A universalização da filosofia ocidental e as perspectivas filosóficas africanas

May 27, 2017 | Autor: Jéssica Lara | Categoria: Filosofía africana
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A universalização da filosofia ocidental e as perspectivas filosóficas africanas


Jéssica Rodrigues Lara



A propagação dos estudos sobre os pensamentos europeus e a propagação de preconceitos intelectuais contra a existência de pensamentos de legítima origem africana, meio que criou uma crença de que qualquer manifestação de raciocínio se dava pelo fato da África ter sido colonizada, e por tanto, os europeus teriam servido como base para a evolução de pensamentos, colocando o continente africano em uma posição bastante inferior ao continente europeu como se fosse impossível de existir pensamentos originais e puramente africanos. O que acontece é que muito se fala sobre as produções europeias, e quase não se fala (ou nunca se fala) sobre as descobertas, produções africanas, e partir daí houve um certo esquecimento do continente, apenas lembrado como fonte de escravos, ou como selvagens , bárbaros, que pouca contribuição intelectual poderiam dar ao mundo, ou que fossem capazes intelectualmente para produzir, fato esse que contribui para a imagem que foi construída sobre ele, limitando a visão de que o continente é algo a mais que um mero produto da colonização, e, mais precisamente falando de produções filosóficas, estas realmente não nos chegam com tanta rapidez e facilidade quanto as teorias europeias, e infelizmente por puro descaso e falta de interesse, quase como um desinteresse político de divulgação.
Além disso, há a problemática de se querer definir o que de fato é africano, de modo que se houver qualquer citação ou referência à qualquer autor europeu, o pensamento já é considerado como uma evolução de uma teoria europeia Durante muito tempo vários pensadores se concentraram nesta investigação, a fim de obter uma origem dos conhecimentos perpetuados pelo continente africano, se estendendo assim à questão se realmente existem pensamentos originais ou apenas conhecimento, que se diverge em todas as partes do mundo.
Outra problemática existente em termos de conhecimento é o da tradição oral. Os povos africanos têm por tradição compartilhar histórias e lições por meio da oralidade, em contrapartida com a tradição europeia da escrita. Durante muito tempo a escrita foi considerada como um reforço de algo importante dentro de uma sociedade, como assegurar ou validar uma lei, por exemplo, como se a escrita fosse legitimadora dos raciocínios. Apesar de tudo, observa-se também uma rígida organização na transmissão dos conhecimentos por meio da oralidade, e é esta organização que assegura a validade as informações, além disso, como há um enorme interesse em preservar a informação de forma correta, este método também auxilia a expansão e manutenção da memória. Vale lembrar que a escrita não é algo que sempre existiu no mundo e que anteriormente à ela as sociedades conseguiam se organizar e validar seus decretos, sendo assim, a transmissão pela oralidade nada tem a ver com uma ausência da escrita e sim por uma preferência e que o homem é a palavra, sendo muito mais importante o que se diz e não a forma em que os argumentos são apresentados. Boa parte da tradição oral se baseia no divino, de forma que a palavra é o poder do homem, é o que dá vida e o sentido das coisas na vida e na sociedade, e essa tradição é tão rigorosa que a mentira é considerada uma lepra moral, considerado bastante grave e é desejável a morte física e social daquele que mente.
Quando falamos em conhecimento isso também remete à ciência, no que diz respeito à esse assunto, é evidente o quanto informações sobre cientistas africanos não chegam com tanta pluralidade e evidência quanto as descobertas e cientistas europeus e de outras partes do ocidente. E isto ocorre não por falta de cientistas ou de uma produção científica africana, mas como já vimos anteriormente, qualquer forma de produção inteligível que se atribua ao continente africano é de alguma forma escondida, apagada. O que temos é que com a vinda dos europeus à África e então à sua colonização, todas as pesquisas e conhecimentos já adquiridos foram de certa forma, plagiados por eles ou interrompidos, na tentativa de " evoluir cientificamente" o continente, devido às formas a que se chegaram a esse saber, que muito se diferencia do ocidente, mas a sua eficácia não é perdida, pois certas técnicas muitas vezes se mostram superiores às vigentes no exterior. Sendo assim, o que faltou, como sempre, foi um reconhecimento da pesquisa que utiliza técnicas diferentes e às vezes até mais simples, mas estas não perdem a sua sofisticação e sua aplicabilidade, já que muitas dessas pesquisas foram úteis ao mundo inteiro, mas este nunca o reconheceu.
É correto afirmar que existe uma produção filosófica africana que abrange todas as grandes áreas da filosofia, como a metafísica e a epistemologia por exemplo. No caso da metafísica, temos a constituição da pessoalidade de forma tripartida de fato, de forma quase que suas partes fossem individualizadas, e estas compõe o indivíduo em si e o indivíduo social. No que concerne à epistemologia as formas de aquisição do conhecimento variam de acordo com os conceitos sócio- culturais, mas que muitas vezes é colocada em questão a possibilidade de uma epistemologia africana tendo em vista a pluralidade e a diversidade de pensamento e aquisição do conhecimento. O conceito de racionalidade é algo muito importante e está intimamente ligada ao conhecimento, sendo que a racionalidade epistêmica visa a verdade e se baseia sobre o conhecimento, uma justificação da crença, que é parte da verdade. O problema de uma epistemologia africana é que encontrar um conceito que se adeque à todo o continente se torna complicado na medida em que os povos compreendem e transmitem de formas diferentes o conhecimento.
No campo político encontramos o conceito de consenso como regulador político, diferente do ocidente em sua democracia, onde há uma fuga de um sistema de partido único ou de multipartidarismo. Este conceito de consenso não significa a vontade da maioria como na democracia, mas consiste em um diálogo consistente que se dá anteriormente à qualquer decisão politicamente importante. Gostaria aqui de fazer um paralelo com outro viés da cultura africana que são os jogos e os seus significados, onde a finalidade do jogo não é a competição e sim o que se pode extrair do jogo de forma compartilhada, não existindo assim nem vencedores e nem perdedores, esta forma de guiar a política exclui a possibilidade de transformá-la em mero jogo competitivo de interesse e medida de forças tal como ocorre no ocidente. O que vemos aqui, é que não se nega o fato de existirem conflitos, porém o conflito é algo habitual do ser humano, sendo assim, politicamente falando, temos um sistema que tenta por meio do diálogo chegar à melhor decisão possível, permitindo à todos os que constituem o conselho uma participação efetiva nas decisões que dizem respeito ao coletivo, que também inclui a participação das mulheres.
E por falar em mulheres, temos um outro ponto que difere do ocidente: focos feministas e concepção de família. Como foi destacado no texto de Oyèrónké Oyěwùmí, as pautas feministas ocidentais lutam contra o patriarcado, dentro da concepção de família nuclear, este modelo de família é algo totalmente desconhecido em boa parte da África como pontua a autora, e nesse sentido, devemos ter todo o cuidado ao fazer generalizações, e é aí que se inicia uma nova problemática : a concepção de conceitos universais. Como universalizar o conceito de família se a concepção ou a formação de família não é única, e sabemos que há uma diversidade e pluralidade de famílias existentes, tornando falha estas definições, abrindo espaço para outro tipos de debates, e fazendo necessário assim a construção do feminismo negro para tratar das pautas pertencentes as experiências das mulheres negras africanas, que muito se difere do feminismo branco ocidental, temos que ter em vista que não é uma divisão entre brancas e negras, mas uma pormenorização de problemáticas cotidianas pertencentes à cada uma delas, essa experiência cotidiana é diferente para cada uma, por isso a necessidade de separar as pautas, mas é com a finalidade de focar nos pontos certos tentando a inclusão dos diferentes pontos de vista, experiência e cultura.
Temos assim, uma rica e variada produção filosófica africana, entretanto, as únicas produções com uma divulgação bastante ampla são às europeias, algo que realmente tem origem desde a colonização, mas o problema não é só esta questão, pois esta falsa crença de como seria o continente africano também depende de nós, de aceitarmos confortavelmente tudo o que nos é passado. De fato é muito simples e fácil encontrar uma obra de um autor europeu, existe um eurocentrismo acadêmico de fato, mas sempre podemos ir mais além de nossos currículos e ampliar nossos horizontes. Como pesquisadores e estudantes tem o foco em ampliar o conhecimento de forma universal, porque apenas focar e se interessar por visões ocidentais? É necessário quebrar o padrão para ir mais além, e ir atrás destas informações e interpretá-las corretamente, é errôneo tentar compreender algo, alguém a partir do ponto de vista de quem está de fora, sem falar que cada conclusão, apresentação tem um interesse. É necessário analisar detalhadamente do lado de dentro. Enfim, há muito tempo e de várias formas houve a tentativa de tirar o continente africano da participação da produção intelectual do mundo, promovendo apenas os pensamentos ocidentais, e pouco a pouco tentando apagar os vestígios da capacidade e dos resultados africanos, e o que pode mudar esse cenário é essa sensação de ausência, de incompletude. Devemos estudar o ocidente? Sim, mas não apenas o ocidente, também deve ser estudado tudo o que ele tenta esconder, é essa sensação que vai fazer a diferença, e não apenas isso, tem que encontrar, compreender e compartilhar com o restante do mundo.



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