A Utilização da Diplomacia Cultural do Jazz como Estratégia de Política Externa Estadunidense durante a Guerra Fria - TCC

May 24, 2017 | Autor: A. Matos Valente | Categoria: Music, Jazz Studies And New Media, Music History, Foreign Policy Analysis, Cold War and Culture, Cultural Cold War, Cold War, American Foreign Policy, Foreign Policy, United States In The World, Cold War (History) (History), American art/ Art of the United States, Jazz Studies, United States History, Art and Aesthetics of the Cold War, Music in the Cold War, Jazz History, Cold War International Relations, United States Political History, Music analysis, 19th and 20th Century United States, Cultural Diplomacy, Cold War history, Cold War Culture, U.S. Foreign Policy, The Cold War, United States Foreign Policy, Musica, Cold War Studies, US Foreign Policy, United States, Música, History of the Cold War, Guerre froide (Cold War), Estados Unidos, Política Externa, Musical Analysis, Music and identity issues; music and politics (particularly during the Cold War), opera and modern staging, United States of America, Cultural policy; language policy; international cultural relations, cultural diplomacy, diversity, Política exterior, Cultural Diplomacy, Cultural Studies, International Relations, US cultural diplomacy, cultural Cold War, public diplomacy, Politica Exterior, Politica Exterior de los Estados Unidos, História dos Estados Unidos, Guerra Fría, Cold War politics, Estados Unidos Da América, Politica Externa, International Relations In Cultural Diplomacy, Guerra Fria, U.S. Cold War Strategy, Análise De Política Externa, Política Externa Americana, Diplomacia Cultural, Art As Cultural Diplomacy, Historia de los Estados Unidos, Cultural Cold War, Cold War, American Foreign Policy, Foreign Policy, United States In The World, Cold War (History) (History), American art/ Art of the United States, Jazz Studies, United States History, Art and Aesthetics of the Cold War, Music in the Cold War, Jazz History, Cold War International Relations, United States Political History, Music analysis, 19th and 20th Century United States, Cultural Diplomacy, Cold War history, Cold War Culture, U.S. Foreign Policy, The Cold War, United States Foreign Policy, Musica, Cold War Studies, US Foreign Policy, United States, Música, History of the Cold War, Guerre froide (Cold War), Estados Unidos, Política Externa, Musical Analysis, Music and identity issues; music and politics (particularly during the Cold War), opera and modern staging, United States of America, Cultural policy; language policy; international cultural relations, cultural diplomacy, diversity, Política exterior, Cultural Diplomacy, Cultural Studies, International Relations, US cultural diplomacy, cultural Cold War, public diplomacy, Politica Exterior, Politica Exterior de los Estados Unidos, História dos Estados Unidos, Guerra Fría, Cold War politics, Estados Unidos Da América, Politica Externa, International Relations In Cultural Diplomacy, Guerra Fria, U.S. Cold War Strategy, Análise De Política Externa, Política Externa Americana, Diplomacia Cultural, Art As Cultural Diplomacy, Historia de los Estados Unidos
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Graduação em Relações Internacionais

Amanda Fernandes de Oliveira Coelho Amanda Matos Valente

A UTILIZAÇÃO DA DIPLOMACIA CULTURAL DO JAZZ COMO ESTRATÉGIA DE POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE DURANTE A GUERRA FRIA

Belo Horizonte 2016

Amanda Fernandes de Oliveira Coelho Amanda Matos Valente

A UTILIZAÇÃO DA DIPLOMACIA CULTURAL DO JAZZ COMO ESTRATÉGIA DE POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE DURANTE A GUERRA FRIA

Monografia apresentada ao Curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais. Orientador(a): Thaís Vieira Supervisor(a): Profª. Drª. Letícia Carvalho de Souza Área de concentração: Instituições Internacionais e Política Externa

Belo Horizonte 2016

Amanda Fernandes de Oliveira Coelho Amanda Matos Valente

A UTILIZAÇÃO DA DIPLOMACIA CULTURAL DO JAZZ COMO ESTRATÉGIA DE POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE DURANTE A GUERRA FRIA

Monografia apresentada ao Curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais.

_______________________________________________________ Profª. Drª. Letícia Carvalho de Souza

_______________________________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Corrêa Teixeira

_______________________________________________________ Prof. Mª. Marina Scotelaro de Castro

Belo Horizonte, 25 de novembro de 2016.

RESUMO

Este trabalho buscou analisar, à luz da teoria da Interdependência Complexa, como os Estados Unidos diversificou a sua agenda de política externa ao usufruir da diplomacia cultural do jazz, para projetar uma imagem positiva do país no período da Guerra Fria. Para tanto, a metodologia usada foi a investigação bibliográfica relacionada à temática, em livros, partes de livros, artigos de periódicos, relatórios, websites e ainda, trechos de músicas. Diante disso, foi possível observar que os Estados Unidos difundiu, através da música, valores ocidentalizados de liberdade, igualdade racial e integração, devido ao carisma do gênero, que permeava fronteiras e conquistava todas as classes sociais. Conclui-se que o governo estadunidense percebeu a importância da diplomacia cultural para complementar as questões de segurança durante a guerra, para criar novos canais de informação. Ademais, utilizou a participação de pessoas em atividades culturais para objetivos não-culturais, de forma que outros povos conhecessem e se identificassem com o american way of life.

Palavras-chave: Diplomacia cultural. Jazz. Política externa. Estados Unidos. Guerra Fria.

ABSTRACT

In the light of the Complex Interdependence theory, this paper sought to analyse how the United States diversified its foreign policy agenda by taking advantage of jazz cultural diplomacy to project a positive image of the country during the Cold War period. To do so, the methodology used was the bibliographical research related to the subject, in books, parts of books, periodicals, reports, websites and music extracts. In this context, it was possible to observe that the United States disseminated, through music, Westernized values of freedom, racial equality and integration, due to the charisma of the genre that permeated frontiers and conquered all social classes. It was concluded that the U.S. government realized the importance of cultural diplomacy to complement security issues during the war, to create new channels of information. In addition, it used the participation of people in cultural activities for non-cultural objectives, so that other peoples knew and identified with the American way of life.

Key words: Cultural diplomacy. Jazz. Foreign policy. United States. Cold War.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 13 2 A GUERRA FRIA À LUZ DA INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA ....................................................... 15 2.1 A Interdependência Complexa ........................................................................................... 15 2.2 As assimetrias e o equilíbrio de poder ................................................................................ 17 2.3 A sensibilidade e a vulnerabilidade dos Estados ................................................................. 19 2.4 Ausência de hierarquia nos temas da agenda e papel menor da força militar ...................... 22 2.5 Os canais de informação múltiplos ..................................................................................... 24 2.6 A relação entre a cultura e o poder .................................................................................... 26 2.7 A indústria cultural ............................................................................................................ 28 2.8 A diplomacia cultural estadunidense.................................................................................. 29 2.9 A diplomacia cultural do jazz durante a Guerra Fria ............................................................ 34 3 A DIVERSIFICAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE POLÍTICA EXTERNA .................................................... 36 3.1 A Guerra Fria e a diversificação no exercício do poder ........................................................ 36 3.2 As ações do Departamento de Estado e da USIA ................................................................. 41 3.3 O jazz como estratégia de política externa ......................................................................... 47 3.4 O papel da USIA na diplomacia cultural .............................................................................. 50 3.5 O jazz na mídia internacional da época .............................................................................. 52 4 OS DESDOBRAMENTOS DA DIPLOMACIA CULTURAL DO JAZZ .................................................... 55 4.1 As campanhas da USIA ...................................................................................................... 55 4.2 As expedições do jazz ........................................................................................................ 59 4.3 A presença dos Estados Unidos em territórios estratégicos ................................................. 67 4.4 Os resultados obtidos com a diplomacia cultural do jazz ..................................................... 72 4.5 A influência da diplomacia cultural do jazz na aceitação do american way of life................. 75 5 CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 79 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 81 ANEXO A – QUADRO DE CONCERTOS REALIZADOS .................................................................... 85

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1 INTRODUÇÃO

Durante o período da Guerra Fria, para responder à confrontação soviética, os Estados Unidos utilizaram a diplomacia cultural do jazz como uma das ferramentas para revidar as campanhas antiamericanas. O primeiro capítulo buscará desenvolver esses fatos relacionando-os com os conceitos da teoria da Independência Complexa que são relevantes para o tema. Serão relacionados também com as discussões sobre cultura e poder e indústria cultural, de forma a compreender a importância da diplomacia cultural como ferramenta alternativa de política externa. O jazz incorporou a agenda estadunidense, de modo a veicular e traduzir os ideias que o Estado achava pertinente disseminar com a finalidade de tornar-se mais atrativo. Portanto, no segundo capítulo será mostrado como a utilização do estilo musical se encaixa nas premissas da diplomacia cultural. Alguns acontecimentos da Guerra Fria serão destacados, bem como as condutas do Departamento de Estado dos Estados Unidos no dado contexto. Além disso, essas ocorrências demonstrarão a pertinência da criação da Agência de Informação dos Estados Unidos (USIA), e como ela atuou na escolha dos artistas e dos países para fins de propaganda. A diplomacia cultural do jazz influenciou territórios de política externa instáveis, e influenciou zonas estratégicas. Por isso, o terceiro e último capítulo irá discorrer sobre os meios empregados para fazê-la, e o modo como a mesma se deu. Para tanto, uma explanação geral da USIA será feita, que irá relatar suas principais campanhas e sua forma de atuação. Em seguida, entrara-se à fundo nas expedições do jazz, e será descrito todos os pormenores das turnês, bem como os resultados obtidos com as campanhas da agência. Dessa forma, poder-se-á concluir de que maneira a diplomacia do jazz foi essencial para disseminar o american way of life. A metodologia explorada será a coleta de dados em fontes bibliográficas como livros, partes de livros e artigos em periódicos e websites, relacionados à Interpendência Complexa, à diplomacia cultural e ao jazz. Dados também serão retirados dos relatórios do Departamento de Estado e da USIA. Ademais, alguns trechos de músicas de jazz vão ser analisados. Tais conteúdos compreenderão o período da Guerra Fria, em especial após 1953, quando a diplomacia cultural do jazz foi criada. Os principais conceitos extraídos da teoria que serão relevantes para o debate são sensibilidade e vulnerabilidade dos Estados, diversificação nas temáticas da agenda, e canais de informação múltiplos.

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O problema de pesquisa consistirá na seguinte pergunta: como o jazz foi utilizado como política externa estadunidense durante o período da Guerra Fria, para atender aos interesses estratégicos dos Estados Unidos? O objetivo geral desse problema de pesquisa será descobrir de que maneira a política externa norteamericana fez uso da diplomacia cultural do jazz em um contexto de Guerra Fria, para criar uma imagem positiva do país ao difundir valores de liberdade, igualdade racial e integração através do jazz. No que diz respeito aos objetivos específicos, serão: analisar como os EUA construiu uma autoimagem positiva e manteve sua presença no Sistema Internacional através do jazz. Investigar como esse mesmo país empregou a diplomacia cultural para melhorar a sua imagem interna, e externa ao seu território em zonas estratégicas de interesse. Por fim, examinar de que forma a Agência de Informação dos Estados Unidos (USIA) contribuiu para determinar, selecionar e avaliar os meios, os artistas, e os países que seriam do interesse estadunidense que a diplomacia cultural ocorresse. Tendo em vista os argumentos acima explanados e o problema de pesquisa proposto, a hipótese aplicada será a de que o jazz foi utilizado como uma diversificação nas estratégias estatais de política externa estadunidense, através da celebração de concertos mundiais e transmissões de programas de rádio. Esses teriam como finalidade passar uma imagem positiva da nação e seus ideais.

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2 A GUERRA FRIA À LUZ DA INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA

Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos da América (EUA) valera-se da diplomacia cultural do jazz1 para tornar a ideologia capitalista estadunidense mais atrativa no Sistema Internacional. Enquanto as nações eram convencidas pelos seus ideais, os EUA se tornava, de forma gradativa, mais forte e menos ameaçado. O governo norte-americano utilizou a diplomacia cultural como uma ferramenta de política externa por meio de vários recursos culturais, dentre eles, um elemento americano de forte apreço mundial: o jazz. Vínculos linguísticos e culturais, aproximação entre os povos, abertura de mercados para a cultura estrangeira, são algumas das consequências da diplomacia cultural. Esta ferramenta pode ser um meio para o intercâmbio de valores com a finalidade de formar laços diplomáticos mais fortes. O jazz, estilo musical emergente nos EUA, seria uma maneira de ganhar mais credibilidade e conquistar o apreço de camadas sociais distintas, não só a nível doméstico mas também internacional. O capítulo tem como propósito discutir tais questões sob a ótica da Interdependência

Complexa.

Para

tanto,

discutir-se-á

os

conceitos

de

interdependência assimétrica e equilíbrio de poder, sensibilidade e vulnerabilidade dos Estados, agenda temática não-hierárquica e papel menor da força militar, e canais de informação múltiplos. Adicionalmente, explanações sobre cultura e poder e indústria cultural darão respaldo para o entendimento de como a diplomacia cultural funciona, e como ela se relaciona com a teoria escolhida e o jazz.

2.1 A Interdependência Complexa

No livro Power and Interdependence, Keohane e Nye (1989) definiram que dependência é a situação na qual os Estados sofrem influência de eventos sistêmicos. Já a interdependência ocorre quando essa dependência é mútua entre os atores, ou seja, produz implicações recíprocas entres os mesmos. Na linguagem comum, dependência significa um estado de ser determinado ou significativamente afetado por forças externas. Interdependência, definida da forma mais simples, significa dependência mútua. Interdependência na política mundial se refere a situações caracterizadas por efeitos recíprocos 1

O termo será melhor explicado mais adiante na seção sobre diplomacia cultural.

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entre países ou entre os atores em diferentes países (KEOHANE; NYE, 1989, p. 8, tradução nossa).2

A interdependência surge através da ampliação das interações internacionais, mas existem custos vinculados a tais interações, que constrangem a atividade política. Contudo, ainda que essas interações entre atores gerem custos, os benefícios os excedem, pois formam-se redes de compartilhamento. De forma voluntária, os Estados ou atores limitam sua autonomia, e passam a ser determinados por acontecimentos exteriores numa associação recíproca com outros Estados ou atores, para promover uma ampliação de benefícios (KEOHANE; NYE, 1989). As Relações Internacionais não são apenas relações entre Estados, estes, apesar de serem os principais atores, não são os únicos. Ao surgir novos atores, que não atuarão só no campo da segurança, torna-se possível a emergência de padrões de interação além do interestatal. Na medida em que existem outros níveis de interações, existirão também novas formas de atuação. O governo tenta corresponder a interesses domésticos e externos, já que sofre pressões internas de empresas, elites, etc., para ter aceitação e se reeleger; mas é inviável dizer que apenas o interesse nacional pauta as decisões (KEOHANE; NYE, 1989). A Guerra Fria não era uma disputa entre dois Estados apenas, todo o Sistema Internacional foi impactado pela conjuntura vigente. Assim, a guerra ideológica acabou por balizar os valores de outros países, bem como, polarizar a política externa dos mesmos. Durante esse período, o governo estadunidense utilizou estratégias de política externa para favorecer sua imagem aos olhos do mundo, e também para poder permear fronteiras e embutir seus ideais com maior facilidade. Assim como argumenta Keohane e Nye (1989), as políticas governamentais também são pautadas em grupos de interesses que não o Estado e o governo, e o interesse em atingir esses grupos de interesses domésticos foi a força motriz para diversificar os instrumentos de política externa no contexto estudado. Segundo Karnal et al. (2011), uma desses instrumentos foi a diplomacia cultural do jazz, já que o estilo musical fazia sucesso tanto entre brancos quanto afrodescendentes. A “diplomacia cultural” compreende os principais componentes ou instrumentos do que é chamado, nos Estados Unidos, de “diplomacia 2

In common parlance, dependence means a state of being determined or significantly affected by external forces. Interdependence, most simply defined, means mutual dependence. Interdependence in world politics refers to situations characterized by reciprocal effects among countries or among actors in different countries.

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pública.” Diplomacia pública mais comumente “refere-se a programas patrocinados pelo governo destinados a informar ou influenciar a opinião pública em outros países; seus principais instrumentos são: publicações, filmes, intercâmbios culturais, rádio e televisão” (U.S DEPARTMENT OF STATE, 1987, p. 85, tradução nossa).3

“Gillespie e outros artistas de jazz negros estavam viajando pelo mundo como parte de um programa governamental dedicado a demonstrar a superioridade da cultura e dos valores nacionais dos Estados Unidos” (GILLMAN, 2014, p. 24). Dessa maneira, é possível observar que o governo, responsável por estabelecer os laços internacionais do país, utilizou de símbolos e personalidades da música americana para desenvolver tal política, como novas ferramentas de política externa. Tota (2000), alega que o presidente da época, Dwight D. Einsenhower, utilizou com sagacidade um estilo musical emergente nos EUA. O jazz fomentava a integração de brancos e negros e, além disso, era uma fonte lucrativa para as rádios e as gravadoras de discos. Ao contrário do que ocorria com outras manifestações artísticas durante os séculos, não foi a elite que pressionou os interesses estatais. O jazz surgiu nos bairros negros, de uma miscigenação da condição de vida dos escravos com a miséria e o sofrimento. A música era tão envolvente que os americanos brancos foram alvos fáceis. Penny Von Eschen (2006), explanou sobre os interesses nacionais refletidos nas relações internacionais do país: se dentro das fronteiras nacionais o jazz conseguiu uma aceitação tão grande, utilizá-lo para persuadir de maneira ideológica territórios de política externa instáveis seria uma forma de obter influência sobre zonas estratégicas, como Ásia, África Subsaariana e a própria União Soviética.

2.2 As assimetrias e o equilíbrio de poder

Ainda que a interdependência pressuponha uma dependência mútua entre os atores, não é necessário que haja uma distribuição de poder balanceada entre as partes. Ao contrário, atores menos dependentes usufruem desse desequilíbrio e de sua posição privilegiada, para influenciar as ações dos demais. As assimetrias se tornam um instrumento de barganha, o que os autores descrevem como 3

"Cultural diplomacy" comprises key components or instruments of what is called, in the United States, "public diplomacy." Public diplomacy most commonly "refers to government-sponsored programs intended to inform or influence public opinion in other countries; its chief instruments are publications, motion pictures, cultural exchanges, radio and television.

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interdependência assimétrica (KEOHANE; NYE, 1989). As assimetrias então, podem ser entendidas como um desequilíbrio na balança de poder que possibilitar a influência de um ator sobre os demais. Quando dizemos que a interdependência assimétrica pode ser uma fonte de poder nós estamos pensando em poder como controle sobre os recursos, ou o potencial para afetar os resultados. Um ator menos dependente em uma relação muitas vezes tem um recurso político significativo, porque as mudanças no relacionamento (que o ator pode ser capaz de iniciar ou ameaçar) será menos onerosa para aquele ator do que os seus parceiros (KEOHANE; NYE, 1989, p.11, tradução nossa).4

Mesmo que o poder bélico de um Estado seja maior que o de outro, um ataque pode causar perdas para ambos no alcance de objetivos. Portanto, o poder de barganha não deve ser desconsiderado. Para Keohane e Nye (1989), o poder é medido por meio do controle sobre outcomes, ou seja, capacidade de domínio sobre a resolução das transações. Poder pode ser pensado como a capacidade de um ator de fazer com que os outros façam algo que de outra forma não fariam (e a um custo aceitável para o outro ator). Poder também pode ser concebido em termos de controle sobre os resultados (KEOHANE; NYE, 1989, p. 11, tradução nossa). 5

Tendo em vista os novos padrões de interação e formas de atuação no Sistema Internacional, os recursos de poder também serão variados. Dentre eles, a participação do Estado em Organizações Internacionais, o suporte da opinião pública doméstica e externa, os aliados econômicos e políticos, etc. Estes fatores são responsáveis por desequilibrar o conteúdo dependente entre os atores, e são fontes de poder para obter recursos e comandar o desfecho de negociações (KEOHANE; NYE, 1989). O equilíbrio de poder, para melhor entendimento, poderia ser explicado como a manutenção de um balanceamento de poder por parte de cada ator para prevenir a hegemonia ou dominação de alguma das partes.

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When we say that asymmetrical interdependence can be a source of power we are thinking of power as control over resources, or the potential to affect outcomes. A less dependent actor in a relationship often has a significant political resource, because changes in the relationship (which the actor may be able to initiate or threaten) will be less costly to that actor than to its partners. 5 Power can be thought of as the ability of an actor to get others to do something they otherwise would not do (and at an acceptable cost to the other actor). Power can also be conceived in terms of control over outcomes.

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Todavia, de acordo com Keohane e Nye (1989), a pura interação entre atores não é suficiente para caracterizar um cenário de interdependência. É fundamental que essas trocas resultem em custos ou constrangimentos para ambos, caso contrário, será apenas uma relação de interconexão. Para avaliar o nível de poder de um ator, faz-se necessário considerar o quão dependente ele é em relação aos demais, e a sua habilidade de gerar custos nos mesmos. Tais custos são mútuos – mas nem sempre simétricos, isto é, na mesma magnitude –, e restringem a autonomia das partes envolvidas. A autonomia é utilizada para mensurar o quão dependente um ator é, quanto mais autônomo, menos dependente. A autonomia será medida por meio dos conceitos de sensibilidade e vulnerabilidade (KEOHANE; NYE, 1989).

2.3 A sensibilidade e a vulnerabilidade dos Estados

De acordo com Keohane e Nye (1989), a questão da segurança ainda possui um papel relevante no que tange a agenda de política externa dos Estados. Não obstante, outros fatores também desempenham papel significativo para se mensurar o poder. A interdependência assimétrica vem a partir da possibilidade de mudar o rumo das negociações ao dar espaço para a emergência de dois novos métodos de entender o poder: a sensibilidade e a vulnerabilidade. Em consonância com os autores, a sensibilidade e a vulnerabilidade podem ser expressas na instrumentalização de recursos para determinar ou influenciar o resultado de um evento. A sensibilidade trabalha com a ideia da reprodução e do reflexo de acontecimentos internacionais dentro do território doméstico do Estado. Em suma, seria a influência do ambiente internacional de extrema animosidade causado pelas implicações da Guerra Fria, nos Estados Unidos (KEOHANE; NYE, 1989). Para os autores, a sensibilidade poderia ser enxergada a partir da maneira como os Estados percebem as situações externas a eles, sem que haja uma nova configuração política para reduzir o efeito negativo das mudanças. Para tanto, faz-se necessário que o framework6 continue o mesmo, ou melhor, que não se altere a política vigente. É difícil substituir o framework, e no curto prazo a sensibilidade é cada vez mais relevante (KEOHANE; NYE, 1989).

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Termo utilizado pela Interdependência Complexa para se referir à conjuntura política de um Estado.

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Quando o sistema admite que o framework político possui dificuldade em ser alterado, ele então passa a ser ordinário, ou seja, existem barreiras para que se promova uma mudança na constância política. Se algum ator procura alterar o status quo – situação presente – de outro país, ele então faz uso da sensibilidade, por mais que sua alteração seja custosa. A sensibilidade passa a ser a única dimensão não militar interessante para a interdependência, pois retrata o potencial de resposta de um país face a um acontecimento externo a ele, ou que afete sua política doméstica (KEOHANE; NYE, 1989). Dentro do território americano era possível observar e sentir as investidas soviéticas, tanto a nível internacional como a nível doméstico. A URSS expandiu o comunismo de forma que os Estados Unidos se viu responsável em contê-lo. A diplomacia cultural seria uma alternativa ao poder material de destruição, isto é, uma forma de responder ao avanço da União Soviética sem a utilização de recursos bélicos. A crescente probabilidade de uma nova guerra mundial recrudescia a partir da hostilidade entre os blocos capitalistas e socialistas, bem como, desencadeava medo e insegurança na população. Segundo Dinerstein (1972), um erro de julgamento perante as ações das duas nações poderia levar à iminência de uma guerra nuclear. Tanto os países que faziam parte do palco do embate capitalista-socialista, como os que se posicionavam em territórios periféricos, tinham consciência da tensão e animosidade entre os dois blocos. Os Estados Unidos, por sua vez, ao perceber o impacto do novo modelo econômico soviético, começou a alocar recursos tanto para a proteção da sua população quanto para a defesa de seus territórios de influência. Logo, tentou fortalecer o seu framework, ou seja, a sua política doméstica, ao dar cada vez mais suporte para o crescimento do capitalismo (DINERSTEIN, 1972). De acordo com Dinerstein (1972), a configuração bipolar estava determinada a perdurar, uma vez que a própria aversão do Sistema com relação a ambas as ideologias, resultava em hostilidade e ofensivas. Apesar da visão negativa dos estadunidenses acerca do socialismo, a preocupação do Estado americano também demonstra o impacto do modelo em suas fronteiras, a resposta do país, e o desenho que seu povo fazia da URSS perante a nova conjuntura. Segundo Dinerstein (1972), o plano tecnológico, bem como o sucesso soviético do plano de energia nuclear, e o desenvolvimento de mísseis balísticos,

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surpreenderam de forma positiva os observadores estrangeiros. Assim que o socialismo começou a emergir, os americanos logo se prontificaram a combatê-lo e prepararem uma resposta forte a prováveis tentativas de irromper o seu sistema capitalista. Em conformidade com Tota (2000), era dever da nação americana, que saiu vitoriosa na Segunda Guerra Mundial, combater o socialismo soviético e assegurar a liberdade dos povos. Para o ocidente, ainda que o socialismo conquistasse outros países, era papel dos Estados Unidos mostrar que os valores capitalistas eram os que mais beneficiavam a sociedade. Já a vulnerabilidade, em contrapartida, dialoga com os recursos necessários e com o modo que o Estado combateria as implicações da sensibilidade, isto é, do sistema internacional. Seu reflexo pode ser observado na própria diplomacia cultural do jazz, que por sua vez foi a resposta dos Estados Unidos para combater a influência soviética nos territórios de política externa instáveis (KEOHANE; NYE, 1989). "A dimensão vulnerabilidade da interdependência baseia-se na disponibilidade relativa e custos elevados das alternativas que vários atores enfrentam" (KEOHANE; NYE, 1989, p. 13, tradução nossa)7. A vulnerabilidade utiliza os recursos disponíveis e as alternativas políticas que os atores dispõem, para responder aos impactos internacionais. Em suma, a predisposição para sensibilidade ou vulnerabilidade irá depender do grau de autonomia, ou seja, controle de resultados que o ator possui (KEOHANE; NYE, 1989). Por sua vez, a vulnerabilidade consegue alocar recursos a médio e longo prazo para que sejam mais efetivos na política mundial. A vulnerabilidade também pode ser vista como a habilidade de um Estado modificar o resultado das ações políticas de outro. Uma mudança no cenário internacional é proporcional a alocação de recursos domésticos para se combater abalos e mudanças externas a eles (KEOHANE; NYE, 1989). Esta dimensão se destaca como elemento determinante na política internacional, pois se o ator em questão for menos vulnerável possuirá maior poder de barganha e possibilidade de estratégias nas relações internacionais, mas essa influência acarretará riscos (ALVES, 2003, p. 356).

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The vulnerability dimension of interdependence rests on the relative availability and costliness of the alternatives that various actors face.

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A vulnerabilidade é particularmente importante para a compreensão da estrutura política nas relações de interdependência. Em certo sentido, ela se concentra na definição de quais atores são "os definidores da cláusula ceteris paribus"8, ou podem definir as regras do jogo (KEOHANE; NYE, 1989, p.15, tradução nossa).9

Para os Estados Unidos, a ameaça soviética era iminente, e apenas a certeza que a nação tinha da aversão ao socialismo não era suficiente. Para combater o socialismo soviético, os EUA fez uso não só de meios beligerantes como também de meios culturais para atrair e, segundo Tota (2000), “seduzir” novos territórios. Foi desta estratégia de política externa que se desenvolveu a diplomacia cultural do jazz.

2.4 Ausência de hierarquia nos temas da agenda e papel menor da força militar

Consonante ao que foi descrito acima, tais fatos influenciam outro processo da Interdependência Complexa: a formação da agenda. Esta contará com uma ausência de hierarquização, o que torna a agenda internacional mais ampla, abrangente, e menos belicosa. À medida que pautas como ecologia, economia, cooperação, dentre outras, também se tornam preocupações relevantes na convivência entre países, sobretudo os que não sofrem nenhum tipo de ameaça à segurança, a complexidade da agenda de relacionamentos aumenta (KEOHANE; NYE, 1989). Para Keohane e Nye (1977), não há questões mais ou menos importante para a composição de uma agenda, ou seja, não há uma hierarquia de interesses. As capacidades militares ainda possuem importância, entretanto, agora dividem o cenário com outras preocupações do Estado. Tal cenário proposto pelos autores é encontrado na diplomacia cultural do jazz, visto que, durante a Guerra Fria, uma forma alternativa à utilização de meios bélicos era permear fronteiras com a intenção de criar uma atração ideológica para o capitalismo americano. Diante disto, é possível analisar que a não-hierarquização da agenda – a questão bélica deixa de ser a maior preocupação do Estado, e dá espaço para outros temas –, contribui para o recrudescimento do poder do Estado. Quando não há hierarquia dos assuntos, a agenda pode ser composta por temas nacionais e

8 9

Influência de um fator sobre o outro sem que os demais sofram alterações. Vulnerability is particularly important for understanding the political structure of interdependence relationships. In a sense, it focuses on which actors are the definers of the ceteris paribus clause, or can set the rules of the game.

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internacionais, uma vez que grupos politizam problemas particulares, seja no âmbito interno ou de regimes internacionais. Muitas questões surgem a partir do que costumava ser considerado política doméstica, e a distinção entre as questões domésticas e internas torna-se turva. Estas questões são considerados em vários departamentos de governos (e não apenas chancelarias), e em vários níveis (KEOHANE; NYE, 1989, p. 25, tradução nossa).10

Nesse contexto, a ideia tradicional da força militar como fonte última de poder é limitada, pois implica que os potenciais militares sobrevêm a qualquer outra forma de poder, e são a única ferramenta que os Estados utilizam no cenário internacional. No entanto, para a Interdependência Complexa, a habilidade de controlar resultados pode ser considerada uma forma de poder tanto quanto a coerção militar (KEOHANE; NYE, 1989). “Um Estado investe em recursos de poder quando se liga a aliados ou cria regimes internacionais em que desempenha um papel central” (KEOHANE, 1984, p. 24, tradução nossa).11 Os autores reconhecem que os recursos bélicos permanecem uma significativa fonte de poder, e são também um dos fatores determinantes do nível de dependência dos Estados na interdependência assimétrica. Porém, o uso da força acaba por comprometer os outros objetivos do Estado, que não a segurança nacional (KEOHANE; NYE, 1989). Os Estados Unidos tentou apaziguar o seu status internacional com a utilização do jazz. Para Gillman (2014), tendo em vista que era fácil convencer outros territórios a estreitarem fronteiras com o mundo capitalista, os jazzistas faziam com que a América conseguisse mais parceiros ideológicos e saísse na frente da lógica comunista soviética. A intenção dos EUA era conseguir mais e maiores parceiros para manter sempre a superioridade face à URSS. Assim, bem como destacaram Keohane e Nye (1989), a intenção dos Estados Unidos com a diplomacia cultural do jazz era ter como trunfo várias nações que apoiavam a causa capitalista e que, se fosse necessário, dariam suporte aos americanos. O jazz foi uma ferramenta ideal para manipular resultados e garantir

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Many issues arise from what used to be considered domestic policy, and the distinction between domestic and foreign issues becomes blurred. These issues are considered in several governments departments (not just foreign offices), and at several levels. 11 A state invests in power resources when it binds allies to itself or creates international regimes in which it plays a central role.

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aliados, já que a música é uma linguagem universal que irrompe fronteiras com facilidade e dissemina valores pré-estabelecidos Ao considerar os conceitos acima explanados, a agenda internacional dos Estados Unidos durante a Guerra Fria adquiriu temas de low politics12. Isso ocorreu pelo fato de o país ter se sentido ameaçado pela expansão do socialismo, e desejar agregar seguidores para o estilo de vida capitalista ocidental. Ao utilizar a diplomacia cultural do jazz para transmitir seus princípios em uma época de conflitos ideológicos, os EUA buscava criar laços amistosos e cooperativos com outros Estados.

2.5 Os canais de informação múltiplos

Ao contrário das teorias clássicas de Relações Internacionais, que reconhecem o Estado como unidade coesa e figura preponderante na dinâmica mundial, a Interdependência Complexa apresenta a ideia de múltiplos canais que interligam as sociedades. Esses canais irão dissolver a noção de âmbito doméstico e âmbito internacional, uma vez que envolvem relações informais entre organizações transnacionais e elites não governamentais, relações formais e informais entre elites governamentais, dentre outros (KEOHANE; NYE, 1989). As transações podem ser interestatais – como foi pensado pelo Realismo –, transgovernamentais – relativiza a premissa de o Estado ser uma unidade coesa –, ou transnacionais – pluralização de atores na política internacional. É no nível transnacional que a sensibilidade da interdependência entre os Estados sofre mais alterações. Quanto mais transnacionais as relações internacionais são, mais sensíveis os países se tornam no que diz respeito ao aumento de canais múltiplos de comunicação internacional (KEOHANE; NYE, 1989). Tais atores buscam alcançar seus próprios objetivos e, enquanto isso, modificam as políticas governamentais dos países para que estes se tornem mais sensíveis uns aos outros. Portanto, nessa configuração contemporânea, os indivíduos estão mais conectados, e para tanto, é necessário compreender os efeitos sistêmicos dessas interconexões. A interdependência econômica afeta a interdependência social, por exemplo, e assim por diante (KEOHANE; NYE, 1989).

12

É o contrário de high politics, que são temas ligados à segurança e interesses estratégicos, considerados mais urgentes dentro da agenda internacional.

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Essas relações de interdependência distintas se interceptam em vários momentos, de modo que os efeitos em uma determinada região do globo podem produzir efeitos em outra região. Isso evidencia a densidade das redes de transações. No passado, operar através da imprensa ou do governo, eram as únicas formas de compartilhar informações. Quando o canal de comunicação se aumenta, as trocas de informações passam a se dar de diferentes maneiras, e por meio de diferentes mecanismos, o que possibilita que os indivíduos divulgam informações de uma forma mais efetiva (KEOHANE; NYE, 1989). Mais canais de informação e mais ferramentas para divulgá-la, fazem com que o fluxo das informações seja maior. Nesse contexto, é inevitável que ocorra uma hierarquização de informações, pois o volume das mesmas é grande e não é possível definir quais são válidas, umas são mais seguras do que outras. A intensificação do fluxo de informações irá repercutir na interação entre os atores conforme as mesmas forem transformadas em conhecimento. Este, será empregado pelos atores para alterar os resultados a seu favor, o que o caracteriza como um recurso de poder (KEOHANE; NYE, 1989). Em consonância com esse conceito, a Agência de Informação dos Estados Unidos – United States Information Agency (USIA)13 – em parceria com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, realizou expedições internacionais que continham vários expoentes culturais da época, como artistas plásticos, músicos e dançarinos. Entre 1954 e 1968, tal atividade procurou consolidar a dominação norteamericana na esfera cultural, além dos âmbitos econômicos e militares (GILLMAN, 2014). Cull (2008), traça um paralelo entre a emergência do conceito de diplomacia pública e agência que a representava – a USIA –, e a Guerra Fria. O autor busca demonstrar a relevância que a propaganda teve para os tomadores de decisões políticas estadunidenses, em um contexto em que estes enxergavam uma guerra não só entre nações, mas também ideológica. A USIA foi a mais importante ferramenta para transmitir a política externa norte-americana no cenário internacional, ao “vender” a cultura do país lá fora e impor políticas específicas.

13

Agência criada em 1953 com duração até 1999. Tinha como objetivo promover a diplomacia pública, isto é, divulgar informações para públicos estrangeiros de maneira a influenciá-los em detrimento do interesse nacional. Quando foi extinta, suas operações ficaram à cargo do Departamento de Estado.

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As propagandas russas antiamericanas sobre os conflitos internos que envolviam negros nos EUA enfraqueciam a imagem nacional do pós-guerra, baseada na democracia e integridade. O governo estadunidense se sentiu “ameaçado” por essas investidas do comunismo e do totalitarismo, as quais rebateu com um pesado programa cultural e de propaganda (BLAKE, 2007).

2.6 A relação entre a cultura e o poder

Para compreender melhor a ideia da diplomacia cultural, faz-se necessário uma breve abordagem sobre a cultura como forma de poder no sistema internacional. De acordo com Mathews citado por Martins (2007), a cultura pode ser divididade em três seções: individual, coletiva pública e estatal. A primeira corresponde à subjetividade do ator. A segunda, ao Estado ou comunidade organizada. Por último, as relações de poder entre as comunidades, que podem ser os vinculos interestatais formais, ou os novos que surgirão dessas trocas transversais. Para Jahn citada por Martins (2007), a informatização da sociedade – imprensa, rádio, televisão e cinema –, transportam elementos de auto-afirmação de um grupo específico, e em contrapartida, elementos globais nos quais ambos podem fomentar inspirações ou rejeições. Portanto, as três vertentes estão imersas em um contexto de contínua circulação de ideia e de produtos, que por sua vez, denominamos como mercado. A cultura abrange elementos distintivos pelos quais cada indivíduo refere sua identidade pessoal ao conjunto de fatores que a definem: lingua, espaço, época, religião, parentesco, sexo, liames particulares, enfim, o feixe de interseções historicamente dado que é processado e incorporado subjetivamente por cada pessoa (MARTINS, 2007, p. 30). Uma das políticas promovidas pelo Estado é de gerar a lealdade a ele [ou a nação] como fator crucial da equação social. [...] A versão patriótica do nacionalismo não é uma farsa, embora possa ser explorada inadequadamente por líderes, populistas ou não, interessados em manipular os cidadãos para colocá-los a serviço de seus objetivos. É a estratégia publicitária dos valores, quando submetidos a finalidades distintas daquelas relacionadas à identidade ou afirmação pessoal ou social do grupo referido (MARTINS, 2007, p. 46-47).

Segundo Martins (2007), tanto a identidade pessoal quanto a dimensão social independem da estrutura do Estado. Porém, a prática e a história, de acordo com o autor, dão outros índicios da presença do Estado na sua efetividade. “O Estado moderno inclui, entre suas formas de exercício de poder, a gestão do sistema

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educacional e do sistema de produção e circulação de ideias” (MARTINS, 2007, p. 30). A segunda metade do século XX foi marcada pela determinada busca da identidade social, política, econômica e cutural de etnias e sociedades, indivíduos e grupos; um processo que entrou em constante repetição até os dias atuais. Neste sentido, podemos estabelecer dois grandes objetivos para a compreensão da cultura, denominados por Martins (2007), enquanto poder:

a) o sentido e alcance da cultura histórica; b) os elementos da construção da identidade macrorregional. Maltratados pela sucessão de crises e processos de desagregação, europeus e americanos, e também asiáticos e africanos, desenvolvem esforços críticos dentro e, sobretudo, fora das instâncias políticas formais para dar conta intelectual e praticamente de inúmeros fenômenos de seu passado, em particular da superação do nazifascismo, da guerra fria e da descolonização política (MARTINS, 2007, p. 31).

De acordo com Brant (2009), existe uma cadeia produtiva que alimenta a atividade cultural e estabelece atividades peculiares. Cada papel desempenhado dentro desta rede é fundamental na composição de um setor cultural eficaz, que contribua para o desenvolvimento social e econômico do país. Dentre estes campos estão a área de produção, organizações culturais, departamento de cultura, patrocínio de empresas investidoras, meio acadêmico e o próprio poder público. “Promover a transformação da sociedade por meio da cultura, significa encadear esforços de todos esses agentes de forma a permitir a consolidação de um mercado qualificado, capaz de produzir e consumir cultura” (BRANT, 2009, p. 77). Segundo o autor, a atividade cultural precisa de agentes preparados para mudar sua forma de agir e pensar, face a uma nova conjuntura e a novas possibilidades com questões mais complexas fruto da sociedade contemporânea. “Estes novos agentes estariam capacitados a pensar em uma nova agenda que utilizasse a cultura como ponto de partida, como meio de construção dessa agenda, e como eixo central dos novos paradigmas de desenvolvimento” (BRANT, 2009, p. 75). Em outras palavras, os formuladores de política externa devem estar aptos a tratarem de temas que vão além da esfera doméstica e de atividades ortodoxas, e

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devem utilizar a cultura como arma ideológica capaz de influenciar novas tomadas de decisões políticas (BRANT, 2009).

2.7 A indústria cultural

De acordo com Marcuse (1997), a cultura contemporânea é distribuída à massa por um sistema constituído em especial pelo cinema, rádio e revistas. Nada é espontâneo, profundo ou realmente inovador, está tudo definido, padronizado e pronto para o consumo. Pelos estreitos laços entre a indústria cultural e o capitalismo, seu início e sua emergência se deu nos países industrializados e liberais, como os Estados Unidos. Os meios de comunicação entregam, na realidade, padrões de comportamento que devem ser seguidos por públicos alvos distintos e de diferentes classes sociais. Não apenas os temas tendem a se repetir em ciclo, mas segundo Marcuse (1997), também

as

personalidades,

músicas,

figurinos,

paisagens,

padrões

de

comportamento e mensagens implícitas. A cultura quando é transformada em produto torna-se comercial, e assim, difunde informações ocultas através do produto que se propõe a vender. Tais informações, na maioria das vezes, são ilusões, que possuem como finalidade manter o consumidor longe de reflexões profundas e avessas a mensagem do produto. A indústria cultural vende padrões que são traduzidos em mercadoria. As personalidades descobertas são lançadas pelos estúdios, e influenciam a população através de seu carisma. A diplomacia cultural do jazz fez uso da USIA para ficar encarregada da publicidade e propaganda do estilo musical. Os Estados Unidos utilizou a USIA para “persuadir outros povos de outras nações, por meio da utilização de técnicas de comunicação, para explicar que os objetivos e políticas dos EUA estão em harmonia com as aspirações legítimas de liberdade, progresso e paz (NILSEN, 2011, p. 54). Segundo Cull (2008), este foi o meio utilizado pelos EUA para se tornar presente no resto do mundo, difundir seus ideais e manter uma ordem sistema internacional na qual fosse superpotência. A União Soviética fazia diversas campanhas com objetivo de difamar e desprestigiar os EUA. Conforme salientou Nilsen (2011), para combater as investidas soviéticas era necessário contra-atacar com uma imagem positiva do país. Assim, fezse necessário a criação da USIA, que iria utilizar o jazz para fins de propaganda e

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tornar os EUA interessante e aprazível dentro do Sistema Internacional. O intuito era convencer que o modelo de vida americano era melhor face ao soviético. A USIA então, ficaria encarregada de escolher os artistas que entrariam em turnês internacionais, os países que seriam interessantes para manter a influência americana, bem como, utilizar meios culturais para permear suas informações, como por exemplo, imprensa, noticiários, panfletos, fotos. Desta forma, o jazz passou de um estilo musical amistoso, para uma mercadoria e ferramenta de política externa dos Estados Unidos para garantir aliados. Segundo Marcuse (1997), a indústria cultural seria fruto do capitalismo e do liberalismo, por transformar a arte em meio de massificação das camadas sociais. A essência da arte não existiria por si mesma, era um mero produto do capitalismo. Assim, os Estados Unidos utilizou o jazz como recurso para massificar o mundo, trazêlos para o american way of life.14

2.8 A diplomacia cultural estadunidense De acordo com Nye (2004), o poder brando15 configura-se como um recurso para enviar mensagens a outros lugares, e promover a absorção por outros atores. Os atores que recebem estas mensagens, por sua vez, estão inseridos em diferentes contextos sociais, políticos e econômicos. No primeiro momento, isso fomenta um estranhamento com o comunicado, mas depois um entendimento da ideia. Poder é a capacidade de influenciar outros para conseguir o que quer, e você pode fazer isso por uma dessas três maneiras: você pode fazê-lo com ameaças, as chamadas “varas”; você pode fazê-lo com pagamentos, as chamadas “cenouras”; ou você pode fazê-lo com atração e persuasão, que eu chamei de soft power. A capacidade de combinar o poder brando e hard power da força, coerção e pagamento, é o smart power. Assim, você pode ter soft power, você pode ter o hard power, mas às vezes eles entram em conflito. [...] Durante a Guerra Fria, a hard power e soft power da América reforçaramse mutuamente. Quando o Muro de Berlim caiu isso não aconteceu sob uma barragem de artilharia, ele entrou em colapso sob o impacto de ideias na mente das pessoas por trás da Cortina de Ferro, que derrubaram o muro com martelos e escavadeiras. Eu acho que boa parte do soft power americano na

“Estilo de vida americano”. Expressão nacionalista utilizada pela mídia durante a Guerra Fria para demonstrar como o modelo capitalista ocidental promovia uma qualidade de vida melhor que o socialismo, devido aos seus ideias de democracia e liberdade. 15 Utilizado pela primeira vez em 1980 por Joseph S. Nye, representa o emprego de meios culturais ou ideológicos para influenciar, de maneira indireta, os interesses de outros atores. 14

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verdade vem da sociedade civil e não de governo (NYE, 2015, tradução nossa).16

O governo então utilizará dois modelos para inserir seus valores e alcançar uma avaliação positiva de seu país em outros territórios: a diplomacia pública e a diplomacia cultural. A diplomacia pública se encarrega de promover atos deliberativos governamentais em outros Estados, para buscar a transmissão de sua mensagem (NYE, 2004). O poder brando é utilizado como instrumento para estreitar as relações internacionais, na medida em que consegue embutir seus valores e melhorar a imagem de seu país no exterior. O autor ainda salienta que a diplomacia pública não é utilizada somente como recurso governamental. Atividades dos setores privados e da sociedade também possuem relevância para o desempenho da política em questão (NYE, 2004). Já a diplomacia cultural, poderia ser entendida nos termos de Nye (2004), como parte da diplomacia pública. Esta última fomenta um estreitamento das fronteiras entre os Estados, com o objetivo de vender uma imagem melhor do país. A diplomacia cultural atuaria também como uma ferramenta que possibilitaria a afinidade entre as fronteiras. Um concerto, uma feira de livros, uma exposição de arte, um programa de bolsas estudantis, entre outros, são exemplos da exportação e intercâmbio de valores que recrudescem a imagem favorável do país. Joseph Nye (2004), declarou “poder é a capacidade de influenciar o comportamento dos outros para obter os resultados que se quer” (NYE, 2004, p. 2)17. Para o autor, a União Soviética foi o maior rival dos Estados Unidos em termos de soft power durante a Guerra Fria. Por ser uma época caracterizada pela corrida armamentista entre os dois países, o temor da aniquilação nuclear deu espaço para o conflito psicológico. A imagem internacional se tornou um fator de política-externa, no qual a propaganda, a contrapropaganda e a diplomacia cultural objetivavam 16

Power is the ability to affect others to get what you want, and you can do that in one of three ways: you can do it with threats, so called sticks; you can do it with payments, so called carrots; or you can do it with attraction and persuasion, which I called soft power. The ability to combine soft power and hard power of force, coercion and payment, is smart power. So, you may have soft power, you may have hard power, but sometimes the conflict with each other. […] During the Cold War, America’s hard power and soft power reinforced each other. When the Berlin Wall collapsed it didn't under an artillery barrage, it collapsed under the impact of ideas in the minds of people behind the Iron Curtain, who pulled down the wall with hammers and excavators. I think a lot of American’s soft power actually comes from civil society not from government. 17 Power is the ability to influence the behaviour of others to get the outcomes one wants.

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conquistar a empatia da opinião pública e demonstrar ao mundo quem detinha a superioridade política e bélica (NYE, 2004). As adoções dos ideais americanos nas zonas de interesses estadunidenses tornaram-se grandes expoentes para a aceitação do capitalismo americano durante a Guerra Fria. De acordo com Nye (2004), a cultura americana está se convertendo na segunda cultura de todos. Não é obrigatório que represente as tradições locais, mas ativa um certo bilinguismo cultural. “Grande parte da revolução da informação provém dos Estados Unidos e grande parte do conteúdo das redes de informação global normalmente é criada no país o que aumenta o ‘poder brando’ norte-americano” (NYE, 2002, p. 140). Os Estados Unidos utilizava a imagem dos jazzistas para popularizar sua cultura ao redor do mundo, e conseguir transformar um elemento cultural em uma ferramenta de política externa, em detrimento de seu convencional uso do poder militar e econômico (TOTA, 2000). Segundo Von Eschen (2006), o jazz possuía uma peculiaridade que apenas um país palco do sincretismo cultural e da miscigenação de etnias e nacionalidades poderia ter. Por isso a União Soviética não conseguiria combater o “carisma” do jazz. Utilizado como uma construção para embutir valores e instrumentalizá-los em outros territórios, o jazz foi uma das maiores ferramentas de política externa dentro da diplomacia cultural. De acordo com Judt (2006), os Estados Unidos possuía fraca relevância diante do conservadorismo europeu, que por sua vez também se identificava com a perpetuação de valores tradicionais da União Soviética. Porém, Von Eschen (2006) relata que o jazz tinha uma atratividade única, por mais que fosse um estilo musical fruto das senzalas, acabou por conquistar os corações dos americanos de classe média, dos latinos bon vivant18, das elites europeias, e dos próprios soviéticos. Por conseguinte, os Estados Unidos utilizou a sua melhor propaganda, aquela que mais atraía olhares para a América, e fez do jazz um de seus recursos no embate ideológico. No que tange a retaliação por parte dos soviéticos, era de se esperar que tentassem responder com seu tradicionalismo. Ainda que tenham conseguido em certa medida utilizar o Ballet de Bolshoi, a União Soviética não chegou a conquistar todas as camadas sociais, assim como fez o jazz (VON ESCHEN, 2006).

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Pessoa bem humorada que valoriza os prazeres da vida e sabe aproveitá-los.

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Os Estados Unidos queria exportar para outros Estados os valores de democracia e liberdade, então começaram a utilizar a diplomacia cultural a seu favor, ao incorporar elementos culturais na sua agenda de política externa. Desta maneira, contestavam a imagem de Estado militarista, materialista e em decadência cultural, resultado das campanhas soviéticas de 1950 “Ódio aos EUA”19 (DAVENPORT, 2009). “O mercado de jazz de discos para gramofone também se beneficiou da característica de internacionalidade de seu público. Até certo ponto, as pequenas vendas de um país eram suplementadas pelas vendas acumuladas de vários outros. Por exemplo, discos de King Oliver foram lançados nos Estados Unidos, Canadá, Argentina, França, Inglaterra, Alemanha, Suíça, Tchecoslováquia, Suécia, Dinamarca, Itália, Holanda, Austrália e Japão” (HOBSBAWN, 1989, p. 234-235).

De acordo com Edgar Montiel (2007), quando se está inserido em um contexto rico de interculturalidade e valorização do poder simbólico, a cultura se volta para uma prática social coletiva influente nas Relações Internacionais. Como consequência, a cultura passa a ser utilizada pelos EUA como ferramenta de política externa, com seu ápice logo após a Segunda Guerra Mundial. Consonante a Ribeiro (2011), a cultura passa a ter um posto de grande relevância dentro da política internacional, seria uma revolução cultural – precedida das revoluções agrária, industrial e tecnológica. A revolução cultural, por sua vez, seria possibilitada através da revolução tecnológica, contudo, conseguiria causar um impacto maior do que a última. O cinema, os meios eletrônicos de divulgação, a publicidade, entre muitos outros fatores, que possam ser aqui evocados, de certa forma alteram costumes e hábitos, e exercem influências sobre culturas que por sua vez chegam a ser ameaçadas em sua identidade (RIBEIRO, 2011). Nesse contexto, a cultura passa a ser um fator importante para a política externa, algo que é percebido pelo governo dos EUA, que faz com que o Departamento de Estado se engaje nesses processos: “Primeiro, o Departamento de Estado expandiu as atividades culturais a um número maior de regiões geográficas. [...] Segundo, o Departamento de Estado orientou suas prioridades de culturais a propósitos propagandísticos explícitos com a criação da USIA. [...] Terceiro, o Departamento de Estado chamou para o intercâmbio de pessoas – negras e brancas – em programas

19

Campanha de antiamericanismo criada em 1950 pela URSS com o intuito de transmitir uma imagem negativa dos EUA.

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culturais, somado a livros, literatura e a mídia” (DAVENPORT, 2009, p. 1415, tradução nossa).20

Os Estados Unidos buscou projetar-se de forma positiva em nível internacional para tornar-se mais atrativo aos olhos das outras nações e, em consequência, conduzir a uma receptividade maior de seus valores. Todavia, consonante a Tickner (2010), a cultura muitas vezes é ministrada de maneira errônea tendo em vista que em geral não se leva em consideração seus valores, influências e interesses econômicos e políticos. De acordo com Ribeiro (2011), o Estado tem como propósito a projeção de seus valores, e conforme a importância política atribuída ao país, estes valores terão maior ou menor apreciação. A maioria dos países desenvolvidos acabam por utilizar da insurgência da cultura e de seus valores, ao criar uma teia e laços entre suas diversas esferas, sejam elas econômicas, políticas, de assistência técnica ou culturais. Porquanto, desencadeiam diplomacias mais concretas e vinculantes, ao ampliar suas interligações, permear ideias, produtos e negociação de alianças. Segundo Ribeiro (2011, p. 31) a diplomacia cultural seria utilizada de forma a fomentar:

a) intercâmbio de pessoas; b) promoção de arte e dos artistas; c) ensino de língua, como veículo de valores; d) distribuição integrada de material de divulgação; e) apoio a projetos de cooperação intelectual; f) apoio a projetos de cooperação técnica; g) integração e mutualidade na programação. A diplomacia cultural então seria utilizada para promover um conhecimento mútuo entre os Estados com finalidade de garantir a paz mundial, bem como, promover a disseminação de seus ideais políticos e valores a partir da difusão cultural para assegurar efeitos positivos à imagem americana. Neste contexto, pode-se entender a música como ferramenta de política externa transmissora de uma linguagem universal, por estreitar fronteiras e penetrar territórios estrangeiros 20

First, the State Department expanded cultural activities to a greater number of geographic regions. […] Second, the State Department shifted its priorities from cultural to explicitly propaganda purposes with the creation of the USIA. […] Third, the State Department called for the exchange of persons— blacks and whites—in cultural programs, in addition to books, literature, and the media.

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(SCHMELZ, 2009). “Em nenhum lugar as ideias e crenças da Guerra Fria foram melhor refletidas do que nas artes, especialmente a música” (SCHMELZ, 2009, p. 4).21 A diplomacia cultural, que tem sido definida como "a troca de ideias, informação, arte e outros aspectos da cultura entre as nações e os seus povos em outros para promover a compreensão mútua"22, é o eixo da diplomacia pública, pois é em atividades culturais que ideia de uma nação por si só é melhor representada. A diplomacia cultural revela a alma de uma nação, o que pode explicar a sua complicada história na vida política americana: quando a nossa nação está em guerra, todas as ferramentas do kit diplomático são empregadas, incluindo a promoção de atividades culturais (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005, p. 4-7, tradução nossa).23

2.9 A diplomacia cultural do jazz durante a Guerra Fria O Jazz ia além das fronteiras americanas, era disseminado ao redor do mundo. Nos EUA representava o sonho libertário dos negros que ainda se viam na luta contra a segregação e o preconceito. Um dos elementos contestados pela URSS foi a segregação e opressão dos negros que eram privados de vários direitos sociais, civis e políticos. O jazz enfatiza a igualdade na diferença e é, na realidade, uma diversidade igualitária (JONES, 1967). Com pouco mais de cem anos, o jazz nasceu e mantém-se como uma música libertária, criada nos Estados Unidos por negros, cujo passado associado à escravidão produziu um gênero altamente vinculado às questões políticosociais que atravessaram o século XX. Considerado marginal, mostrou-se, desde o princípio, sob uma perspectiva não conformista, que se consolidaria como instrumento de luta contra as desigualdades e as diversas formas de racismo (BERENDT; HUESMANN, 2014, p. 13).

A partir do que foi apresentado, a utilização da Interdependência Complexa para analisar a diplomacia cultural do jazz é relevante, uma vez que ajuda a compreender a relação de dependência dos EUA com seus territórios de interesse, e como o Estado manteve presença ideológica em territórios de política externa instáveis. No que diz respeito às assimetrias, argumentou-se que a dependência 21

Nowhere were Cold War ideas and beliefs more common currency than in the arts, especially music. CUMMINGS, Jr. Milton C. Cultural diplomacy and the United States Government: a survey. Washington, D.C.: Center for Arts and Culture, 2003. 23 Cultural diplomacy, which has been defined as "the exchange of ideas, information, art, and others aspects of culture among nations and their peoples in other to foster mutual understanding", is the linchpin of public diplomacy, for it is in cultural activities that a nation's idea of itself is best represented. Cultural diplomacy reveals the soul of a nation, which may explain its complicated history in American political life: when our nation is at war, every tool in the diplomatic kit bag is employed, including the promotion of cultural activities. 22

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mútua entre as partes não pressupõe que a distribuição de poder entre elas seja equilibrada. Para os Estados Unidos, a assimetria poderia ser corrigida com o uso de novas estratégias de política externa, como a própria diplomacia cultural. A sensibilidade e a vulnerabilidade também foram analisadas. A sensibilidade indica como o avanço do comunismo e a instabilidade das políticas externas no sistema internacional refletem em território estadunidense. Já a vulnerabilidade identifica o meio pelo qual os Estados Unidos respondeu a esta ameaça, ou em outras palavras, como os EUA utilizou a diplomacia cultural para reagir as investidas comunistas. Por último, salientou-se a utilização de meios de comunicação, bem como a sua massificação e comercialização por meio da indústria cultural, visto que isso pode ser entendido como uma estratégia para os EUA se fazer presente nos demais Estados. A ausência de hierarquização da agenda foi um tema importante para discutir a entrada de novas propostas nos planos do governo, como por exemplo, a utilização da diplomacia cultural concomitante ao costumeiro hard power. Assim, questões de segurança deixam de ser levantadas como única preocupação do Estado. Novos temas são horizontalizados e discutidos com a mesma importância. Em seguida, fezse necessário uma discussão a respeito dos canais de informação múltiplos. Nesse caso, a Agência de Informação dos Estados Unidos (USIA) foi a ferramenta responsável por exportar a cultura estadunidense para outros Estados, como estratégia de política externa. Este tema perpassa a compreensão de indústria cultural, tendo em vista que a USIA empregava técnicas de comunicação e utilizava a informação como instrumento de poder. Ademais, divulgava aspectos da cultura americana com a finalidade de persuadir outras nações à aceitarem a influência dos EUA de forma positiva. Tratouse também de assuntos adjacentes como cultura e poder, com o objetivo de recrudescer a propriedade e o conteúdo do trabalho. Finalmente, as definições de diplomacia cultural e como esta se relaciona com o jazz e a interdependência complexa.

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3 A DIVERSIFICAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE POLÍTICA EXTERNA No capítulo anterior foi discutido a relevância da diplomacia cultural do jazz no âmbito das Relações Internacionais, sob a ótica da Interdependência Complexa. Esta nova análise, que se opõe à visão tradicional realista da política internacional até então, terá como produto a interdependência. Neste capítulo, será explorado como os conceitos de diplomacia cultural foram projetados no jazz, de forma a diversificar a agenda de política externa. Para tanto, discorrer-se-á sobre o contexto histórico da Guerra Fria e as novas estratégias adotadas para praticar o poder. Em seguida, as primeiras atividades do Departamento de Estado e da USIA. Após uma explanação à respeito das origens do jazz, será falado sobre como começou a utilização do gênero na diplomacia cultural. Por fim, faz-se necessário uma análise do comportamento da USIA durante a guerra, e suas medidas de propaganda responsáveis pelas expedições do jazz e presença do estilo musical na mídia internacional. 3.1 A Guerra Fria e a diversificação no exercício do poder

Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, houve a emergência de duas grandes potências: os Estados Unidos e a União Soviética. As divergências entre o capitalismo americano e o socialismo soviético desencadearam na Guerra Fria, que pode ser descrita como uma “guerra ideológica”. O capitalismo apoiava-se nos valores de democracia e liberdade, enquanto o socialismo focava em unificar e nivelar todos os povos (KARNAL et al. 2011). Essas duas correntes apresentavam em seu interior grandes controvérsias, porém, o poder e a tensão do Sistema Internacional estavam concentrados na disseminação de valores e na resistência de duas grandes concepções, além da disputa pelo posto de grande potência mundial. Para defender os valores dos dois blocos, tanto os EUA quanto a URSS começaram a investir em seus arsenais bélicos, em especial os nucleares, para criar receio sobre a iminência de uma guerra de proporções mundiais (KARNAL et al. 2011). Segundo Tota (2009), os Estados Unidos se via em uma posição de mantenedor da liberdade, cabia a "vitoriosa" nação americana o papel de "policial planetário". “Se havia um mal a ser combatido, este mal não era outro senão o

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comunismo” (TOTA, 2009, p. 177). Os Estados Unidos já se projetava no âmbito internacional com os valores americanos presentes do seu cotidiano. Como exemplificou o presidente Woodrow Wilson, anos antes da eclosão da Guerra Fria: Ergam seus olhos para o horizonte dos negócios [...] e com a inspiração do pensamento de que vocês são norte-americanos e estão destinados a levar a liberdade, a justiça e os princípios da humanidade aonde quer que vão, saiam e vendam bens que tornarão o mundo mais confortável e feliz, e convertam essas pessoas aos princípios da América (WILSON, 1916, tradução nossa).24 Se eu não acreditasse na Providência, me sentiria como um homem que caminha com os olhos vendados por um mundo sem sentido. Eu acredito na Providência. Eu acredito que Deus presidiu a criação desta nação. Eu acredito que ele plantou nos EUA as visões da liberdade. Somos escolhidos, e escolhidos de forma proeminente, para mostrar às nações do mundo como elas deverão andar nos caminhos da liberdade (Woodrow Wilson apud ANDERSON, 2015, p. 43).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos atribuiu-se a responsabilidade de combater a potência emergente, ao mesmo tempo em que enxergava a necessidade de blindar o continente europeu de eventuais investidas soviéticas. De acordo com Davidson (2016), o povo europeu estava em uma situação descontente e precária. Uma situação como esta poderia ser entendida como ensejo ideal para investidas soviéticas, uma vez que a população precisava de uma rápida ajuda para se reerguer. Como resposta, os EUA criou o “Plano Marshall”, um programa de auxílio internacional do governo Truman. Tinha como finalidade auxiliar os países europeus vítimas da última Grande Guerra a restabelecerem suas economias. Ainda segundo o autor, o programa teria como agenda a construção de novas fábricas, ferrovias e pontes. Desta forma, os Estados Unidos criou uma dependência dos países europeus com a América, ao passo que conseguiu assegurar sua influência e presença no local (DAVIDSON, 2016). Para Karnal et al. (2011), a Guerra Fria tornou-se "quente" quando começaram a fazer de outros territórios palco para suas investidas armadas. Apesar da ausência de enfrentamento direto entre os blocos capitalista e socialista em seus territórios próprios, suas ideologias entraram em conflito diretamente em áreas distintas do 24

Lift your eyes to the horizons of business [...] and with the inspiration of the thought that you are Americans and are meant to carry liberty and justice and the principles of humanity wherever you go, go out and sell goods that will make the world more comfortable and more happy, and convert them to the principles of America.

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planeta, assim ocorreu na Coréia (1950-1953), no Vietnã (1955-1975) e na Tchecoslováquia (1968).25 A Guerra Fria, bem como, as intervenções americanas e soviéticas em territórios periféricos, serviram como indicadores para o congresso americano aumentar o orçamento militar como forma de conter a expansão do socialismo. Tudo isto estava dentro da ideia geral de que o bom americano era um sujeito integrado à sua comunidade. Dotado de habilidades individuais, deveria ser fiel à comunidade com empenho e satisfação. Sua satisfação seria premiada com o afeto do grupo que, satisfeito, o convidaria a tomar parte como membro. Paradoxalmente, um país que deve sua existência ao individualismo, inverteu o sentido de seu próprio fundamento, substituindo a primazia dos interesses pessoais pelos interesses do grupo e da comunidade. Tudo em razão da luta contra o comunismo soviético (TOTA, 2009, p. 182).

Os Estados Unidos, como forma de tirar a atenção de suas medidas securitárias extremas e seus contratempos internos, começou a encobri-los com outras propostas durante a guerra. Uma vez que, os EUA era visto como uma nação forte e prepotente, o Departamento de Estado começou a jogar com o carisma do american way of life. Ou seja, com a qualidade de vida do capitalismo e da integração dos povos americanos. “A verdade é que os Estados só estão interessados em um equilíbrio a seu favor. Seu objetivo não é um equilíbrio, mas uma margem generosa de poder” (ANDERSON, 2015, p. 22). Consonante a Judt (2006), a Europa foi o primeiro palco para a Guerra Fria na esfera cultural, que depois se estendeu às periferias das grandes potências, marcando seu apoio e alinhamento ideológico. De acordo com Edgar Montiel (2007), o modelo cultural que um Estado tenta projetar se configura a partir dos seguintes elementos: Seu prestígio, sua capacidade de se comunicar, seu grau de abertura ao exterior, a exemplificação de suas práticas, “a atratividade” da sua cultura, das suas belas artes, de seu patrimônio monumental, a graça de seus costumes, a justiça das suas ideias, pensamentos e religiões, a força da sua

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O primeiro, um enfrentamento entre Coreia do Sul, apoiada por EUA e Reino Unido, e Coreia do Norte, apoiada pela China e URSS. Em seguida, o confronto entre o Vietnã do Sul/EUA – com participação da Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia –, e o Vietnã do Norte/Frente Nacional para a Libertação do Vietname – com participação da Coreia do Norte, China e URSS. Por último, a Primavera de Praga na Tchecoslováquia, que buscou a liberalização política e econômica do país em relação à URSS.

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capacidade inovadora na educação e na ciência, a intensidade da sua ação bilateral e multilateral (MONTIEL, 2007, p. 21-22, tradução nossa).26

Davidson (2016), salienta que para combater a visão dos Estados Unidos como potência militar apenas, a utilização de novas condutas e políticas externas fizeramse necessárias. A princípio utilizadas de maneira perspicaz pelo presidente Eisenhower, a frente cultural americana seria o trunfo estadunidense que instrumentalizaria o fator psicológico da guerra. A intenção era convencer o mundo de que o modo de vida americano seria a melhor opção, e a única que poderia lhes prover uma vida satisfatória e confortável. Para os norte-americanos, existia um único caminho, e este caminho levava à América. De acordo com Boeckman (1979), a música é o meio ideal para se incutir sons e palavras que criticam um sistema social, um personagem da vida política ou até mesmo o desejo de se alcançar a paz e o entendimento mútuo. Uma música pode chegar a um público que se identifique a ponto de assumi-la e convertê-la em uma prática. Ao considerar este fato, o governo americano começou a equipar suas músicas com ideias e valores revolucionários27, com objetivo de reorganizar o mundo a favor do alinhamento capitalista estadunidense. A América posicionou-se diante do sistema internacional como a grande potência libertária, território de propagação democrática. Para Nilsen (2011), havia um impacto negativo que o governo norte-americano sofria que, por sua vez, seria resultado das campanhas soviéticas para descredibilizar o governo americano. Os EUA criou uma agência de informações 28 que estaria encarregada de captar mensagens, informações e notícias relevantes para a atuação dos Estados Unidos no Sistema Internacional. Uma vez criada a agência, uma nova estratégia de política externa emergia na guerra, seu embate não se fazia a partir do medo de uma guerra física, mas aconteceria por meio da exportação de valores. Tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética atuavam em várias frentes. Ao mesmo tempo em que mantinham a 26

El prestigio, su capacidad de comunicar hacia afuera, su grado de apertura al exterior, la ejemplaridad de sus prácticas, ‘la atractividad’ de su cultura, de sus bellas artes, de su patrimonio monumental, la gracia de sus costumbres, la justicia de sus ideas, pensamentos y religiones, la fuerza de su capacidade innovadora en la educación y las ciencias, la intensidad de su acción bilateral y multilateral. 27 Outros exemplos de como os Estados Unidos fez isso serão melhor discutidos no capítulo 4, sobre os desdobramentos da diplomacia cultural do jazz. 28 As medidas tomadas pelo governo dos Estados Unidos de forma geral, através do Departamento de Estado e a USIA, serão apresentados e desenvolvidos na seção 3.2 do presente capítulo.

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tensão armamentista, os dois blocos utilizavam a cultura, arte, entretenimento, ciência e tecnologia, como instrumentos de política externa (NILSEN, 2011). Durante esse período, as disputas ideológicas eram ainda mais complexas porque eram carregadas de ideais divergentes de modo de vida e democracia. No que diz respeito ao lado soviético, defendia os princípios políticos trazidos pela Revolução Russa de 1917. Diante desse cenário, no qual o alcance de corações e mentes era tão relevante quanto o poderio militar, como a URSS se sentiu impactada pela diplomacia cultural norte-americana, e como se posicionou para respondê-la? A Rússia buscou disseminar a sua cultura, ou como ela mesmo classificava, a “alta cultura”, através da deterioração das manifestações artísticas ocidentais. Pregava que sua literatura, o balé clássico e a música erudita eram superiores, e repudiava a arte abstrata e o jazz, por ser um gênero musical que envolvia a sensualidade. O balé era tão influente dentro do bloco, que o governo começou a enviar o Bolshoi e o Kirov Ballet em turnês internacionais, o que tornou o estilo de dança um verdadeiro embaixador cultural. A Academia de Balé Bolshoi, uma das maiores e mais tradicionais companhias de dança do mundo, apresentou seus espetáculos de obras clássicas do século XIX nos teatros de várias nações (CAUTE, 2005). Dentre outras estratégias russas é possível destacar o apoio aos de movimentos de paz, os protestos antinucleares, a utilização das transmissões de rádio para controlar informações, e a indústria do cinema. Tais filmes, quando tratavam sobre a União Soviética, reproduziam cenas idealizadas de uma sociedade satisfeita e feliz. Além disso, o lançamento do satélite espacial Sputnik também favoreceu o bloco ao transmitir uma mensagem positiva para o resto do globo (CMAIS, 2014). Contudo, sem dúvidas o recurso mais usado pelos soviéticos foi a propagação da desinformação sobre o lado oeste do planeta. As propagandas comunistas destacavam a pobreza, prostituição, tráfico de drogas, desemprego e corrupção presente nos países ocidentais, e argumentavam que essas eram características recorrentes do capitalismo (CMAIS, 2014). Nye (2004), repudia esse posicionamento da URSS, pois acredita que essa publicidade incoerente com a realidade acabava por prejudicar o soft power do bloco. Ademais, a rigidez na vida cultural do país, e sua configuração política restritiva, impediam o surgimento de uma cultura popular forte. Já nos Estados Unidos, a produção cultural durante a Guerra Fria foi mais aberta, uma vez que os paradigmas

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liberais dos sistemas políticos não possibilitavam o estabelecimento de um fenômeno cultural tão repressivo como o socialista (CMAIS, 2014).

3.2 As ações do Departamento de Estado e da USIA

De acordo com o U.S. Department of State (2005), a diplomacia cultural pode ser entendida como um eixo da diplomacia pública, que transparece a ideia de nação29 através de atividade culturais. O Departamento acredita que a diplomacia em questão pode chegar até a melhorar a segurança nacional, de “maneira sutil, abrangente e sustentável” (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005, p. 1).30 Os norte-americanos creem que a riqueza cultural de seu país foi a responsável por emancipar a liderança estadunidense face ao resto do mundo. Uma vez que traduzem suas heranças e valores nas tradições artísticas e intelectuais, o ambiente internacional estará condicionado às crenças da América e, portanto, estará protegido (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005). É interessante ressaltar que Nilsen (2011), discorda da convencional ideia à respeito da política tradicional, que incita a não intervenção em atividades culturais transnacionais e de informação, durante tempos de paz. Uma vez que, um país percebe que seu trunfo pode adentrar outros territórios, e os remetê-los às atividades culturais do país relevante, sua presença consolida-se de forma indireta no local. Durante a Guerra Fria, mesmo com a ausência de enfrentamento direto, os EUA percebeu que para perpetuar os princípios democráticos liberais americanos, a diplomacia cultural era parte essencial na condução de sua política externa (NILSEN, 2011). Para os EUA, a diplomacia cultural desempenha um papel ímpar no controle e alinhamento da sociedade: A diplomacia cultural revela a alma de uma nação, o que pode explicar a sua complicada história na vida política americana: quando a nossa nação está em guerra, cada ferramenta do kit diplomático é empregada, incluindo a promoção de atividades culturais. [...] Agora que estamos em guerra outra vez, o interesse na diplomacia cultural está em ascensão. Talvez dessa vez possamos criar estruturas duradouras para praticar uma diplomacia cultural eficaz e articular uma visão sustentável do papel que a cultura exerce no que

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Agregado de indivíduos reunidos em uma comunidade estável, dentro de um território e com uma língua em comum. 30 Subtle, wide-ranging, and sustainable ways.

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diz respeito à segurança desse país (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005, p. 1, tradução nossa).31

O U.S. Department of State (2005), estruturou alguns pilares nos quais a diplomacia cultural pode se sustentar. São eles: a) Ajudar a criar "uma base de confiança" com outros povos, em que os formuladores de políticas podem construir acordos políticos, econômicos e militares; b) Incentivar os outros povos para dar aos Estados Unidos o benefício da dúvida em questões políticas específicas ou pedidos de colaboração, já que há uma presunção de interesses comuns; c) Demonstrar nossos valores e nosso interesse em valores, combate a noção popular que americanos são rasos, violentos e sem Deus; d) Afirmar que temos valores como a família, a fé, e o desejo para criar uma educação em comum com os outros; e) Criar relacionamentos com os povos, os quais sofreram para além de mudanças no governo; f) Poder atingir membros influentes das sociedades estrangeiras, que não podem ser alcançado através de funções das embaixadas tradicionais; g) Fornecer uma agenda positiva para a cooperação, apesar das diferenças políticas; h) Criar uma plataforma neutra para o contato pessoa-a-pessoa; i) Servir como um veículo flexível, universalmente aceitável para aproximação com países onde as relações diplomáticas são ou estão tensas ou ausentes; j) É exclusivamente restrito chegar aos jovens, a não-elites ou para grandes audiências com uma redução na barreira de linguagem; k) Promover o crescimento da sociedade civil; l) Educar os americanos sobre os valores e as sensibilidades de outras sociedades, ajudando-nos para evitar gafes e erros; m) Contrabalançar incompreensões, ódio e terrorismo; n) Poder fomentar debates culturais internos e estrangeiros no lado de abertura e de tolerância (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005, p. 1-2, tradução nossa).32

Tais pilares foram estabelecidos pelo Departamento de Estado como forma de adentrar territórios estrangeiros de maneira não-violenta, o que desencadeou em uma

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Cultural diplomacy reveals the soul of a nation, which may explain its complicated history in American political life: when our nation is at war, every tool in the diplomatic kit bag is employed, including the promotion of cultural activities. […] Now that we are at war again, interest in cultural diplomacy is on the rise. Perhaps this time we can create enduring structures within which to practice effective cultural diplomacy and articulate a sustaining vision of the role that culture can play in enhancing the security of this country. 32 a) Helps create “a foundation of trust” with other peoples, which policy makers can build on to reach political, economic, and military agreements; b) Encourages other peoples to give the United States the benefit of the doubt on specific policy issues or requests for collaboration, since there is a presumption of shared interests; c) Demonstrates our values, and our interest in values, and combats the popular notion that Americans are shallow, violent, and godless; d) Affirms that we have such values as family, faith, and the desire for education in common with others; e) Creates relationships with peoples, which endure beyond changes in government; f) Can reach influential members of foreign societies, who cannot be reached through traditional embassy functions; g) Provides a positive agenda for cooperation in spite of policy differences; h) Creates a neutral platform for people-to-people contact; i) Serves as a flexible, universally acceptable vehicle for rapprochement with countries where diplomatic relations have been strained or are absent; j) Is uniquely able to reach out to young people, to non-elites, to broad audiences with a much reduced language barrier; k) Fosters the growth of civil society; l) Educates Americans on the values and sensitivities of other societies, helping us to avoid gaffes and missteps; m) Counterbalances misunderstanding, hatred, and terrorism; n) Can leaven foreign internal cultural debates on the side of openness and tolerance.

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maior aceitação da cultura que seria inserida. Assim, a diplomacia cultural seria utilizada como um instrumento que promoveria a identificação do indivíduo com o novo conceito levado ao território. Os Estados Unidos soube utilizar destes meios com maestria, como pode-se verificar nas suas principais exportações culturais. "A cultura norte-americana está presente em todos os países do mundo, ultrapassa barreiras territoriais e agrada espectadores de diversas nacionalidades” (OURIVEIS, 2013, p. 170). “O país que consegue legitimar seu poder aos olhos dos demais encontra menor resistência para obter o que deseja. Contando ele com uma cultura e uma ideologia atraentes, os outros se mostram mais dispostos a acompanhá-lo” (NYE, 2002, p. 39). De acordo com Martel (2012), os Estados Unidos, portanto, começou a exportar os expoentes culturais de sua nação que estavam em evidência como os filmes de Hollywood, histórias em quadrinhos, rock and roll, Disney, jazz, Coca-Cola, música pop, Broadway e até a fama da Universidade da Califórnia do Sul (USC), como a instituição responsável pelo sucesso de grandes intelectuais. Para o U.S. Department of State (2005), a diplomacia cultural age de maneira recíproca. Para cada artista estrangeiro influenciado por um trabalho de um americano, há um americano à espera para ser “tocado” por sonhadores criativos que carregam outras tradições. “Basicamente o poder brando está diretamente relacionado à credibilidade do país. Quanto mais capacidade de disseminação de poder brando ele dispuser, mais crédito ele terá perante o sistema internacional” (OURIVEIS, 2013, p. 174). Contudo, vale ressaltar que, no contexto estudado, essa abertura não era dada de forma tão aceitável à influência soviética. Os ideais dos fundadores 33, consagrados na Declaração de Independência, na Constituição, em O Federalista, e na Declaração dos Direitos dos Cidadãos, assumem uma nova vida nas vibrantes tradições da arte americana. Dança, cinema, jazz, e literatura, continuam a inspirar pessoas em todo o mundo, apesar das diferenças políticas (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005, p. 1, tradução nossa).34

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Os três escritores de "O Federalista" (1787), uma série de 85 artigos que discorrem sobre a ratificação da Constituição dos Estados Unidos. Alexander Hamilton (primeiro secretário do Tesouro dos EUA), James Madison (fundador do Partido Republicano), e John Jay (conselheiro de George Washington e juiz da Suprema Corte). 34 The ideals of the Founding Fathers, enshrined in the Declaration of Independence, the Constitution, the Federalist Papers, and the Bill of Rights, take on new life in the vibrant traditions of American art, dance, film, jazz, and literature, which continue to inspire people the world over despite our political differences.

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“A indústria cultural35 desempenhava papel crucial na disseminação do consumismo e do apoio aos valores sociais e culturais do capitalismo americano” (KARNAL et al. 2011, p. 232). Assim como descrito anteriormente, os artifícios culturais do american way of life tiveram grande peso nos novos padrões da sociedade. Não só no ambiente doméstico, como também no internacional, os EUA se tornava cada vez mais atrativo, ganhava espaço e uma resposta universal positiva (KARNAL et al. 2011). É importante ressaltar que haviam muitas contradições na nova propaganda da sociedade estadunidense. Para os conservadores, a ideia da mulher somente como dona de casa, começou a perder credibilidade quando mulheres, trabalhadores e jovens foram encorajados a defenderem sua igualdade e liberdade. A diplomacia cultural não era mais uma ferramenta para promover mudanças só no Sistema Internacional, ela também mudava a dinâmica e a estrutura da sociedade norteamericana (KARNAL et al. 2011). Muitas das ofertas culturais de Hollywood na década também celebraram as virtudes do capitalismo americano. [...] Os jornais e as revistas de grande circulação bem como as produções intelectuais convencionais da época elogiavam o bem-estar do país, o suposto “fim da ideologia” e o triunfo dos valores do mercado capitalista (KARNAL et al. 2011, p. 233).

Para Nye (2004), a cultura estadunidense possui um valor especial, pois foi graças a ela – e outros aspectos – que foi possível atingir o objetivo da política externa norte-americana: ganhar a Guerra Fria. A cultura popular dos Estados Unidos conseguiu se sobrepor a da União Soviética no período em que estes últimos gozavam de uma grande aceitação. O autor também reconhece a importância dos intercâmbios educacionais e científicos-tecnológicos realizados entre as duas potências. Foi a partir das informações apresentadas, que os EUA conseguiu manter seus valores presentes em território comunista. O transporte de seus princípios para imersão em território soviético foi o grande responsável por influenciar jovens russos que, em um momento posterior, ocupariam cargos políticos, lutariam pelos direitos humanos e pelo liberalismo na URSS (OURIVEIS, 2013). O que as pessoas ao redor do mundo amam na cultura americana – a ideia de América, se você preferir – é a sensação de liberdade que percorre através 35

Estudo sobre a produção cultural no cenário capitalista industrial desenvolvido pelos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer.

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dos escritos de Emerson e Thoreau, de Hemingway e Fitzgerald; a música de Duke Ellington, Charlie Parker e John Coltrane; as pinturas de Jackson Pollock, Willem de Kooning e Robert Motherwell; a coreografia de Martha Graham, Merce Cunningham e Paul Taylor; os filmes de Woody Allen e Martin Scorsese. Mas como disse um oficial americano sobre o declínio do apoio governamental à programação cultural: "É como sugar o ar para fora de uma redoma de vidro: se não há outra maneira de nos envolver exceto em termos políticos, então perdemos. (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005, p. 4, tradução nossa).36

Em 1975, o Departamento de Estado Americano fez um pronunciamento. O objetivo era reforçar a ideia da necessidade da utilização de uma política externa apoiada nos pilares culturais: A finalidade e os objetivos deste programa são “permitir que o Governo dos Estados Unidos promova uma melhor compreensão dos EUA em outros países e aumentar a compreensão mútua entre o povo estadunidense e as povos". Entre os meios para se alcançar estes objetivo está o intercâmbio internacional de pessoas, conhecimentos e habilidades. Intercâmbio internacional de pessoas e projetos constituem um técnica integrante e essencial na realização dos objetivos gerais desse programa de intercâmbio educacional. Pessoas que participam de tais projetos levam para outros países, e trazem de volta para o seu próprio, informação, conhecimento, e atitudes que através de experiências pessoais promovem uma melhor compreensão dos Estados Unidosmno exterior e aumentam o entendimento mútuo entre o povo americano e os demais povos. Estes programas exercem um papel direto e personalizado de liderança, contribuindo para a troca de serviços técnicos, de conhecimento e competências, e informação sobre desenvolvimentos na educação, nas artes e nas ciências (ESPINOSA apud U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005, p. 8, tradução nossa).37

Já a Agência de Informação dos Estados Unidos (USIA) foi produto da necessidade do congresso americano de entrar em contato com populações

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What people throughout the world love about American culture—the idea of America, if you will—is the sense of freedom coursing through the writings of Emerson and Thoreau, of Hemingway and Fitzgerald; the music of Duke Ellington, Charlie Parker, and John Coltrane; the paintings of Jackson Pollock, Willem de Kooning, and Robert Motherwell; the choreography of Martha Graham, Merce Cunningham, and Paul Taylor; the films of Woody Allen and Martin Scorsese. But as an American official said of the government’s declining support for cultural programming: “It’s like sucking the air out of a bell jar: if there’s no other way to engage us except in political terms, then we lose.” 37 The purpose and objectives of this program are “to enable the Government of the United States to promote a better understanding of the United States in other countries and to increase mutual understanding between the people of the United States and the people of other countries.” Among the means to be used in achieving these objectives is the international exchange of persons, knowledge, and skills. International exchange of persons and projects constitute an integral and essential technique in attaining the general objectives of this educational exchange program. Persons participating in such projects carry to other countries, and bring back to their own, information, knowledge, and attitudes which through personal experience and personal influence promote a better understanding of the United States abroad and increase mutual understanding between the people of the United States and the people of other countries. These programs play a leading and direct, personalized role in contributing to the exchange of technical services, of knowledge and skills, and of information regarding developments in education, the arts, and sciences.

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estrangeiras depois da Segunda Guerra Mundial. Seu objetivo era a expansão das possibilidades de trocas de informações, em tempos de paz e durante a guerra. De acordo com Chodkowski (2012), em 1953, o presidente Eisenhower, criador da USIA, delegou à agência o encargo de pesquisar a influência da propaganda global na segurança nacional americana. Esse passou então a ser um dos maiores focos da agência durante a Guerra Fria. Cull (2008), ressalta que entre algumas das obrigações da USIA estava entender, informar e influenciar políticas internacionais de acordo com os interesses domésticos dos EUA, para fomentar o diálogo entre cidadãos e instituições americanas. O autor também enfatiza que o presidente Eisenhower protegeu a agência durante tempos remotos, visto que acreditava na sua funcionalidade e eficácia em captar informações perante uma guerra ideológica contra a União Soviética. Algumas de suas funções eram: a) Explicar e defender políticas norte-americanas em termos que são credíveis e significativos em culturas estrangeiras; b) Fornecer informações sobre as políticas oficiais dos Estados Unidos, e sobre as pessoas, valores e instituições que influenciam estas políticas; c) Trazer os benefícios do envolvimento internacional aos cidadãos americanos e às instituições, ajudando-os a construir relacionamentos fortes de longo prazo com os seus homólogos no exterior; d) Aconselhar o presidente e os tomadores de decisão do governo dos EUA sob os termos em que atitudes estrangeiras terão influência direta sobre a eficácia das políticas norte-americanas (CHODKOWSKY, 2016, p. 2, tradução nossa).38

Pode-se inferir que a cultura nacional quando exportada, tem a habilidade de projetar o prestígio conseguido por meio de êxitos internos nos campos morais, intelectuais, científicos, artísticos e econômicos. Para Freeman (1997), o intercâmbio, bem como, a diplomacia cultural, é uma parte essêncial da estratégia de política externa visto que, quando estrangeiros vivenciam a imersão em outras culturas apresentam um melhor entendimento das culturas e dos próprios Estados. O jazz seria então a ferramenta americana para promover a sua cultura fora de seu território. Em outras palavras, seria o resposável por administrar a positividade da aceitação de acordos com os estadunidenses, tendo em vista a singularidade, bem 38

a) Explain and advocate U.S. policies in terms that are credible and meaningful in foreign cultures; b) Provide information about the official policies of the United States, and about the people, values, and institutions which influence those policies; c) Bring the benefits of international engagement to American citizens and institutions by helping them build strong long-term relationships with their counterparts overseas; d) Advise the President and U.S. government policy-makers on the ways in which foreign attitudes will have a direct bearing on the effectiveness of U.S. policies.

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como a positividade da sociedade americana, que eram espalhados no estilo musical. Por conseguinte, o jazz atuaria como elo entre os EUA e a comunidade internacional. Seu propósito como ferramenta de política externa seria transformar os olhares internacionais quando virados para a América. Em cada casa em que se escutasse jazz teria um pouco dos Estados Unidos, e em cada casa em que tivesse um pouco dos Estados Unidos o capitalismo estaria presente.

3.3 O jazz como estratégia de política externa

Para entender a estratégia do governo americano em utilizar o jazz como ferramenta de política externa, primeiro é necessário fazer uma breve abordagem sobre a história do negro nos Estados Unidos e o contexto de suas criações artísticas, tendo em vista as situações sociais que imperavam. Posteriormente, tratar-se-á da presença do afro-americano tanto a nível doméstico quanto internacional, e a importância do jazz como interlocutor de valores e grande arma ideológica na Guerra Fria. Segundo Gray e Hofstadter (1970), a expansão do açúcar no sul e sudeste dos Estados Unidos, onde hoje situa-se a cidade de Nova Orleans no estado da Louisiana, favoreceu o aumento da escravidão da região. A sociedade escravocrata acabou com a organização social dos negros traficados da África, todavia, alguns rituais conseguiram sobreviver por meio da celebração de cultos trazidos do antigo continente para a América. Entre alguns destes cultos a perpetuação da religiosidade africana foi o elemento fundamental para a criação do novo estilo musical. A celebração das crenças do vodu39 contava com a realização de cânticos africanos, que por sua vez, reproduziram-se mais em plantations40 católicas do que nas protestantes. O católico não estava preocupado em salvar a alma do escravo, o qual era considerado uma propriedade e não um ser humano (GRAY; HOFSTADTER, 1970). Para Hobsbawn (1989), uma certa tolerância com ritos e rituais diferentes começava a estabelecer-se. Havia-se um hibridismo entre a música clássica europeia trazida pelos colonizadores e a música pagã fruto dos rituais africanos. Uma vez que

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Tradição religiosa relacionada a ancestrais que possuem origens africanas. Sistema agrícola empregado na colonização da América que possui como características principais a exploração de mão de obra escrava em latifúndios, e a monocultura voltada para a exportação.

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ambas as músicas entraram em contato, um novo gênero musical começou a despontar. Na Louisiana, a música era utilizada como uma “válvula de escape” dos escravos e, até certo ponto, também foi encorajada pelo próprio governo. Entretanto, a música negra passou a fundir-se com componentes europeus, o que tornou o jazz um resultado desta miscigenação (HOBSBAWN, 1989). Vale a pena ressaltar, da maneira mais clara possível, que nenhum desses elementos musicais precisa necessariamente estar ligado à raça, no sentido biológico do termo. Não existe prova que o senso rítmico do negro seja “inato”: é adquirido, como tudo o mais. O arrebanhamento dos negros como escravos e sua posterior segregação explicam a força e a extensão dos africanos originais (HOBSBAWN, 1989, p. 60). Nascido e desenvolvido depois da Segunda Guerra Mundial, este termo foi assumindo um papel e um significado na história do jazz moderno que deve ser tomado muito em conta, principalmente se analisa também o lado sociológico deste gênero. Na idade legendária do jazz, esta música tinha se desenvolvido nos clubes e ou pequenos lugares de encontro onde os negros do sul realizavam seus saraus musicais e posteriormente nas grandes salas de dança de Manhattan e dos demais bairros negros da moda das grandes metrópoles norte-americanas (SOLÉ, 1990d, p. 123).

De acordo com Solé (1990a), o jazz era a matriz de toda a musicalidade híbrida. Os Estados Unidos tornou-se o lar de vários imigrantes, que buscavam novas oportunidades, tinham pretensões de começar uma nova vida ou apenas fugir de situações “desconfortáveis”. Cada imigrante levou consigo um pouco da sua musicalidade, não só os escravos, mas polacos, germânicos, irlandeses, entre outros. Entretanto, para os negros suas músicas tinham uma importância muito maior do que somente divertimento, a música possuía finalidade social e comunitária. O Departamento de Estado dos Estados Unidos viu na emergência da apreciação mundial do jazz, uma oportunidade para ganhar projeção internacional positiva. O presidente Eisenhower vestiu um semblante carismático, e tentou reforçar os laços de cooperação através da difusão cultural com outros países (SOLÉ, 1990a). De acordo com Davenport (2009), os Estados Unidos precisava apropriar-se de uma fonte cultural genuína, que não pudesse ser copiada por nenhum outro Estado, para que desta forma pudesse competir com o Ballet de Bolshoi russo. Diante disso, os EUA valeu-se do jazz, que era um estilo musical nascido na terra americana. Nada mais original para se competir no campo cultural do que a arte criada pelo negro que encantava brancos. Nesse contexto, além de persuadir o mundo a se identificar

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com o jazz, os EUA aproveitou para transmitir uma imagem de igualdade racial entre seu povo. Como um forte exemplo da diplomacia cultural, Karnal et al. (2011), salienta que a emergência do jazz traduzia um carisma muito singular da época, utilizado como um canal das manifestações de descontentamento do corpo social estadunidense. O grupo mais marginalizado da sociedade, os afro-americanos, foi que produziu o material mais substancial para transmitir a indignação das massas através do blues 41 e do jazz. Foram criados vários canais de televisão e rádio para veicular a nova tendência americana. Ainda segundo os autores, o jazz foi usado pelos EUA como uma arma ideológica, que acabava por englobar o espírito da integração entre os povos, uma vez que a época ainda apresentava resquícios de segregação racial42 (KARNAL et al. 2011). Em outras palavras, o jazz foi apresentado em solo nacional e estrangeiro como o reflexo “democrático” dos Estados Unidos, já que possuía a habilidade de agradar tanto aos brancos quanto aos negros. “A atração de muitos brancos pela música de raiz

afro-americana

propiciou

um

rompimento

parcial

com

construções

contemporâneas de diferença racial” (KARNAL et al. p. 234). Segundo Hobsbawn (1989), o jazz seria um elemento que desencadearia em uma decadência da burguesia. Comunistas que viviam em países ocidentais se esforçavam para tentar negar as investidas jazzísticas. Porém, em sua maioria, a comoção pelo estilo musical foi grande, o que fez com que a hostilidade soviética ao jazz não obtivesse grande sucesso. Ainda segundo o autor, o jazz é responsável por recrudescer emoções “poderosas” e “tenazes”, tanto a nível doméstico quanto a nível internacional, isto é, entre seus adoradores e oponentes. Para Von Eschen (2006), mesmo com grande animosidade entre os blocos capitalista e socialista, os jornais soviéticos e socialistas britânicos continuaram a publicar resenhas de jazz, dado a sua imensa atratividade. O carisma do estilo era tanto que seus embaixadores eram enviados para regiões de política e alinhamento 41

Estilo musical vocal e/ou instrumental originado do rock and roll. Influenciou o surgimento do jazz, dentre outros gêneros. 42 Privar determinado grupo de pessoas de ter acesso a direitos que são de todos os cidadãos, devido a sua origem étnica. No curso da História, essa discriminação social por vezes foi institucionalizada e regulamentada, como por exemplo na África do Sul, na Austrália e nos Estados Unidos. No último, destacam-se os Black Codes (1800-1866), as Leis de Jim Crow (1876-1965) e as Leis antimiscigenação (Século XVII-1967).

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instáveis como a Ásia, África Subsaariana, e para a própria União Soviética. Tal estratégia consistiria na celebração de audições dos maiores intérpretes do estilo musical ao redor do mundo. Entre eles estavam grandes nomes da música como Louis Armstrong, Benny Goodman, Dizzy Gillespie e Miles Davis.

3.4 O papel da USIA na diplomacia cultural

A USIA seria utilizada, segundo Davenport (2009), para investir no poder brando43 de forma que a própria agência determinasse o artista que seria enviado para cada país. Levavam em consideração para a escolha, a cultura e personalidade de cada Estado. Em outras palavras, a USIA iria promover concertos nos outros países com os jazzistas que mais se aproximassem da identidade de cada nação. Como consequência da estratégia, haveria uma maior probabilidade que as investidas americanas gerassem mais aceitação da cultura estrangeira. Além disso, a agência também teria a função de escolher quais países seriam mais vantajosos para se realizar expedições e instalar a cultura americana dentro de suas fronteiras. Imprensa, notícias, panfletos, programas de rádio, fotos, etc. foram alguns dos meios utilizados pela agência para divulgar a chegada dos embaixadores do jazz (DAVENPORT, 2009). De acordo com Cull (2008), em primeira instância, a agência coletou dados em meio a opinião pública sobre a reputação que os Estados Unidos detinha no cenário internacional da época. Sua segunda função foi ser verossímil ao divulgar notícias dos conflitos armados, por acreditarem que contribuiriam para rebater as propagandas inimigas e disseminar a verdade. A vertente cultural passou a ter ainda mais relevância com o fim dos anos 50, já que algumas lacunas militares faziam parecer que a URSS ganhava a Guerra Fria. O presidente Dwight D. Einsenhower defendia que a guerra de informações era essencial para vencer a guerra ideológica contra os soviéticos. “De modo geral, [a USIA] colhia informações para orientar o Departamento de Estado, no sentido de conquistar a orientação pública para a causa americana: a defesa das Américas sob a liderança dos Estados Unidos” (TOTA, 2000, p. 130). A diplomacia cultural do jazz se desenvolveu ao longo de mais de duas décadas.

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Em inglês, Soft Power, consiste em influenciar os comportamentos e/ou interesses de outros atores de forma indireta, isto é, através de recursos ideológicos ou culturais.

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Grandes ícones norte-americanos que emergiam na sociedade ganharam fama e projeções internacionais. Segundo Von Eschen (2006), o presidente Dwight D. Eisenhower criou a diplomacia do jazz com sua primeira expedição no ano de 1956. Nesta, Dizzy Gillespie, através do carisma da sua melodia, atuaria como diplomata norte-americano e defenderia de modo indireto os Estados Unidos em outros Estados. Von Eschen (2006), salienta que as viagens tiveram um impacto favorável, “conseguiu imprimir um espírito democrático e gerou uma imagem positiva acerca da questão racial na vida americana” (VON ESCHEN, 2006, p. 47). Gillespie, nascido em 1917 no sudeste dos EUA foi um trompetista de renome mundial que ganhou o primeiro cargo de “embaixador do jazz” designado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. Nessa época, o jazz já era um estilo musical com grande aceitação ao redor do mundo, contudo, era irônico observar que um país que ainda mantinha a segregação racial pudesse utilizar artistas negros para traduzir seus próprios valores. Não só os Estados Unidos era visto como uma grande nação protetora de sua população, com grandes possibilidades para a emancipação de novas culturas, como também uma sociedade sustentada nos valores de igualdade racial e integração. Os EUA, por sua vez, escolhia os territórios a serem visitados perante uma análise prévia da política do país e de suas jogadas diplomáticas, ou seja, de como o país se comportava a nível internacional (VON ESCHEN, 2006). Von Eschen (2006), cita em seu livro a passagem dos embaixadores do jazz pelo Egito em 1956, que enfrentava grandes embates devido a briga entre Egito e Israel pelo controle do Canal de Suez44. A proposta dos Estados Unidos era muito clara para qualquer um que observasse o cenário internacional: blindar o Oriente Médio contra possíveis investidas soviéticas, e manter a influência americana em um lugar de extrema riqueza comercial para eles próprios. É preciso sublinhar, por outro lado, que a evolução dos festivais, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, tem estado vinculada sempre aos acontecimentos sociológicos e inclusive políticos. A uma primeira fase tranquila, na qual os festivais foram celebrados nos teatros, ou em amplas zonas verdes durante a época de verão – como em Newport, Montreux ou o festival italiano de pescara. [...] Voltando à Europa, cabe citar, junto aos 44

Israel, Inglaterra e França usufruíam do Canal de Suez para comercializar com o oriente, quando os egípcios o nacionalizaram. A Crise de Suez em 1956 foi um conflito político no qual os três países declararam guerra ao Egito.

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mencionados, os festivais de Molde, na Noruega [denominado “Northsea Festival”], os que se celebravam em Zurique e cidades alemãs, e o “Úmbria Jazz” italiano, já desaparecido. Na Espanha, merecem especial menção, por sua maior transcendência os de San Sebastian e o, já falecido, de Barcelona (SOLÉ, 1990d, p. 123).

De acordo com Judt (2006), os dirigentes soviéticos teceram inúmeras críticas ao jazz, como “decadente e alienante”. Na Alemanha por exemplo, o jazz foi proibido, uma vez que o Estado deveria criar um estilo musical autentico. O Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED)45, identificava o jazz como uma ferramenta do imperialismo norte-americano. Ao contrário da Alemanha, outros países europeus tiveram grande aceitação do estilo, transformando-o em um dos principais geradores de lucro da época. Como declarou o guitarrista de jazz escocês, “do momento que você começa a tocar jazz, não há absolutamente nada que você possa fazer, você não tem saída; e, claro, é economicamente um desastre” (Jim Mullen apud SOLÉ, 1990c, p. 12). No Brasil a primeira expedição fez muito sucesso, uma vez que a bossa nova46 se configurava com um gênero musical com grande influência do jazz americano. Von Eschen (2006), ressalta que Gillespie dividiu palco com os músicos João Gilberto e Antônio Carlos Jobim no Brasil. Seus concertos não se estendiam somente as elites, as jazz notes47 permeavam todas as camadas da sociedade, fossem elas americanas ou estrangeiras. Desta forma, por meio da publicidade, a presença e a importância dos jazzistas seria enfatizada perante os olhos da população do país anfitrião. Para Von Eschen (2006), em alguns locais os EUA já estava bastante presente, o que poupou o país de realizar investidas nestes territórios. Assim, seu foco direcionou-se para territórios com políticas externas instáveis. A mídia, bem como supracitado, também teve papel fundamental para a manutenção da diplomacia do jazz.

3.5 O jazz na mídia internacional da época

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Partido político comunista alemão que governou a República Democrática Alemã desde sua fundação em 1949, até o seu fim em 1990. 46 Movimento da música popular brasileira derivado do samba e com influências do jazz. Surgiu no final dos anos 50 através dos músicos Antônio Carlos Jobim, João Gilberto e Vinícius de Moraes. 47 Notas musicais do jazz.

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Solé (1990b), reportou que as rádios deram apoio ao jazz e materializaram-se em mais de uma dúzia de estações em Nova York, a Jazz FM da Inglaterra e grandes orquestras de rádio alemãs. Pelo potencial que o jazz apresentava, programas de televisão também foram abertos para encorajar o gosto musical, a Black Entertainment TV foi uma das emissoras que começou a realizar produções provenientes de materiais já arquivados. Ademais, na Europa houve a emergência de um programa de trinta minutos, o Talkin’ Jazz, e documentários feitos por John Jeremy que também dirigiu o movimento internacional “Campanha para Jazz na Televisão”. As revistas da época tinham temas recorrentes relativos ao jazz, afinal, era um dos maiores estilos musicais da época (SOLÉ, 1990b). Solé (1990b), traz alguns nomes de revistas mundiais que costumavam emitir notificações e reportagens, os últimos lançamentos de um disco, a emergência de grandes nomes da música, divulgações e críticas de concertos também eram alguns dos temas abordados. Cadense e Down Beat (EUA), Coda (Canadá), Jazz Hot (França), Jazz Journal International (Grã-Bretanha), Jazz Podium (Alemanha), Musica Jazz (Itália), Orkester Journalen (Suécia), e a Swing Journal (Japão) foram algumas das revistas que cobriam o mundo do jazz. Considerando que o jazz é uma forma de arte que originou-se exclusivamente nos Estados Unidos foi necessário um longo período para que as pessoas de outras culturas desenvolvessem algum grau de interesse acadêmico. Os europeus deram início ao processo de documentação, através de livros publicados na Alemanha, seguido de Portugal antes mesmo do primeiro título americano surgir. [...] O mesmo aconteceu com as revistas. A Orchestra World foi publicada pela primeira vez nos Estados Unidos, seguida da Down Beat, porém, somente na Grã-Bretanha, mais de uma dúzia de títulos foram publicados, Melody Maker apareceu primeiro, seguida da Rhythm. Já a francesa Jazz Hot afirma ser a primeira revista do mundo dedicada inteiramente ao jazz (SOLÉ, 1990b, p. 215).

Também pode-se considerar, segundo o periódico supracitado, que com o advento da internet no final da Guerra Fria, alguns sites já possuíam temáticas relacionadas ao jazz, bem como, repassavam detalhes acerca dos gigs, clubes, festivais, discos, estações de rádio, revistas, workshops, arquivos, aprendizagens e detalhes sobre músicos de jazz (SOLÉ, 1990b). É interessante notar que com a utilização da internet estas mensagens eram divulgadas com relativa facilidade. No entanto, como sua popularização começou no final da Guerra, a internet não obteve um papel fundamental para influenciar

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populações na época. Assim, podemos perceber que por mais que uma estratégia midiática obtivesse demasiado sucesso em relação a outras, o jazz fazia-se presente em todas elas (SOLÉ, 1990). Por seu grande carisma e aceitação universal, o estilo musical era recorrente nas pautas de revistas, programas de rádio e televisão. Sua própria atratividade pressionava a criação de novos meios para que suas canções pudessem ser transmitidas. O jazz não era só mais um objeto fruto da falsa integração racial48 estadunidense, era um novo estilo de vida que começava a permear fronteiras e americanizar o sistema internacional. Como foi visto, durante a Guerra Fria as campanhas soviéticas antiamericanas prejudicaram a imagem dos Estados Unidos no âmbito internacional, que era visto como potência militar ameaçadora. Tanto os EUA, quanto a URSS, enxergaram a necessidade de explorar outras formas de conduzir sua política externa, e diversificaram suas agendas através da utilização do fator cultural. Para regular tais práticas, o governo estadunidense criou uma agência de informações, a USIA, que atuou em conjunto com o Departamento de Estado. A agência foi um meio de promover o poder brando, uma vez que trabalhava para melhorar a visão dos demais países sobre os EUA, e aproximá-los do bloco capitalista. A elaboração de tal agência reflete a diversificação da agenda de política externa. A diplomacia do jazz exportou um fator cultural e promoveu um intercâmbio de valores, que foram essenciais para que as investidas estadunidenses fossem melhor aceitas no cenário global. O contato com uma nova cultura, e a exposição a ela, pode propiciar um melhor entendimento da mesma; por isso as agência norte-americanas queriam que o jazz, e os outros expoentes culturais, fizessem cada vez mais parte do cotidiano das pessoas no mundo todo. No próximo capítulo, será mostrado como os EUA garantiu que isso ocorresse, por meio de um estudo aprofundado sobre as expedições do jazz.

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Apoiavam-se na emergência do jazz para disseminar os ideias de democracia, tolerância racial e integração, e mascarar o racismo presente na sociedade norte-americana.

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4 OS DESDOBRAMENTOS DA DIPLOMACIA CULTURAL DO JAZZ

No capítulo anterior, foi descrito o contexto histórico de bipolaridade ideológica na conjuntura internacional, que desencadeou na necessidade de se diversificar as ferramentas de política externa, de maneira a complementar os recursos bélicos. O Departamento de Estado dos Estados Unidos, contou com a criação da Agência de Informação dos Estados Unidos (USIA), para que juntos, ambos trabalhassem na promoção de um contato entre os demais países e a cultura estadunidense, sendo a diplomacia cultural do jazz um dos expoentes da agenda de política externa. No presente capítulo, será apresentado os meios que possibilitaram e a maneira como ocorreu a diplomacia descrita. Desse modo, o primeiro subtópico tratará das campanhas da USIA em geral, de forma a demonstrar o modo de atuação da agência. O segundo contará com uma descrição das expedições do jazz, ou seja, como ocorreram, onde, por quem, etc. Em seguida, serão realizadas análises das músicas “Cultural Exchange” e “The Real Ambassadors”, bem como, análises dos relatórios da USIA que reportam os resultados obtidos. Por último, irá se discutir a pertinência da diplomacia cultural do jazz para disseminar o american way of life. 4.1 As campanhas da USIA

As primeiras tentativas de diplomacia cultural estadunidense começaram na Primeira Guerra Mundial, porém a criação de um departamento para regular as relações culturais ocorreu em 1938, como forma de contrapor as investidas de atividades culturais nazistas na América Latina. Os primeiros esforços dos EUA foram os programas de intercâmbio para estudantes e artistas, essenciais para disputar a guerra de ideias com a URSS por disseminar conhecimentos e ideais norteamericanos (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005). O propósito dos programas era promover um entendimento mútuo entre os americanos e os países de potencial interesse, por meio do intercâmbio de pessoas e de conhecimento. Ao entrar em contato com a cultura estadunidense, estrangeiros iriam carregar consigo informações e atitudes que seriam fundamentais para o desenvolvimento da educação, das artes e das ciências em seus países (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005).

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As campanhas de desinformação da União Soviética buscavam minar tais esforços, ao destacar, por exemplo, os tratamentos cruéis e ilegais sob os quais viviam os prisioneiros de Guantánamo e Abu Ghraib49. Essas investidas dificultavam associar a imagem dos EUA a ideias democráticos, portanto, se fazia necessário a exploração do soft power. Logo depois em 1953, a Agência de Informação foi criada, e agrupou todos os programas de informação que o Departamento de Estado conduzia (U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2005). O propósito da USIA é retratar esse país como ele realmente é. A verdade deve ser o nosso guia, mas os sonhos devem ser a nossa meta. Nós devemos dizer às massas esperançosas do mundo “nós dividimos os seus sonhos”. A primeira das grandes revoluções foi nossa. Nós oferecemos nossa experiência e energias na busca por melhoramento, por excelência humana... O papel da USIA é fazer esse países ser entendido (Edward Murrow apud USIA, 1999, p. 30, tradução nossa).50

Não era apropriado negligenciar que uma luta intensa era travada no campo ideológico, e era vital que o mundo ocidental tivesse um serviço de informação efetivo para expor a visão do ocidente sobre os problemas mundiais. Apesar da grande parte da atenção voltar-se para a guerra e em suas restrições orçamentárias, a agência teve sucessos notáveis em suas iniciativas culturais (Frank J. Shakespeare apud USIA, 1999). Atividades de informação – inclusive em operações no exterior, como missões de campo e embaixadas –, filmes, imprensa, publicações, etc. A USIA assumiu as obrigações do Departamento de Estado neste campo, com exceção do Programa Fulbright51. Por muitos anos, desde feiras de comércio ao envio de orquestras filarmônicas, passando por iniciativas educacionais, transmissões televisivas, publicações e até a influência nos esportes, foram responsabilidades da agência (USIA, 1999). No que diz respeito às feiras de comércio, a Brussels Universal Exposition foi a primeira participação da agência, configurando-se como um evento emblemático para simbolizar a competição entre EUA e URSS, uma vez que os pavilhões de cada país

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Prisões cubana e iraquiana, respectivamente, nas quais os EUA atuava. The purpose of USIA is to portray this country as it really is. The truth must be our guide, but dreams must be our goal… We shall tell the hopeful masses of the world “we share your dreams”. Ours was the first of the great revolutions. We offer our experience and energies in the search for betterment, for human excellence... The job of USIA is to make this country understood. 51 Programa de bolsa de estudos para o intercâmbio de pessoas, conhecimentos e técnicas. 50

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foram posicionados um em frente ao outro na exposição. Após essa feira, a USIA ficou encarregada do design, construção e operação de vários pavilhões em grandes feiras universais52. Algumas delas possuíam assuntos específicos, como transporte ou comunicações (USIA, 1999). Quanto às inciativas educacionais, o Book Translation Program procurou traduzir e reimprimir obras americanas clássicas no campo da política, economia, direito, história e literatura; afinal, as publicações estadunidenses só teriam impacto em audiências internacionais se fossem disponibilizadas também nas línguas locais. Periódicos e jornais também eram traduzidos, como o English Teaching Forum53, e centros educacionais foram estabelecidos no exterior, além da International Youth Exchange Initiative54 (USIA, 1999). Outra ação de grande relevância foram as America Weeks na Espanha, que tinham como objetivo divulgar as políticas, ações e ideias norte-americanas. Com a duração uma semana, esses eventos incluíam filmes, exposições, festas culturais e discursos de estadunidenses, por meio de um programa educacional e cultural em diversas cidades espanholas (Allen C. Hansen apud USIA, 1999). “Algum dia virá, eu espero, um tempo em que todo mundo vai dizer, ‘se eu ouvi no Voice of America, deve ser verdade’” (Arthur Larson apud USIA, 1999, tradução nossa)55. A televisão primeiro foi um elemento do Voice of America (VOA), mas depois se tornou um órgão autônomo. Produções como o documentário Let Poland Be Poland56 buscavam demonstrar o apoio dos EUA à determinados países, nesse caso a Polônia. Outras produções de destaque foram os documentários mensais vietnamitas, os primeiros filmes feitos no idioma. Algum tempo depois, a agência passou a produzir noticiários semanais para serem projetados cinemas comerciais do país (Myriam L. Johnston-Hallock apud USIA, 1999). Foram inúmeras publicações e revistas, como as mensais Al Majal (em árabe), America Illustrated (ou Amerika, em polonês e russo), e Topic (em inglês e francês). Amerika foi sua revista mais marcante. Publicada sob um acordo com a URSS, sofreu 52

Montreal (1967) e Vancouver (1986) no Canadá, Osaka (1970) e Tsukuba (1985) no Japão, e Brisbane (1998) na Austrália. 53 Jornal destinado a professores de inglês do mundo todo. 54 Intercâmbio de jovens adolescentes a países industrializados, como Canadá, Alemanha, França, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos. 55 Someday the time, I hope, will come when everybody will say, ‘if I hear it on the Voice of America, it must be so.’ 56 Documentário de TV produzido pela USIA e transmitido nos Estados Unidos e ao redor do mundo em 1982.

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vários problemas de distribuição pois os soviéticos sempre bloqueavam ou devolviam as cópias se alguma matéria os desagradasse. Já a Topic, destinada à África Subsaariana, contava com dois terços sobre a vida nos Estados Unidos, e um terço sobre temáticas africanas – que possuíam alguma relação com os EUA (USIA, 1999). Al Majal começou como Al-Hayat – que significa vida na América –, mas essa versão foi encerrada em 1967 com a Guerra dos Seis Dias57. Retornou em 1969 com distribuição em dezenove países, e tratava sobre a cultura, as instituições e as políticas estadunidenses. Destacam-se ainda a densa publicação acadêmica de grande respeito, Problems of Communism, distribuída nos EUA, e o jornal sério e intelectual Dialogue, disponibilizado para as elites de todo o mundo (USIA, 1999). A agência também atuou no âmbito dos esportes, ao enviar Malvin G. Whitfield, vencedor de três medalhas de ouro olímpicas, pela Europa, Ásia e África como “embaixador esportivo” por mais de trinta anos. Suas viagens o levaram a mais de 130 países. Na África, em especial, ele treinou quase todos os melhores atletas do continente, e aconselhou autoridades esportivas em todos os níveis (USIA, 1999). Não obstante, centenas de pessoas também contribuíram por trás das cenas, através do programa American Cultural Specialist. Esses indivíduos trabalharam com crianças palestinas e israelenses para pensar soluções criativas para os conflitos; instruíram gangues bolivianas a pintar murais antidrogas; orientaram indígenas a comercializar seus artesanatos com colecionadores internacionais; auxiliaram em preservações arquitetônicas; e aconselharam artistas em como levantar fundos e criar publicidade. A USIA possuía danças coreografadas, peças dirigidas, obras de arte conservadas, e workshops para roteiristas, poetas e escultores (USIA, 1999). Entre 1958 e 1988, os Estados Unidos e a União Soviética sustentaram um amplo programa de intercâmbio educacional, cultural, informacional, científico e tecnológico, no qual mais de cinquenta mil americanos foram enviados à Rússia, e a mesma quantidade de russos aos EUA. Esses intercâmbios foram essenciais para influenciar e embasar as reformas soviéticas nos anos 80 (Yale Richmond apud USIA, 1999). Após o acordo de intercâmbio cultural firmado em 1958, que estabeleceu as trocas de publicações, atletas, estudantes, pesquisas, exposições e artes, a USIA enviou para Moscou nos anos 80, a exposição “Information USA: Linking People With

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Conflito árabe-israelense que culminou na conquista por parte de Israel dos territórios invadidos.

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Knowledge”. Foi a mais complexa já apresentada na URSS, e durante dezoito meses passou por nove cidades. Ao final da década, autoridades soviéticas viajaram para Washington, D.C. para discutir, em conjunto com o governo e o setor privado estadunidense, temas como mídia, filmes, livros, televisão e rádio (USIA, 1999). A repercussão de todas essas campanhas no cenário global foi intensa e extensa. Durante os anos mais obscuros da Guerra Fria, os artistas norte-americanos da literatura, cinema, música e dança foram os poucos atores não-governamentais que puderam interagir com seus semelhantes e públicos por trás da Cortina de Ferro. Por décadas, essas personalidades influenciaram as vidas de audiências e tomadores de decisão estrangeiros (USIA, 1999). As exposições possibilitaram o contato com uma nova perspectiva sobre a cultura estadunidense, a qual antes era lembrada apenas por seus filmes violentos e programas de televisão convencionais. Além do jazz, que já era conhecido, estilos musicais híbridos foram apresentados como country, rhythm e blues. A agência ainda patrocinou vencedores dos prêmios Nobel, Pulitzer, Oscar, Tony, dentre outros (USIA, 1999)58.

4.2 As expedições do jazz

A Guerra Fria será travada no nível das ideias. Foi com este pensamento que o presidente Dwight D. Eisenhower começou a articular novas estratégias para garantir a vantagem capitalista no mundo bipolar. De acordo com Davenport (2009), o presidente, motivado por fundações americanas e pela pressão da segregação racial – um caso que obteve grande destaque na época foi Brown v. Board of Education59 –, começou a difundir o jazz como alternativa à diplomacia clássica. Em conjunto com a USIA, o congresso estadunidense alocou recursos e investiu nas expedições culturais. Eisenhower criou então, a “Lei do Intercâmbio Cultural Internacional”, ou como ficou conhecida “Programa de Apresentações Culturais” (CPP), com o objetivo de auxiliar na escolha dos participantes e avaliar sua eficácia. Em 1954, iniciou-se os

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Alguns exemplos dos condecorados foram Toni Morrison, Edward Albee, Frank Capra, Joan Didion, Anna Sokolow, Frederick Weisman, Ishmael Reed, Duke Ellington, Allan Ginsburg, Alvin Ailey, Jasper Johns, Dizzy Gillespie, Martha Graham, Arthur Mitchell, YoYo Ma e Dave Brubeck. 59 Caso emblemático, julgado pela Suprema Corte, no qual foi acordado que não haveria mais segregação racial entre estudantes brancos e negros nas escolas públicas dos Estados Unidos.

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programas para seleção dos artistas que de início fariam uma turnê pelo próprio Estados Unidos. Dessa maneira, os artistas poderiam divulgar a cultura de seu país projetar sua imagem de forma positiva, como um “embaixador” internacional (MONTIEL, 2007). O programa não consistia apenas na escolha de representantes do jazz, mas alocava também artistas de outros estilos musicais, da dramaturgia, e da dança. Quando os primeiros participantes se encontraram na expedição que passava por Nova York, as próprias autoridades norte-americanas entenderam o jogo político do congresso: neutralizar a propaganda soviética (DAVENPORT, 2009). Ainda segundo Davenport (2009), o Departamento de Estado era o responsável pela palavra final na escolha dos representantes, isto é, aprovava apenas os melhores artistas que os EUA tinha para oferecer. Como critério para seleção os artistas eram avaliados segundo sua integridade, atributos pessoais, habilidades musicais, caráter pessoal, composição racial e a “americanidade” – para representar e enaltecer os Estados Unidos. Para exportar esse contingente de artistas a USIA passou a coordenar a nova proposta diplomática. Assim como explanado antes, a Agência tinha como obrigação promover contatos culturais – domésticos e internacionais –, e investir nos meios de comunicação – imprensa, folhetos, noticiários, panfletos, fotos e filmes. Ademais, também apurava os artistas que serviriam de embaixadores culturais e os temas que iriam abordar em suas viagens (DAVENPORT, 2009). Em Varsóvia, no ano de 1955, o diretor da USIA realizou um discurso com o seguinte pronunciamento: Os objetivos básicos... São melhorar a compreensão em países estrangeiros das realizações culturais dos Estados Unidos, refutando assim a propaganda comunista, e demonstrar aos povos do mundo que os Estados Unidos está genuinamente interessado na realização cultural própria e de outros povos... [Devemos] fortalecer o clima da opinião mundial, e [a] compreensão e apreciação da arte e da cultura nos Estados Unidos (OPERATIONS COORDINATING BOARD apud DAVENPORT, 2009, p. 39-40, tradução nossa).60

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The basic objectives... Are to improve the understanding in foreign countries of United States cultural achievements, thereby to refute Communist propaganda, and to demonstrate to the people of the world that the United States is genuinely interested in the cultural achievement of its own and of other peoples… [We must] strengthen the climate of world opinion, and [the] understanding and appreciation of art and culture in the United States.

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Como forma de combater a propaganda soviética, os EUA sustentou alegações da superioridade de sua cultura e civilização. É interessante ressaltar que concomitante à guerra ideológica, os Estados Unidos estava em uma crescente convulsão social. Assim como reportou Jones (1967), a segregação do negro em solo americano desencadeou uma intensa desintegração da população. O jazz, portanto, possuía a habilidade de harmonizar a sociedade, ao não só criar a união entre as duas etnias, mas também estabelecer a tolerância entre seus compatriotas. Von Eschen (2006), salienta a necessidade em destacar a seleção para o primeiro jazzista escolhido, com o objetivo de instrumentalizar a nova estratégia diplomática: Louis Armstrong, em sua era de maior aclamação e apreciação popular. Porém, comovido pela gradação dos movimentos de direitos civis que emergiam no sul dos EUA, ele abdicou do papel. Armstrong percebeu a ironia de um projeto no qual um negro representaria uma América ainda segregada. Em 1956, se inicia o primeiro tour com a banda mista e inter-racial do trompetista e arranjista Dizzy Gillespie, aos seguintes países: Irã, Turquia, Iugoslávia, Grécia, Síria, Paquistão, Líbano, Brasil, Argentina, Uruguai e Equador. Quem acompanhou as expedições do jazz, observou uma resposta favorável dos concertos promovidos por Gillespie, pois ele conseguiu transmitir um espírito democrático e gerou uma imagem positiva da questão racial da vida norte-americana (VON ESCHEN, 2006).

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Foto 1 - Dizzy Gillespie conhece a família real em Abadan, Irã

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008).

A intensão da viagem de Gillespie, reportada por Davenport (2009) era, na realidade, promover uma aproximação do governo americano com as elites dos países escalados. Embora os jazzistas tenham desempenhado com brilhantismo o seu papel, houve também uma aproximação com as camadas populares, ao improvisar com artistas locais e criar arranjos entre o jazz e a música típica do país. Von Eschen (2006), ressalta que no Brasil os embaixadores tocaram, sobretudo, com os músicos de samba e bossa nova, e já na Argentina, incorporaram o jazz ao tango. De acordo com Davenport (2009), a seleção da Iugoslávia como território essencial para a disseminação do ideal norte-americano, foi uma jogada assertiva do Departamento de Estado. Na época, o país tentava emancipar-se da União Soviética, e fortalecer sua autonomia fora do controle comunista.

Foto 2 - Dizzy Gillespie com músico local em Zagreb, Iugoslávia

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008).

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O estreitamento de fronteiras rendeu uma carta do Marechal Tito61 a Eisenhower, em que enfatiza a satisfação do governo iugoslavo em ter o apoio americano. A Iugoslávia estreitou seus laços culturais com os EUA, na busca pelo enrijecimento de sua autonomia. Nas palavras de Tito, “apesar de a União Soviética ter negado os desejos do povo de uma maior liberdade, seus esforços consistentemente têm estado na direção de uma maior independência para o país” (Josip Broz Tito apud DAVENPORT, 2009, p. 52, tradução nossa).62 Com o sucesso da expedição de Gillespie, o Departamento de Estado continuou a dar suporte à diplomacia cultural, ao enviar intérpretes do jazz a territórios internacionais. Deste modo, no final de 1956, o clarinetista Benny Goodman foi convidado para desempenhar o papel que antes fora de Gillespie nos seguintes Estados: Taiwan, Vietnã do Sul, Filipinas, Japão, Coréia do Sul, Hong Kong, Birmânia, Camboja, Malásia, Singapura e Tailândia. Estava visível a intenção dos EUA em difundir os valores capitalistas na parcela oriental do globo (DAVENPORT, 2009).

Foto 3 - Benny Goodman conhece a família real em Tóquio, Japão

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008).

O primeiro país visitado foi a Tailândia, por já possuir certo alinhamento automático com os EUA, e o mesmo objetivo de conter o comunismo. Davenport (2009), descreve que Goodman também foi bem recebido no Camboja, Malásia e Singapura. O clarinetista teve um carisma ímpar no território, à ponto de receber títulos e medalhas solenes. O condecoraram com títulos simbólicos, como por exemplo, 61

O Marechal Josip Broz Tito foi um estadista iugoslavo, militar, revolucionário comunista e líder dos guerrilheiros partisans na Segunda Guerra Mundial. 62 Although the Soviet Union had denied the people’s wishes for greater freedom, your efforts have consistently been in the direction of greater independence for the country.

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“Cavaleiro de Monisaraphon” no Camboja e “Prefeito, comissário de trânsito e chefe da polícia honorário de Bangkok” (VON ESCHEN, 2006).

Foto 4 - Benny Goodman presenteia o rei também jazzista em Bangkok, Tailândia

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008).

Foto 5 - Benny Goodman é condecorado pelo rei em Phnom Penh, Camboja

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008).

Já nos anos 1960 e 1961, o produtor Edward R. Murrow financiou a expedição que levou Armstrong aonde hoje encontra-se o Estado da Gana. Segundo Von Eschen (2006), Murrow tinha o propósito de coletar imagens para o seu filme The Saga of Satchmo. Ainda que o produtor tinha intenções particulares ao levar Armstrong para à África, em termos norte-americanos esta viagem passava outra mensagem. Havia ali a intenção de criar laços entre o negro estadunidense e o negro africano. Antes de sua chegada à Acra, Armstrong e seu grupo, o All Stars, estavam tocando por quatro semanas na Europa – uma cidade europeia diferente a cada dia. Depois de voar de Londres durante a tarde e noite toda, Armstrong

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saiu do avião para encontrar treze bandas africanas empoleiradas em cima de caminhões tocando e cantando "all for you, Louis, all for you!" Acompanhado por sua banda, que incluía a cantora Velma Middleton e trombonista Trummy Young, Armstrong ergueu o trompete e juntou-se a eles. O jornalista australiano Robert Raymond observou que uma dúzia de trompetistas acompanhou Armstrong. À medida em que a multidão animada de músicos e cantores se movia pelo asfalto, reunindo força e ímpeto, “o ruído e o clamor subiram aos céus no maior êxtase de acolhimento que Acra jamais havia visto (VON ESCHEN, 2006, p. 59, tradução nossa).63

Foto 6 - Louis Armstrong e Velma Middleton tocam em Acra, Costa do Ouro

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008).

Von Eschen (2006), ao reportar a passagem de Louis pelo território europeu e, logo depois, sua chegada ao continente africano, explicita o carisma da personalidade do músico. Munido de seu talento para tocar a música que harmonizava várias etnias e as mais diversas nacionalidades, o trompetista retratava a imagem do bom americano, que vive em uma américa integrada sem ser discriminado por qualquer indivíduo. Era essa imagem que os EUA queria que os territórios de política externa instáveis enxergassem. Estava configurado o sucesso da diplomacia cultural norteamericana. Em 1962, Benny Goodman é de novo chamado para desempenhar uma outra expedição, na própria União Soviética. Tendo em vista a extrema animosidade no

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Prior to their arrival in Accra, Armstrong and his group, the All Stars, had been playing for four weeks in Europe – a different European city every day. After flying from London all afternoon and all night, Armstrong stepped off the plane to find thirteen African bands perched atop trucks playing and singing “all for you, Louis, all for you!” Joined by his band, which included singer Velma Middleton and trombonist Trummy Young, Armstrong raised his trumpet and joined in. The Australian journalist Robert Raymond observed that a dozen trumpet players fell in behind Armstrong. As the animated mass of players and singing people moved across the tarmac, gathering strength and impetus, “the noise and the clamour rose to the skies in the greatest paean of welcome Accra had ever known”.

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cenário internacional, com a construção do Muro de Berlim64, e a Crise dos Mísseis em Cuba65, os EUA resolveu agir no cerne do conflito, ao enfrentar a URSS de forma direta. Todavia, mesmo com o fim da Crise dos Mísseis, a atmosfera ainda era tensa, tanto no âmbito da segurança quanto no cultural (DAVENPORT, 2009).

Foto 7 - Benny Goodman sauda Nikita Khrushchov em Moscou, União Soviética

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008).

“As duas superpotências negociaram extensivamente a viabilidade de uma turnê de jazz à União Soviética, ambas ainda buscando ‘destruir os mitos uma sobre a outra’” (DAVENPORT, 2009, p. 117, tradução nossa)66. É neste instante que nasce a iniciativa de enviar uma banda de jazz para interpretar sua música ao interior do território soviético e permitir o mesmo para o Ballet de Bolshoi no território norteamericano (DAVENPORT, 2009). Eles foram deliberadamente enviados para as linhas de frente das principais crises de política externa. As letras de Iola Brubeck indicam que o escopo desses programas envolveu muitos reinos das artes cênicas, mas enfatizam que o jazz era o projeto favorito do Departamento de Estado. Que as autoridades americanas podiam reivindicar o jazz como uma forma de arte unicamente americana pois deu mais prestígio diplomático do que a música clássica, teatro, ou ballet (VON ESCHEN, 2006, p. 82, tradução nossa). 67

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Barreira física construída durante a Guerra Fria para separar a Alemanha ocidental (capitalista) da oriental (socialista). 65 Confronto entre EUA e URSS que durou treze dias devido à implementação de mísseis balísticos soviéticos em Cuba. 66 The two superpowers extensively negotiated the viability of a jazz tour to the Soviet Union, both still seeking to “destroy the myths about each other”. 67 They had deliberately been sent into the front lines of major foreign-policy crises. Iola Brubeck’s lyrics indicate that the scope of these programs involved many realms of the performing arts, yet emphasize that jazz was the pet project of the State Department. That U.S. officials could claim jazz as a uniquely American art form gave it more diplomatic cachet than classical music, theater, or ballet.

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Foto 8 - Dave e Iola Brubeck entre fãs em Cracóvia, Polônia

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008).

De acordo com Saddiki (2009), o objetivo primeiro da diplomacia cultural é, sobretudo, promover um entendimento mútuo e a influência positiva de um Estado sobre o outro, como forma de garantir a paz mundial. A “cultura fornecia uma ponte crítica para o entendimento mesmo nos momentos mais turbulentos da Guerra Fria” (DAVENPORT, 2009, p. 122, tradução nossa)68. No entanto, os Estados Unidos ainda tinha um grande desafio para enfrentar dentro da União Soviética. Sua imagem transmitia a ideia de uma “ferramenta imperialista para sabotar a moral dos jovens” (Osgood Caruthers apud VON ESCHEN, 2006, p. 99, tradução nossa).69

4.3 A presença dos Estados Unidos em territórios estratégicos Do relatórios sobre Dizzy Gillespie. Ficou claro para a imprensa local. Ele reprimiu os distúrbios na Grécia distante. Restaurou paz comparativa do lugar. Isso é o que nós chamamos de intercâmbio cultural. [...] Sim, eu me lembro quando Diz estava na Grécia em '57. Ele fez um trabalho tão bom que começamos a enviar jazz ao mundo todo. O Departamento de Estado descobriu o jazz. Ele alcança pessoas como nada antes. Quando eles sentem aquele ritmo jazzístico. Elas sabem que estamos realmente com elas. Isso é o que nós chamamos de intercâmbio cultural. [...] Nós colocamos Oklahoma no Japão. O Pacífico Sul nós demos ao Irã. E quando nossos vizinhos nos chamam de vermes. Enviamos Woody Herman. Isso é o que nós chamamos de intercâmbio cultural (BRUBECK; BRUBECK, 1962a).

As passagens acima são trechos retirados da canção “Cultural Exchange”, composta por Dave Brubeck e sua esposa para álbum “The Real Ambassadors” de 1962. O álbum foi uma compilação de canções interpretadas por Louis Armstrong e 68

Culture provided a critical bridge to understanding even at the most turbulent moments in the Cold War. 69 Western imperialist weapon to sabotage the morals of young people.

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outras bandas de jazz. O disco tinha a mesma finalidade das expedições, porém, era uma maneira fácil de garantir a permanência constante do jazz e, por consequência, do ideal capitalista nos lares de famílias que se situavam em território estrangeiro. A música faz uma analogia à importância do jazz como ferramenta de política externa para facilitar a imersão americana em novos territórios. Em outras palavras, o jazz mantinha a presença estadunidense e levava um pouco dos EUA em suas expedições. Ademais, coloca o estilo musical em uma posição de mediador de impasses políticos, como pode-se observar na passagem “ele reprimiu os distúrbios na Grécia distante, restaurou o lugar da paz comparativa”. O jazz não era só música, era um instrumento político, capaz de balizar conflitos e fazer a manutenção da paz.

Foto 9 - A banda de Dizzy Gillespie em Atenas, Grécia

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008).

“O teste ácido do jazz como um embaixador da boa vontade veio em Atenas” (STEARNS apud VON ESCHEN, 2006, p. 34, tradução nossa)70. Assim como argumentado na própria música e salientado por Stearns, a população e, sobretudo, a camada estudantil grega, estava descontente com o apoio dos EUA à ditadura de direita no país. Entretanto, os própria estudantes anti-americanistas se comoveram com a chegada dos jazzistas. “‘Eles nos amaram tanto que quando terminamos de tocar eles jogaram suas jaquetas no ar e me carregaram em seus ombros pelas ruas da cidade’. A manchete

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The acid test of jazz as an ambassador of goodwill came in Athens.

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no jornal local no dia seguinte dizia: ‘Estudantes largam o Rock com Dizzy’” (Dizzy Gillespie apud VON ESCHEN, 2006, p. 34, tradução nossa).71 De acordo com Von Eschen (2006), em 1957, Duke Ellington foi enviado para o Irã e para outros territórios do Oriente Médio como forma de manter o controle sobre a região petrolífera. Assim como representado na canção, os Estados Unidos marcaram presença no local. De maneira surpreendente, os EUA cativaram os corações e chamaram a atenção dos estudantes e das elites locais, acontecimento marcante para os profissionais da USIA que não acreditavam na credibilidade do estilo musical na região. “Uma apresentação televisiva em 5 de novembro ajudou a superar a falta de exposição e fez de Ellington ‘o assunto da cidade’" (VON ESCHEN, 2006, p. 131, tradução nossa).72

Foto 10 - Duke Ellington é condecorado pelo imperador em Adis Abeba, Etiópia

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008). Quem é o verdadeiro embaixador? É evidente que representamos a sociedade americana. Conhecida por sua etiqueta, suas boas maneiras e sobriedade. Nós seguimos o protocolo com absoluta propriedade. Nós somos Yankees até a alma. Nós somos os verdadeiros embaixadores. Embora possamos parecer chatos. Nós somos diplomatas em nossos chapéus apropriados. Nosso vestuário se torna um habitual junto com todo o ritual (BRUBECK; BRUBECK, 1962b).

Já a canção “The Real Ambassadors”, que leva o mesmo nome do álbum, é mais uma vez composta por Dave e Iola Brubeck. Interpretada por Louis Armstrong e a banda “They loved us so much that when we finished playing they tossed their jackets into the air and carried me on their shoulders through the streets of the city.” The headline in the local paper the next day ran: “students drop rocks and roll with Dizzy.” 72 A telecast performance on November 5 helped to overcome a lack of exposure and Made Ellington “the talk of the town.” 71

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de jazz Lambert, Hendricks & Ross, a canção enaltece os EUA ao colocar em evidência os valores pelos quais o país mantinha papel de destaque. Segundo Davenport (2009), “etiqueta, boas maneiras e sobriedade” são alguns dos pilares que foram citados para selecionar os indivíduos que iriam constituir as expedições. Tais palavras também ilustram as características que os EUA considerava atrativas para o sistema internacional, bem como elementos produtos do capitalismo. A segunda estrofe da música acentua o verdadeiro propósito da nova proposta diplomática: transformar artistas em verdadeiros embaixadores. Ainda segundo a autora, não só o papel que fora delegado aos jazzistas, mas toda a composição do seu novo estilo fazia jus à verdadeira vida de um representante em assuntos diplomáticos. A estratégia da diplomacia cultural não fora criada apenas como uma alternativa à questão securitária na Guerra Fria, era um tema de extrema seriedade que tratava do próprio poder brando como instrumento de barganha em negociações internacionais (DAVENPORT, 2009). “A pureza da arte soviética” de fato enfrentava desafios significativos à medida em que a cultura popular americana firmemente alcançava povos por trás da Cortina de Ferro. Publicações como Variety, Time e New York Times reportaram a crescente popularidade do jazz na União Soviética. Jazz prosperou no ambiente cultural mais aberto. Willis Conover lançou seu programa de jazz e música popular, Music USA, para o Voice of America na União Soviética em 1955, enquanto a Rádio Moscou começou a tocar músicas de jazz e rhythm e blues em suas transmissões (DAVENPORT, 2009, p. 33, tradução nossa).73

O trecho acima relatado por Davenport (2009), refere-se à inserção estadunidense no campo soviético, não apenas por meio da influência, mas também por reprodução em veículos de comunicação como revistas russas e a própria transmissão do programa Voice of America. O Voice of America era visto como um porta-voz do exterior com o escritório de Moscou, dos Serviços Informativos dos Estados Unidos, como seu agente.

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“The purity of Soviet art” indeed faced significant challenges as American popular culture steadily reached peoples behind the Iron Curtain. Such publications as Variety, Time, and the New York Times reported on the increasing popularity of jazz in the Soviet Union. Jazz thrived in the more open cultural environment. Willis Conover launched his jazz and popular music show, Music USA, for the Voice of America in the Soviet Union in 1955, while Radio Moscow began to play jazz tunes and rhythm and blues in its broadcasts.

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O jazz era claramente um ataque direto à União Soviética e ao Partido Comunista (VAN KAN, 2012, p. 28, tradução nossa).74

Em outras palavras, na medida em que o programa era reproduzido e aceito na URSS, os EUA comemorava mais uma vitória e o crescente domínio das preferências soviéticas. De acordo com Van Kan (2012), o Voice of America foi um programa de radiofusão criado por Leonard Feather e Willis Conover para o Departamento de Estado, durante a Segunda Guerra Mundial. Seu objetivo inicial era transmitir as notícias, propagandas e músicas aos países que estavam sob domínio nazista. Só em 1947 o programa chegou à União Soviética, e colaborou de maneira exponencial para o combate ao comunismo e para a exportação do jazz. Fitas das transmissões de jazz do VOA eram vendidas a quarenta rublos (quarenta e quatro dólares) no mercado negro de Moscou em 1962. O semanal egípcio Al Zaa declarou que “o programa diário de Conover rendeu aos Estados Unidos mais amigos do que qualquer outra atividade diária.” [...] Transmitindo por uma hora, sete dias por semana, cinquenta e duas semanas por ano, Conover tinha uma influência enorme em como audiências pelo globo ouviam ao que a revista Time chamou de valioso produto exportável estadunidense, o jazz (VON ESCHEN, 2006, p. 14-15, tradução nossa).75

Foto 11 - Willis Conover entrevista Woody Herman no Voice of America

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008).

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The Voice of America was viewed as a mouthpiece from abroad with the Moscow office of the United States Informational Services as its agent. Jazz was clearly a direct assault on the Soviet Union and the Communist Party. 75 Tapes of VOA jazz broadcasts sold for as much as forty rubles (forty-four dollars) on the Moscow black market in 1962. The Egyptian weekly Al Zaa declared that “Conover’s daily program has won the United States more friends than any other daily activity.” Broadcasting for one hour, seven days a week, fifty-two weeks a year, Conover had enormous influence on how audiences throughout the globe listened to what Time magazine called this “valuable exportable U.S. commodity, jazz.”

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Já em 1963, devido ao grande peso que o jazz ganhava e a demasiada exposição à cultura ocidental que o território comunista sofria, o Voice of America foi proibido na URSS. Embora o governo soviético tenha tomado as decisões cabíveis para “proteger” seu povo, o jazz ainda se fazia presente. Assim como escreveu o jornalista Max Frankel, o “jazz – bom, ruim e abominável – agora está em todo lugar na capital soviética” (THE NEW YORK TIMES apud VON ESCHEN, 2006, p. 120, tradução nossa).76 Por maiores que fossem as investidas soviéticas em conter o carisma norteamericano e a consequente influência estadunidense, quaisquer artifícios utilizados se tornavam inúteis devido à intensa persuasão do estilo musical. Pela sua própria despretensão, o jazz conseguia se aproximar de todas as camadas da sociedade e de todas as sociedades. Assim como disse o embaixador Richard C. Holbrooke, a “diplomacia é como o jazz, improvisação sobre um tema.”

4.4 Os resultados obtidos com a diplomacia cultural do jazz

As performances dos artistas eram parte de uma ampla transmissão de ideias, sobre como essas apresentações eram um presente de uma nação para a outra. Enquanto milhões de pessoas assistiam aos concertos ao vivo, muitas outras sabiam que eles iriam acontecer e tinham acesso às informações sobre os músicos bem antes de suas visitas. A embaixada investia em brochuras, anúncios no rádio, notícias e transmissões, para dar importância às turnês. A ideia era cultivar o público para que houvesse uma repercussão positiva mais tarde (FOSLER-LUSSIER, 2015). A aparição de afro-americanos em países da África e Ásia, em nome do governo dos Estados Unidos, oferecia ao público fatos observáveis para que formulassem suas opiniões sobre as relações raciais nos EUA. Essas ocorrências foram bastante persuasivas, uma vez que implicavam em um alinhamento implícito por parte dos artistas com as políticas e ações norte-americanas (FOSLER-LUSSIER, 2015). De acordo com os relatórios do Departamento de Estado, milhões de espectadores e ouvintes tiveram acesso às performances dos músicos diplomatas estadunidenses através de gravações. Estas transmissões, por sua vez, atraíam as

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Jazz – good, bad, and atrocious – is everywhere now in the Soviet capital.

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pessoas para comparecerem nos concertos ao vivo. Por meio de sua presença em outros países, os artistas emitiam uma variedade de ideias sobre a América, que permitiam ao público associá-los como representantes de seus grupos étnicos (FOSLER-LUSSIER, 2015). As visitas musicais formaram laços reais. Quando a banda de jazz da Universidade de Illinois visitou a União Soviética, por exemplo, conheceram vários soviéticos que nunca haviam conversado com um americano. Três deles, inclusive, eram judeus, e ficaram extasiados ao conhecerem músicos americanos judeus. A mídia se tornou fundamental para fazer territórios distantes parecerem mais próximos, e passar a impressão de que todos sabiam o que acontecia em outro países e porquê, já que viam e ouviam tanto sobre eles (FOSLER-LUSSIER, 2015). Os “embaixadores” estadunidenses também foram tocados, pois viram a segregação na África do Sul, a pobreza na América Latina, e constrangimentos da vida soviética. Muitos relataram que após as suas turnês passaram a entender melhor o mundo, e a ler os jornais com grande apreço. O saxofonista Richard Kleinfeldt contou como ficou marcado pelo estudante iraniano que revelou para ele sua identidade cristã (FOSLER-LUSSIER, 2015). Alguns jazzistas chegaram a acreditar tanto na diplomacia cultural, que fizeram disso sua carreira, como Ron Post, da banda de jazz da Universidade de Michigan, que entrou para o Serviço Exterior. Os músicos se viram como embaixadores com o papel significativo a desempenhar nas relações internacionais, para promover o entendimento mútuo. Acreditavam que serviam aos EUA como um todo, não só a seu governo, e até hoje se consideram participantes ativos da política internacional (FOSLER-LUSSIER, 2015). Susan Migden Socolow, assistente da embaixada norte-americana no Paraguai, relatou sobre as expedições dos músicos nas cidades pequenas, distantes das embaixadas e também, nas principais cidades. Eles conheceram pessoas que nunca haviam tido contato com visitantes estrangeiros; nas regiões rurais, em especial, os moradores ficavam surpresos e gratos se alguém sequer vinha. Esses esforços foram significativos e duradouros, pois refletiam como os EUA estava presente e à disposição deles (FOSLER-LUSSIER, 2015). Os artistas nacionais dos países que recepcionaram os jazzistas americanos também tiveram seus papeis na diplomacia cultural, pois esses, muitas vezes, também participavam dos concertos, e se tornaram parte da história diplomática. Ao

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colocar os músicos estadunidenses e os indivíduos do país anfitrião em relação uns com os outros, criou-se uma ideia de que os artistas nacionais estavam ligados não só aos embaixadores, mas também à América (FOSLER-LUSSIER, 2015). As turnês do jazz fizeram com que os americanos se enxergassem em posição de vantagem face as ações de seu país no exterior, de modo a desencadear uma série de gravações, como Dave Brubeck’s Jazz Impressions of Eurasia, Bossa Nova and Blue, The Paul Winter Sextet’s Jazz Meets the Bossa Nova, e Duke Ellington’s Far East Suite. Esses álbuns reforçavam a ideia de que o engajamento internacional poderia enriquecer suas vidas, pois o público norte-americano levava a sério as implicações políticas dos embaixadores musicais (FOSLER-LUSSIER, 2015). O fato de ambas as superpotências na Guerra Fria terem criado e designado funções para seus cidadãos, demonstra sua capacidade sútil de utilizar indivíduos para fins estatais, pois em geral, esses atores só promovem uma cooperação que atenda a seus interesses, e não os do Estado. Contudo, as apresentações musicais, sem intenções políticas aparentes, ainda podiam ser coreografadas pelo governo (FOSLER-LUSSIER, 2015). Nesse contexto, o soft power presente na diplomacia cultural do jazz consistia em atribuir papeis que fossem gratificantes o suficiente para serem adotados. De acordo com o diretor Charles Ellison, a maior virtude dos programas de intercâmbio firmados era permitir que os cidadãos desempenhassem um papel nas relações exteriores, e essa premissa foi afirmada em termos cada vez mais fortes nos anos que se seguiram (FOSLER-LUSSIER, 2015). Como salientou o ex-secretário de Estado adjunto John Richardson, não só os EUA podia contribuir para aprimorar os meios de comunicação de massa ao redor do globo, mas também poderia posicionar pessoas qualificadas nos fluxos de comunicação mundiais para fortalecer as interações entre as instituições e a sociedade. Portanto, o elemento humano para construir conexões era tão importante quanto o meio para fazê-lo (FOSLER-LUSSIER, 2015). O governo regulou as campanhas, mas não trabalhou sozinho. Ao final da década de 50, as instituições privadas estadunidenses investiam mais em intercâmbios educacionais do que o próprio Estado. Atores privados e públicos desenvolveram sistemas de ideias e pessoas para servir aos interesses da nação e aos delas próprias. A diplomacia cultural transformou os cidadãos e as instituições em contribuintes voluntários (FOSLER-LUSSIER, 2015).

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Embora os relatórios da USIA retratem o seu sucesso em transmitir suas mensagens, acredita-se que os maiores ganhos da diplomacia cultural não foram no campo da propaganda, e sim sociais. Na Nigéria, por exemplo, a presença dos artistas aumentou as relações entre a embaixada e a comunidade. O jazz trouxe sentimentos positivos em um momento de grande tensão. Não apenas levou pessoas aos eventos do Departamento de Estado, mas também fez com que as pessoas se sentissem satisfeitas em investir nas relações internacionais (FOSLER-LUSSIER, 2015).

Foto 12 - Louis Armstrong sauda o primeiro-ministro em Kaduna, Nigéria

Fonte: (MERIDIAN INTERNATIONAL CENTER, 2008).

4.5 A influência da diplomacia cultural do jazz na aceitação do american way of life

Embora considere-se a importância da segurança durante a Guerra Fria, é essencial conciliar e destacar a influência da diplomacia cultural, em especial a do jazz, em promover a positividade da imagem estadunidense em contrapartida às investidas soviéticas e o consequente comunismo. Uma vez que os EUA exportava a lado carismático de sua cultural, territórios externos a ele passaram a se identificar e, de forma involuntária, a inserir o american way of life em seu cotidiano. As turnês do jazz especialmente fizeram "maravilhas combatendo a ideia [soviética] de que o jazz é uma forma de arte degenerada". Assim o jazz tornou-se um instrumento para expandir o poder ocidental – e a cultura negra tornou-se um símbolo paradoxal desse poder, especialmente com os resultados de Little Rock. De fato, na Saturday Review, Stearns declarou que o jazz em terras estrangeiras, mais do que formas de arte americanas derivadas da Europa, revelava a "sinceridade, alegria e vigor do estilo de vida americano" – um fenômeno que não conhecia fronteiras políticas. Descobrir a vitalidade da "música clássica americana" era como a "velha história de

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encontrar o pássaro azul em seu próprio jardim” (DAVENPORT, 2009, p. 88, tradução nossa).77

O componente cultural e estético do jazz, de acordo com Davenport (2009), configurava um cenário de atratividade, sobretudo nas áreas que o Departamento de Estado considerava delicadas ou impossíveis de alcançar. “Buscando espalhar o jazz globalmente com intuito de ganhar seguidores do ‘american way of life’, proponentes das turnês citaram a popularidade do jazz na Europa como argumento” (VON ESCHEN, 2006, p. 7, tradução nossa).78 “Funcionários como Robert C. Schnitzer da American National Theater Academy elogiaram o aplomo pessoal e musical dos músicos no exterior e chamaram o jazz de "uma das armas mais úteis que temos em nosso arsenal" (DAVENPORT, 2009, p. 87, tradução nossa)79. A expansão do jazz foi demasiada, a ponto dos soviéticos começarem a enxergar nas músicas que entravam em território comunista, um simbolismo e uma ameaça norte-americana. McLuhan (1964), ilustra a vulnerabilidade da URSS ao aderir à música estadunidense e, de forma gradual, à própria incorporação capitalista no cotidiano soviético: Se a “Voz da América” de repente começasse a programar jazz, o Kremlin teria razões de temer. Igualmente eficaz seria se os russos pudessem compulsar os catálogos da Sears Roebuck, em lugar de ouvirem nossa horrível propaganda sobre o modo americano de vida (MCLUHAN, 1964, p. 191). O Voice of America, Radio Free Europe, e a Armed Forces Radio Network expuseram muito à Europa, Ásia, e África aos sons do jazz... O jazz teve sucesso onde os diplomatas americanos falharam. Tem criado um local de encontro, é algo feito para um melhor entendimento do estilo de vida americano, ser interessado em jazz é ser interessado em coisas americanas (KORALL apud VON ESCHEN, 2006, p. 17-18, tradução nossa).80

Jazz tours especially did “wonders combating the [Soviet] idea that jazz is a degenerate art form.” Thus jazz became an instrument for expanding Western power – and black culture became a paradoxical symbol of that power, especially in the aftermath of Little Rock. Decidedly, in the Saturday Review, Stearns declared that jazz in foreign lands, more than American art forms derived from Europe, revealed the “sincerity, joy, and vigor of the American way of life” – a phenomenon that knew no political boundaries. Discovering the vitality of “America’s classical music” was like the “old story of finding the blue bird in your own garden.” 78 Aiming to spread jazz globally in order to win converts to “the American way of life,” proponents of the tours cited the popularity of jazz in Europe to make their case. 79 Such officials as Robert C. Schnitzer of ANTA commended the musicians’ personal and musical aplomb abroad and called jazz “one of the most useful weapons we have in our arsenal.” 80 The Voice of America, Radio Free Europe, and the Armed Forces Radio Network have exposed much of Europe, Asia, and Africa to the Sounds of Jazz… Jazz has succeeded where American diplomats have floundered. It has created a meeting ground, been something that made for a deeper 77

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Na visão do sistema internacional, o jazz era visto não como o produto de um país democrático mas, de acordo com Von Eschen (2006), era percebido dentro da sua própria história como uma arte política humanizada. O jazz era entendido pelas outras nações não como forma de impor o imperialismo americano, mas como uma maneira de atingir laços de cooperação e conectividade. “Eles falaram com o mundo através de seus instrumentos e suas vozes na linguagem na conexão e igualdade” (VON ESCHEN, 2006, p. 259, tradução nossa).81 Convidados às margens da diplomacia, eles se recusaram a ficar nas bordas como laterais. Eles escorregaram nas fendas e olharam ao redor. Eles encontraram modernidade onde narrativas oficiais disseram não poder existir – em lugares que vão desde os cafés de Cabul e Bagdá aos clubes de Acra e Kinshasa (VON ESCHEN, 2006, p. 259, tradução nossa).82

O americano, dotado do jazz, fazia uma alusão a humildade de seu país. Por colocá-la em evidência em tempos de uma guerra ideológica, os EUA conseguiu conquistar o respeito de vários outros Estados, e estreitar fronteiras com os mesmos. O jazz também, segundo Davenport (2009), foi o mediador político entre os EUA e a URSS. Como por exemplo, a carta de agradecimento que Kennedy escreveu para o primeiro ministro soviético por ter recebido a orquestra de jazz americana em seu território. Ao mesmo tempo, enfatizava o apreço e a ansiedade em receber o Ballet de Bolshoi em território estadunidenses. Não só como expoente do poder brando, mas como instrumento diplomático, o jazz garantiu as boas relações norte-americanas até com a União Soviética. Em um quarta-feira, 4 de julho, Khrushchev foi à festa anual do Dia da Independência na Spaso House, onde ele brindou ao presidente Kennedy e disse, “eu quero parabenizar o povo americano. Eu desejo paz e sucesso.” Benny Goodman o cumprimentou: “Ah, um novo fã de jazz.” O presidente respondeu, “Eu não gosto de música de homens bons. Eu só gosto de música boa!” (BESCHLOSS, 2016, p. 99, tradução nossa).83

understanding of the American way of life, for to be interested in jazz is to be interested in things American. 81 They spoke to the world through their instruments and with their voices in the language of connection and equality. 82 Invited onto the margins of diplomacy, they refused to stay on the fringes as sidemen. They slipped into the cracks and looked around. They found modernity where official narratives said it couldn’t exist – in places ranging from the cafés of Kabul and Baghdad to the clubs of Accra and Kinshasa. 83 On Wednesday, July 4, Khrushchev went to the annual Independence Day lawn party at Spaso House, where he toasted President Kennedy and said, “I want to congratulate the American people. I wish for peace and success.” Benny Goodman greeted him: “Ah, a new jazz fan.” The Chairman replied, “I don’t like Goodman music. I just like good music!”

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O jazz era comparado com os elementos que mais geravam lucratividade para os Estados Unidos. O lucro proveniente do jazz não seria monetário, mas seria compensado no número de aliados e em países que iriam se alinhar ao capitalismo, e garantir a consequente manutenção da sua promissora hegemonia. Os Estados Unidos estava presente no cotidiano dos cidadãos, ao influenciar suas preferências e decisões, mesmo que de forma involuntária. Ofertas de diplomacia cultural alteraram os contextos em que os indivíduos se imaginavam, o que lhes permitiu sentir conexões sociais e culturais com pessoas de outros territórios. O consenso entre os embaixadores estadunidenses era o que tornava a diplomacia cultural eficaz (FOSLER-LUSSIER, 2015).

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5 CONCLUSÃO

Assim como observado na extensão da pesquisa, a hipótese foi corroborada. Adotar a teoria da Interdependência Complexa para analisar como os Estados Unidos utilizou a diplomacia cultural do jazz como estratégia de política externa durante a Guerra Fria foi pertinente, porque possibilitou entender a configuração de dependência entre os EUA e suas zonas de interesse. O desenvolvimento de novas ferramentas para se fazer política externa pode ser entendido através da discussão da ausência de hierarquização temática da agenda. As ofensas soviéticas em um sistema internacional que contava com países de política externa instáveis, configurou a situação de sensibilidade dos EUA, que desejava propagar os ideais capitalistas ocidentais. Já a maneira como o país reagiu à ameaça comunista, por meio da diplomacia cultural, demonstrou a sua vulnerabilidade diante do conflito. No contexto estudado, a URSS conduziu campanhas antiamericanas que buscavam

realçar

as

mazelas

do

capitalismo

e

das

condutas

militares

estadunidenses. A criação da USIA foi uma alternativa para regular e promover o poder brando, algo que melhoraria a visão que os outros países possuíam dos EUA. Ao exportar fatores culturais, a agência possibilitou um intercâmbio de valores, que permitiu que os estrangeiros estabelecessem conexões sociais com país, de forma as investidas deste no sistema internacional fossem melhor aceitas. Os demais Estados, só iriam compreender e se identificar com os ideais norte-americanos, se conhecessem e fossem expostos ao seu modo de vida. Portanto, o governo trabalhou para que a cultura estadunidense estivesse presente no dia-a-dia dos cidadãos ao redor do globo, para influenciar suas preferências e posicionamentos. Os EUA, com a finalidade de recrudescer o processo de tornar-se uma hegemonia, diversificou a agenda de política externa. O Departamento de Estado passou a considerar novas articulações para fazer diplomacia, como a cultural, uma vez que balanceava a tensão do conflito com o carisma musical e social do jazz. O governo estadunidense enxergou a importância da diplomacia cultural para complementar às questões de segurança. Novos canais de informação foram criados, e a informação passou a ser considerada um instrumento de poder. As embaixadas engajaram pessoas em atividades culturais para fins não-culturais. Em outras palavras, a diplomacia cultural levou expoentes norte-americanos, para promover a identificação de outras nações com a americana capitalista.

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ANEXO A – QUADRO DE CONCERTOS REALIZADOS Músico / Banda

País

Região

Ano

Dizzy Gillespie

Irã Turquia Iugoslávia Grécia Síria Paquistão Líbano Brasil Argentina Equador Uruguai Quênia Tailândia Singapura Malásia Camboja Birmânia Hong Kong Coreia do Sul Japão Filipinas Taiwan Vietnã do Sul Bélgica URSS Rodésia do Sul

Oriente Médio Oriente Médio Leste Europeu Leste Europeu Oriente Médio Ásia Central Oriente Médio América Latina América Latina América Latina América Latina África Sudeste Asiático Sudeste Asiático Sudeste Asiático Sudeste Asiático Sudeste Asiático Ásia Ásia Ásia Ásia Ásia Sudeste asiático Europa Ocidental URSS África Subsaariana

1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1956 1973 1956-57 1956-57 1956-57 1956-57 1956-57 1956-57 1956-57 1956-57 1956-57 1956-57 1956-57 1958 1962 1957

Gana Congo Belga Congo Francês Tanzânia Sudão Tunísia Etiópia Marrocos Quênia Nigéria Iraque Reino Unido Alemanha Holanda Bélgica Suécia Dinamarca Irã Alemanha Oriental Polônia Turquia Afeganistão Paquistão Índia

África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana Magrebe África Subsaariana África Subsaariana Oriente Médio Europa Ocidental Europa Ocidental Europa Ocidental Europa Ocidental Europa Ocidental Europa Ocidental Oriente Médio Leste Europeu Leste Europeu Oriente Médio Ásia Central Ásia Central Subcontinente indiano

1957 1957 1957 1957 1957 1957 1957 1957 1957 1957 1958 1958 1958 1958 1958 1958 1958 1958 1958 1958 1958 1958 1958 1958

Benny Goodman

Wilbur de Paris’ New Orleans Jazz Band

Dave Brubeck

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Woody Herman Louis Armstrong

Golden Gate Quartet Duke Ellington

Cozy Cole Woody Herman

Earl Hines Randy Weston

Stan Getz Buddy Guy’s Chicago Blues Band Charles Lloyd

Ceilão Chile Nigéria Gana Camarões República do Congo Uganda Quênia Tanganica Rodésia Malawi Egito Senegal Mali Serra Leoa Libéria Sudão República Árabe Unida Congo Iraque Síria Jordânia Índia Ceilão Paquistão Irã Líbano Turquia Zâmbia Laos Vietnã Senegal Gana Marrocos Tanzânia Uganda Checoslováquia URSS Mali Alto Volta Francês Níger Gana Camarões Gabão Libéria Serra Leoa Costa de Marfim Líbano República Árabe Unida Argélia Marrocos Tailândia Quênia

Subcontinente indiano América Latina África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana Oriente Médio África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana Oriente Médio África Subsaariana Oriente Médio Oriente Médio Oriente Médio Subcontinente indiano Subcontinente indiano Ásia Central Oriente Médio Oriente Médio Oriente Médio África Subsaariana Sudeste Asiático Sudeste Asiático África Subsaariana África Subsaariana Magrebe África Subsaariana África Subsaariana Leste Europeu URSS África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana África Subsaariana Oriente Médio Oriente Médio Magrebe Magrebe Sudeste Asiático África Subsaariana

1958 1958 1960 1960 1960 1960 1960 1960 1960 1960 1960 1960 1961 1961 1961 1961 1961 1961 1962 1963 1963 1963 1963 1963 1963 1963 1963 1963 1963 1963 1963 1966 1963 1966 1966 1966 1966 1966 1967 1967 1967 1967 1967 1967 1967 1967 1967 1967 1967 1967 1967 1967 1968

Tanzânia Vietnã do Sul

África Subsaariana Sudeste Asiático

1968 1968

87

University of Illinois Jazz Band

Hong Kong Singapura Tailândia Malásia Filipinas Japão Checoslováquia Fonte: (JIMÉNEZ, 2014).

Sudeste Asiático Sudeste Asiático Sudeste Asiático Sudeste Asiático Sudeste Asiático Ásia Leste Europeu

1968 1968 1968 1968 1968 1968 1968

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