A TURNÊ DO TEATRO LOUIS JOUVET NO RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO

September 9, 2017 | Autor: W. Lima Torres Neto | Categoria: Teatro Brasileiro, Louis Jouvet, Turnê Teatral
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flPILS REVISTA DE TEATRO, CRÍTICA EESIÉTIÇA. ANOS 91l0. N 10111 .2001/2002 • ISSN 0104-7671 DEPARTAMENTO DE TEORIA DO TEATRO • PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM TEATRO UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO. UNIRIO

SUMÁRio NOTA EDITORIAL

DossIÊ 1: TEATRO BRASILEIRO NOS ANOS 1940 APRESENTAÇÃO, E VELYN FLIRQUIM W LIMA 4

1. ENSAIOS A CENA TEATRAL BRASILEIRA NOS ANOS QUARENTA: RUPTURAS EERADIÇÕES, EVELYN

FOR QUIM W LIMA 5 O BONDE DA LAITE: A REVISTA DE WALTER PINTO NA CONTRAMÃO DA MODERNIDADE, NANCI

DEFREITAS 23 ZIEMBINSKI: A POLÔNIA AUSENTE DA RENOVAÇÃO TEATRAL BRASILEIRA, FAU.Sw PUSER 55 O DIÁLOGO DE NELSON RODRIGIJES COM ANTONIN ARTAUD NA ESCRITURA DO TEATRO

DESAGRADÁVEL, MARIA CRIgLINA BRIm 74 2. ARTIGOS FANTASIAS ARLEQUINESCAS DE UM ITALIANO MODERNO: DIREÇÔES TEATRAIS DE RUGGERO JACOBBI, Bn, RAn-rn 94 • TURNÊ Do TEATRO LOULS JouvE- r NO RIO DE JANEIRO E SÃo PAULO, WALTER LIMA TORRIS 118 • TRADIÇÃO TEATRAL BRASILI:IRA ATÉ 1940. CLAIJDIA BRAGA 135 ABÍLIO PEREIRA DE ALMEIDA: UM AUTOR BRASILEIRO MODERNO?, ANGU PALOMERO 147

3. DOCUMENTOS ABÍLIO PEREIRA DE ALMEIDA

PIF-PAF. GOSTA VODÕRIA (1949) 159

PIF-PAF, A COMÉDIA EM 3 ATOS DE ABÍliO PEREIRA DE ALMEIDA, MÁRIO NUNES (1949) 161 PIF-PAF, OSVALDO Motss (1949) 163

A FRANQUEZA DE ABRIR FERIDAS SOCIAIS, SÁBATO MAGALDI ( 1977) 165 SILVEIRA SAMPAIO UMA AVENTURA NACINEIÃNDIA, LOCIO FIO/A (1953) 167 DA NECESSIDADE DE SER POLÍGAMO NO NOVO TEAIRO DE Bolso DE IPANEMA, ODET VEI. (1949) 170 JORACY CAMARGO NOTÍCIA DA VIDA DE UM AUTOR, MÁRIO Jüuo SILVA (1952) 174

4. DEPOIMENTOS PASCHOAL CARLOS MAGNO: EU NÃO EXISTO MAIS, POR PAULO LARA IMPLANTEI NO BRASIl, A CONSCIÉNCIA DO TEATRO, POR ZIEMRISNKI

176

179

A PALAVRA DE JORACV CAMARGO, POR VAN fAIA 185 5. ESTUDOS: A MEMÓRIA DO EPETÁCULO SOBRE MOCINHA, DE JORACY CAMARGO. ENCENADA POR EVA E SEUS ARTISTAS, ANGELA

REIS 188 LEMBRANÇAS DE UM VESTIDO DE NOIVA, B&l Ti?!?

Pwm

VENANCIO 201

SILVEIRA SAMPAIO E NELSON RODRIGUES: A CONSTRUÇÃO INTUITIVA DA MODERNIDADE TEATRAL CARIOCA, DANIELADJAFRE 210

SEÇÃO LIVRE: TEATRO E

AR'ms

PLÁSTICAS

ENTRE O PALCO E A TEIA, IMAGENS CENOGRÁFICAS DE UM PINTOR, VERA UNS 217

DossIÊ II: Os

FESTIVAIS DE TEATRO AMADOR NO BRASIL

APRESENTAÇÃO, ANA MARIA DE BULIIÔES CARvituIo

225

FESTEVAIS E COMPANHIAS, DANIELFA VI/À 226

5. MEMÓRIA PASCHOAL E SEUS EESI]VAIS, LEI/Á BARRET0LETTE 231 TRADIÇÕES CRIADAS PELOS ESTIVAIS, LEI/Á BARRETO LEITE 239 O QLTE PENSA VOCÊ DO TEATRO UNIVERSFIÃRIO: ALVARO MOREnA RESPONDE Á NOSSA ENQEÊIE 240 TEATRO DO ESTUDANTE, PASC:noAL CARLOS MAGNO 242

DESTAQUE: TEMPO DE ESPERA ROTEIRO, A EDO LEITE 244 FICHA TÉCNICA 253 TEMPO DE ESPERA, JOSÉARRABAI. (1976) 255 A COLHEITA DA ESPERA, ALBERTO GU/IR (1976) 257 Os SIWERINOS MARANHENSES NO PALCO DE SÃo PAULO, TÁNIA P.4CHECO (1976) 259 TEMPO DE ESPERA, EM SILÊNCIO. FAUSTO E/IÇEI? (1976) 262 MARANHÃO TRAZ ESPETÁCULO DE GRANDE FORÇA DRAMÁTICA: TEMPO DE ESPERA,

CLóvis

GARCIA(1976) 264 O ElOQUENTE SILÊNCIO VINDO DO MARANHÃO, SÁBATO MAGA LO! (1976) 266 LIÇÃO DE ESPERAR POR NADA, YAN MIEI/A LSKI (1977) 268 TEMPO DE ESPERA DIVULGAÇÃO: SUCESSO BRASILEIRO EM NANCY, HosÁc'o MAGNASCO (1977) 271 CONVERSA COM AI.DO LEDE ELEDA E NASCIMENTO, POR CELSOARA CIO 272

6. ENTREVISTAS POR PERIA KRUMIÍOLZ ALDOMAR CONRADO 275 AMIR HADDAD 287 HEMHI•:VIO BRAGA 301 STANLEY WHIHFIE 311 POR DANIELE Á VI IA FERNANDO PEIxOT0 326

7. INVENTÁRIO OS FESTIVAIS DE 'OEVIRO NO BR1\sII. 329

S. ULTIMA PÃGINA NORMAS EDIIORIAIS 336

A TURNÊ DO TEATRO NO

Louis JOUVET

Rio DE JANEiRO E SÃO PAULO

WALTER LIMA TORRES

Este artigo traça um sintético panorama sobre a passagem da companhia do Teatro Louis Jouvetem turnê pelo Rio de Janeiro e de São Paulo durante os anos de 1941 e 1942, lançando algumas reflexões sobre a prática da recepção das tumês francesas no Brasil. Ele aborda ainda as relações entre o teatro brasileiro e a França e as influências do dito teatro francês em tumê sobre o processo de modernização da cena teatral carioca. Turnê; teatro francês; Louis Jouvet; diretor teatral; ensaiador teati -al.

Inutdução A presença do Teatro Louis Jouvet no Brasil, mais especificamente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, não é um caso particular e isolado Para entender esta presença, sem dúvida marcante para o teatro carioca e paulista que se fazia no Brasil no início da década de 1940, é necessário lembrar as relações recíprocas de influências entre as culturas brasileira e francesa. Neste sentido, caberia apontar três momentos decisivos da formalização da presença francesa entre nós: o primeiro foi o trabalho desenvolvido pelos membros da Missão Artística de 1816, com especial relevo para a figura de Jean Baptiste Debrer. O segundo, já na segunda metade do séc. XX, foi o estabelecimento do Prêmio Moliêre de Teatro, em 1963, acompanhado do Prêmio Moliêre de Cinema criado cinco anos mais tarde. Fazendo urna retrospectiva destas influências, verifica-se que, nos últimos decênios do séc. XIX, a presença francesa estava no seu ápice e a beile époque brasileira era marcadamente francófila, como bem demonstrou Jeffrey Needeil

cru

seu ensaio

sobre o assunto ao analisar a formação da elite brasileira (Needeli, 1993). As distintas

WALTER LIMA TORRES é ator c diretor de teatro c Doutor pela Universidade dc Paris III (Sorbonnc Nouvefle) e atualmente coordena o Curso de Direção Teatral da Escola dc Comunicação da UPRJ. Integrante do NEPAC conta com o apoio da Ft)JH/UFRJ nas suas pesquisas sobre a noção de encenação no Teatro Brasileiro.

0 PEflCEVEJO

ANOS

9/10. 200112002.

lO/li: lIS a 134

elites paulistana e carioca formavam, portanto, um grupo expressivo e disponível, interessado em assimilar os valores de além-mar. Esta assimilação não foi um privilégio do teatro. ela era notada, igualmente. em vários segmentos de atividades e âmbitos do comportamento individual e do coletivo, como nos elucidou Joaquim Nabuco. em 1900. em suas memórias. Ele chamava a atenção para a escolha do melhor sistema de governo, que deveria ser adotado pelas jovens nações da América Latina, tais como o Brasil, o México e a Argentina. Elas deveriam se estruturar segundo um modelo de civilização européia, principalmente aquele norteado pelos paradigmas franceses e ingleses. Este último, uma monarquia parlamentar consolidada pelo conservadorismo, aquela uma república herdeira dos ideais revolucionários de 1789. Não acontece diferente na prática teatral quando se percebe a recusa dos "homens de letras" pelo género cômico, marginalizando-o e persistindo numa busca incessante por um modelo dito 'sério" em moldes europeus. Portanto, é no movimento das turnês francesas no Brasil, ao final do século XIX, que encontramos aqueles intérpretes, eternizados por um repertório escrito especialmente para eles, denominados por Jaeques Copeau como os "monstros sagrados" da cena ocidental: Sarah Bernhardt, Eleonora Duse, Ermette Novalli, Eduardo Brazão, Coquelin, Lucien e SachaGuitry, Réjane, entre outros, que visitavam não só o Brasil como também a região do Rio da Prata, ao sul do continente e igualmente a América do Norte, no caso específico de Sarah Bernhardt. Estes artistas de teatro estavam à frente de companhias que vinham do Velho Mundo e cultivavam o desafio de "fazer a América". As últimas décadas do sée. XIX se caracteri7.aram por um pródigo período de intensificação destas turnês estrangeiras pela América Latina, devido, sobretudo, ao iniplemento dos meios de navegação e o paulatino incremento das correntes migratórias da Europa para as Américas. Tratava-se de empreendimentos extremamente rentáveis, sobretudo quando se tinha um nome sobre quem repousava a atração principal, normalmente o primeiro ator ou a primeira atriz da companhia. Em termos da manifestação concreta desta influência francesa, alimentada pela turnê que periodicamente a consolidava, têm-se dois exemplos. Primeiro a presença de um autor como Arthur Azevedo, que se orgulhava em declarar sua filiação ao teatro parisiense, ao pensamento de um Francisque Sarcey no decorrer de uma exaustiva carreira, tanto de escritor quanto de autor, críticoe cronistateatral (LimaTorres, 1996); em segundo, a própria construção deste monumento à cultura dita de elite e erudita, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1909, cujo planejamento arquitetônico e decorativo é írancamente inspirado em modelos franceses. Nesse sentido observa-se que a construção sistemática de teatros municipais, ao longo do litoral, nas principais cidades brasileiras, propiciou a sistematização da presença de companhias dramáticas es119

trangeiras, sobretudo francesas não só no eixo Rio-São Pau]o. Cabe lembrar que estes edifícios facilitaram igualmente a intensificação da movimentação de companhias dramáticas brasileiras. Este é um outro viés da questão que procuraremos desenvolver noutra ocasião. Por Fim, estes monumentos da arquitetura teatral são tratados, ainda hoje, em algumas regiões do Brasil, conio uma espécie de templo consagrado a uma cultura "oficial". Ainda nadécadade 1940, períododa visitade Louis Jouvet, adite das capitais, herdeira da aristocracia imperial e de urnaburgoesia urbana industrial, constitui este segmento de diletantes francófilos, dispostos a pagar o preço do ingresso para desfrutar do mais cobiçado dos lazeres mundanos: ir ao teatro assistir à temporada dramática francesa ou à temporada lírica italiana.

A turnê teatral Poderíamos afirmar que na sua origem mais remota a prática teatral ocidental nasce em turnê. Isto porque que os historiadores atribuem a Téspis a paternidade da tragédia grega enquanto espetáculo, por ter sido ele o primeiro a ter a idéia de fazer o coro responder a uma Figura (hvpocrilès), esboçando assim o rascunho do que seria mais tarde o diálogo teatral. O mesmo Téspis desenvolvia sua atividade teatral, pelas províncias gregas, quando das festas dionisíaeas, dispondo de um único mas determinante dispositivo, sua carroça-tablado. Portanto, se na sua génese o teatro está sob o signo da itinerãncia, esta mesma atividade se transformou, paulatinamente, com a consolidação das cidades, num fenômeno citadino inscrito no tecido de um centro urbano. No séc. XIX, o nomadismo da turnê se confronta como sedentarismo de uma prática teatral que quer se consolidar, lançando as bases de uma indústria do divertimento cada vez mais imensa no cosmopolitismo dos centros urbanos. Neste sentido, a viagem de uma companhia teatral moderna retoma os princípios de uma arte que tem por base a intermitência, igualmente verificada no teatro de feira dos artistas ambulantes, cujo vestígio hoje seria encontrado na prática circense. A exemplo dos festivais, a turnê de uma companhia de teatro estrangeira estabelece uma outra dinâmica entre a prática teatral e a cidade onde ela se apresenta. A turnê é um acontecimento extraordinário que transforma a rotina do local por ela visitado. Diferente daquela pi-ática vivenciada ao longo de uma teniporada tradicional, fixada num teatro, condicionada por um período de tempo determinado, aturnê se caracteriza porser itinerante e sazonal, quando não é anunciada de maneira inesperada. Isto acarreta um cronograma pievianiente racionalizado, prevendo um conjunto de atividades: palestras, conferências, mais modernamente até oficinas e propostas de colaborações artísticas. A turnê se alimenta hoje, mais do que ontem, da troca e do interesse pelo outm, não estando tão prisioneira da especulação comercial de outrora, ganhando contornos de evento cultural. 120

A natureza das turnês se configura ao longo do tempo segundo fatores distintos tais como: o aperfeiçoamento dos meios de transportes; as conseqüências de continos mundiais; a presença de um ator-empresárioà frente de uma trupe; a iigurade um diretoi teatral como animador de um projeto estético; ou ainda o trabalho de um diretor teatral como embaixador de seu país em missão artístico cultural, entre outros fatores não menos importantes. Verifica-se, no estabelecimento da turnê, tanto nas companhias dramáticas estrangeiras que visitavam o Brasil até a década de 1930-40, quanto nas companhias dramáticas nacionais do mesmo período, uma opção muito clara a respeito do trajeto e a escolha, em termos econômicos, muito precisa, selecionando as praças mais atraentes em função da bilheteria. As companhias avaliavam sua passagem ondejá eram conhecidas, onde desfrutavam de certo prestígio, assim como as praças que necessitavam ser conquistadas ou aquelas que poderiam se revelar numa surpresa positiva antevendose uma enchente", quando não se corria direto ao fracasso de um 'forno". Havia o caso de verdadeiras estratégias por parte dos empresários, e conta-se que companhias luso-brasileiras indo ou voltando para Portugal ou para o Brasil anunciavam nosjornais que lcvariam presentes e encomendas aos patrícios e familiares distantes, vivendo num ou noutro país. Artifício, sem dúvida, revelador do tino comercial do empresário, que certamente deveria possuir importante impacto na economia teatral (Reis, 2002). A passagem em turnê de uma companhia ou grupo está associada à disseminação sobretudo de idéias, e não há uma turnê que seja estéril em relação ao solo estrangeiro pelo qual ela passe, não havendo recepção indiferente a este movimento. Tanto é assim que Georges Banu considera como rurnês históricas aquelas que provocam a prática teatral local, estimulando a reflexão, o surgimento de tendências que por si geram uma posteridade celebrada para além da turnê (Banu. 1985). Os exemplos são inútneros, segundo Banu: Bertold Brecht à Paris em 1954 com sua Mãe coragem interpretada por HelIem Weigel; a turnê de Peter Brook com sua versão para o Rei tear de Shakespeare, representado por Paul Scotfield pelos países do leste europeu; o TNP de Vilar em 1955 na Iugoslávia, etc. Este é, em parte, o papel desempenhado pelas turnês ditas estatais ou oficiais, condicionadas pelos respectivos órgãos de representação de um pais. Especificamente aí, o problema econômico da bilheteria não se coloca da mesma forma que numa turnê comercial. Falaremos mais à frente sobre o caso específico da presença francesa através de companhias teatrais estatais que de maneira indireta se inscreveriam nesta denominação histórica preconizada por Georges Banu. No que tange à prática da recepção das turnês no Brasil, em seu livro Ari e: société. Roger Bastide chama a atenção para certos aspectos que, segundo ele. estariam na origem desta intensificação das turnês de companhias teatrais estrangeiras entre 121

nós. Segundo Bastide, o gosto do público brasileiro pelos espeiáculos vindos de fora se justificaria devido à supressão do regime escrava gista, à imigração es! rangeuo. e à emergência (te

110 Vos

segmentos sociais' (Bas(ide. 1977: 99). Concordamos com a

hipótese formulada por Bastide, no tocante ao período pós-República, que é exata, mas que ainda não foi totalmente demonstrada. Na verdade, pode-se supor, através da consulta a periádicos e livros de memórias e viagens, que se trata de períodos distintos da história do espetáculo entre nós, que devem ser relacionados com fatores determinantes para as nuances da geo-economia da prática teatral carioca tais como: o surgimento e o desaparecimento do Teatro Lírico, a inauguração do Teatro Municipal, os conflitos bélicos na Europa e no Brasil, entre outros fatores. Este instigante fenômeno, dadiversificada presença, no Brasil, de um altíssimo número de companhias teati - ais, denominadas dramáticas e líricas, procedentes tanto da Europa (Portugal, Espanha, Itália e França) quanto da América do Sul (A) gentina e Uruguai), ainda não foi dcvidaniente repertoriado e suas conscqúências examinadas. Evidentemente, para tal estudo seria necessário unia abordagem interdisciplinar que levasse em conta tanto aspectos econômicos quanto sociológicos da prática teatral, sem deixar de lado o estudo do imaginário de uma platéia formada por vários segmentos. Isto se constituiria numa prática da recepção das turnês estrangeiras no Brasil. Como prova deste quadro abrangente relativo à identidade brasileira, em constante relação com o continente europeu na luta pela sua afirmação em termos de nacionalidade, vale a pena lembrar a contradição que durante séculos alimentou nossos homens de letras e a intelectualidade brasileira, como salienta o autor de Minha formação: 'De uni lado cio mar sente-se a ausência cio inundo; do outro, a ausência do paiív. O semttiiuento em nós é brasileiro, a imaginação européia.

O teatro francês em turnê no Rio de Janeiro Comojá afirmamos, se nos limitarmos unicamente à virada do séc. XIX para o séc. XX (suas primeiras décadas) poderíamos constatar grosso modo que aprcsençade companhias teatrais pelas principais cidades brasileiras (Manaus, Recife. São Luís. Salvador, Rio de Janeiro. São Paulo, Porto Alegre, etc.) não foi um privilégio do teatro francês. Porestas cidades, circularam igualmente companhias de zarzuelas espanholas e argentinas, companhias italianas, sobretudo as líricas, sem nos esquecermos das companhias dramáticas luso-brasilieras que engrossavam seus lucros cruzando o AtiAnlico de forma sistemática. Este conjunto eclético de nacionalidades, de repertórios e gêneros, representados em língua estrangeira suscita grande interesse por parte da população brasileira do período, que encontra no teatro a atividade essencial de lazer e cultura. Há dc se conferir e analisar o repertório trazido na bagagem, pois é possível 122

arriscar a hipótese deque cstc conjunto dc textos não variasse tanto em termos temáticos. Com a criação tardia da SBAT. somente em 1917, até esta data o plágio, a cópia, o rernake

e todos os demais artifícios de criação intertextuais passam a integrar a cena

teatral. Na verdade, a grande variação seria relativa ao jogo cônico deste ou daquele intérprete representando determinada obra. Esta é sobretudo a característica das empresas encabeçadas por uma vedete ou por um monstro sagrado. A este respeito, notase que o carisma, o magnetismo, a beleza, a dicção, o gesto, a elegância e o bom gosto são as características comentadas pela crítica e pela crônica teatral. No caso específico da presença do teatro francês em turnê pelo Brasil, apesar da escassez de material, salta aos olhos a sua importância quando verificado o levantamento realizado pela administração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, ao final da década de 1950, que enfeixa os repertórios de todas as companhias francesas e seus respectivos elencos que visitaram o célebreedifício daCinelândia entre os anos de 1909 e 1959 (Werneck, 1975). O fato singular deste levantamento contemplar, cm primeiro lugar, os cinqüenta anos do teatro francês e não a produção de outras nacionalidades atesta a indelével importância que se atribuía ao teatro francês. Outro dado mais simbólico é a data de inauguração do prédio da avenida Central em 14 de julho de 1909— data em que se comemora aqueda da Bastilha com a presença da companhia da atriz Réjane nas comemorações de abertura da nova sala de espetáculos. Junte-se a isto o fato de que apenas quatro anos mais tarde, um álbum bilíngue, redigido por Paulo Barreto em francês e em português, acompanhado por belas imagens do edifício recém inaugurado, dando conta inclusive de detalhes técnicos, apresenta-se como documento significativo desta necessidade de divulgar ao mundo civilizado esta obra requintada e anojada que a capital do Brasil passava a dispor e oferecer às companhias estrangeiras. Este prédio perfeitamente equipado e adequado às mais recentes novidades em termos de tecnologia cônica estava à altura de receber as figuras de maior destaque nos palcos europeus. Neste sentido, o prestígio desfrutado pelo teatro francês entre nós sugeriria uma divisão, mesmo que arbitrária, no âmbito deste artigo, no intuito de localizarmos as diferenças e semelhanças relativas à natureza destas diversas viagens empreendidas por empresas teatrais provenientes da França, com o objetivo de mapear os estudos sobre a prática da recepção das turnês estrangeiras no Brasil. Sugiro, portanto, o estaheleciniento dc cinco etapas distintas para avaliarmos os momentos desta presença estrangeira no tocante à cidade do Rio de Janeiro. O primeiro período englobaria as viagens anteriores à chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1 SOS. Esta faixa temporal, abarcando mais de dois séculos, deve seguramente ser estudada à luz das narrativas dc viagens e subdividida segundo as necessidades metodológicas do pesquisador ao deparar-se com período temporal tão extenso e nebuloso. O segundo 123

períodocontemplaria o iníciodo séc. XIX, após achegadadaMissãoFrancesacm 1816, e se concentraria na atividade das Casas de Óperas, no surgimento dos teatros musicais do gênero do Alcazar Lírico de Monsieur Arnaud e nas experiências de um João Caetano como empresário teatral agenciando companhias dramáticas estrangeiras. Um terceiro período se estabeleceria, devido à sistematização da navegação internacional, entre a segunda metade do séc. XIX,passando pela virada do século até a inauguração do Teatro Municipal em 1909. A partir daí, um quarto período chegaria até a década de 1940 passando pelo entre guerras e culminando na II Guerra Mundial. Esta divisão nos permite ao menos perceber que a turnê de Louis Jouvet entre 1941 e 1942, em pleno conflito internacional, se inscreve numa faixadc transição. Esta seria uma das características básicas para se eniendcr a turnê do próprio Louis Jouvet, devido, por um lado, ao fato dc que a exploração puramente comercial levada acabo por empresas teatrais tende a diminuir quase desaparecendo depois da II Guerra Mundial. Por outro lado, após este conflito surge um quinto ciclo de turnês cuja natureza é o de embaixada cultural, uma espécie de missão diplomática difundindo os valores e produtos daquele país. Seu princípio fundamental: consolidar a imagem institucional de seu país. Este quinto momento possui o aspecto de afirmação das nacionalidades associada ao empenho de reestruturação do pós-guerra que perde sua sistematização entre as décadas de 1980 e 1990, pródiga em Festivais internacionais, já no Brasil, que procuram trazer grupos e companhias estrangeiros como atração principal. O final do século é marcadamente influenciado pelo signo da global ização cultural que, em termos teatrais, apresenta-sede forma a acentuar as relações interculturais. Ao longo das décadas de 1940 a 1970, as companhias francesas que visitam o Brasil trazem consigo um repertório que é fruto de uma escolha estética amadurecida e discutida em relação ao trajeto que se estabelece a prior!, a América Latina. Há uma busca por certo rigor estético em relação ao repertório, sobretudo no caso de companhias como a liderada por Louis Jnuvet que linha o próprio na direção dos espetáculos apresentados. Estas companhias baseavam-se num equilíbrio em torno do elenco, tentando apagar os traços deixados por um repertório essencialmente preparado para consolidar a vedete ou o "monstro sagrado'. Verifica-se igualmente o declínio da preponderante figura do ator a despeito da consolidação da figura do diretor teatral. Se em 1903 a turnê do Teatro Antoine. ex-Teatro Libre, ao nos visitar no antigo Teatro Lírico, é confundida pela crítica especializada como mais uma companhia de comédias ansiando uma rica bilheteria, era porque a noção de Teatro de Arte preconizada por Stanislavski era desconhecida neste período, o que não ocorre quando da vinda de Louis Jouvet. Ao contrário do que ocorre com Ántoine em 1903, a temporada do Teatro Louis Jouvet em 1941-42 prenuncia um período de turnês baseadas neste princípio, e isto é verificável 124

no repertório desenvolvido pelas diversas companhias francesas que o sucederam: Jean-Louis Barrault e Madeleine Renaud; o TNP dirigido por Jean Vilar; ode Villeurhaine tendo Roger Planchon na sua coordenação, a própria Comédie Française, apesar de seu perfil mais conservador em relação ao repertório.

A turnê do Teatro Louis Jouvet 1941-1942 Em 17 de abril de 1945, já de retorno ao seu país, Louis Jouvet profere uma conferência no 'I'héâtre de l'Athénée sobrc o "Prestígio do Teatro Francês em Turnê". Após terempreendido ele próprio urna turnô por vários países da América Latina, que durou o tempo do conflito internacional que sacudia o inundo e gerava incertezas em todos os planos, nesta ocasião, o ator, diretor e chefe de trupe expôs o balanço de sua aventura no Novo Mundo como quem relata os momentos de uma longa batalha. Louis Jouvet sempre manteve distância de quaisqucr comentários políticos sobre os acontecimentos internacionais, tanto na França quanto no exterior, e no momento de expor as razões de sua partida em turnê ele declara que: A razões pelas quais eu deixei Paris, e depois a França, não são nem t- eligiosas,

tIenI políticas, mas estriramente profissionais. Eu parti de Pa-

ris para ir à Suíça porque me proibiam aqui de representar dois de meus autores: Jules Rontains e Jean Giraudoux. Esses autores eram considerados anti-culturais, e havia atum equívoco. Nós fazemos teatro por prazer e em liberdade. (Jouvet, 1945: 0)

A companhia do Teatro Louis Jouvet chegou ao Brasil após ter deixado Paris e antes disso se dividindo entre uma temporada na Suíça e outra em zona livre francesa com o célebre espetáculo A escola de mulheres, de Moliêre, cujo primor da direção e a eloqüente interpretação de Louis Jouvet não deixavam indiferentes seus espectadores e comentaristas especializados. Após o término de seus compromissos na Europa e depois deter planejado a turnê à América Latina, no dia 06 dejunho de 1941, a companhia embarcava no paquebot Bagá com destino ao Brasil chegando no porto do Rio de Janeiro em 26 de junho do mesmo ano. A princípio, a intenção de Louis Jouvet e os planos do empreendimento contemplavam unicamente mais uma, já tradicional temporada francesa no hemisfério sul. Neste sentido, o itinerário seria: Rio e São Paulo; Buenos Aires, Rosário e Santa Fé e Montevidéu. O grande diferencial do Teatro Louis Jouvet em relação aos seus predecessores foi a preparação técnica e a organização artística propriamente dita da turnê. Até a década de 1930, as companhias dramáticas que se denominavam francesas e partiam em direção ao Novo Mundo eram organizadas às pressas, sem uma preocupação em de 125

fato reproduzirem Lomé a representação que fora realizada na Europa. Essas empresas que viajavam com uni sumárioc indispensável material de cena, contavam demasiadamente com a sorte, improvisando atores, pessoal técnico, cenários, maquinarias, e sobretudo repertório. Quanto aos ensaios quase sempre se efetuavam a bordo à caminho das cidades a serem visitadas. Neste sentido, a companhia do Teatro Louis Jouvet viajava com todo o seu material necessário para representar na íntegra e fazendo corresponder oa mais alta fidelidade o espetáculo em turnê com o espetáculo apresentado em Paris. Sobre esta questão, o próprio Louis Jouvet declarava orgulhoso quc a companhia transportava seu próprio material necessário aos espetáculos e dispunha de um pessoal técnico especializado: 47 cenários (dos quas quatro comportando unia maquinaria complicada permitindo 9?) udanças de ceiláflO coiti a cena aberta); 01 equipamento completo de cenotécnica e iluminação; 34 cestos para 395 figurinos; 02 cestos de calçados; 04 cestos de chapéus; 02 cestos de maquiagem; 02 cestos de perucas; 51 caixas grandes para cenários;

mais de 138 malas entre arquivos e bagagens dos atores; Total: 233 volumes de material representando um volume de 379 metros cúbi0O5 para tt#ii peso total de 34 toneladas (trinta e quatro mil quilos).

(Jouvet, 1945: 18-9) A presença do Teatro Louis Jouvet deve ser entendida como uma companhia de transição devido às suas características éticas, econômicas e estéticas em relação às turnês das companhias que lhe precederam e das companhias que lhe sucederam. Trata-se de uma companhia dramática cujo repertório é majoritariamcnte calcado em autores franceses contemporâneos - consulte-se neste sentido a relação dos títulos em anexo - e que possuía, por um lado, o seu prestígio associado à pessoa do próprio Louis Jouvet, figura emergente do cinema francês de entre guerras, e de uma primeira atriz, Madeleine Ozeray, o que aproximaria a trupe do futuro Theâtre Athénée ao sistema de vedetariado anteriormente explorado por seus predecessores; por outro lado, o Teatro Louis Jouvet se posicionava na ponta de lança como herdeiro dos ideais de Jacques Copeau, e orientado pelo próprio Louis Jouvet como um teatro de arte, procurando não se confundir com o teatro comercial dito de boulevard. Isto é, tratava-se da constituição de uma trupe permanente com os atores alternando suas participações 126

entre personagens principais e secundários. Estava em jogo, pela iniciativa do Cartel, com a qual Louis Jouvet era fortemente identificado, as sementes da noção da prática teatral como serviço público, o que colaboraria na década seguinte para o surgimento de um teatio de elite para todos", segundo a fórmula de Jean Vilar, animador do TNP. Do ponto de vista do comportamento dos atores, portanto da ética ali desenvo!vida, tínhamos urna companhia cuja orientação de seu principal ator, diretor e chefe de trupe era a preocupação com o conjunto dos elementos da cena. Isto é verificável de forma recorrente na crítica ou na crônica especializada, bem corno nos relatos cujas fontes são as mais diversas espalhadas nos periódicos da época. Entretanto, observase que a maioria da publicidade dos espetáculos da companhia, contraditorianiente. repousava sobre a imagem de Louis Jouvet, como diretor e primeiro ator da mesma companhia, secundado pela diáfana figura de Madeleine Ozeray, encantadoramente bela e loura bem como talentosa. Isto se verifica facilmente nas reportagens e nos artigos dos periódicos cariocas, assim como nas notas sociais relativas às apresentações, as quais traziam pouquíssimas fotografias destacando outros integrantes da companhia francesa que não fosse o casal de primeiros atores. Este pode ser interpretado como o expediente normal da comunidade brasileira que vivia até então do glamour deste sistema ligado ao vedetariado, do qual Louis Jouvet tentava se dissociar acentuando a importância do conjunto de atores. Se, economicamente, Louis Jouvet foi socorrido, momentaneamente, pelo apoio governamental dos países aos quais visitou em turnê, a base do capital de seu empreendimento continuava sendo particular, oriunda da bilheteria. Não se tratava de uma companhia subvencionada como se viu nos anos subseqüentes. O sucesso comercial de um espetáculo orientava os passos seguintes e condicionava a escolha de um repertório comprometido em interessar o espectador e se traduzir artisticamente em nível elevado. Esta condição fez com que, inúmeras vezes, quando estava em dificuldade econômica, Louis Jouvet reapresentasse aos parisienses Knock de Jules Romains, um verdadeiro carro de batalha, visto o triunfo de público e bilheteria. Tanto esta questão do sucesso no teatro era importante que o próprio Louis Jouvet fez a seu respeito a seguinte reflexão:

Nem o autop; irem o ato,; nem o diretor podem viver sem o sucesso, sem esta aquiescência material e moral: sem a receita da bilheteria e sem os aplausos. Aliás, o público raramente oferece tini sem o outro. Eeis afo problema e a lei (lo teatro: antes de qualquer consideração, o teatro deve set; em primeiro Ioga'; uma empresa, unta empresa coorercialfiorescente. É somente assim que ao teatro é permitido se impor no âmbito da arte. Não existe arte dramática sem sucesso. (Jouvet, 1985: 165) 127

Desta forma é preciso que fique claro que a turnê nãoé uma atitude filantrópica ou unicamente uma missão artística cujos benefícios econômicos são olvidados por parecerem menos nobres em relação ao desempenho e o valor da arte do artista. Ora, a companhia de l,ouis Jouvet preocupava com o lucro comercial de sua empreitada. deixandode lado quaisquerescrúpulos ou idealizações em vista de umaséria responsabilidade acerca da necessidade de sobrevivência dos integrantes da companhia. Não podendo voltar à França por conta do agravamento do conflito mundial, Louis Jouvet recebeu a proposta, em termos jamais vistos até então a uma companhia de teatro estrangeira, de estabelecer sua equipe no Rio de Janeiro com o intuito deque fosse preparada a temporada francesa do ano seguinte, 1942. Este convite partiu do então prefeito do Distrito Federal, Henrique Dodworth, que garantiu o pagamento dos custos iniciais paraestaque seria uma temporada francesa oficial apoiada pelaprefeitura do Distrito Federal e pelo próprio governo Vargas. Instalados no prédio da ABI, no centro do Rio de Janeiro, o que estava em gestação era o ponto de partida para uma segunda turnê pela América Latina, agora englobando outros países além dos já tradieionalrnente visitados. Esta turnê duraria para o Teatro Louis Jouvet até 1945, ano do retorno da trupe à França. Entre nós, gente de teatro, ao menos aqueles que se interessam pela história recente do teatro hrasileiro, quando se comenta sobre a passagem do Teatro Louis Jouvet entre Rio e São Paulo nos anos de 1941-42, e em especial sobre a seguoda temporada, três comentários são recorrentes: o encontro do autorGuilhenne Figueiredo com le patmu; a famosa carta de Louis Jouvet endereçada a Procópio Ferreira convidando-o a trabalhar com ele em Paris numa montagem futura de Don Juan; e a retomada da carreira profissional de Madame Morineu que se encontrava vivendo no Rio de Janeiro. Estes fatos por si só foram imortalizados talvez pelo número de vezes que já foram lembrados entre os mais velhos ou talvez pela regularidade com que Guilherme Figueiredo, o crítico teatral, costumava lembrar quando escrevia sobre algum assunto cujo tema passava por Louis Jouvet. De lato é notória a filiação de parte da produção dramática de Guilherme Figueiredo ao estilo e aos princípiosdo trabalho teatral realizados porJean Giraudoux, o autor mais próximo de Louis Jouvet. Isto sugere que o estudo pormenorizado do teatro de Guilhenjie Figueiredo, correlacionado àescrita dramática de Giraudoux, pode trazer revelações enriquecedoras para o entendimento da cena teatral das décadas de 1950 e 1960 no Rio de Janeiro. Já não fosse Guilhemie Figueiredo o tradutorde O iiirtitfi de Moliêre, também um Francófilode primeira linha. Jáacartaa Procópio Ferreira, cujo teor não retomamos aqui, de fato denota a percepção de Louis Jouvet de que estava diante de um grande ator. Sem dúvida um ator com uma maturidade inaudita e um 128

temperamento cênico acrescido de total domínio do palco e da platéia, possuidor de uma dicção impecável e uma gestualidade precisa cujo carisma só reforçava o seu talento. A redescoberta de Madame Morineau, quando da criação dos espetáculos para a segunda tcmporadaem 1942, foi um outro fato sem dúvida marcante tanto para a atriz quanto para a comunidade teatral carioca. Após a retomada de sua carreira como atriz profissional na companhia de Louis Jouvet, sabe-se que Madame Morineau atuou e dirigiu em português, participando da companhia de Bibi Ferreira, preparando e formando atores, alcançando o estatuto de uma grande dama do teatro brasileiro, chegando mais tarde a constituir a sua própria companhia: Os Artistas Unidos que teve a duração de quatorze anos (Cf. Michalski, 1983). Associado a esta segunda temporada, verifica-se ainda a estréia, no Rio de Janeiro, de um texto inédito de Jean Giraudoux, um ato único intitulado Apolion t/o Bebe IMarsacl. Para esta montagem Louis Jouvet contou com o trabalho, na criação

dos cenários, do cenógralo Eduardo Anhaory, cuja colaboração foi definitiva para o sucesso da temporada de 1942. Pouco letubrado, este cenógrafo manteve uma correspondência relativamente intensa com Louis Jouvet visando montagem de outros textos: O nti.vcvitropo e O avarento. A con'espondência trocada pelos dois artistas, ao longo dacontinuação da turnê de Louis .louvet pela América Iatina, foi encontrada por Maria Thereza Guitnarães nos arquivos pertencentes a Georges Readers, diretor do Liceu Pasteur de São Paulo, outro colaborador muito próximo da companhia francesa em turnê. A propósito de Eduardo Anhaory, nota-se que Louis Jouvet o mantém como cenógrafo da mesma peça quando de sua re-estréiaem Paris em 1947. Evidentemente, o acabamento, o material empregado e até mesmo o luxo do novo cenário, se comparado àquele criado no Rio de Janeiro, foi muito superior, entretanto, o princípio do traçado espacial, a idéia original permanece inalterada se consultamos as imagens de ambos. Parte significativa dos acontecimentos sucedidos ao longo de 1941-1942, envolvendo a realização de espetáculos para serem apresentados no Brasil e em seguida partirem em viagem pela Américado Sul, foram parcialmente estudados (Guimarães, 1981; LimaTorres, 1992). A estes fatos normalmente lembrados poderíamos acrescentar, para não nos restringirmos unicamente aoâmbito carioca, aatividadedoentãojovem críticode teatro Décio de Almeida Prado, que na revista Clima dava os seus primeiros passos como espectador atento ao movimento cultural e que trabalhou para que fossem irradiados e difundidos o pensamento e a prática de Louis Jouvet, procurando intermediar o trabalho teatral realizado em cena pelos artistas e o prazer estético no desfrute de uma obra de arte de natureza efêmera e dispersiva. Até onde consigo perceber, talvez tenha sido Décio de Almeida Prado quem melhor revelou, através de suas críticas e crônicas teatrais, as condições de representação do Teatro Louis Jouvet, além de ter lançado as 129

bases para uma compreensão da estética do próprio Louis Jouvct. Crítico, bem informado sobre o movimento teatral fora do Brasil. citando livros que avaliavam o trabalho de Louis Jouvet, Décio de Almeida Prado chama a atenção para o fato (te que a cena de Jouvet se constituía como convenção teatral refutando o absolutismo da quarta parede, sendo esta

1

restritiva ao jogo dos atores, na opinião do diretor francês. Como fiel descendente do teatro idealizado por Jacques Copeau, Louis Jouvet atribui ao texto uma valorização que poderíamos classificar como sagrada. Tudo advém (Ir) texto e o ator é o intérprete da pala-

Loui, Jouvei. 'Feati'o Municipal Ri). t 941 Foto. autor de )eonhl('( ido. acerco Cedoc/ 1 afloro', aiqui lO Biíiio de .4/oe.

vra do autor. O verdadeiro sentido do texto teatral só pode ser revelado a uma platéia, segundo Jouvet, através da verdadeira percepção pelo ator do espírito poético aí inscrito pelo autor. Para finalizar estas notas concisas sobre a turnê do Teatro Louis Jouvet pelo Rio de Janeiro em 1941 e sua rápida estada em 1942, caberia refletir sobre a provocação promovida por esta visita para retomarmos o princípio da turnê histórica preconizada por Georges Banu. Portanto, o legado desta turnê está na capacidade de fazer ver aos artistas de teatro do eixo Rio-São Paulo a posição do diretor teatral como intermediário e porta voz do autor dramático, interpretando sua obra à luz de sua própria imagem poética engendrada pelo texto. Esta capacidade singular de síntese na cena teatral da poesia cio autor, evocada pela construção de uma escrita cênica, é o diferencial mostrado pela direção de Louis Jouvet em seus espetáculos. Num momento em que no teatro carioca o trabalho de organização e coordenação de uma transposição à cena se dava através da pessoa do ensaiador, a meu ver a maioir contribuição da passagem de Jouvet foi a possibilidade de seu ti'abalho. esta l'orma nova de pensar e apresentar a cena, poder ter sido assimilada pelos artistas da prática teatral do período, a exemplo do grupo Os Comediantes. Mesmo a crítica de Nélson Rodrigues ou a antipatia de Ziembinski por Louis Jouvet demonstram que a visita não foi marcada por indiferença. Confirma-se, com os acontecimentos de 1943— a montagem de Vestido de noiva - que a passagem de Louis Jouvei foi uma espécie de ação disseminadora da noção de um teatro dito de arte que necessitava saber comercializar esta forma nova. Estando esta estratégia relacionada ao intenso trabalho de colaboração entre uni diretor e um autor dramático ou, mais do que isso, ao uni verso ficcional de uma obra inteira. Esta loi coro certeza Uma lição 130

assimilada pelo teatro brasileiro, quando se verifica a intimidade que houve entre a escrita dramática de Nelson Rodrigues e o trabalho teatral efetuado por Antunes Filho, anos mais tarde. Se o exemplo do diretor brasileiro não forsufieientemente convincente, basta lembrar a proximidade de Peter Brook com Shakespeare ou Giorgio Strehler com Goldoni. Guardada as devidas proporções, era esta a relação de proximidade estabelecida por Louis Jouvet com as obras de Jules Romains e Jean Giraudoux. O que está emjogo é amaterialização sobre o palco através daconcretude de umaeseritaeêníca do universo ficcional de um autor. Apesar de Antunes Filho ter seguido uma formação muito mais marcada pela influência dos mestres diretores italianos que trabalharam no TBC, lembre-se deque a fonte de inspiração e admiração permanece amesma, isto é, o revolucionário trabalho teatral de Jacques Copeau e sua experiência no Vieux Colombier. CRoNotoGiA

Rio flE JANEIRO s,0 7,

no Trvruo Locis JOUVEr PRp.IEIRA TF.MPORAI)A

-

Nt) BRASH.

1941 - 1942

1941

PAULO

j ti, 17 de julho (RJ)

28 dejulho (SP)

A escola de mulheres, de Molière Direção: Louis Jouvet Cenário e figurino: Christian Bérard Música: Vittorio Rieti

II de julho (RJ)

Recital de Poesias: Lo France poétique: de Vi/loa à aos jours

9, 13 dejulho (Ri)

Kaock, de iules Romain

29 de julho (SP)

Direção e cenários: LouisJouvet

IS dc julho (RJ)

Conferência de Louisiouvet na ABI (Associação Brasileirade

14, 17 de julho (RJ)

Os Ciúmes do Barhouillé. de Molière

1 rnprensa) Trois ospec(s da théâtre

30 de julho (SP)

Direção: Loois ioovet, segundo a encenação do T/iéatre da Viejtx Co/ombier

Cenário e figurino: Christian Bérard Loja//e journée, de Emile Mazaud

Direção: Louis Jouvet Cenário: Christian Bérard La coupe enc/,a,irée, de La Fontaine e Champmeslé

Direção: Louis iouvet Cenário e figo ri no: Christi an l3érard 16. 20 de julho (Ri) 31 de julho (SP)

Ondine, de Jean Giiaudoux

Direção: Louisiouvei Cenário e figurino: Pavel Tchelitchew Música: Uenri Sauguct

IS de julho (Ri)

Conferência de Louis Jouvet na ABL (Academia Brasileira de Letras): "Molière vu par um comédien"

19 de julho (Ri)

Moo .çieur Tmliadec saisi par la rlébauc/ic. de Jules Romain Direção e cenário: Louis Jouvet

22 de julho (RJ)

Electro, de Jean Giraudoux Direção: Louis Jouvet Cenário: Guillaume Monin, recriado por Camille Demangeat Figurino: Dimitri Bouehàme

25 de julho (Ri)

L. guerre de Troie finura pas he,i, de Jean Giraudoux

30 de julho (SP)

Direção: Louisiouvet Cenário e Figurino: Guillaume Monin Música: Maurice Jaubert

17 de outubro (Ri)

Je ''ii 'rol um grata/ ajuDar, dc Steve Passeur

Espetáculo destinado à

Direção: Louis jouvet

Crut Venielhahrasileira Cenário e figurino: Jaeques Dupont

Lafo//ejournee, de Emite Mazaud Direç ão: Loui s Jou vet Cenário: Christian F3érard 24 de outubro (Ri)

Conferência de Louis Jouvet no SNT (Serviço Nacional do Teatro): "Bcaumarehais vu par um eomãdien" (Teatro Ginástieo)

RIO DE JANEIRO

SEGUNDA TEMPORADA —1942

SÃO PAULO -

12, 14.23.25 dejunho

fls,sï. de Margaret Kenoedy e Basil Dean

(Ri)

Tradução de Jean Giraudoux

• 23,28 de julho (SP)

Direção: Louis Jouvet Cenário: René Moulaert, recriado por Carnille Demangeat



e Leon Deguilloux Figurino: Di mitri 8 ouchême •

Música: Maurice Jauhcrt ló. 21 de junho (EU) 21,27 dejolho (SP)

:, ou

FIC

baduie pus acer / 'amou,', dc Alfred Mossel

Direção: Loois Jouvet Cenário: João Maria dos Santos Fi g urino: João Maria dos Santos eJúlio Senna Música: Paul Misraki LA pr fiou tie Rei/ar', de Jean Giraudoux

132

Direção: Louis Jouvet Cenário: Eduardo Anahory 19.28 dejunho (RJ)

L'AnnunceJite àMatie, de Paul Claudel

25 de julho e

Direção: Louis Jouvet

1° de agosto (SP)

Cenário: Eduardo Anahory Figurino: Ana lnãs Carcano e Eduardo .Anahory Música: Renzo Massarani Ondine, de Jean Giraudoux

25 de junho (Ri)

Direção: Louis Jouvet Cenário e figurino: Pavel Tchelitehew Música: Henri Sauguel 26 dejunho e

Le Méd(cin tnalgré fui, de Molière

12 dejulho (RJ)

Direção: Louis Jouvet

27 de julho ISP)

Cenário e figurino: Ana Inês Carcano Música: Renzo Massarani

L 'Occasion, de Prosper Mériméc Direção: Louis Jouvet Cenário e flgurino: Henri Libera! e Wladiniir Alves dc Souza Canções: Paul Misraki

La Se/Te au bois, de Jules Supervielle

30 de junho (Ri)

Direção: Louis Jouvet Cenário e figurino: Ana Inês Carcano Música: Vittorio Rietti

Leopold, Te bien-ai,né, de Jean Sarment

8, 16 dejulho (Ri) 29 de julho

Direção: Louis Jouvel

e 2 de agosto (SP)

Cenário: René'Gahriel, recriado por Caniille Deniangeat

lO, 19 de julho (Ri)

Judith, de iean Giraudoux

31 de julho (SP)

Direção: Louisiouvct Cenário e figurino: Eduardo Anahory Música: Vittorio Rietti Ou

13 de julho (Ri)

fie

budine pus aeec / 'atuou,', de AI fred M ussel

EspetáculoeinheoetTcio

Direção: Louis Jouvct

das crianças vítimas

Cenário: João Maria dos Santos

da guerra

Figurino: João Maria dos Santos e Júlio Senna 1

Música: Paul Misraki

Lafo//ejournée. de Einile Mazaud Direção: Louis Jouvet Cenário: Christian Bérard

133

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134

Tl,êaio' eu

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