A União Europeia, a Turquia e a Segurança Energética

May 27, 2017 | Autor: Luís Eduardo Saraiva | Categoria: International Relations, Energy Security, European Union, Turkey
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A União Europeia, a Turquia e a Segurança Energética LUÍS SARAIVA Investigador do Instituto de Defesa Nacional. Coronel de cavalaria (Res.). Doutor em Relações Internacionais.

Introdução A energia constitui uma das variáveis mais relevantes da segurança global. Apesar das previsões mais pessimistas apontarem para um mundo sem petróleo ou gás natural a partir da década de 2030, na verdade as reservas que têm sido descobertas ou estimadas atualmente lançam aquele horizonte temporal para bem mais longe. A questão de segurança, no entanto, não deixa de adquirir uma relevância progressivamente maior. As sociedades modernas dependem cada vez mais das fontes de energia e têm de garantir a disponibilidade física dos recursos de que necessitam sem interrupções, bem como da sua aquisição a preços razoáveis que não ponham em causa as suas economias. Na revisão de 2008 da Estratégia de Segurança Europeia, que datava já de há cinco anos, o Secretário-geral e Alto Representante da UE no momento, Javier Solana, indicava a importância da segurança energética para a Europa. O problema apresentado então, e que permanece atual, é que a UE estava demasiado dependente dos fornecimentos da Rússia, devido a fortes contratos com a Alemanha e outros países europeus. Este parece ser, de resto, o maior problema de segurança energética da UE. Entretanto, a solução mais apontada parece ser encetar um processo de maior diversificação das fontes. A área mais importante do globo, no que diz respeito à existência de hidrocarbonetos, vai desde a Bacia do Mar Cáspio ao Golfo Pérsico. Mas, para acederem à Europa, a via mais curta e lógica parece ser a Anatólia. Assim, pode colocar-se a seguinte questão: será a Turquia alternativa da UE às rotas russas? O papel da Turquia na diversificação dos sistemas de transporte de energia da Eurásia para a Europa é, sem dúvida, considerado um dos pontos mais importantes da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) da UE (Dogru, 2009: 34). Aceitando que a segurança energética é um dos grandes temas “quentes” europeus, há necessidade de

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se apontar uma solução de reforço da segurança energética europeia. Essa segurança deve materializar-se numa equação que incluirá variáveis como a paralisação do fornecimento, a disponibilidade, a fiabilidade e a diversificação desses fornecimentos, tanto das fontes como dos produtos. Deve ainda considerar a razoabilidade dos preços, os investimentos, a disponibilidade da procura, as dependências dos consumidores e dos fornecedores, e também, as dimensões económicas, políticas e ambientais (Mammadov, 2009: 212). Como se poderá deduzir da leitura, o argumento que aqui se procura apresentar é de que, quando se considera a existência da Turquia como Estado-membro da UE, então grande parte das variáveis acima enunciadas deixam de constituir fonte de preocupação. A primeira secção deste capítulo vai analisar a evolução do dossiê europeu de energia, assim como fazer o ponto de situação da estratégia europeia para a energia. A secção seguinte analisa a estratégia energética da Turquia, com especial ênfase no seu Plano Estratégico para o período de 2010-2014. A terceira secção identifica os recursos existentes na Bacia do Cáspio, considerada a principal região alternativa possível para a UE adquirir hidrocarbonetos. Na secção seguinte procura-se fazer o encontro dos dados analisados anteriormente: a estratégia europeia, a estratégia turca e os recursos disponíveis no Cáspio. De seguida encontra-se uma secção dedicada a demonstrar a validade do argumento de que se a Turquia fosse parte da UE, o acesso comunitário aos recursos energéticos se encontraria enormemente facilitado. Por último, nas notas finais, apresentam-se algumas das ideias-força identificadas neste estudo e consideradas relevantes, apontando-se algumas iniciativas de nível nacional ou comunitário.

A Estratégia Energética Europeia Faça-se então a análise do dossiê europeu de energia. Atendendo ao especial ênfase que merece a Estratégia Europeia para este setor, esta parte do texto também considerará o respetivo ponto de situação. A Europa comunitária tem formalmente uma estratégia energética. Desde 2007 que a UE tem vindo a sublinhar a importância que atribui à conjugação de esforços dos seus Estados-membros por forma a alcançar-se uma maior rentabilização das infraestruturas e recursos ao dispor de todos. Por outro lado, a UE também se preocupa com um aspeto crucial da sua política energética, a questão da segurança energética para todos

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os seus membros. Mas será que a prática corrente, ou seja, a condução de política externa por cada um dos Estados-membros da UE, confirma esta disposição? Não haverá maior ênfase nos esforços pela via bilateral dos seus membros, como é o caso da aproximação entre a Alemanha e a Rússia, nomeadamente, no que diz respeito à concretização do projeto Nord Stream, do que pela via coletiva? O problema é que, conforme foi constatado num estudo apresentado em 2012, a Europa comunitária é demasiadamente dependente das fontes de energia russas. “Presentemente a União Europeia importa 61% do gás natural de que necessita, prevendo-se que aumente essa exigência em 73% em 2020. Esta grande dependência de gás é combinada com a reduzida diversificação de fontes de abastecimento: 84% do seu gás importado vem unicamente de três países: Rússia, Noruega e Argélia” (Rodrigues, Leal e Ribeiro, 2012: 213). Essa dependência parece assim ser cada vez mais devida aos contratos que tem vindo a ser estabelecidos entre a Rússia e a Alemanha – e outros países da UE relevantes na Europa Central e de Leste. A solução para este “quase monopólio” do fornecimento seria promover com mais “vigor” a diversificação das fontes. Onde? No Norte de África, no Atlântico Sul e na África Subsaariana – Sudão, Chade, República Centro-Africana e Nigéria. Na verdade, “a UE e alguns dos Estados-membros definiram, a Bacia do Cáspio como a principal aposta na diversificação de abastecimentos de gás natural” (Idem, Ibidem: 214). Por outro lado, o fluxo energético através da Anatólia parece garantir o acesso da UE à produção do Médio Oriente, que atualmente se encontra sob controlo dos EUA. A Comissão Europeia considera uma prioridade garantir a segurança do fornecimento de petróleo especialmente a países europeus sem acesso ao mar. Tal será conseguido com o reforço da interoperabilidade da rede de oleodutos do Centro Leste europeu (Dogru, 2009: 11). A Conferência Ministerial de Energia realizada em Baku a 13 de novembro de 2004, reuniu a Comissão Europeia com os países costeiros dos mares Negro e Cáspio e ainda alguns vizinhos destes, nomeadamente Azerbaijão, Arménia, Bulgária, Geórgia, Irão (como observador), Cazaquistão, Quirguízia, Moldávia, Federação Russa (como observador), Roménia, Tadjiquistão, Turquia, Ucrânia e Uzbequistão. “A conferência lançou a ‘Iniciativa Baku’ que visava facilitar a integração gradual dos mercados de energia desta região no mercado da UE,

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assim como o transporte dos extensos recursos em petróleo e gás para a Europa, fosse através da Rússia, fosse via outras rotas, tais como o Irão e a Turquia”, escrevia Mammadov em 2009. “Será importante para a segurança energética da UE a existência de rotas seguras do petróleo e do gás do Cáspio pois garantirão à UE a diversidade geográfica das fontes de abastecimento de energia” (Mammadov, 2009: 58). Em março de 2007 o Conselho Europeu estabeleceu uma nova política energética e ambiental por forma a obter sustentabilidade, competitividade e segurança do aprovisionamento (Comissão Europeia, 2008: 2), para além do compromisso da iniciativa “20-20-20”.1 O plano de ação da UE sobre segurança energética e solidariedade (Idem, Ibidem) dedica atenção à necessidade de diversificação das fontes de aprovisionamento. Por muitos anos ainda a UE continuará a estar dependente da energia importada, em petróleo, em carvão e especialmente em gás, nota a Comissão Europeia (2008: 3). Ao propor o plano de ação, a Comissão Europeia identificou como “prioridades comunitárias” as seguintes ações relativas a infraestruturas, ou seja, “prioridades de segurança energética”: (1) plano de interconexão do Báltico; (2) corredor meridional do gás; (3) plano de ação GNL (Gás Natural Liquefeito); (4) anel de energia do Mediterrâneo (energia elétrica, gás, solar e eólica);2 (5) interconexões Norte-Sul do gás e eletricidade na Europa Central e Sudeste; (6) modelo para uma rede ao largo da costa do Mar do Norte. Estas prioridades tiveram a sua aprovação numa primeira etapa da implementação do plano de ação. Seguiram-se, nos períodos seguintes, outras duas etapas: de 2009 a 2010, determinação precisa de quais as ações necessárias para a realização das necessidades de financiamento e potenciais fontes desses financiamentos; a partir de 2010, realização das ações identificadas, tanto a nível comunitário como nacional.3 Ou seja, de acordo com a Comissão Europeia (2008: 2), “redução de 20% das emissões de gases com efeito de estufa, aumento para 20% da quota-parte das energias renováveis no consumo energético (…) e melhoria da eficiência energética em 20%, devendo todos esses objetivos serem atingidos até 2020. 2 Relativamente à Comissão Europeia (2008: 6), esta comprometeu-se a apresentar uma Comunicação até 2010, “incluindo importantes projetos-chave para a diversificação dos aprovisionamentos externos de energia da UE em regiões mais distantes, como as futuras ligações a partir do Iraque, do Médio Oriente e de África”. 3 O “Livro Verde” da Comissão Europeia ou “Instrumento para as Infraestruturas e Segurança Energética” da União Europeia detalham estas abordagens.

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Para além de incidir sobre as questões das infraestruturas, o plano de ação proposto pela Comissão Europeia chamava ainda a atenção para a necessidade de maior ênfase das questões energéticas nas relações internacionais da UE, a identificação de melhores reservas de petróleo e de gás e melhores mecanismos de resposta a crises, a adoção de uma nova dinâmica no domínio da eficiência energética, e uma melhor utilização dos recursos energéticos internos da UE. Na verdade estão a decair os recursos energéticos disponíveis de que a UE dispõe internamente, pelo que o aumento das facilidades de acesso a outras fontes é cada vez mais importante. Mammadov nota que, no que diz respeito à Europa, se prevê um declínio significativo no Mar do Norte, ou seja, na produção offshore da Noruega, do Reino Unido, da Holanda e da Alemanha. Há, contudo, indicadores positivos de perspetivas futuras tanto para a Noruega (com a abertura à exploração do Mar de Barentz) como para o Reino Unido (com o desenvolvimento do campo de Buzzard). A título de comparação, diga-se que nos EUA a produção total de combustíveis líquidos aumentará de 8,2 milhões de barris por dia (valor de 2005) para 10,3 milhões de barris por dia em 2022. No entanto, em 2030 cairá para 9,8 milhões de barris por dia de acordo com Mammadov (2009: 26). A proposta da Comissão Europeia (2008: 8) dá-nos pistas sobre a utilidade de a UE tornar mais fortes os seus laços com os países produtores e de trânsito: “em muitos casos, há necessidade de desenvolver a confiança e laços mais profundos e juridicamente vinculativos entre a UE e os países produtores e de trânsito, o que poderia resultar em benefícios mútuos significativos na perspetiva a longo prazo necessária para financiar os projetos do futuro que exigem uma maior intensidade de capital”. Curiosamente, o texto da Comissão Europeia releva a presença da Noruega no mercado interno da energia como membro do Espaço Económico Europeu. Não faz, no entanto, naquele ponto do texto, qualquer referência à Turquia. A Comissão Europeia (idem) sublinha que é essencial uma colaboração eficaz com a Noruega para a segurança energética da UE. Se tal é verdade, então parece que será e também verdade para a relação com a Turquia, em cujo território se encontram corredores essenciais que possibilitam libertar a UE da pressão russa sobre os fornecimentos, especialmente de gás natural.

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A Comunidade de Energia, instituição que relaciona a UE com os países não membros do Sudeste Europeu, para além dos membros efetivos tem como observadores a Arménia, a Geórgia, a Noruega e a Turquia. Após terem também recebido o estatuto de observadores, a Moldávia, a Ucrânia e a Turquia indicaram formalmente o seu interesse em se tornarem membros de pleno direito daquela comunidade. As negociações que entretanto tiveram lugar acabaram por conceder à Moldávia e à Ucrânia o estatuto de membro. A ronda de negociações com a Turquia decorreu em setembro de 2009, mas até à data ainda não se concretizou a sua plena adesão.4 Parece assim, que a aposta da UE a nível de corredores de abastecimento se faz mais pelos acessos tradicionais – da Rússia, via Ucrânia, principalmente, para a UE – do que por novas rotas alternativas, como é naturalmente o território turco. Na verdade, o próprio plano de ação proposto pela Comissão Europeia (idem: 9) parece querer dar ainda mais ênfase a corredores a Norte quando preconiza, além do mais, que deveria ser desenvolvida uma estratégia sobre a Bielorrússia, atendendo à sua importância como país vizinho e de trânsito. Dois anos depois do seu plano de ação sobre segurança energética, em 2010, a Comissão Europeia apresentou um documento sobre as prioridades em infraestruturas energéticas a partir de 2020, e que consistiu essencialmente na proposta de uma “matriz para uma rede europeia integrada de energia”. Nesse documento é feito um exercício de identificação das necessidades da União Europeia em equipamento de transporte e de armazenamento de combustível, mas sublinha-se também a importância da segurança dos aprovisionamentos. A matriz identifica um grande problema para a UE: “os mercados continuam a estar fragmentados e a ser de natureza monopolista, com diversos entraves à concorrência aberta e leal” (Idem, Ibidem: 7). Conforme refere o documento, parece pois ser necessário que até 2020 a UE disponha, “de uma carteira diversificada de rotas e fontes físicas de gás assim como de uma rede de gás bidirecional e plenamente interligada, sempre que necessário”. Esta evolução relativa à diversificação de rotas e fontes de abastecimento deve ser intimamente ligada à estratégia da UE relativa os países

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De acordo com a informação disponibilizada pela Comunidade de Energia na sua página da internet, disponível em www.energy-community.org, consultada em 15 de abril de 2012.

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terceiros, nomeadamente no que se refere aos novos países fornecedores e de trânsito (Idem, 2010: 7). A Matriz para uma Rede Europeia Integrada de Energia identifica como corredor prioritário, no âmbito do aprovisionamento diversificado de gás à UE, o corredor meridional, de forma a permitir maior diversificação das fontes de abastecimento, ao transportar gás do Cáspio, da Ásia Central e, em geral, do Médio Oriente para a UE (Idem, Ibidem: 12). Entende a Comissão Europeia (Idem: 12) que a diversificação do aprovisionamento de petróleo, por outro lado, pode ser em grande medida conseguida com as infraestruturas atuais através do reforço da interoperabilidade da rede de oleodutos da Europa Centro-Oriental pela ligação dos vários sistemas e eliminando-se pontos de estrangulamento, ou adicionalmente permitindo fluxos inversos. Apesar do grande interesse pela diversificação das fontes, a realidade, conforme já notado acima, é que os acordos bilaterais transportam as prioridades de alguns Estados-membros da UE para outras paragens que não as opções a Sudeste. É o caso do desinteresse com que a UE tem ultimamente tratado o projeto Nabucco, que seria um importante investimento para o fornecimento alternativo de gás para a Europa, aliviando a pressão de tendência monopolista da Rússia. O Nabucco foi parcialmente posto de lado devido ao apoio da Alemanha ao gasoduto Nord Stream que fornece gás russo diretamente a esse país via mar Báltico, acusa Mammadov. Por seu turno, o projeto South Stream, que é proposto ligar a Rússia ao Sudeste europeu por um gasoduto que atravessa o Mar Negro, também tem recebido apoios. O Nord Stream e o South Stream são ambos controlados pela empresa russa Gazprom (Mammadov, 2009: 64), parecendo haver aqui uma inteligente estratégia da Rússia para se antecipar a projetos que, neste campo, ao diversificarem as fontes de abastecimento de gás à UE, possam diminuir o elevado protagonismo russo. Sentindo a necessidade de acelerar a implementação do reforço das infraestruturas europeias, a Comissão Europeia apresentou, em 2011, a proposta de criação de um Grupo de Alto Nível, baseado na cooperação com os países da Europa Centro-Oriental – indicava o grupo de Visegrad –, com um mandato para elaboração durante esse ano de um plano de ação referente às ligações de gás e petróleo Norte-Sul e Leste-Oeste, assim como de eletricidade (Comissão Europeia, 2010: 15).

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Notando que a Comissão Europeia reafirma a importância da conexão de novas capacidades, qual era então a situação da ligação entre a Europa Centro-Oriental e a Europa de Sudeste? Em comparação com a rede no resto do continente, sublinha a Comissão Europeia, no Sudeste a rede de transmissão é bastante escassa. Entretanto, toda a região onde se incluem não só os Estados-membros da UE como outros países da Comunidade de Energia apresenta grandes potencialidades em termos de maior produção hidroelétrica. Há no entanto necessidade de reforçar e adaptar as ligações por forma a aumentar os fluxos de energia entre países da Europa de Sudeste e a Europa Central. “O alargamento da zona síncrona, desde a Grécia (e mais tarde da Bulgária) até à Turquia criará necessidades adicionais de reforço das redes nesses países” (Idem, Ibidem: 33). Assim, a Comissão Europeia recomenda que sejam aumentadas as capacidades de transferência entre os países da Europa de Sudeste, onde se incluem os membros da Comunidade de Energia, para a sua integração nos mercados de eletricidade da Europa Central (Idem, Ibidem). Não é despiciente reiterar o interesse da UE pelo corredor meridional, como foi notado pela Comissão Europeia no texto da “Matriz” acima referida. Este corredor inclui-se, conjuntamente com os corredores Setentrional, Oriental e Mediterrânico, no grupo dos quatro grandes eixos para a diversificação dos aprovisionamentos de gás na Europa identificados pela Comissão Europeia (idem: 34). “O objetivo do corredor meridional é estabelecer uma ligação direta entre o mercado do gás da UE e o maior depósito de gás do mundo (Bacia do Cáspio/ Médio Oriente) estimado em 90,6 biliões de metros cúbicos (a título de comparação, as reservas comprovadas da Rússia são de 44,2 biliões de metros cúbicos)”. Com a vantagem, nota o texto, de que as jazidas de gás estão mais próximas da UE do que os depósitos da Rússia (Idem, Ibidem: 34-35). Deste modo considera a Turquia o principal Estado de trânsito. O grande desafio para o sucesso deste corredor é garantir que todos os elementos estejam disponíveis quando necessário e de forma satisfatória (matéria-prima, infraestruturas e acordos), o que, até à data, não será completamente seguro, enquanto permanecerem pressões de relevantes atores na região, como os EUA, a Rússia e o Irão. No âmbito deste corredor meridional já se encontram em fase de desenvolvimento projetos concretos de transporte, como o Nabucco, ITGI (Turquia-Grécia-Itália), TAP (Grécia-Albânia-Itália) e White Stream,

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além de outros propostos em estudo. Considera a Comissão Europeia (Idem: 35) que o principal desafio para o futuro consistirá em garantir que os países produtores de gás sejam capazes e estejam dispostos a exportar gás diretamente para a Europa, o que poderá muitas vezes implicar que tenham de aceitar elevados riscos políticos ligados à sua situação geopolítica, especialmente devido à sua proximidade com a Rússia. A Comissão Europeia considera que deve continuar a mostrar o seu empenhamento em estabelecer relações a longo prazo com os países produtores de gás nesta região, em cooperação com os Estados-membros envolvidos no corredor meridional e reforçar a sua ligação com a UE. Atualmente a Rússia usa os gasodutos para promover a sua política energética. É o caso do South Stream, que foi lançado e promovido para tornar redundante o projeto Nabucco. Nota Mammadov (2009: 87) que o Nabucco só será realizável se o Cazaquistão e o Turquemenistão aderirem e, para isso, será necessária a construção de um gasoduto que atravesse o Mar Cáspio de Leste para Oeste. Quadro 1 – Reservas de Gás Natural da Região do Cáspio País

Reservas comprovadas

Reservas por comprovar

Total de reservas

4,4

35

39,4

Irão

0

11

11

Cazaquistão

65

88

153

Rússia

N/D

N/D

N/D

Turquemenistão

101

159

260

170,4

293

463,4

Azerbaijão

Total

Valores X1012 pés cúbicos, ou triliões americanos de pés cúbicos. Fonte: PetroleumIran (www.petroliumiran.com).

Não deixando de se enfatizar que o país com o melhor trânsito de hidrocarbonetos do Cáspio para a Europa Comunitária é a Turquia, o que é verdade é que devido a iniciativas de países como a Alemanha e a França, o esforço de ligar a Europa às principais fontes de abastecimento tem sido feito sempre com mais veemência a Norte do que a Sul, reforçando-se assim a dependência da Rússia em vez de se prosseguir a via da diversificação de fontes. Se houver uma genuína vontade de fazer aproximar a União Europeia das principais jazidas mundiais de hidrocarbonetos, então a adoção de

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medidas para reforço das infraestruturas de transporte e armazenamento de combustível deve refletir essa vontade. Ora, o que se tem visto, pelo menos no que à Turquia diz respeito, é que motivos nem sempre muito claros ou pretextos de argumentação não muito forte têm impedido que o processo de adesão da Turquia à UE se concretize. O corredor de Sudeste é essencial para a segurança energética da Europa e se o Irão melhorar as suas relações políticas e comerciais com a União Europeia, então será incontornável o interesse de se poder contar com os corredores da Anatólia para garantir, agora sim, uma verdadeira e sustentada alternativa às rotas de Leste para Oeste. Na sua tese, Mammadov (2009) faz uma análise muito cristalina da posição da Europa face ao interesse da Bacia do Cáspio. Claro que essa análise é a de um académico do Azerbaijão, e portanto, a perspetiva é centrada nesse país costeiro do Mar Cáspio. O autor chama a atenção de que já data de 1993 a primeira ligação da UE à região, quando, por forma a tirar partido da favorável posição geográfica no que concerne ao comércio, a UE iniciou o projeto TRACECA, Transport Corridor Europe, Caucasus, Asia, relativo a transportes. O programa seguinte, criado em 1995, denominou-se INOGATE, Interstate Oil and Gas Transport to Europe. O mandato deste programa consiste em apoiar o desenvolvimento da cooperação no campo energético entre a UE, os Estados costeiros dos mares Negro e Cáspio e os respetivos países vizinhos. O quadro de cooperação cobre as áreas de gás e petróleo, eletricidade, energias renováveis e eficiência energética. O INOGATE também se debruça sobre as estratégias gerais de segurança energética, tanto dos países parceiros como da UE. A partir de novembro de 2004 e até 2006 teve lugar um processo de alargamento do âmbito das atividades do INOGATE, a partir de uma conferência de ministros de energia em Baku a 13 desse mês, referida como a “Iniciativa de Baku”. Dois anos depois, a 30 de novembro de 2006 esta iniciativa culminou com a assinatura da Declaração Ministerial da Energia de Astana, pela qual o programa INOGATE teve o seu âmbito alargado e os seus objetivos foram formalmente adotados por todos os países envolvidos (Mammadov, 2009: 87). O INOGATE continua atualmente a implementar outras orientações. Presentemente, como acima já referido, a Europa é muito dependente das importações, tanto de petróleo como de gás, em particular da Rússia, e tudo faz prever que esta dependência se irá acentuar. O caso do gás é o

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mais grave: a Rússia parece poder vir a tornar-se o fornecedor tendencialmente exclusivo de gás natural para a Europa. Por seu turno, a empresa russa Gazprom tem orientado muita da sua exportação de gás de forma a servir as necessidades crescentes dos países da UE, bem como da Turquia. Se a UE realmente quer ter uma política energética robusta e coerente, então alguns desideratos do seu “Livro Verde: Estratégia Europeia para uma Energia Sustentável, Competitiva e Segura”, divulgado pela Comissão Europeia em 2006, deveriam já ter tido resultados palpáveis, o que, salvo alguns passos titubeantes, até à data não parece ser o caso. O Livro Verde refere que um primeiro passo deveria consistir em chegar-se a acordo a nível comunitário sobre quais os objetivos da política energética externa da UE. Seriam particularmente significativas para a dimensão externa as vantagens que adviriam de uma abordagem baseada numa análise estratégica da energia da UE, que por sua vez deveria ser centrada em alguns grandes objetivos e instrumentos, ou seja, de acordo com o texto do livro verde: (1) uma política clara de segurança e diversificação do aprovisionamento energético; (2) depois, no estabelecimento de parcerias energéticas com países produtores, com países de trânsito e com outros intervenientes internacionais (o Livro Verde só refere a Rússia, a Noruega, a Ucrânia, a Bacia do Cáspio, os países mediterrânicos, a OPEP e o Conselho de Cooperação do Golfo, parecendo haver alguma distração na relevância da Turquia para a segurança energética da UE); (3) a promoção do diálogo com os grandes produtores e fornecedores de energia; (4) o desenvolvimento de uma comunidade pan-europeia da energia; (5) reagir eficazmente a situações de crise externa; (6) integrar a energia nas outras políticas com uma dimensão externa; (7) finalmente, perspetivar a energia como forma de promover o desenvolvimento. Em resumo, aquando da promoção dos debates que conduziram em 2003 à aprovação da estratégia europeia de segurança, foi já nesse momento tratada com relevo a questão da necessidade de se estabelecerem medidas com vista à segurança energética da UE, de forma a garantir que não ficaria refém de decisões ou de acontecimentos que, ocorrendo num fornecedor de hidrocarbonetos para a Europa, limitassem ou bloqueassem as fontes de energia de que a Europa tanto carece. O estabelecimento de uma política energética europeia em 2007 veio materializar a linha de ação que conduziria ao reforço dessa segurança energética. A principal

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ação preconizada era uma diversificação das fontes, que já se faz, contudo em percentagens pouco relevantes. A aposta na aproximação aos produtos do Médio Oriente e com origem especialmente no Mar Cáspio parece constituir a mais segura forma de diversificar essas fontes, fomentando assim a segurança energética. Contudo, movimentos individuais de alguns Estados-membros tendem a fragilizar essa via. A Alemanha, por exemplo, com a sua relação privilegiada com a Rússia, promovendo o reforço do reabastecimento a Norte através de contratos bilaterais, não parece muito interessada em que a diversificação das fontes – e portanto, o reforço de segurança energética da UE – se concretize. E sem a vontade da Alemanha, a rota energética do Sudeste que evite a Rússia nunca será uma realidade. Adicionalmente deverá fazer a Turquia repensar os seus esforços, que têm sido legítimos e transparentes, para trabalhar no sentido de incrementar a segurança energética da UE, clube de que quer ainda ser membro, e para o qual a sua adesão traria grandes benefícios na vertente energética, como se tentará demonstrar adiante.

A Estratégia Energética da Turquia Feita a análise do dossiê europeu de energia e o ponto de situação, documento UE sobre estratégia energética, façamos agora uma abordagem analítica à forma como a Turquia lida com o seu próprio dossiê de energia e como o utiliza como fator de convergência com a sua candidatura à UE. A Turquia, modesto produtor de recursos energéticos é, no entanto, país vizinho das maiores jazidas de hidrocarbonetos do planeta. Fazendo a ponte entre o mundo altamente industrializado do Ocidente, com um pé na Europa e outro no Médio Oriente onde se encontram essas riquezas, os territórios da Ásia Menor, serão sempre, se quiser, um fator de peso na aquisição de energia pela Europa. Na nota de apresentação do Plano Estratégico do Ministério da Energia e Recursos Naturais da Turquia (2010-2014), difundido pelo governo turco em 2009, o Ministro da Energia, Taner Yildiz, referia-se à preocupação do seu ministério na avaliação dos recursos de energia dos países a Leste através da atualização das características geográficas que possibilitam o transporte de tais recursos para os países Ocidentais e os projetos que cubram as dimensões comercial e política do envolvimento (Ministry of Energy and Natural Resources, 2010: 2). Notando ter sido a Turquia alvo de variados estudos que a elevaram ao estatuto de

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“corredor de energia”, sublinhava que o país se tinha constituído como um novo e crítico ator dos projetos multinacionais de oleodutos e gasodutos e da arena internacional de energia (Idem, Ibidem). No entanto, o plano estratégico turco vai para além do petróleo e gás natural, pois, como afirmava o ministro, em 2023 terá sido atingida a integração do potencial energético do carvão, das barragens, da capacidade geotérmica e do nuclear na economia turca. Apesar disso, como forma adicional de reduzir a dependência externa dos recursos energéticos, pois a Turquia é importadora líquida de combustíveis fósseis, serão incrementados os estudos, dentro do período considerado no plano, para a exploração e produção de petróleo, gás natural e carvão. O plano estratégico define os objetivos estratégicos da Turquia, ou seja, (1) providenciar diversidade de recursos dando prioridade aos recursos domésticos; (2) aumentar a cota de recursos energéticos renováveis no fornecimento de energia; (3) aumentar a eficiência energética; (4) garantir em pleno as condições de operação do mercado livre e providenciar o reforço do ambiente de investimento; (5) fornecer uma diversidade de recursos na área do petróleo e do gás natural e tomar as medidas necessárias para reduzir os riscos devidos à importação; (6) tornar o país numa plataforma de distribuição e terminal de energia pela utilização eficaz da posição geoestratégica turca no quadro dos processos de cooperação regional; (7) minimizar os impactos ambientais negativos na área das atividades de energia e recursos naturais; (8) incrementar a contribuição dos recursos naturais turcos para a economia nacional; (9) incrementar a obtenção das matérias-primas nacionais, reservas metálicas e não-metálicas, e providenciar para a sua utilização à escala nacional; e, finalmente, (10) aumentar a eficácia da gestão dos recursos de energia e naturais. O esforço financeiro do orçamento do ministério da energia e recursos naturais distribui-se, no período de 2010 a 2014, por estas dez áreas, no entanto, aposta no incremento da eficácia da gestão de recursos, na diversificação e no aumento da cota, totalizando o valor de 3542,067 milhões de liras turcas (cerca de 1,012 milhões de euros). Considera-se relevante a análise mais detalhada dos objetivos de tornar o território da Turquia um entreposto e terminal de energia, pela utilização eficaz da sua posição geoestratégica. Inserido no tema geral estratégico dedicado à influência regional e global do país na área de energia,

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aquele objetivo dedica-se a explorar as vantagens da posição geográfica da Turquia. É evidente que no setor da energia o país tem influência tanto a nível regional como a terá ao nível global, como é entendimento do ministério da energia turco (Idem, Ibidem: 29). A Turquia encontra-se na área geográfica onde existem 72% das reservas provadas de petróleo e gás natural do mundo, concentrados no Médio Oriente e na Bacia do Cáspio. Espera-se que em meados de 2030 o consumo de energia aumente cerca de 40% e prevê-se também que tal consumo seja satisfeito, principalmente, com os recursos da região onde a Turquia se insere. É por isso que a Turquia aposta no desempenho de um papel relevante, em termos de desenvolvimento, no setor global de energia e no quadro das vantagens que advêm da sua privilegiada condição geoestratégica, como nota o documento do ministério da energia e recursos naturais, assim como, aspira também fomentar a diversificação dos países fornecedores para a sua própria segurança energética. O desempenho de um papel relevante na transferência dos ricos recursos de hidrocarbonetos para os mercados crescentes e especialmente o mercado da UE é assim considerado um desiderato estratégico de grande importância (Idem, Ibidem: 29). De acordo com o ministério turco da energia, no ano de 2015, tanto a Turquia como a Europa assegurarão a inserção de projetos na agenda para o aumento da segurança de fornecimento de petróleo e gás natural (Idem, Ibidem: 30), no que consistirá a primeira meta do objetivo de tornar o país um hub e terminal de energia constante do plano estratégico. Uma segunda meta será duplicar o volume de crude recebido no terminal portuário de Ceyhan até 2015 (relativamente a 2008). A terceira será converter a região de Ceyhan num terminal integrado de energia, o que atualmente, pode considerar-se, já é uma meta alcançada, e a quarta meta será a plena integração dos sistemas turcos na UCTE, agora substituída pelo ENTSOE, ou seja, o operador para a eletricidade da rede europeia de sistemas de transmissão de energia.5 A Union for the Coordination of the Transmission of Electricity (UCTE) coordenava a operação e desenvolvimento da rede de transmissão de eletricidade para toda a rede de transmissão operada sincronicamente na Europa continental, assim providenciando uma plataforma fiável para todos os participantes do mercado interno de eletricidade e para além deste. Em julho de 2009 todas as suas tarefas operacionais foram transferidas para a European Network of Transmission Systems Operator for Electricity (ENTSOE), da União Europeia. A Turquia não 5

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Quadro 2 – Petróleo Encaminhado para o Terminal de Ceyhan Ano

Milhões de Barris

2006

57

2007

211

2008

245

2009

287

Estimativa para 2014

500

Fonte: Ministry of Energy and Natural Resources, Turkey

O terminal de Ceyhan, operacional desde 2006, tem recebido ao longo dos últimos anos um valor crescente de petróleo, que depois é encaminhado por petroleiros para os mercados europeus, pretendendo o governo turco atingir em 2014 os 500 milhões de barris. Quase todo o petróleo do Azerbaijão é atualmente exportado via o oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC) pelo terminal de Ceyhan, na costa mediterrânica da Turquia, evitando-se assim o pesado tráfego marítimo dos Estreitos e evitando também a Rússia. De notar que o acordo para a construção do BTC, considerado pela Turquia o principal oleoduto de exportação, foi assinado a 18 de novembro de 1999 em Istambul pelos Presidentes do Azerbaijão, da Turquia, da Geórgia e do Cazaquistão, contando com a participação do Presidente dos EUA (Mammadov, 2009: 40), o que ilustra a importância geostratégica que lhe atribuíram os atores com papel relevante na região. Até à data da conclusão do plano estratégico turco, a Turquia encontrava-se envolvida em vários projetos internacionais, o que depois se refletiu na conceção do plano. Destacam-se o oleoduto Iraque-Turquia (2010), a rede Nabucco de gasodutos de gás natural, em construção com os constrangimentos já enunciados, havendo previsões (otimistas) de que estará pronto para o primeiro período de operação em 2014. A posição turca é muito importante para este projeto, tendo o governo turco já encetado conversações relativas à redução de taxas sobre o gás que transita no seu território. O primeiro-ministro Tayyip Erdog˘an não compareceu na Cimeira de Budapeste, onde o projeto Nabucco foi discutido, dando o sinal de que a UE necessita de abrir as conversações sobre o capítulo da faz ainda parte desta rede. Ver https://www.entsoe.eu/the-association/history/ucte, consultado em 15 de abril de 2012.

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energia da adesão da Turquia à UE antes de quaisquer compromissos da Turquia com o projeto Nabucco. De acordo com o planeamento já esboçado, o Nabucco inicialmente fornecerá gás apenas com origem no Azerbaijão, mas serão necessários outros fornecedores no futuro, porque os países do Sudoeste do Cáspio poderão não ter reservas suficientes que justifiquem os custos de financiamento do oleoduto, segundo afirmam os analistas e as entidades representativas das grandes corporações, nota Mammadov (2009: 65). Na verdade, afirma aquele autor, existem muitas hesitações da parte do Cazaquistão e do Turquemenistão em se envolverem, por terem receio das represálias russas se vierem a aderir ao projeto Nabucco. De referir também o projeto DGBH entre a Turquia, a Grécia e a Itália, de que se iniciou em 2011 a construção do troço Grécia-Itália, denominado Poseidon Pipeline, e prevendo-se a plena entrada ao serviço em 2014. Em 2011, foi também completada a ligação do projeto para unir as redes de gás natural da Síria e da Turquia. Para além destes, outros sete projetos estavam, à data do plano, em fase de negociações, como o DGBH com o Iraque, o DGBH com o Turquemenistão, o DGBH com o Qatar, o projeto de múltiplos oleodutos e gasodutos com Israel, o Blue Stream 2, o South Stream e o projeto HPBH Semsun-Ceyhan. O objetivo de criar um hub e terminal de energia, constante no plano estratégico turco, oferece quatro estratégias, atendendo essencialmente, não apenas aos seus próprios recursos como também privilegiando o posicionamento estratégico. Em primeiro lugar, com a vantagem oferecida pela posição geográfica e geoestratégica do país, serão prosseguidos os estudos consonantes com o objetivo de se tornar tanto um hub como um terminal nos transportes de produção do Médio Oriente e Ásia Central para os mercados mundiais. Numa segunda abordagem, as autoridades turcas prosseguirão com as conversações, e será feita a coordenação com as entidades relevantes do país, para aceleração dos projetos e para a estabilização da cooperação com os países interessados com o propósito da atualização das instalações de petróleo e gás natural dentro do âmbito dos projetos de gasodutos e oleodutos que estão em agenda. Em terceiro lugar, de forma a aumentar o potencial de importação e exportação de energia elétrica, serão estabelecidas com os países vizinhos as ligações de transmissão internacionais, enquanto as ligações já existentes serão renovadas. Por último, no início da implementação

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do plano a Turquia pretendia assegurar a sincronização entre o sistema turco de transmissão e o UCTE (Ministry of Energy and Natural Resources, 2010: 31), que a UE substituiu entretanto pelo ENTSOE, já referido anteriormente. Durante a administração Clinton, conforme escreve Mammadov, o embaixador Richard Morningstar, conselheiro especial do presidente norte-americano para a diplomacia da energia na Bacia do Cáspio, referindo-se à política energética dos EUA em relação à Bacia do Cáspio, não só sublinhou a relevância do oleoduto Baku-Ceyhan como uma forma viável de comercializar o petróleo do Cáspio para o Mediterrâneo, como também relevou uma visão muito mais alargada de que o oleoduto criaria um vínculo económico robusto entre a Ásia Central, o Cáucaso e a Turquia. O pipeline Baku–Tbilisi–Ceyhan não apenas evitaria os riscos comerciais, ambientais e de segurança devidos a um grande aumento dos carregamentos de petróleo através do Bósforo, mas para além disso, garantiria que a Turquia continuasse a ser um ator incontornável no processo de desenvolvimento dos recursos energéticos do Cáspio, desempenhando cumulativamente um papel estabilizador nas regiões voláteis do Cáucaso e da Ásia Central (Mammadov, 2009: 57). A Turquia encontra-se assim, voluntaria ou involuntariamente, no desempenho de um papel central no que concerne ao “grande jogo” da estratégia dos recursos energéticos, que os grandes atores internacionais jogam na região, nomeadamente os EUA, a Rússia e a União Europeia, mas onde se poderão também incluir o Irão e a China. Cabe à Turquia assumir plenamente as responsabilidades e desafios que tal papel lhe trará, o que, a conseguir-se, lhe atribuirá outros argumentos e vantagens que poderão fazer diminuir os obstáculos com que vai deparando durante o já longo caminho da adesão à União Europeia. Com vista a reforçar a ideia de que realmente é à Turquia que compete esse papel fundamental no acesso da UE aos recursos energéticos da região do Cáspio e Médio Oriente, será útil analisar-se com especial atenção o tipo e quantidade de recursos de que dispõe a região, o que se concretiza de seguida.

Os Recursos da Bacia do Cáspio Analisemos então os recursos existentes na Bacia do Cáspio, a principal região alternativa possível para a aquisição de hidrocarbonetos pela UE.

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Claro que muitas outras possibilidades se têm mostrado disponíveis ultimamente, mas esta será a região mais perto das fronteiras Sudeste da Europa, daí a sua relevância para esta análise. Ademais, é a riqueza de recursos da região que confere importância à Turquia, na perspetiva das necessidades energéticas da UE. Com o agravar da necessidade de energia a nível global a Bacia do Cáspio tem-se tornado cada vez mais uma área de competição que os atores utilizarão para atingirem os seus objetivos geopolíticos. Torna-se pois relevante analisar quais os recursos, ou seja, a qualidade e quantidade disponíveis na Bacia do Cáspio, assim como, parecer também útil analisar a forma como a UE acede atualmente a esses mesmos recursos, e se precisa ou não da Turquia para poder aceder-lhes. Para responder à primeira questão, como confirmação da sua validade, ou seja, identificação de quais são os recursos, há que analisar os dados dos países da região, incluindo o Irão, e cruzá-los com outras fontes. Na região que inclui a Bacia do Cáspio e vai até ao Golfo Pérsico, os resultados apontam para a existência daquelas que serão das maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo. Nos quadros 3 e 4 podem comprovar-se os valores relativos à existência de recursos já disponíveis ou expectáveis, por país.6 Quadro 3 – Reservas de Gás Natural e Petróleo da Região do Cáspio País

Reservas de petróleo provadas (BBL)

Reservas de petróleo estimadas (BBL)

Reservas de Petróleo Total (BBL)

Reservas de gás natural provadas (mMm3)

Reservas de gás natural estimadas (mMm3)

reservas de gás natural Total (mMm3)

Azerbaijão

1.2

32

33.2

100

990

849,5

Irão(*)

0.1

15

15.1

0

310

29.610

Cazaquistão

5.4

92

97.4

1.800

2.490

2.407

Rússia

2.7

14

16.7

N/A

N/A

N/A

Turquemenistão

0.6

80

80.6

2.820

4.470

44.800

BBL = mil milhões barris mMm3 = mil milhões m3 (*) Só a região do Báltico. Fonte: PetroleumIran (www.petroliumiran.com)

6

Dados disponíveis em http://www.petroleumiran.com/index.php?option=com_content& view=article&id=85:caspian-sea-region-reserves-and-pipelines-tables&catid=32:caspian-sea-region&Itemid=37, consultados em 17 de abril de 2012.

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Quadro 4 – Reservas de Gás Natural e Petróleo da Região do Cáspio País

Reservas de petróleo provadas (BBL=mil milhões de barris)

Reservas de gás natural provadas (mil milhões de m3)

7

849, 5

137(*)

29.610

Cazaquistão

30

2.407

Rússia

60

44.800

Turquemenistão

0,6

7.504

Azerbaijão Irão

(*) Valor baseado em declarações iranianas. Fonte: CIA Factbook, 2011.

A discrepância entre os valores destes dois quadros é atribuível a vários fatores, dos quais se podem incluir a data de divulgação dos dados, a eventual manipulação das fontes, uma diferente abordagem à interpretação dos dados, etc. Nenhuma das interpretações deixa, no entanto, de salientar o peso relativo dos países costeiros do Cáspio no que diz respeito aos recursos energéticos disponíveis. Seria também interessante uma breve análise da posição assumida por esses mesmos países relativamente à geoestratégia atual e principais atores. Tal análise fugirá um pouco ao âmbito deste capítulo, pelo que analisaremos com mais detalhe o Azerbaijão, devido à sua relevância para a ligação do Cáspio à UE. “Os EUA e a Rússia, em conjunto com outros, são considerados os principais atores da região da Bacia do Cáspio”, afirma Mammadov (2009: 3) – que é azeri –, a propósito do seu estudo sobre a geopolítica da energia na região do Mar Cáspio, e no qual se debruça sobre os desafios para o Azerbaijão. Na realidade este país não tem acesso direto aos mercados mundiais e alguns dos seus vizinhos são também produtores. Assim, coloca-se a este país a questão do transporte dos recursos energéticos que possui. Mammadov entende que na próxima década o Azerbaijão se tornará um importante fornecedor de gás natural à Turquia e à Europa, o que parece estar já a confirmar-se com a adição do campo de condensado e gás natural do gasoduto do Cáucaso Sul (SCP). De resto, como se poderá observar acima, o Azerbaijão terá ao seu dispor reservas enormes. De notar que nos últimos anos cerca de 40.000 milhões USD foram investidos no Azerbaijão e que as reservas financeiras do país montam a 20.000 milhões USD enquanto a dívida pública é de cerca de 2.500 milhões USD, o que demonstra alguma vitalidade na economia do país. Conforme bem ilustra Mammadov

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(idem: 77), o Azerbaijão é, com os seus vastos recursos energéticos, a “rolha da garrafa” contendo as riquezas da Bacia do Cáspio e da Ásia Central. No que diz respeito ao Irão, para além da sua posição não consentânea com as questões do uso da energia nuclear para fins não pacíficos, o que conduziu a que lhe tenham sido impostas graves limitações no seio das nações, a principal questão relativa à região em apreço tem a ver com o seu não reconhecimento dos limites propostos para as águas territoriais do Cáspio. Do mesmo modo que a Rússia, o Irão teria vantagens no uso partilhado (comum) do Cáspio, o que lhe daria acesso às jazidas mais importantes daquele mar, que se situam principalmente em zonas adjacentes às costas do Azerbaijão e Turquemenistão. A Rússia, que vê muitas vantagens neste uso conjunto, acabaria, no entanto, por subscrever o tratado baseado na linha da equidistância, o que o Irão não aceitou até à data, exigindo que lhe seja atribuída uma parcela do Mar Cáspio equivalente a um quinto da sua superfície. O Cazaquistão ocupa a costa Nordeste do Cáspio e, fazendo fronteira com a China, encontra-se numa posição geostratégica privilegiada para se tornar a passagem natural dos recursos energéticos do Cáspio para aquela potência. Conjuntamente com o Turquemenistão possui a grande fatia das reservas provadas de gás natural da Bacia do Cáspio, daí a sua crucial importância para o sucesso do projeto Nabucco. Se tal projeto não puder contar com a adesão destes dois países dificilmente poderá vir a ser operacionalizado. Permanecem por resolver entre o Cazaquistão e o Turquemenistão questões sobre a fronteira marítima. O tratado sobre a delimitação do fundo marinho foi já ratificado entre o Cazaquistão, a Rússia e o Azerbaijão, faltando a ratificação do Turquemenistão, enquanto o Irão, como se notou acima, continua a insistir numa fatia de um quinto da superfície. Como a guerra com a Geórgia bem marcou, a Rússia desempenha na região da Bacia do Cáspio um papel incontornável. A decisão de criação de rotas alternativas de gás para a UE contará sempre com a atenção da Rússia, que está permanentemente em condições de ditar a sua vontade na região. O Turquemenistão tem contenciosos com o Azerbaijão relativamente às riquezas do fundo do Mar Cáspio e à delimitação de fronteiras

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marítimas, o que tem impedido uma mais profícua relação no que diz respeito ao fomento de projetos conjuntos para aproveitamento dos recursos energéticos. Se analisarmos a lista dos maiores fornecedores de gás à Europa, constatamos, no entanto, que dos Estados costeiros do Mar Cáspio, apenas a Rússia consta da lista, e em primeiro lugar. Os indicadores parecem pois sugerir que, como principal fornecedor de gás para a Europa, a Rússia, é incontornável, e só se os outros Estados costeiros do Mar Cáspio se unirem para constituírem uma frente comum de fornecimento à Europa poderão, eventualmente, vir a desalojar o quase monopólio russo instalado. Na sua natureza, a situação do fornecimento de petróleo bruto não é muito diferente da do gás. Neste particular, no entanto, a UE dispõe de muito maior diversidade de fornecimentos, de distintas regiões do globo, razão pela qual a Rússia, numa atitude similar relativa à do fornecimento de gás, não disporá de capacidade para se impor como grande e exclusivo fornecedor. Quadro 5 – Importação de Gás Natural da UE 27 (Principais Exportadores/Produtores em 2010) Valor em Terajoules

Valor equivalente, mil milhões de m3

Rússia

4.384.008

115,299

Noruega

3.891.713

102,352

Holanda

1.819.591

47,855

Argélia

1.186.428

31,203

Qatar

1.182.822

31,108

503.049

13,230

485.991

12,782

País

Nigéria Reino Unido

Unidade: Terajoules (Gross caloric value-GCV).

No entanto, poderá ainda assim afirmar-se que, no que concerne aos recursos do Mar Cáspio que são adquiridos pela UE, haverá alguma distração com as ofertas deste mercado, pois a UE ultimamente tem investido mais em infraestruturas no Norte, reforçando a sua relação comercial de hidrocarbonetos com a Rússia, do que a Sul. Para além disso, a UE parece querer criar “resistências” à candidatura de adesão da Turquia, que poderia ser a principal plataforma europeia de entrada de hidrocarbonetos oriundos da região em estudo.

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De qualquer forma, a aposta no Nabucco, para além de compromissos relativos ao Blue Stream e ao projeto do South Stream, demonstrará que a UE não visa encerrar definitivamente o dossiê da criação de alternativas às rotas de gás natural e petróleo mais a Norte. Quadro 6 – Principais Exportadores/Produtores de Petróleo Bruto para a UE 27 em 2010 Rússia

179.480

Nigéria

21.704

Noruega

71.610

Azerbaijão

21.673

Líbia

52.964

Iraque

16.952

Arábia Saudita

30.774

Síria

7.738

Irão

29.679

México

6.783

Cazaquistão

28.709

Dinamarca

6.708

Reino Unido

28.558

Brasil

4.828

Unidade: milhares de toneladas Fonte: Eurostat (appsso.eurostat.ec.europa.eu)

Existem outras possibilidades para a UE? Qual poderá ser a melhor opção de futuro, na relação da UE com os países do Cáspio? Essa relação poderá fazer-se por “apadrinhamento da Rússia”, o que parece ser o mais provável e natural, mas também poderá ser viável pela Turquia, ou então com recurso às rotas energéticas marítimas que liguem a UE com outros centros de produção de hidrocarbonetos. O projeto Nabucco tem a relutância, para não dizer a oposição, da Rússia e do Irão. Ambos discordam da forma como a partilha está a planear ser feita e não estão interessados que a Europa tenha acesso a uma terceira via de fornecimento de gás natural do Cáspio que não os incluísse nos planos. A Rússia e o Irão veriam o gasoduto que atravessasse o Cáspio – via fundamental para a viabilidade do Nabucco – como minando as suas hipóteses de fornecer gás à Europa, a Rússia via South Stream e o Irão via Turquia (Idem, Ibidem: 55). Só com a resolução de todo o tipo de contenciosos que existem entre os países do Cáspio se poderá chegar a uma solução que viabilize o ambicioso projeto Nabucco, e essa solução não parece, para já, estar disponível por razões várias: em primeiro lugar, porque a Rússia não quer perder a sua posição de líder no comércio de gás para a Europa, e depois, porque a Comunidade Internacional e, nomeadamente, a Europa, não podem contar com a boa vontade, a transparência e o interesse do atual regime iraniano.

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Para além de tudo, projetos de uma via alternativa à Rússia para fornecimento de hidrocarbonetos à Europa só ganharão força com a entrada da Turquia na UE, o que não parece estar ainda no horizonte próximo.

Aproximação das Políticas Energéticas da UE e da Turquia É claro que existem pontos de sobreposição, ou seja, de reforço mútuo, entre a estratégia da UE para a segurança energética e os planos estratégicos do governo turco para a energia e recursos naturais. A questão do alargamento da diversidade de fontes, tanto para a UE como para a Turquia, poderá ser resolvida graças à conjugação de esforços, se não for com vista à futura adesão da Turquia à UE, pelo menos visando o reforço dos laços políticos e económicos, o que traria evidentes benefícios mútuos. Procuremos fazer então o encontro dos dados analisados relativos à Europa, à Turquia e aos recursos da Bacia do Cáspio, com o objetivo de confirmar a viabilidade do hub turco satisfação das necessidades da Europa comunitária. Num artigo publicado recentemente no periódico português Jornal I, Paulo Gorjão afirmava que o grande relevo obtido pela Turquia no período da Guerra Fria, não terá desaparecido após o fim da mesma, tendo esta sabido manter-se central na geopolítica da energia. “A aliança [da UE] com Ancara é estratégica no xadrez da produção e distribuição de petróleo e de gás natural do Oriente para o Ocidente. Acresce que, à luz da turbulência política e da instabilidade que tem vindo a ocorrer no Médio Oriente, a Turquia assume acrescida importância política” (Gorjão, 2011). Dogru também nota que um aspeto que é peculiar, e importante, na posição geográfica da Turquia é a importância da segurança energética. A região onde o país se insere tem perto de 72% das reservas provadas de gás no mundo e de 73% das de petróleo, particularmente do Médio Oriente e da Bacia do Mar Cáspio. Daí, do lado europeu, a enorme dependência do gás russo e as dificuldades de garantir um corredor ininterrupto de energia tornam a passagem pela Turquia altamente valorizada. A Turquia é já um entreposto de energia importante por passar no seu território o oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), que transporta petróleo da Bacia do Cáspio para o Mediterrâneo em direção à Europa. A construção do gasoduto Nabucco está a caminho e o acordo foi recentemente (2009) assinado. Esta via permitirá diversificar as fontes por

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forma a fazer face às necessidades dos consumidores de energia ocidentais. Mas isto só será válido se for confirmada a sua viabilidade, ou seja, se os compromissos dos países da região em cuja posse se encontram as maiores reservas aderirem ao projeto. Contudo, nota Dogru, discórdias dentro da Europa a respeito da procura de energia em países terceiros, nomeadamente a Rússia, tornam difícil a elaboração de uma política europeia de energia que seja coerente. Por outro lado, no que diz respeito à Turquia, a forma de diminuir a sua dependência energética – que é ainda maior que a da Europa –, será previsivelmente feita pela construção de uma central nuclear nos próximos anos, afirma Dogru (2009: 35), não apontando, no entanto, uma solução real e imediata necessária para resolver as atuais limitações ou hesitações que projetos como o Nabucco sofrem. Como se viu anteriormente, a opção pelo corredor meridional parece ser aquela que melhor permitiria escapar ao “abraço apertado” da Rússia no negócio do gás natural tão necessário à Europa comunitária. Adicionalmente, esta é também a opção da UE que melhor serve os interesses estratégicos da Turquia, seja em relação à região onde se insere, onde cada vez mais aparece considerada como potência regional, seja em relação às suas pretensões de ser aceite no “clube europeu”. Atualmente há vários projetos que materializam duas rotas principais para entregar gás do Cáspio à Europa. Uma rota visa a Rússia como país de trânsito, seja através do melhoramento do sistema de gasodutos da Ásia Central, que liga o Turquemenistão, Uzbequistão, Cazaquistão e Rússia, seja pela construção de um gasoduto costeiro no Mar Cáspio, no Turquemenistão, Cazaquistão e Rússia. Em maio de 2007 os chefes de Estado da Rússia, do Cazaquistão, do Turquemenistão e do Uzbequistão assinavam importantes declarações sobre essas alternativas. A segunda rota é o denominado “corredor meridional”, com gasodutos através do Azerbaijão, Geórgia e Turquia, seguindo depois mais além. Há várias propostas para esta rota, sejam opções transcaspianas, o Nabucco, a interconexão Itália-Grécia e o gasoduto trans-Adriático (Mammadov, 2009: 59). Poder-se-ia afirmar que a estratégia energética da Turquia foi elaborada atendendo a um conjunto de pressupostos, referentes a condições presentes e futuras, onde a expetativa de adesão à UE não será um dos menos importantes. As manobras políticas, diplomáticas e económicas de alguns Estados-membros parecem sugerir que também neles reside

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esse entendimento. Por isso mesmo, talvez por não assumirem compromissos que levem ao inevitável apoio à candidatura da Turquia, prefiram lançar-se nos braços de um perigo não menos temível, de que até agora a Europa sempre conseguiu eximir-se ou libertar-se, a eterna tentação imperial da Rússia em direção ao Ocidente europeu. Mas se, na perspetiva energética, a UE está realmente dependente da Rússia então a solução para fazer descomprimir essa pressão será mesmo a Turquia, como se tentará demonstrar a seguir.

A UE está Dependente da Rússia: a Solução será a Adesão da Turquia? A UE tem que persistir na busca de melhores soluções para as suas necessidades energéticas. Uma fragilização demasiada neste domínio não será consentânea com as suas pretensões de jogar o papel de ator global. É também, por isso, que deverá reforçar a sua segurança energética. Como também se viu anteriormente, um dos fatores para garantir essa segurança residirá na maior diversificação das fontes de recursos energéticos. Procuremos então nesta secção demonstrar a validade do argumento de que se a Turquia fosse já parte da UE, o acesso comunitário aos recursos energéticos se encontraria enormemente facilitado. Ou, colocada a questão de outro modo, haverá reforço da segurança energética da Europa comunitária com a entrada da Turquia? Uma análise dos critérios de Copenhaga, que identificam as “qualificações” necessárias para a adesão ao clube europeu, poderá dar eventuais pistas para a resposta a esta questão. Os critérios políticos exigem que a Turquia, como país candidato, disponha de instituições que garantam a democracia, o Estado de direito, os direitos do Homem e a proteção e o respeito pelas minorias. O critério económico exige a presença na Turquia de uma economia de mercado que funcione efetivamente e seja capaz de lidar eficazmente com as forças de mercado e a concorrência da União Europeia. O critério do acervo comunitário obriga à existência de capacidade para assumir obrigações decorrentes da adesão, onde se inclui a adoção dos objetivos de união política, económica e monetária europeia.7 Ora, não parece haver à parUm Estado, para aderir à UE, terá de cumprir três exigências, ou critérios: político, económico e de acervo comunitário. Estes critérios são, essencialmente, as condições impostas pelo artigo 49.º e os princípios do n.º 1 do artigo 6.º do Tratado da UE, que, posteriormente, foram confirmados e reforçados no Conselho Europeu de Madrid, em 1995. 7

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tida grandes dificuldades com estes aspetos. Coloca-se, no entanto, a questão dos curdos, no que respeita aos direitos das minorias, mas cuja solução não é impossível de se alcançar. Outra controvérsia, anotada, é de que na Turquia o poder militar é demasiado interveniente na esfera política, o que também não é uma questão que não possa ser dirimida através do reforço das instituições democráticas da República Turca e de promoção dos valores europeus, que consagram, por exemplo, a laicidade do Estado. Também o critério do acervo comunitário, ou seja, da sua adoção por parte da Turquia, não parece constituir obstáculo inultrapassável, especialmente a adoção dos objetivos da união política, económica e monetária europeia. Mas se tal fosse assim tão relevante, não estariam ainda no clube europeu países como a Bulgária e a Roménia. Num artigo publicado no Portuguese Journal of International Affairs no verão de 2010, Diogo Noivo notava que, se fosse ignorada a aposta turca para adesão à UE a Europa poderia vir a perder uma oportunidade crucial de desenvolver com a Turquia uma parceria estável e democrática, e, consequentemente, de expandir os chamados valores europeus, de manter a sua sustentabilidade económica, de criar uma sólida ponte para o Médio Oriente, onde a Europa não é levada a sério atualmente como um ator internacional credível. Por seu turno, também se perderia uma oportunidade de a UE se ligar ao mundo muçulmano, um elemento muito importante, tanto para a sua vizinhança como para a sua segurança interna (Noivo, 2010: 32). No portal internet do projeto Nabucco, uma notícia de 2012, relevava a iniciativa do governo turco de aprovar o início da aquisição de terrenos de passagem do projeto Nabucco, demonstrando a confiança da Turquia na exequibilidade de tal projeto. De acordo com a notícia (S/a.,2012), o governo turco aprovou as atividades decorrentes da designação de utilidade pública relativamente a processos de expropriação de terras onde passará o Nabucco. Essa resolução, datada de 14 de fevereiro de 2012, constitui um pré-requisito para o início dos processos de expropriação e reconhece os benefícios públicos desse projeto. Esta notícia, publicada na página eletrónica oficial do Nabucco, confirma o otimismo da Turquia de que o Nabucco é um projeto viável e de ter o apoio tanto do lado europeu como do lado das fontes, ou seja, dos países costeiros do Mar Cáspio.

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A 7 de setembro de 2011, a Comissão Europeia enviou ao Parlamento Europeu uma comunicação onde, a propósito da política energética da UE, apontava como caminho, o “estreitar dos laços com os parceiros para além das nossas fronteiras”. A comunicação referia a ligação próxima da Turquia à rede elétrica da UE e considerava que o país poderia tornar-se um importante hub de gás e país de trânsito de gás para a UE. “Os progressos nas negociações de adesão da Turquia ao Tratado da Comunidade da Energia e no sentido da abertura do capítulo relativo à energia nas negociações de adesão contribuíram para aprofundar a cooperação e estabelecer um quadro sólido no domínio do transporte de gás através da Turquia” (Comissão Europeia, 2011: 7). Claro que este texto não contém indicadores de promessas de adesão, mas não deixa de vincar a importância da Turquia para o projeto europeu e para o reforço da segurança energética da UE. Por outro lado, já no ano anterior, a Comissão Europeia (2010) propunha no documento sobre prioridades de infraestruturas de energia para o período de 2020 em diante, a propósito da diversificação de fontes de gás para a concretização de uma rede de gás europeia interconectada e flexível, e, de forma a atingirem-se esses objetivos, referindo-se que qualquer região europeia deverá implementar as infraestruturas necessárias que permitam acesso físico a pelo menos duas fontes diferente, tendo sido identificados como corredores prioritários os seguintes: corredor meridional para alargar a diversificação de fontes ao nível da UE e para trazer gás do Cáspio, da Ásia Central e do Médio Oriente para a UE; ligar os mares Báltico, Adriático, Negro e Egeu através de um plano integrado – o BEMIP, Baltic Energy market Interconnection Plan – e do corredor Norte-Sul na Europa Central, de Leste e de Sudeste. De acordo com o que escreveu Dogru em 2009, deverá ser ponderado como é que a Estratégia Europeia de Segurança tem materializado a política externa e de segurança desde 2003 e, adicionalmente, o que deverá ser considerado de acordo com as atuais necessidades de segurança. No relatório de Solana de 2008, sobre as eventuais necessidades de revisão da Estratégia Europeia de Segurança de 2003, encontram-se algumas pistas para resposta a essas questões, que, quase uma década depois, continuam a ser muito relevantes e atuais. Entretanto, novos desafios foram adicionados à lista de 2003, entre eles a segurança energética, a cibersegurança e as alterações climáticas. No que diz respeito à

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segurança energética, foi sublinhado no relatório de 2008 a dependência da UE e o aumento dessa dependência a curto prazo, que atingirá 75% da sua importação de petróleo (Dogru, 2009: 20). Poderá não ser possível evitar o incremento da dependência energética da UE mas, como se terá podido analisar, existem variadas opções que evitam que se coloque a solução para a dependência crescente nas mãos de um único decisor, a Rússia. Por outro lado, a evolução natural da relação entre a UE e a Turquia, seja tendo no horizonte a sua plena adesão, seja noutro quadro alternativo, é sem dúvida parte da solução, contribuindo também para que a UE reforce o seu papel de ator global, agora que, cada vez mais, o poder parece distribuir-se à volta dos recursos energéticos.

Notas Finais Da análise apresentada acima é possível extrair algumas ideias que sublinham a relevância do argumento apresentado. Adicionalmente poderão ser apresentadas algumas propostas sobre iniciativas que poderiam ser levadas a cabo por forma a satisfazer-se algumas das prioridades de segurança energética apresentadas pela Comissão Europeia no plano de ação da UE sobre segurança energética e solidariedade. À primeira vista, tudo parece apontar para um leque de vantagens com uma futura adesão da Turquia à UE. Fazendo parte da Comunidade de Energia, fundada pela UE, a Turquia não passa, no entanto, de um mero observador e não de um membro de pleno direito. Mas se é incontornável que a adesão da Turquia transportaria a UE para muito mais perto das maiores jazidas de petróleo e gás natural do Golfo Pérsico à Bacia do Cáspio, também é verdade, que essa aproximação tornaria mais vulnerável a UE nas suas novas fronteiras a Sudeste. Para além disso, não é despiciente o efeito que dezenas de milhões de turcos iriam provocar nos mercados europeus e especialmente no comércio e indústria. Como dito por alguém com uma visão global da questão, “a Turquia tornar-se-ia a China dentro da União Europeia”, com produtos manufaturados de baixo custo a invadirem os mercados da Europa. A questão de existência de outras diferenças – sejam elas culturais, religiosas ou étnicas – ficará assim muito esbatida posta em confronto com as questões económicas. Em resumo, a entrada da Turquia no “Clube Europeu” terá sem dúvidas vantagens imediatas, uma das quais seria de que a UE veria reforçado o

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seu desejo de jogar um dos principais papéis na geopolítica atual. Mas há que acautelar aspetos que, embora menos visíveis e parecendo pouco preocupantes no imediato, não deixarão de afetar negativamente a coesão e o bem-estar do espaço europeu. De qualquer modo, com ou sem Turquia, a UE não quererá deixar de ser um ator relevante na região que cada vez mais surge como contendo os mais vastos recursos energéticos do planeta, aquela região que o pai da geopolítica moderna, Mackinder, denominou de Heartland. Conforme afirmou em Versalhes em 1919, quem dominar a Europa de leste comanda o Heartland, quem dominar o Heartland comanda a Ilha-Mundo e quem dominar a Ilha-Mundo comanda o Mundo. Com as suas pretensões de ator global, a Europa não pode deixar escapar a oportunidade de ser relevante na região para onde a sua fronteira Sudeste se projeta naturalmente tal como a emergência da Turquia como um ator regional, não pode ser negligenciada pelo seu já demasiado longo processo de adesão. Bibliografia Barysch, Katinka (2011). Can Turkey’s rise lift Arab neighbours?. London: Center for European Reform. Disponível em http://www.cer,org.uk/articles/barysch_ yaleglobal_9june11.html. Consultado em 9 de junho de 2011. Basbakanlik, T. C. (2010). European Union Strategy for Turkey’s Accession Process. Ankara: Secretariat General for EU Affairs. Bilgin, Pinar (2004). “Os estudos de segurança na Turquia: situando a Turquia no ‘Ocidente’ por meio de ‘Escrever a Segurança’”. Contexto Internacional, n.º 1, Jan/Jun, pp. 149-185. Rio de Janeiro: PUC/Instituto de Relações Internacionais [em linha]. Disponível em http://publique.rdc.puc-rio.br/contextointernacional/media/Bilgin_vol26n1.pdf. Consultado em 1 de julho de 2011. Borges, João Vieira (2004). “A Turquia e a União Europeia”. Jornal de Defesa e Relações Internacionais. Disponível em http://www.jornaldefesa.com.pt/conteudos/view_ txt.asp?id=90. Consultado em 7 de junho de 2011. Comissão Europeia (2011). A Política Energética da UE: Estreitar os Laços com os Parceiros para Além das Nossas Fronteiras. Comunicação da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu. Bruxelas, 7.9.2011, COM (2011) 539, Final. Comissão Europeia (2010). Prioridades em Infra-estruturas Energéticas para 2020 e mais além – Matriz para uma Rede Europeia Integrada de Energia. Bruxelas, 17.11.2010, COM (2010) 677 final [em linha]. Disponível em http://eur-lex.

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