresa que adotar uma criança, com menos de 16 asno, de 14 a 16 anos no caso, tem um desconto no imposto de renda. É muito simples. Tem ocupação, éh? 4- No mundo todo as crianças e os jovens são protegidos pela Lei. No Brasil, que tipo de lei pode proteger a criança e o adolescente? Quem protege a criança e adolescente... Éh... é o seguinte. No mundo todo tem as lei. No Brasil tem lei e faculdade, é a chamada Febem. È! Nós temo duas lei. Tem a lei que protege os que mata, que rouba, que faz tudo e não tem a lei pra protege os que necessita. Agora temo uma faculdade chamada Febem, Fendabem, não sei o quê lá... Essa daí existe no Brasil. 5- Por que você acha que existem adolescentes que cometem crimes? O que devemos fazer com eles? Punição. Punição não é encostar no pardão pra dar tiro, pra isso, praquilo, não. Pronto! Você cometeu um crime agora cê vai... tá dentro da lei... 3 anos. Saiu, cometeu otro, ele

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vai responder como adulto, porque ele já sabe o que ele tá fazendo. Num precisa mudar a idade, o Estatuto. Ele pegou 3 anos de recrusão, éh? Depois vem a cometer o mermo ou otro pior, então ele vai responder como adulto. Ele pode ter saído ontem, pode ter 16 anos, ele vai responder como adulto porque ele cometeu, porque ele sabe que não vai ser punido. Cabô! Ele vai continuar com a liberdade de 16 anos ou 17... 1 ano ou 2, mas tem que ter essa regra. Se cometeu vai ficar 3 anos, se você sair e comete de novo, aí você vai puxar uma cadeia como um adulto, porque você sabe o que cê tá fazendo. Você cometeu de novo, porque sabe que vai ser impune. É a mesma coisa o adulto. Ele diz que a... a cadeia tá tão cheio, porque ele sai dali, ele volta de novo? Porque ele sabe que qualquer tempo ele tá na rua porque não tem impunidade, é impune. 6- Sustentabilidade, ecologia, meio ambiente, são temas muito debatidos hoje. Como você acha que esse assunto deveria fazer parte do nosso dia a dia? É... a recicragem é o caminho certo, éh? A recicragem nas grande cidades é o caminho certo. Agora tem que valorizar aquele que trabalha na recicragem, eh? A pessoa que recicra, catando papel na rua aqui, é tido como um vagabundo, éh? Um mendingo, éh? Um fora da lei, éh? Só é reconhecido quando tem lixo no quintal do rico pra mandar ele apanhá, depois que ele limpô, acabo!, não quer nem ele na porta. Então, é conscientização.. e é difícil pro Brasil. Vai ser difícil pro Brasil. Entrevistado Weslwy, 47 anos, classe E 1- Hoje em dia falamos muito sobre cidadania, sobre os direitos e os deveres que o cidadão tem. Para você, quais são os direitos do cidadão? E os deveres? Ok! Então resumindo essa pergunta... basta que o cidadão tenha o conhecimento do artigo quinto da constituição federal do Brasil e os seus cinquenta incisos, tá... e os deveres ficam, éh, nessa mesma questão aí, artigo quinto e todos os cinquenta incisos, ali está o grande segredo do cidadão. A partir do momento que a pessoa tem esse conhecimento ela começa a procurar, a... ter e a pleitear os seus direitos.

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2-Hoje está cada vez mais comum as crianças terem contato com o mundo das drogas, desde o cigarro até as drogas mais pesadas como o crack. Como você acha que deveríamos fazer para não deixar elas se viciarem? 3-Quem deve orientar as crianças e os jovens? Esses... vem do berço, os próprios pais tem que... eh, dar essa educação às crianças e aos jovem. Ah... Quanto a...fazendo parte da educação, a própria escola. Eu me lembro que na minha infância, eu tinha um horário pra tomar meu café da manha, estudar lá pelas nove horas, meio dia ia pra escola, ficava a tarde interia na escola, voltava, tomava meu banho, jantava, sete horas, todo mundo ali, nove horas um lanche, dez horas cama! Não tem moleza entendeu? Então é... concentrar. Deixar a criança, o jovem, concentrado no estudo até a formação dele. Esse é o grande segredo... feito isso daí, vai erradicando todo o tipo de... de... desse vícios bestas aí, droga, cigarro, crack, isso vai deixando de fazer parte da vida de qualquer criança e qualquer jovem, 4- No mundo todo as crianças e os jovens são protegidos pela Lei. No Brasil, que tipo de lei pode proteger a criança e o adolescente? Ah... Já tem o Estatuto da Criança e Adolescen... o ECA, né? Que já protege a criança... o problema do Brasil é que tudo fica só no papel, então você tem que tirar do papel e fazer com que essas leis, eh... ajudem essas crianças, os jovens aí... e...com certeza, realizando esse feito, a criança cai ser sempre protegida. Basta fazer com que a lei que está lá no papel comece a ser feito pelas autoridades. 5- Por que você acha que existem adolescentes que cometem crimes? O que devemos fazer com eles? Olha, isso acontece... Isso já vem da próprio berço, da educação daquela criança que é favelado... e as vezes nem isso, hein gente. Isso é geral, não é só porque tá na favela que faz não. Até na classe alta também a gente tem visto aí pessoas fazendo bastante barbaridade. Eu acho que isso já vem do berço mesmo, dos próprios pais, da própria educação que o pai da pra criança. Ainda que aquela criança, muitas vezes, ela já vem com aquela má índole, entendeu? Então é aí onde o pai e a mãe tem tá sempre ali em cima procurando educar a criança, porque senão fica difícil. Aí, somando a isso aí, entra

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as más amizades, né? Que não ajudam em nada também. Como eu falei, vem tudo do berço, da educação, não tem segredo não. 6- Sustentabilidade, ecologia, meio ambiente, são temas muito debatidos hoje. Como você acha que esse assunto deveria fazer parte do nosso dia a dia? Ah... com a participação maior da sociedade... Então... me deu uma ideia aqui... Não tem virada cultural? Então! Deveria ter Virada da Ecologia e Sustentável. Entendeu? Então... a Virada da Ecologia e Sustentabilidade... Você está perguntando... “como você acha que isso teria que fazer parte do nosso di a dia?”, Virada da Ecologia e Sustentabilidade, pronto! Um dia e uma noite mostrando para as pessoas como fazer, as pessoas vão fazer com certeza, vão começar a seguir aquilo ali, é o único meio... - Então é uma educação também? É uma educação também... - E parte do governo? Com certeza. E parte do próprio governo, das empresas, entendeu? Porque ninguém faz nada sozinho, tem que haver uma... uma interligação não, uma integração, entendeu? Social geral. Governo, empresas, cidadão, aí sim nós vamos fazer a virada cultural da ecologia e sustentabilidade. Linguagem Verbal, Valores, níveis de persuasão e tipo de discurso As pessoas entrevistadas pertencentes ao nível social E de expressaram de maneira informal, coloquial, apresentando ausência de concordância verbal, nominal e plural, usa o artigo no plural que já indica o substantivo, utiliza a fórmula fática do “né?” buscando uma concordância, um apoio ao seu discurso, que embora com menos vocabulário, apresenta um pensamento mais elaborado, apresentando valores morais, embora conscientes de sua exclusão social.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Analisar o conceito de cidadania através de histórias em quadrinhos de revistas da Turma da Mônica, de Mauricio de Sousa, levou-nos à reflexão sobre o contexto sociocultural brasileiro do período de sua produção, a real função dessas HQs como produto cultural do país e o uso que é feito da linguagem como veículo de transmissão de valores e conceitos para o público infantojuvenil. Dentro da expectativa de leitura das HQs com enfoque sobre o tema cidadania de algumas revistas da Turma da Mônica, pudemos concluir que o uso de uma linguagem de fácil compreensão e a exploração, ao máximo, de aplicação de das cores e formas puras, tem papel fundamental no resultado de grande sucesso junto ao público a que se destinam as revistas. Através da análise das revistas, verificamos que elas são, além de uma ferramenta de leitura e entretenimento, um forte veículo de informação persuasiva. O discurso persuasivo encontrado nas revistas analisadas procura, quase sempre, conformar valores já presentes na sociedade, objetivando reforçá-los, ou ainda reforçar a opinião favorável a algum posicionamento político vigente no período de veiculação e suas ações de governo, principalmente quando a revista é produzida em caráter de parceria. Pudemos perceber, ainda, que, nas revistas analisadas, o autor utiliza linguagem simples e didática para transmitir a mensagem a que se propõe, além de elementos gráficovisuais de grande apelo imagético. O uso de cores como vermelho e o laranja, por exemplo, desperta no leitor a espontaneidade, a efervescência e a imaginação. Quando essas cores são usadas em HQs, tendem a ampliar quase que imediatamente a leitura, que, aliada à grande quantidade de formas utilizadas, auxiliam na transmissão e na fixação das mensagens veiculadas nas revistas. Isso ocorre devido às sensações afetivas que tais cores transmitem. Com a análise dos temas propostos, pudemos extrair tópicos que são correntes ainda hoje na sociedade, o que nos possibilitou a elaboração de um questionário para a pesquisa de opinião pública, de acordo com os diferentes estratos sociais. Notamos, contudo, que apesar de os tópicos serem atemporais, a forma de abordá-los muda de acordo com o período e com o contexto social e histórico.

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Biografia Maurício de Sousa: ;

ANEXOS

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PDF das HQs da Turma da Mônica analisadas Planilha do Panorama das Produções Institucionais da Turma da Mônica Áudio das Entrevistas com a população de São Paulo sobre o tema Cidadania (níveis socioeconômicos de A a E)

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