A UNIVERSIDADE COMO INSTITUIÇÃO SOCIAL: POR UM ENSINO CONTRA O MERCANTILISMO NA EDUCACAO

May 27, 2017 | Autor: Éwerton Oliveira | Categoria: Paulo Freire, Max Weber, Educação, Universidade
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Paulo Freire em Diálogo com outros (as) autores (as)
A UNIVERSIDADE COMO INSTITUIÇÃO SOCIAL: POR UM ENSINO CONTRA O
MERCANTILISMO NA EDUCAÇÃO

Éwerton de Sousa Oliveira[1]

Resumo
O objetivo do artigo é dissertar sobre algumas questões na conjuntura
utilizada para a construção do conhecimento científico dentro das academias
brasileiras. O estudo de caráter qualitativo busca em amplitude fazer
alguns questionamentos sobre o espaço universitário no que se refere à
exposição das ideologias dos docentes e discentes. A análise relacional das
universidades brasileiras a partir das obras: "Pedagogia do Oprimido" de
Paulo Freire, "A ciência como vocação" e "Sobre a Universidade" de Max
Weber, contribuem para a reflexão sobre os possíveis caminhos das
universidades do Brasil. Apontamos, a partir de nossas reflexões que o
mercantilismo na educação que vem sendo adotado no meio acadêmico cria
mordaças que dificultam o pleno espaço para o pensamento crítico e reflete
no empobrecimento da construção do saber.

Palavras-chave: Paulo Freire. Max Weber. Universidade. Educação.


Introdução
Em contexto com a atual forma de construção de conhecimento na
academia brasileira, o presente estudo tem como objetivo tecer algumas
reflexões sobre as consequências da ditadura civil-militar (1964-1984) na
educação superior, buscando estabelecer um diálogo com o intelectual alemão
Max Weber, que discorreu sobre a educação amordaçada em uma Alemanha pós
Primeira Guerra Mundial.
A pertinência do trabalho está na necessidade de apontarmos contra-
argumentos em detrimento da ascensão de movimentos como a "Escola Sem
Partido" que tramita um projeto de lei que suprimem a liberdade de
expressão de docentes e discentes em qualquer nível de escolarização.
Dentro dessa perspectiva, Paulo Freire em "Pedagogia do Oprimido"
(2011) discorre sobre o caráter opressor que sufoca o espaço de reflexão e
de criação no âmbito educativo e cria uma educação produtivista. Esta
concepção educativa, em que a pedagogia do opressor é pensada para o
oprimido é chamada por Freire de "concepção bancária" - uma educação posta
sem nenhum tipo de diálogo e reflexão.
O trabalho não tem o objetivo de apresentar soluções aos problemas da
educação operacional que se manifesta cada vez mais forte nas academias
brasileiras, entretanto, busca problematizar tal situação. Como a pesquisa
qualitativa não busca a extração nem aplicação de resultado, mas questionar
possíveis percursos para a retomada de uma educação reflexiva.
Questionamos, desta maneira, se adotado tal anteprojeto (PL
Nº867/2015). Quais as possíveis consequências à educação brasileira?
Compreendemos que é sempre necessário questionar o contexto no qual estamos
inseridos, para que possamos apontar quais possíveis caminhos queremos
trilhar.
Levando em consideração que o momento da aprovação do anteprojeto
ainda não aconteceu, o possível paralelo levantado nesse estudo,
consideramos pertinente relacionar os acontecimentos narrados por Max Weber
nas academias alemãs com as denúncias apontadas por Paulo Freire, sobre uma
educação sem diálogo e sem reflexão.


A educação operacional: tecendo algumas reflexões à luz das obras de Paulo
Freire e Max Weber

Com seu início, aproximadamente, no século XIII, a universidade
europeia sempre teve seu caráter de diferenciação entre outras instituições
sociais. Seja por regras, normas e valores que a ela trazem legitimidade.
O caráter de "construtora de conhecimento" dada à universidade
europeia, se deu pela autonomia em frente à religião e ao Estado. Ou seja,
a construção do saber a partir de suas próprias realidades. Daí se dá os
principais valores para a característica de uma universidade: formação,
reflexão, criação e crítica.
Com as lutas sociais e políticas dos últimos séculos, e também, com a
conquista da educação como direito, a universidade tornou-se também uma
instituição social inseparável de democracia e democratização do saber
científico.
Contudo, se houve uma instituição que no período da ditadura civil-
militar sofreu fortes ataques a sua dignidade acadêmica, foi a universidade
brasileira.
Com a cassação de inúmeros docentes e pesquisadores e a avalição dos
currículos dependendo de pareceres de Assessorias de Segurança e
Informação, o resultado foi à proliferação de faculdades isoladas pelo
país, sem tradição de pesquisa, onde a democratização do ensino converteu-
se em sinônimo de ensino pago.
A mudança na universidade pública brasileira pode ser descrita em
três fases: 1º Fase - Durante a ditadura civil-militar (1964-1984): tornou-
se uma universidade funcional, que se voltava para a formação diretamente
ligada ao mercado de trabalho. Adaptando-se ao mercado, alterou os
currículos, assim, separando cada vez mais a docência da pesquisa.
2º Fase - Nova República (1985-1994): Sem a preocupação com a
qualidade da docência, tornou-se uma universidade de resultados. Com ideais
de produtividade e competitividade, adotava uma avaliação que determinava a
qualidade e quantidade das pesquisas.
3º Fase - (1994-2002): Voltada para si mesma, entendeu-se como
organização social, consolidando-se como universidade operacional. Definida
e estruturada por normas e padrões administrativos inteiramente alheios ao
conhecimento e à formação intelectual. Além disso, ela está pulverizada em
micro organizações que ininterruptamente ocupam seus docentes e curvam seus
estudantes a exigências exteriores ao trabalho do conhecimento.
E são de simples observação às características deste terceiro período
- o aumento de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e
doutorados, a avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e
congressos, a multiplicação de comissões e relatórios, etc. Voltada para
seu próprio umbigo, mas sem saber onde esta se encontra, a universidade
operacional opera e por isso mesmo não age. Não surpreende, então, que esse
operar coopere para sua contínua desmoralização pública e degradação
interna.


Em lugar de comunicar-se, o educador faz "comunicados" e
depósitos que os educandos, meras incidências, recebem
pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção que
oferece aos educandos é a de receberem os depósitos,
guarda-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores
ou fixadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os
grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das
hipóteses) equivocada concepção "bancária" da educação.
Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os
homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na
medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há
criatividade, não há transformação, não há saber. Só
existe saber na invenção, na busca inquieta, impaciente,
permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e
com os outros. Busca esperançosa também. (FREIRE, 2011.
p.79).


Weber não escreveu especificamente sobre educação, mas é possível
extrair algumas ideias que contribuem para nossas ações pedagógicas em
obras como "A ciência como vocação" e "Sobre a Universidade". Em "A ciência
como vocação" (2005), Weber mostra certa preocupação ao que ele chama
probidade intelectual cientifica:
Podemos agora, entre nós, ver com clareza que a recente
ampliação da universidade para acolher no seu seio novos
ramos da ciência se está a fazer de acordo com padrões
americanos. Os grandes institutos de medicina ou de
ciências são empresas de "capitalismo de Estado". Não
podem ser administradas sem meios empresariais de grande
envergadura. E surge neles a mesma situação que em toda
aparte onde intervém a empresa capitalista: a "separação
do trabalhador e dos meios de produção". O trabalhador,
portanto o assistente está vinculado aos meios de trabalho
que o Estado põe à sua disposição; é, por conseguinte, tão
pouco independente frente ao diretor do instituto como um
empregado numa fábrica – pois o diretor do instituto pensa
com total boa fé, que este é "seu", e atua como se
efetivamente o fosse. A sua situação é, muitas vezes, tão
precária como qualquer outra existência "proletaróide",
como acontece também com o assistente da universidade
americana. (WEBER, 2005. p.4).


Igualmente, Weber descreve o problema que é determinado grupo político
que detém o poder do Estado, por certo tempo, interferir nos conteúdos da
universidade. As escolas não devem ser portadoras de valores morais
absolutos e nem devem também ser produtoras de "doutrinas de salvação"
ministradas por leigos.
"A liberdade de ciência, de estudo e de ensino" em
uma universidade certamente não existe quando se faz com
que a nomeação para uma função docente seja dependente do
fato de que se possua – ou que se simule – certo ponto de
vista que seja "aceitável nos círculos mais altos" da
Igreja e do Estado. Para que se possa falar seriamente da
tal "liberdade", a primeira condição que obviamente deve
ser atendida é a de que tanto a indicação para uma cátedra
quanta a permanência nela deve ser decidida pelos mesmos
critérios. (WEBER, 1989. p. 66).


Na concepção pedagógica weberiana, exige-se uma nova conduta para o
professor, se ele quiser ficar nos limites de um mundo que foi
desencantado. Como não há mais valores metafísicos e religiosos que
orientam as ações humanas, cumpre ao professor não reivindicar o direito de
se portar como reformador da cultura. Os cidadãos devem permanecer livres
para escolher o deus ou o demônio que querem seguir. A dignidade acadêmica
do professor ou do pesquisador vem de sua responsabilidade em fazer a
distinção, para si e para todos, de quando fala o homem que sabe ou ensina
e o homem que avalia.
Para Weber a educação se faz pela liberdade, mas não como escolha do
pior, ou melhor. A liberdade para Weber não traz garantia do melhor, mas a
responsabilidade que o ser humano tem para escolher ideais conflitantes.
Portanto, assim se faz necessária a mediação do professor. Ele deve
explicitar claramente suas crenças na determinação de seu discurso e
contribuir expondo doutrinas de todos os tipos, compreendendo a realidade
social e pensando-a com clareza.


Considerações Finais


A concepção de "educação bancária" adotada por Paulo
Freire e a preocupação nomeada por Max Weber de "probidade
intelectual cientifica", são estudos que tem como finalidade
comunicar ao mundo pedagógico que o operacionismo na educação
caminha a passos largos para sua concretização. Acreditamos que a
estrutura básica para a educação é o diálogo e a reflexão crítica
sobre a realidade.
Os textos escritos por esses pensadores, apesar de terem sido
escritos em momentos e lugares diferentes, dialogam entre si e
complementam mutuamente seus pensamentos, contribuindo precisamente
na contemporaneidade da educação brasileira. Seja qual for seu
nível ou modalidade de ensino.
A resistência se faz necessária perante o anteprojeto "Escola
Sem Partido", que usando normas e diretrizes constitucionais
brasileiras e fundamentado na distorção de pensamentos de Max
Weber, camuflam a própria ideologia de repressão ao diálogo e
concepção crítica na educação.
Este trabalho, portanto, foi elaborado para discutirmos
entre aqueles que se propõem a pensar sobre as problemáticas no
âmbito educativo, sobretudo no que se refere à academia, reforçando
conceitos e pressupostos que originaram a denúncia contra o
mercantilismo educacional.
Não existe escola sem ideologia, assim como não existe escola
sem reflexão, criação e crítica. O sinônimo de educação operacional
é ditadura e alienação.




Referências

Chauí, Marilena. Contra a Universidade Operacional e a Servidão Voluntária.
Congresso da Universidade Federal da Bahia. 14 de Julho de 2016.

Tragtenberg, Maurício. Introdução ao Leitor Brasileiro. Revista Espaço
Acadêmico. Nº 29. Outubro de 2003.

FREIRE, Paulo. A Pedagogia do Oprimido. A concepção "bancária" da educação
como instrumento da opressão. Seus pressupostos, sua crítica. 50ªed. Rio de
Janeiro: PAZ E TERRA, 2011.

CARVALHO, Afonso Bezerra. Educação e ética na perspectiva weberiana. Jornal
UNESP. Nº 20. Setembro de 2005.

Weber, Max. Três tipos de poder e outros escritos. A ciência como vocação.
Lisboa: Tribuna da História, 2005.

Weber, Max. Sobre a universidade: o poder do Estado e a dignidade da
profissão acadêmica. A liberdade acadêmica das universidades. São Paulo:
Cortez, 1989.


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[1] Acadêmico do curso de graduação em História Bacharelado pela
Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e educador popular pelo 'Ousadia'
em São José do Norte/RS E-mail: [email protected]
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