A UTILIZAÇÃO DA BIOAUMENTAÇÃO PARA COMBATER OS PROBLEMAS DE SANEAMENTO NO BRASIL

June 15, 2017 | Autor: Cleveland M Jones | Categoria: Biotechnology, Water and wastewater treatment, Environmental Sustainability, Bioaugmentation, Sanitation
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A UTILIZAÇÃO DA BIOAUMENTAÇÃO PARA COMBATER OS PROBLEMAS DE SANEAMENTO NO BRASIL Cleveland M. Jones1 1

Economista (Cornell University), Faculdade de Geologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); e-mail: [email protected]

RESUMO: O estado da arte da biotecnologia e das tecnologias de manuseio genético hoje permite sua aplicação não somente na indústria farmacêutica e em processos produtivos sofisticados, mas também na proteção ao meio ambiente. Ironicamente, os avanços tecnológicos da biotecnologia alavancaram a aceitação e valorização das tecnologias biológicas naturais, menos sofisticadas, em aplicações como o tratamento de efluentes sanitários e industriais, e na biorremediação de áreas contaminadas. O leque destas aplicações representa uma grande oportunidade para ajudar a resolver um dos maiores entraves ao desenvolvimento sustentável no Brasil – um sistema de saneamento deficiente, que prejudica as condições de saúde da população. O molde do desenvolvimento que o Brasil vivenciou nas últimas décadas não contemplou medidas adequadas para proteger o meio-ambiente e a saúde da população. O foco foi o desenvolvimento da capacidade produtiva, preterindo, especialmente, os sistemas de coleta e tratamento de esgoto. Os indicadores de coleta e tratamento de esgoto são péssimos. Neste contexto, surge a oportunidade da aplicação da biotecnologia natural, e especialmente dos produtos biológicos biorremediadores, como forma de atingir uma melhora significativa e rápida, nos indicadores quantitativos e qualitativos de saneamento no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Biotecnologia, tratamento de efluentes e esgotos, inovação, desenvolvimento sustentável

INTRODUÇÃO

Muitos especialistas consideram os esgotos domésticos o maior problema ambiental do Brasil (ECOTERRA BRASIL, 2004). É também o que apontou o “Atlas de Saneamento” do IBGE, cujas informações foram baseadas na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2000, no Censo Demográfico 2000, e em fontes provenientes de outros órgãos e entidades (IBGE, 2004). Esses efluentes degradam rios, lagos e áreas de mananciais. Os poluentes que entram 1

em contato com o solo ou com a água podem contaminar a água subterrânea e as fontes de abastecimento de água potável. O despejo inadequado do esgoto e a conseqüente possibilidade de contato com o esgoto in natura representam sérios riscos à saúde humana.

Os indicadores da situação de saneamento dos domicílios brasileiros em 2005/2006 mostram que menos da metade (48,5%) contam com rede coletora de esgotos, e 21,1% utilizam fossas sépticas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006). O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo brasileiro prevê que R$40 bilhões serão investidos no setor de saneamento entre 2007 e 2010, para ampliar o abastecimento de água e a coleta adequada de esgoto. Já para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, das Nações Unidas, seria necessário levar o índice de cobertura por rede de esgoto dos atuais níveis abaixo de 70% para pelo menos 77%, o que é tido como tarefa difícil, até mesmo pelo próprio governo. Uma das pesquisas (Déficit e Metas do Milênio) produzidas para o Programa de Modernização do Setor Sanitário, do Ministério das Cidades, e que tem apoio do PNUD, estima que há apenas 30% de chances dessas metas serem alcançadas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008).

Estas estatísticas e metas ainda desconsideram a qualidade da infra-estrutura de saneamento disponível, pois grande parte da rede coletora é precária, e os sistemas de tratamento considerados nas pesquisas são freqüentemente fossas sépticas inoperantes ou estações de tratamento de esgotos com parâmetros de desempenho operacional muito deficientes.

As pesquisas sobre os sistemas de saneamento existentes também esbarram no problema da definição desses sistemas. É importante lembrar que os moradores de bairros com infraestrutura mais precária tendem a considerar uma tubulação que retira os efluentes sanitários de suas residências como sendo uma “rede de esgoto”, quando na realidade ela apenas despeja esse esgoto no riacho, vala ou corpo hídrico mais próximo, sem nenhum tratamento, e comumente correndo a céu aberto por diversos trechos. Eles também consideram qualquer buraco ou poço cavado para receber os efluentes sanitários residenciais, como sendo fossas sépticas, quando na realidade essas construções estão longe de alcançar os objetivos de tratamento dos efluentes que uma fossa poderia alcançar.

Dessa forma, é difícil saber até que ponto os dados apresentados são baseados em informações tecnicamente corretas, ou em relatos não verificados, feitos pelos próprios moradores, relatos esses que poderiam estar sujeitos a grandes distorções, por conta das 2

definições entendidas por eles. De fato, em estudos de algumas regiões com infra-estrutura de saneamento precária, foi constatado que mesmo essas informações oficiais sobre os níveis de cobertura por rede de esgotos e fossas sépticas eram superestimadas (OUERJ, 2007; OUERJ, 2008).

A corrida para reverter a situação atual do saneamento básico no país, incluindo os projetos destinados a obras de saneamento que fazem parte do PAC, ainda terá pouco efeito significativo no curto prazo. Outras formas de avançar mais e mais depressa em relação às metas de melhoras nos indicadores de saneamento do Brasil são necessárias. Essas alternativas devem complementar a estratégia de construir grandes obras de infra-estrutura de saneamento básico, como as redes de coleta de esgotos e as estações de tratamento de esgotos que estão sendo contempladas. Por outro lado, novas iniciativas voltadas para melhorar a situação do saneamento no Brasil também devem buscar melhorar o funcionamento da infraestrutura já existente, não apenas ampliar essa infra-estrutura.

AS APLICAÇÕES CONVENCIONAIS DA BIOTECNOLOGIA

Nas últimas décadas, os desenvolvimentos científicos na área da biologia e da bioengenharia, focados na indústria farmacêutica e na medicina, promoveram uma verdadeira revolução na forma como a sociedade percebe os processos biológicos (MENN, 2000; SCHNEEGURT, 1998; SELVARATNAM, 1997). Agora se reconhece que a natureza esconde muitos mais segredos em sua matriz mais básica, os processos biológicos realizados por microrganismos e mediados por sua codificação genética, do que jamais se pensava. Mas mesmo com toda a tecnologia e poder de investigação disponível, através de processos automatizados para pesquisas, estamos longe de compreender, e muito mais longe de controlar eficazmente esses processos da forma que gostaríamos (JONES, 2006).

Ainda assim, muitos processos biológicos naturais têm sido tradicionalmente adaptados e utilizados comercialmente, com muito êxito, antes mesmo das mais recentes inovações biotecnológicas. Dentre esses processos estão aplicações que permeiam toda a sociedade moderna, desde milênios até a atualidade. A produção de alimentos tem utilizado os processos biológicos há milhares de anos, na fabricação de queijo, iogurte, vinagre, vinho, cerveja, e outros.

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Na área de saneamento, desde meados do século XIX os cuidados com o tratamento dos dejetos das residências têm utilizado processos biológicos para dar destino adequado aos esgotos domésticos em fossas. Antes disso, fossas e sumidouros simples já faziam parte de orientações rotineiras na China e em outras culturas. A utilização de estações de tratamento de efluentes (ETEs) continua sendo a principal forma de tratamento dos esgotos sanitários em todo o mundo.

No século XX, a partir dos anos sessenta, nos EUA, disseminou-se o uso de aditivos biológicos nas ETEs (SEGHEZZO, 1998). Mesmo com pouca compreensão científica, há muito tempo, o funcionamento de ETEs era iniciado e mantido através da adição de esterco e outras fontes de aditivos biológicos naturais, para manter seus processos biológicos ativos. No agronegócio, desde a década de 1970 a pressão para alcançar maiores produtividades levou ao uso de probióticos na alimentação de animais.

Nos últimos anos, mudou a forma de pensar, em relação à busca por soluções para os problemas na indústria, na produção, no saneamento e no meio ambiente. Em vez de buscar soluções criadas ou inventadas pela engenharia humana, buscam-se soluções existentes na natureza, para estes mesmos problemas (PAULSEN, 2002). Descobriu-se que a natureza, através dos processos biológicos naturalmente desenvolvidos pelos microrganismos, detém soluções inéditas, incrivelmente complexas, para praticamente qualquer problema encontrado pelo homem em escala macro (SHORT, 2005; COMM TECH LAB, 2005).

Além da corrida tecnológica para compreender e dominar esses processos, e desenvolver soluções dirigidas por nosso conhecimento, usando sofisticadas tecnologias de manipulação genética e conhecimento de ponta em outras disciplinas, também se abriu o caminho para encontrar soluções prontas, disponíveis na natureza, que apenas precisam ser aplicadas na prática. Este é, fundamentalmente, o estado da arte da bioaumentação, que se apresenta hoje como fonte de solução para os mais diversos problemas (GROMMEN, 2002; BIOMIMICRY GUILD, 2008).

BIOTECNOLOGIAS NATURAIS

Para diferenciar essas abordagens na aplicação da biotecnologia, é necessário distinguir entre as biotecnologias atualmente sendo desenvolvidas. Diferentemente da bioengenharia, que 4

envolve a manipulação genética e técnicas focadas na reconstrução e redirecionamento artificial dos processos biológicos, a biotecnologia natural envolve a aplicação de processos e microrganismos naturais, focando as técnicas de seleção e sua aplicação adequada aos problemas em tela.

Ainda na biotecnologia natural, cabe diferenciar a bioestimulação da bioaumentação. A bioestimulação refere-se à adição de produtos químicos, não microrganismos, para estimular processos biológicos, especialmente através da adição de nutrientes e fatores críticos identificados como úteis aos microrganismos presentes, e que realizam um processo biológico desejado. Este termo também contempla medidas que visam modificar condições físicas que possam estimular a biota presente.

A bioestimulação reconhece o valor dos processos biológicos levados a cabo por comunidades biológicas naturais, e coloca ênfase nos organismos que realizam estas tarefas, buscando otimizar seu próprio desempenho. Como conceito, a bioestimulação representa um avanço em relação à postura antropocêntrica e orgulhosa, em que o homem pretende fazer melhor do que a natureza, tentando desenvolver soluções inéditas, independentemente das que já foram desenvolvidas pela natureza através de processos evolutivos, aprimorados durante bilhões de anos. Ainda assim, a bioestimulação esbarra na limitação do escopo de seu alcance, pois apenas considera a otimização do desempenho da biota existente naturalmente no local.

Já a bioaumentação se refere à adição de microrganismos em si, seja de uma ou de mais cepas, e, freqüentemente, em combinações (chamadas de consórcios microbianos) que resultam em efeitos mais notáveis do que os promovidos por cepas individuais. A bioaumentação não exclui a possibilidade da adição conjunta de produtos químicos, nutrientes e outros, conquanto o objetivo seja o de estabelecer determinados processos biológicos através da adição de populações de microrganismos especificamente selecionados, modificando a população microbiana existente para promover os processos biológicos desejados.

Como biotecnologia natural, a bioaumentação não envolve o uso de microrganismos geneticamente modificados, apesar de que esta é uma crescente tendência da bioaumentação, especialmente na biorremediação de áreas contaminadas. Nesses casos, é comum a contaminação com compostos complexos e recalcitrantes, que se mostram relativamente 5

resistentes à ação dos microrganismos naturais, mesmo quando especialmente selecionados. Por esse motivo, os microrganismos geneticamente modificados, que atuam de forma mais específica sobre esses compostos, têm atraído mais atenção.

Como na bioaumentação o foco é no resultado, ou seja, na implementação e otimização dos processos desejados, não apenas no estímulo à biota existente, o potencial do conceito da bioaumentação é maior do que o da bioestimulação.

Desta forma, a bioaumentação se apresenta como a biotecnologia de ponta, na qual deverão ser empenhados esforços no seu aprimoramento e aplicação, para alcançar os benefícios possíveis em diversas aplicações práticas. Entre as aplicações em que a bioaumentação apresenta maior potencial estão o tratamento de efluentes (incluindo esgotos) e a biorremediação de solos contaminados.

A BIOAUMENTAÇÃO NO TRATAMENTO DE ESGOTOS

O objetivo do tratamento biológico de efluentes é um processo de degradação eficaz dos compostos poluentes indesejados, presentes no efluente que chega à ETE. Até recentemente, acreditava-se que, com o tempo, as populações mais adequadas ao desempenho de um determinado processo biológico assumiriam naturalmente proporções populacionais dominantes. Este raciocínio parte de duas premissas: primeiro, que a população nativa, introduzida via as diversas fontes normais possíveis, como a poeira trazida pelos ventos, a água de chuva ou o próprio efluente a ser tratado em uma ETE, sempre contêm os tipos de microrganismos mais adequados ao desempenho do processo; segundo, que estes microrganismos crescerão até atingir populações suficientes para realizar, eficientemente, os processos desejados. Na realidade, não existe nenhum mecanismo operante que garanta estas situações, e mesmo se uma ETE, por exemplo, conseguir desenvolver um mix populacional adequado, de sua biota, ainda podem existir limitações de desempenho que somente possam ser superadas através da introdução de populações superiores (mais eficazes).

Outra crença intuitiva, que tem dificultado a assimilação da bioaumentação, é que a inoculação de microrganismos em uma ETE, por exemplo, deveria ser eficaz mesmo se feita uma só vez, e não continuamente. Como este efeito geralmente não perdura, e a bioaumentação precisa ocorrer continuamente para manter o mix populacional ideal, desejado 6

para sua biota, o próprio conceito básico que fundamenta a bioaumentação tem sido questionado. Na realidade, o conceito da bioaumentação não se baseia apenas no fato de introduzir novos microrganismos no sistema de tratamento, mas em manter um novo equilíbrio no mix populacional da ETE, através da adição constante e suficiente de populações desejadas, para superar as tendências contrárias, resultantes dos diferentes fatores que afetam seu equilíbrio.

A bioaumentação tem sido aplicada desde os anos 1960, mas devido à falta de compreensão dos mecanismos biológicos básicos, operantes nesta tecnologia, e devido à dificuldade de documentar os resultados adequadamente, ela tem sido considerada pouco científica. Ainda assim, hoje se tem uma compreensão básica, mas fundamental dos processos envolvidos na bioaumentação. A experiência das empresas que atuam neste segmento também representa um arcabouço muito útil para proporcionar soluções em casos específicos.

Para compreender o mecanismo de funcionamento da bioaumentação é necessário considerar a biota, ou seja, as populações microbianas do sistema em questão. Antes da bioaumentação, a biota de uma ETE destinada a tratar esgotos sanitários, por exemplo, normalmente consiste de diversos tipos de microrganismos, alguns mais eficazes do que outros, na degradação dos diversos compostos orgânicos presentes, e na produção de uma biomassa sedimentável, passível de ser removida facilmente do efluente tratado.

Esta situação é descrita classicamente na Figura 1, onde a população dos tipos de microrganismos nativos desejáveis, eficazes na degradação dos compostos orgânicos presentes, é indicada como População A; a população dos demais tipos de microrganismos nativos, menos eficientes ou mesmo indesejáveis, é indicada como População B; e a população dos tipos de microrganismos selecionados para serem adicionados à ETE, por serem conhecidamente mais eficazes na degradação dos compostos orgânicos presentes, é indicada como População C. O objetivo da bioaumentação é modificar a biota da ETE, ampliando a fatia da População A, estabelecendo a fatia da População C, e minimizando a fatia da População B.

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Depois da bioaumentação

Antes da bioaumentação

População C População A

População B

População A

População B

População A: microrganismos nativos desejáveis População B: demais microrganismos nativos População C: microrganismos adicionados via bioaumentação Figura 1 - Populações microbianas antes e depois da bioaumentação (Fonte: elaboração própria)

A bioestimulação também pode fazer parte da bioaumentação, pois diversos micronutrientes são essenciais para complementar os nutrientes básicos e preencher as necessidades de alimentação de uma biota, de forma a permitir o desenvolvimento saudável e seu pleno desempenho.

A biota é a chave de qualquer sistema biológico, e existe em um constante equilíbrio dinâmico, que pode variar bastante. Alguns microrganismos estão morrendo e outros crescendo, fazendo com que as proporções populacionais de cada tipo variem, e diferentes tipos de microrganismos se tornem atuantes ou dominantes. Não compreendemos totalmente como as condições favoráveis podem se estabelecer, nem como elas podem desaparecer tão facilmente, mas não é difícil imaginar como inúmeros fatores, dificilmente conhecidos ou controlados, possam influenciar o desempenho final de uma ETE.

Numa ETE, a temperatura do ambiente, as condições de operação, os diferentes equipamentos, e outros fatores podem ser suficientes para afetar o desempenho de populações críticas para o resultado desejado. Alguns fatores podem até ser imperceptíveis, por não serem 8

objeto de monitoramento especifico, ou podem parecer individualmente insignificantes, mas no complexo funcionamento interdependente das populações microbianas da ETE, eles podem causar grandes divergências em seu desempenho (OCHIENG, 2002). Muitas ETEs nunca atingem um mix ideal de populações microbianas, ou sequer um mix satisfatório, e operam com baixo desempenho.

Uma ETE pode ser tanto um sistema aeróbico como um sistema anaeróbico (reator anaeróbio). Mas qualquer ETE exige um delicado equilíbrio para operar eficientemente. Como há tantos fatores de desequilíbrio que operam e atuam constantemente para prejudicar esse equilíbrio, é comum os operadores dessas instalações enfrentarem problemas operacionais relacionados a quedas de operacionalidade ou baixo desempenho (baixa remoção da carga orgânica poluente). Muitas ETEs bem construídas e com operadores competentes passam boa parte do tempo operando fora das especificações e fora das exigências ambientais aplicáveis.

Os mesmos conceitos operantes nas ETEs se aplicam ao funcionamento de uma fossa séptica, que nada mais é do que um pequeno sistema de tratamento de esgotos, que utiliza uma biota residente para realizar a degradação dos compostos poluentes do esgoto, durante o tempo de residência em seu interior. Nas fossas sépticas também há necessidade de manter uma biota eficaz. Infelizmente, é comum que elas não operam bem, devido à ausência de uma biota suficientemente eficaz ou suficientemente resistente às condições operacionais. Essas condições podem incluir o despejo de produtos de limpeza e outros fatores que dificultam a realização de seus processos biológicos, e agridem, ou até mesmo comprometem a sobrevivência de sua biota.

Não é de se estranhar, portanto, que seja tão comum encontrar fossas sépticas inoperantes, que não conseguem tratar o esgoto que recebem, ou que apresentam os mais comuns problemas de transbordamento, acúmulo de resíduos e crosta de gordura, enchimento prematuro, mau cheiro, excesso de insetos, e outros.

A INDÚSTRIA DA BIOAUMENTAÇÃO

A indústria de aditivos biológicos, usados como insumos na bioaumentação, foi desenvolvida a partir dos anos 1960, justamente para atender a necessidade das ETEs de se recuperar mais 9

rapidamente, quando ocorriam problemas operacionais relacionados à alteração de suas populações microbianas, já que a recuperação da operação de uma ETE passa pelo reestabelecimento das populações afetadas. Gradualmente, esta indústria passou a atender os objetivos de otimização de ETEs, mesmo daquelas sem problemas pontuais de queda abrupta de seu desempenho, devido a desequilíbrios microbianos (FOSTER, 2005).

Tipicamente, os produtos da indústria de aditivos biológicos consistem de várias cepas de microrganismos, geralmente bactérias e fungos, além de outros componentes (aditivos químicos, micronutrientes, etc.), para potencializar sua eficácia. Estes microrganismos são isolados de ambientes naturais, sem sofrer qualquer modificação genética, e selecionados de acordo com diversos critérios para acentuar características desejáveis, ou reduzir características indesejáveis. À medida que os principais bancos de cepas, como o American Type Culture Collection (ATCC) ou o CNCM (Institut Pasteur) se consagraram como fontes confiáveis de microrganismos com características seguras e processos metabólicos conhecidos, os fornecedores passaram a utilizar, quase que exclusivamente, estas fontes confiáveis de cepas originais para seus produtos.

Os produtos biológicos para utilização em aplicações como a otimização da operação de ETEs e para a biorremediação de áreas contaminadas também são denominados biorremediadores. Esses produtos são reconhecidamente eficazes em determinadas aplicações onde sua ação biológica representa um meio de atingir os objetivos de melhorar o desempenho desses processos. Órgãos como a CETESB e o CONAMA desenvolveram normas técnicas e resoluções visando à regulamentação de sua utilização, justamente por reconhecer que eles representam uma ferramenta potencialmente útil no tratamento de efluentes e outras aplicações que visam proteger o meio ambiente (CESTESB, 1994; CONAMA, 2002).

Infelizmente, a legislação no Brasil ainda é muito deficiente em relação a estes produtos, e não tem acompanhado o progresso tecnológico da biotecnologia, especialmente os da biotecnologia natural. No atual contexto da bioengenharia, da manipulação genética e de técnicas biotecnológicas avançadas, cujas conseqüências ainda são largamente desconhecidas, é importante ressaltar o valor das biotecnologias convencionais, que utilizam os microrganismos de ocorrência natural, não geneticamente modificados, sem esses riscos. É preciso que a legislação atual assegure que estes produtos não sejam tratados com desvantagens que atualmente desincentivam seu uso. Para aproveitar seu pleno potencial, é 10

necessário adotar uma política que incentive seu uso, em relação a alternativas potencialmente mais agressivas ao meio ambiente (JONES, 2007).

Produtos biológicos naturais comercialmente disponíveis para uso em ETEs permitem melhorar seu desempenho, aumentando a remoção da carga orgânica, reduzindo o tempo em que deixam de operar satisfatoriamente, acelerando o período para entrada em operação, e até permitindo o aumento do volume tratado sem necessidade de modificações na sua infraestrutura, assim como outras vantagens. Outros produtos têm capacidade de quebrar compostos orgânicos de difícil degradação, como fenóis, TCE, CFCs, HCFCs, e PAHs, em subprodutos menos complexos e mais facilmente metabolizados por outros tipos de microrganismos. Também existem produtos não tradicionais que reduzem alguns problemas específicos de certas ETEs, como excesso de teores de amônia (nitrificação/desnitrificação), por exemplo (ALDRETT, 1997, BOOPATHY, 2004).

Como resultado dos aprimoramentos tecnológicos, os produtos biológicos melhoraram de qualidade por conta dos ingredientes não-biológicos que os fabricantes utilizam, pois sem micronutrientes na quantidade, diversidade e características de assimilação adequadas, a biota não atingirá seu potencial de desempenho. Finalmente, os aditivos biológicos também evoluíram em relação às técnicas de acondicionamento, concentração e conservação, tratadas como fatores importantes de vantagem competitiva entre fabricantes. Os produtos geralmente são fornecidos como microrganismos liofilizados veiculados em farelo de grãos, ou em suspensões líquidas estabilizadas. Ambas as técnicas evoluíram bastante, e hoje existem produtos embalados em sacos plásticos solúveis, que potencializam seu desempenho e facilitam sua aplicação, assim como formas sólidas, que permitem um aproveitamento muito superior, em certas aplicações. As soluções líquidas também vêm apresentando melhores viabilidades dos microrganismos, e validades mais longas dos seus componentes ativos. CONCLUSÃO – OS BENEFÍCIOS DA BIOAUMENTAÇÃO PARA MELHORAR AS CONDIÇÕES DE SANEMENTO

As grandes obras de infra-estrutura de saneamento básico sendo planejadas e implementadas, como as redes de coleta de esgotos e as estações de tratamento de esgotos, trazem a esperança de que as condições de saneamento no Brasil deverão melhorar no futuro. Mas dada a realidade dos baixos níveis dos indicadores atuais, assim como a precariedade da infra11

estrutura existente, esse futuro ainda está distante. Para avançar mais e mais depressa em relação às metas de melhoras nos indicadores de saneamento do Brasil é necessário que a atual infra-estrutura também passe a operar de forma otimizada.

A disseminação, o amadurecimento e a aceitação da bioaumentação e dos produtos biológicos, e sua conseqüente evolução tecnológica, resultaram em novos produtos, novas aplicações, maior qualidade e eficácia, e até melhor economicidade, proveniente da experiência acumulada e de economias de escalas na produção dos principais fornecedores. Daí surge a oportunidade da aplicação da biotecnologia, e especialmente dos produtos biológicos naturais, como forma de atingir uma melhora significativa e rápida, nos indicadores qualitativos e quantitativos de saneamento no Brasil.

Nas instalações de infra-estrutura do saneamento existentes no Brasil, a maior utilização dos produtos biológicos poderia reduzir a carga poluidora lançada por sistemas inoperantes ou com baixo desempenho, melhorar os parâmetros de operação e permitir alcançar níveis de cobertura que jamais poderiam ser alcançados apenas por novas obras. O tratamento de esgotos realizado pelo grande número de fossas sépticas, que representam grande proporção dos sistemas de tratamento existentes, poderia ser especialmente melhorado, dada o grande índice de baixo desempenho desses sistemas. Da mesma forma, as estações de tratamento de esgotos também poderiam ampliar sua capacidade e eficácia, reduzindo os impactos ambientais decorrentes das limitações operacionais comumente encontradas nesses sistemas. O caminho para o desenvolvimento sustentável passa por essa melhora nos saneamento do país.

REFERÊNCIAS

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