A utilização de Tecnologias Sociais em um polo de pesquisa agropecuária de Minas Gerais

June 15, 2017 | Autor: Guilherme Garrido | Categoria: Actor Network Theory, Social Construction of Technology
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A UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIAS SOCIAIS EM UM POLO DE PESQUISA AGROPECUÁRIA DE MINAS GERAIS Guilherme Leite Garrido Silva Adilson da Silva Mello Universidade Federal de Itajubá/Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade

Linha Temática: Tecnologias e Sociedade

RESUMO Visando entregar um estudo sistêmico sobre a realidade da pesquisa desenvolvida na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG, em Maria da Fé, bem como a sistematização de uma rede de interações sociais, este projeto se utiliza de bases teóricas oferecidas por Bruno Latour em “A Vida de Laboratório” como um referencial para seu desenvolvimento. Os métodos de observação, descrição, coleta de informação e elaboração de construções de relacionamentos baseadas na Teoria Ator-Rede (TAR) apresenta um estudo discriminativo das partes atuantes na pesquisa observada, sejam essas partes ativas, diretas ou indiretas. A pesquisa a ser observada aborda o desenvolvimento da cultura de oliveiras na região de Maria da Fé visando a extração e comercialização de seu óleo. A divisão do trabalho em suas etapas esquematiza inicialmente a apresentação de um quadro elucidativo para a compreensão do funcionamento básico da instituição a qual desenvolve a pesquisa. Na segunda etapa, na qual a pesquisa propriamente é desenvolvida, é possível a identificação dos inscritores que atuarão de forma precisa no escopo da pesquisa. Finalmente uma terceira parte se apresenta como as relações criadas primeiramente e aquelas depois foram criadas como necessidade de construção de uma rede de pontos interdependentes para a interpretação correta do sistema, bem como os resultados a título de mudança real para aqueles que se relacionam diretamente ou indiretamente com o projeto desenvolvido pela instituição. Como conclusão é possível identificar os atores, seja eles apresentados na forma de inscritores, de híbridos ou humanos, bem como as forças de relação entre eles existentes para que seja possível o desenvolvimento da pesquisa na instituição estudada. Palavras-chave: Oliveira; Teoria Ator-Rede; EPAMIG.

ABSTRACT Aiming to provide a sistematic study about the reality of the research developed at Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG, at Maria da Fé, and also the sistematic net of social interactions, this project demands theoretical basis offered by Bruno Latour in “Laboratory Life” as a reference for its development. The observation, description and information collection methods and formulation of construction of relationships based on Actor-Network Theory (ANT) presents a discriminative study of acting parts in the research, being these active parts direct or indirect. The observed research approaches the development of olive growth at Maria da Fé’s region targeting the extraction and commercialization of its oil. The division of this work in stages firstly presents an elucidative chart for comprehension of the institution basic working in which is performed the research. The second stage, in which the research is properly developed, it is possible the identification of the objects which will act precisely on the research’s scope. Finally a third part is presented as how the previously created relations and those which had been created as the need of a interdependent spots network for correct interpretation of the system, and also the real changing results are related direct or indirectly to the project developed by the institution. As a conclusion it is possible to identify the actors, presented as objects, hybrids or humans, and also the relation forces existent among them targeting the possibility of research’s development at the institution. Key-words: Olive; Actor-Network Theory; EPAMIG.

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INTRODUÇÃO Em uma região no qual o cultivo de outras espécies é tradicional, a inserção de novas possibilidades de cultivo se depara com obstáculos que cercam o tema em todos os aspectos. Desde a mudança da cultura, passando pela viabilidade econômica até o estágio de desenvolvimento de tecnologias que tornem possíveis e eficazes os esforços de adição de novos métodos cultivo. A contextualização da pesquisa possui um viés histórico no qual é possível entender a tradição que cerca a cidade de Maria da Fé, no sul do estado de Minas Gerais, no cultivo da batata (ALVES et al., 2012). Após a crise e real quebra do mercado batateiro na região, influenciada por diversos fatores econômicos e logísticos, surge a necessidade de exploração de novas opções de cultivares para que haja a reconstrução do aspecto agropecuário da região. Responsável pelas pesquisas em tecnologia rural, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) desenvolve seu trabalho na cidade de Maria da Fé, Minas Gerais, em uma fazenda experimental situada em perímetro urbano há meio século proporcionando aos produtores locais e de outras regiões avanços consideráveis no cultivo, colheita, incrementos e produção de diversos produtos agropecuários. Em um trabalho conjunto com outras fazendas/unidades da EPAMIG e de outras instituições de pesquisa e ensino, é possível pontuar os benefícios gerados pelas pesquisas realizadas durante todo seu tempo de existência. A unidade de Maria da Fé em questão possui dois pesquisadores os quais, juntamente com sua equipe de funcionários, provê aos interessados pesquisas no cultivo de diversas produções agrárias que abrange desde frutíferas até tubérculos e oleaginosas. Essa última, como pesquisa mais importante da instituição neste momento, é representada pela oliveira. A adaptação de diversas espécies da mesma planta ao solo e ao clima da cidade de Maria da Fé foi essencial para que se abrisse uma gama de possibilidade de plantio e comercialização por parte dos produtores locais, mesmo que esse comércio extrapolasse a região explorada. O papel do pesquisador, baseado em Bruno Latour, neste contexto é identificar os atores presentes nesse cenário e estruturar uma rede de relações com a identificação das forças diretas e indiretas que recaem sobre o tema principal da pesquisa.

1. REVISÃO DE LITERATURA Atualmente o Brasil apresenta 100% de dependência da importação do azeite de oliva (SILVA et. al., 2012), já que a produção nacional deste produto agropecuário não possui volume, expressividade, nem tecnologia suficiente para que possa competir com os concorrentes internacionais. O consumo global do azeite de oliva se faz principalmente nas culinárias regionais (NUNES et. al., 2013) e possui demanda de práticas que tornem viáveis os investimentos em produção nacional. Ocorrem mundialmente esforços para o fomento de práticas de cultivo sob a influência de produtos não tóxicos como forma de alternativa às práticas tradicionais de diversas formas de cultivo. Paralelamente, são de conhecimento as políticas de difusão da saúde pública na sociedade. Porém, é de grande dificuldade a inter-relação entre as áreas descritas. (AZEVEDO E PELICIONI, 2011). De acordo com AZEVEDO E PELICIONI (2012), desde a década de 1970 que políticas de inserção da comunidade como ator na efetivação de resultados é incentivada como um item importante de participação na promoção de saúde. Esses esforços condizem com a necessidade de desenvolvimento e fomento de práticas e técnicas, as quais podem ser consideradas em

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alguns casos empíricas, que auxiliem na qualidade de produções agrárias visando um bem maior social. Para isto, se torna necessária a planificação de todo o cenário que engloba a produção local com a sociedade, partindo desta sistematização para a construção de uma rede de associações e influências, determinadas ou não por ações provindas de indivíduos atuantes, como solução para o entendimento da inserção destas tecnologias sociais nos meios de produção agrária na localidade de Maria da Fé. Este rastreamento torna possível a identificação de eventuais pontos de resistência à adaptação de novas práticas (LATOUR, 1997), as causas e justificativas desta resistência, as forças inicialmente ocultas com capacidade de moldar as ações dos atores e o cenário como um todo, bem como a comprovação ou não da eficiência dessas práticas de tecnologia social sobre a comunidade que a cerca. Esse estudo se fará acompanhando as pesquisas em cultivo e beneficiamento da oliveira na EPAMIG – Maria da Fé. De acordo com Latour (1997), o acompanhamento do pesquisador de forma imparcial no cotidiano de um laboratório de pesquisas científicas se faz pela identificação dos atores correspondentes, dos inscritores e das forças de relação ocultas naquele grupo social em particular. Ao longo do tempo na história humana a tecnologia toma o lugar de importante fato que ordena, direciona e redireciona o comportamento e as capacidades potenciais do ser humano. Atualmente a tecnologia ainda possui sua importância de transformação e ela se difere dos tempos remotos quando à velocidade de suas transformações e quanto ao impacto que pode exercer sobre determinada sociedade (SEN, 2010). As diversas classificações de tecnologia são responsáveis pela adaptação de como entendemos, agimos e como pensamos o mundo e a sociedade. PREMEBIDA, NEVES E ALMEIDA (2011) entendem que “a ciência envolve uma socialização, uma execução rotineira de aprendizado formal e informal”. Com isto é agregada à ciência um caráter social, na qual deve ser desenvolvida em prol das necessidades explicitadas pelo social. Porém, este é um dos questionamentos possíveis quando à origem destas necessidades. O que pode ser tomado como indicador de necessidade em uma sociedade? E o quais consequências podem ter essas necessidades no desenvolvimento de tecnologias sociais? Propõe-se então a busca por embasamentos que respondam a estes questionamentos. 1.1. A Tecnologia do Social Desde a década de 1970, autores buscam formas de entender as relações existentes entre tecnologia e sociedade, bem como a proposição de relações que não se mostram tão explícitas quanto aquelas identificadas logo de início. Um dos autores que abordaram a temática da tecnologia social foi LATOUR (2004), quando traçou a importância da tecnologia em diversos sentidos do social, extrapolando sua abrangência a estudos de antropologia. Há a necessidade de que os estudos científicos estejam alinhados com o benefício central de seus resultados com direcionamentos de aplicação na sociedade. A criação de métodos, esquemas, sistemáticas e conceitos não devem gerar uma miopia do cientista quanto às carências sociais, as quais, por sua vez, não estão sempre explícitas. E é desta obscuridade de informação e de indicadores sociais que a reformulação das construções sociais e o estudo de suas conexões se faz necessário. Ainda há uma dificuldade de identificação de consequências provenientes de tecnologias inseridas na sociedade, principalmente em grupos sociais de maior complexidade, onde o rastreamento das ações e consequências se faz necessariamente minucioso (PREMEBIDA, NEVES E ALMEIDA, 2011).

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Dagnino (2006) propõe que de todas as apropriações sociais referentes a esforços de políticas públicas, as de fonte na ciência e tecnologia são as quais mais retratam a aceitação e adequação social, neste caso para os pesquisadores. Isto comprova que há desejos políticos de incentivo à ciência e tecnologia, as quais devem trabalhar conjuntamente de forma a devolver ao social suas devidas contribuições e receber do mesmo as indicações, mesmo que não explícitas, de aprimoramentos. É importante o estudo apropriado dos processos e movimentos que compõem a produção tecnológica. Desta forma é possível o entendimento das razões do aparecimento de determinada tecnologia. Assim, também será possível criar uma diferenciação da tecnologia social de outras formas de tecnologia que podem ser identificas em uma sociedade (BARBIERI, 2008). De acordo com BARBIERI (2008) a definição que cabe ao termo tecnologia social é aquela que engloba a inserção de uma prática tecnológica na sociedade, conforme sua metodologia, conceitos e premissas, como forma de auxílio às carências sociais, mas que também está suscetível a mudanças estruturais visando à colaboração participante do social na construção da tecnologia. Ainda, as tecnologias sociais possuem o objetivo principal de incremento na qualidade e nas condições de vida do meio social na qual é inserida. É relevante que seja dada atenção quando às modificações que uma mesma tecnologia pode sofrer quando inserida em diferentes meios sociais, pois cada um pode conter traços inerentes que reagem de modos diferenciados em cada um dos cenários de aplicação. Para BARBIERI (2008) a construção de uma tecnologia social é produto resultante de fatos e questionamentos os quais se citam: a) a razão de ser da Tecnologia Social; b) o processo de tomada de decisão; c) o papel da população; d) a sistemática; e) a construção do conhecimento; f) a sustentabilidade na visão da tecnologia; g) aplicação de escala. Cada uma destas diretrizes é parte atuante na identificação dos problemas sociais a serem solucionados pela tecnologia social, na criação e planejamento de um método para seu desenvolvimento, na forma com a qual a sociedade reagirá a esta tecnologia, como esta tecnologia se sustentará e qual seu potencial de abrangência. 1.2. Recriação de Associações Indivíduos se relacionam socialmente movidos por desejos, necessidades e interesses. Muitas dessas características apresentam raízes pessoais e intrínsecas ao ser, porém a preexistência destas características é proveniente de fatores extrínsecos. Com isto, a busca pela reformulação dos conceitos sobre seres que compõem as relações humanas é necessária para o entendimento de como vêm acontecendo essas relações e para qual direção elas caminham atualmente. Como descrito no item anterior, uma mesma tecnologia será observada por pontos de entendimento diferentes em meios sociais distintos. Para CARRARA (2002), as reações sociais devem ser observadas e identificadas coerentemente para que não se confundam com reações tão especificadas que atinjam campos de estudo antropológicos. Já Latour (1997) propõe o desmembramento das construções sociais preestabelecidas e a reorganização, ou seja, a reassociação dos componentes do social como forma de identificar individualmente cada uma das conexões existentes, a origem e causas destas conexões e como suas existências afetam a construção de outras conexões. Criando, desta forma, uma rede de

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conexões capaz de ser ao mesmo tempo concreta quanto à sua existência, mas também sensível quando uma mudança ocorre em determinado ponto da observação. O autor também afirma que existe um item de alta complexidade quanto a este rastreio que é a característica fluida do social. Ou seja, sua grande flexibilidade e rápida resposta às mudanças que possam ocorrer nele mesmo ou em torno dele. Isso exige do pesquisador uma atenção especial para que não sejam reconstruídas conexões de forma errônea. Da mesma forma que a sociedade não estabelece uma rigidez de comportamento, o autor entende a ciência com sua devida “liquidez”, pois suas transformações também são velozes e ocorrem de acordo com os movimentos proporcionados pela sociedade. No sentido prático da pesquisa em relação às práticas de agroecologia, serão necessários os rastreamentos das conexões preexistentes entre tecnologia, ciência e sociedade, para que possa ser desenvolvida, num segundo momento, uma nova reassociação de atores com suas respectivas consequências e ajustes quando à primeira classificação de relações sociais. 1.3. A perspectiva de Bruno Latour O engendramento de conexões sociais possui fundamentação nos sociólogos clássicos, com sua forma predefinida e rígida de classificação, onde uma ação social, mesmo que com traços diferentes da teoria, é forçadamente classificada sem que haja uma métrica mais precisa para sua rotulagem. De acordo com LATOUR (1994) a necessidade de reformulação das conexões tem-se pelo fato de que quando ocorre uma observação e um estudo intenso da origem de determinadas relações, é possível esbarrar em outras áreas que não a Sociologia, como a Psicologia e a Antropologia. Partindo desta complexidade de rastreamento, Latour propõe a criação da Teoria Ator-Rede (TAR) (ANT em Inglês), na qual ele denota o aparecimento de atores humanos e não humanos, os quais são responsáveis pelo papel de promotores e/ou resultantes das interações sociais. LATOUR (1997) exemplifica a relação existente entre o social e as ciências, as quais sofrem influências diretas do primeiro aqui apresentado, como no caso da Economia, Psicologia e Administração. Essas, como outras ciências que podem ser descritas, apresentam fontes diretas com o meio social, sendo assim, manipuláveis de acordo com que ocorrem os movimentos de interações sociais daqueles que a elas dizem respeito. Um dos exemplos para justificação de suas afirmações dado pelo autor é a conexão que pode surgir num cenário imaginado onde fatores biológicos, associados a reações sociais prévias, fazem com que um juiz se posicione favorável ou contrário a uma decisão judicial de grande complexidade. ESCOSSIA (2005) também relata a preocupação de Latour quanto à classificação clássica realizada por outros autores quanto ao estabelecimento de classificações que segregam o saber do objeto, e estes do indivíduo. De acordo com a teoria do Ator-Rede, não é possível que seja observada apenas uma ou duas destas classificações como combustíveis para a movimentação das conexões sociais, pois o simples descarte de uma das classificações produziria uma lacuna na busca das raízes da criação desta associação propriamente dita. Com isto, Latour difere atores humanos de não humanos, mas não descarta nenhum deles como parte importante na construção das interações sociais. O autor, para que possa ser feita uma reagregação das conexões e interações entre humanos e não humanos discrimina cinco questões iniciais como forma de encontrar

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controvérsias que possibilitem a desconstrução das já conhecidas conexões sociais. Latour busca inicialmente a contradição em: - Grupos: onde é encontra a identidade real do grupo; - Ações: as quais são responsáveis pelos acontecimentos e distorções dos objetivos principais e originais das coisas; - Objetos: os quais são parte responsável pelas interações e não são considerados em uma forma fixa; - Fatos: da relação controversa entre ciência e social; - Ciência do Social: procura a origem, as realizações e a classificação empírica ou não empírica das pesquisas. A atuação dos objetos para Latour possui tal importância que sua classificação original de ator não poderia ser aceita, então os termos actante ou atuante são tomados como apropriação conceitual. INGOLD (2012) entende que a participação de objetos ou de fatores considerados não humanos possui tal importância que ocorre uma extensão de conexões entre estes próprios não humanos que pode ser responsável por criação de interações entre eles mesmos. Além da importância devida aos objetos, LATOUR (1997) ressalta a relevância das forças que moldam as ações e as relações dos atores. E para que seja possível a identificação real dessas forças, há a necessidade de acompanhamento do microcotidiano, das relações formais e informais presentes no campo de pesquisa. O processo de observação de discriminação dos pontos relevantes e referentes ao híbrido final de uma pesquisa só se faz quando há um princípio de simetria (LATOUR, 1997) no qual a presença e importância do pesquisador se igualam ao objetivo principal da pesquisa observada. A partir desse princípio é possível que se faça uma descrição epistemológica a fim de atingir os pontos cruciais para a existência da pesquisa, a importância dos dados coletados, a relevância de um pesquisador e o possível impacto de uma nova tecnologia na sociedade que se faz presente.

2. METODOLOGIA Mesmo que não evidenciada uma metodologia por LATOUR (1997) quanto à observação do cenário, seus traços investigativos, imparciais e descritivos nortearam esta pesquisa. Também foi utilizada a teoria da descrição densa proposta por GEERTZ (2008), a qual interpreta a descrição de um meio social como a investigação dos fatores não aparentes que levam aos comportamentos de um grupo social e moldam a cultura do mesmo. Baseado nesses dois parâmetros para desenvolvimento da pesquisa, foram utilizadas anotações em cadernos de campo mediante observação não participante, entrevistas não estruturadas com atores da instituição de pesquisa e com atores presentes na rede liderada pela instituição. Os traços investigativos e imparciais promovidos por LATOUR (1997) foram aliados à teoria da descrição densa de GEERTZ (2008) com finalidade de construção de uma trama de atores e rastreio de relacionamentos enquadrados na teoria ator-rede de LATOUR (1994).

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Uma primeira etapa foi iniciada pela realização de entrevistas não estruturadas com os atores identificados na EPAMIG como forma de noção geral do sistema ali presente e desenvolvido por eles mesmos. A entrevista não estruturada proporcionou liberdade ao entrevistado quanto à descrição e divulgação de suas impressões pessoais frente ao cenário de desenvolvimento de pesquisas na produção de oliveira na região e no Brasil. Isso também possibilitou o surgimento de atores inicialmente ocultos no cenário, porém que desenvolvem papel relevante na rede. Posteriormente à realização das entrevistas não estruturadas, a observação investigativa que ficou evidente em LATOUR (1997) se fez presente ao tornar possível a identificação os atores e inscritores que compõem a instituição de pesquisa. Após serem também identificados os atores que se fazem fora da EPAMIG, entrevistas e observações foram postas em prática, seguindo a mesma metodologia inicialmente desenvolvida, para que houvesse equivalência e verossimilhança na observação desses seguintes cenários. Por fim, a construção de uma rede de relacionamentos entre atores e de forças presentes no sistema será possível após a realização das etapas finais dessa pesquisa.

3. IDENTIFICAÇÃO DOS ATORES 3.1. EPAMIG Maria da Fé A unidade de Maria da Fé da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais foi doada por um casal de fazendeiros no ano de 1927 e desde então vem desenvolvendo trabalhos de pesquisa em diversos cultivos, inclusive em oliveiras. A partir de 2008 a unidade de Maria da Fé foi denominada Fazenda Experimental de Maria da Fé (FEMF) (ALVES et. al., 2012). O dia 29/02/2008 é importante para a FEMF e para a EPAMIG de forma geral, já que foi a data da primeira extração do azeite de oliva extravirgem proveniente dos cultivares próprios. A partir dessa data a FEMF se tornou referência nacional nas pesquisas e no cultivo de oliveira, trazendo consigo uma bagagem de atores que variam desde a população local até instituições de grande porte como construção de um sistema sócio-político-econômico. A Fazenda Experimental de Maria da Fé se difere de outras unidades da EPAMIG pela grande proximidade com a sociedade. Diversos fatores influenciam nessa característica, dentre eles a proximidade da fazenda da cidade, já que a FEMF está situada em torno de oitocentos metros do centro da cidade de Maria da Fé, o fácil acesso, a receptividade dos funcionários e pesquisadores e a geração de um fluxo turístico acerca da oliveira. Devido a essas características o objetivo final da unidade, os quais eram apenas esforços em pesquisa agropecuária, se desdobram ao abranger o campo da extensão. Pequenos e médios produtores regionais e até mesmo produtores de outras regiões do país procuram a FEMF através de visitas técnicas, e-mails e consultorias buscando novas técnicas de cultivo, novas práticas de beneficiamento e novos resultados de pesquisas decorrentes para suas próprias produções. 3.1.1. Cotidiano da Fazenda Experimental de Maria da Fé Em meio a visitantes que constantemente frequentam a FEMF, o grupo composto de dois pesquisadores, um gerente, uma técnica administrativa e seis funcionários de campo divididos entre safristas e permanentes, desenvolvem suas atividades diárias mesclando os processos burocráticos exigidos pelo sistema com ações não programadas para que possam aliar o atendimento aos visitantes com as tarefas de pesquisa e desenvolvimento.

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As instalações da FEMF na antiga casa da fazenda tornam o local propício para o turismo. Essa constante construção de relacionamentos com os visitantes faz claro os benefícios advindos dessa fama acerca da FEMF. Referência constante nas citações em periódicos agropecuários e em revistas técnicas no ramo do agronegócio em todo o território nacional, a FEMF também é notória perante a população local. No livro de visitantes constam dados de pessoas de todas as regiões do país que possuem interesses no turismo agropecuário, na busca de novas técnicas, na solução de problemas pertinentes ao cultivo e na continuidade dos trabalhos da FEMF por meio de doações. 3.2. Unidade EPAMIG Lavras Outra unidade importante da EPAMIG e que se faz ator nesse cenário é a unidade de Lavras, a qual também é a unidade regional a qual a FEMF se reporta durante os processos burocráticos. Por estar situada dentro da Universidade Federal de Lavras (UFLA), a unidade gera um grande número de visitantes/estudantes os quais buscam foco em pesquisas agropecuárias. O estreito relacionamento entre as unidades da EPAMIG de Lavras e de Maria da Fé proporciona diversos perfis de trocas, entre eles a abertura das instalações para visitas técnicas, a oportunidade de estágio na área de agronomia, o envio de resultados de pesquisas mútuas, a troca de materiais e equipamentos de laboratório, bem como de conhecimentos desenvolvidos em cada uma das unidades. 3.3. Prefeitura Municipal de Maria da Fé Os vínculos entre EPAMIG e prefeituras municipais de diversas cidades são próximos devido ao trabalho conjunto que as duas instituições realizam em todo o Estado de Minas Gerais. Na cidade de Maria da Fé, o relacionamento entre esses dois atores não é diferente. Os esforços de cooperação entre EPAMIG e Prefeitura se iniciaram em 1974 com a criação da EPAMIG e desde então a colaboração de ambas as instituições na provisão de recursos de diversas características de forma mútua acontece frequentemente. A Prefeitura de Maria da Fé promove desde o ano de 2008 o Festival de Inverno, o qual agrega os trabalhos artesanais de diversos produtores locais, comerciantes regionais e também o azeite de oliva produzido na FEMF. O evento é de grande importância para o município, já que compõe com o turismo a lista de atividades de embasamento econômico da cidade. De acordo com a Prefeitura Municipal de Maria da Fé, o festival do ano de 2014, o sexto até então, gerou uma movimentação econômica em torno de R$ 200.000,00 e um valor aproximado de 10.000 visitantes nos seus seis dias de duração. Além do Festival de Inverno promovido pela Prefeitura, há também desde 2010 o Festival Gastronômico de Maria da Fé, também conhecido popularmente como a Festa do Azeite, o qual oferece ao município considerada atenção no cenário nacional pelo desenvolvimento e divulgação dos avanços obtidos anualmente na produção, extração, beneficiamento e comércio do azeite de oliva extra virgem brasileiro. 3.4. Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira – ASSOOLIVE Criada em 2009, a ASSOOLIVE é uma associação que agrega os produtores de oliveira da região sul de Minas Gerais e São Paulo e tem sua sede na cidade de Maria da Fé. Essa associação promove práticas de cultivo, gera fomento às pesquisas acerca do cultivo da oliveira

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e dá suporte aos produtores locais quanto às novidades pertinentes ao mercado e à busca de novas tecnologias de cultivo da oliveira e extração do azeite de oliva. Com isso, suas relações com a EPAMIG Maria da Fé e com outras unidades da EPAMIG em todo o Estado são contínuas e consistentes. A associação toma a função de ponte direta entre o produtor e as novas tecnologias de produção e beneficiamento do azeite de oliva na região. Além das informações acerca das técnicas de cultivo e extração, a associação beneficia os seus membros com assuntos relacionados ao comércio local, nacional e mundial do azeite de oliva, capacitando os produtores para que possam gerar novas condições e vantagens de negociação de suas respectivas produções. 3.5. População de Maria da Fé Com uma população estimada de 14.534 habitantes para o ano de 2014 (IBGE), a cidade de Maria da Fé se caracteriza economicamente como provedora de extrações vegetais, silvicultura e ainda cultivo da batata. Parte dessa produção de extrações vegetais se faz no cultivo de oliveiras. É possível identificar no comércio local os impactos resultantes das produções de oliveira e da extração de seu óleo. Muita da produção de azeite de oliva beneficiado na FEMF é comprada pelos comerciantes locais e revendido em seus estabelecimentos para os turistas. É mister também ressaltar o significante aumento da demanda do azeite de oliva extra virgem nos períodos de maior movimentação turística na cidade, tanto pelos turistas que visitam e compram diretamente da EPAMIG, quanto dos habitantes da cidade que abastecem seus estoques para aqueles turistas que circulam apenas pelas atrações promovidas na cidade. Visando maior movimentação turística no próprio comércio local, a população mariense desenvolve importante papel na divulgação do produto gerado pela Fazenda Experimental de Maria da Fé, bem como aqueles produzidos em fazendas particulares da região.

4. RESULTADOS ESPERADOS A partir da pesquisa já iniciada sobre o tema, pelos parâmetros oferecidos pela revisão de literatura acerca do tema da Teoria Ator-Rede e pela utilização de uma metodologia que exerça fidelidade na descrição e construção de um cenário, ainda serão passos para a elaboração dessa pesquisa os seguintes itens: - Identificação dos impactos econômicos e sociais da produção de tecnologia pela Fazenda Experimental de Maria da Fé no cultivo e beneficiamento do azeite de oliva; - Pontuar os outros atores que podem estar inseridos em segundo plano da observação, baseado na Teoria Ator-Rede; - Identificar os híbridos e os fatores não humanos que compõem o cenário e que sobre ele exerçam modificações; - Traçar um perfil mais aprofundado sobre o cenário de produção de azeite de oliva no Brasil, principalmente na região do Sul de Minas; - Descrever como se dão as relações entre os atores identificados e de que forma a inserção de tecnologias moldou essas relações durante o tempo; - Projetar os impactos que um possível aumento na produção e no comércio do azeite de oliva brasileiro poderá exercer sobre a sociedade.

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REFERÊNCIAS ALVES, M. J. et al. Oliveira em Minas Gerais; história e agentes de desenvolvimento em: Oliveira, A.F. de (org.), Oliveira no Brasil: tecnologias de produção. Belo Horizonte, EPAMIG, 2012, 39-69. AZEVEDO, Elaine de; PELICIONI, Maria Cecília Focesi. Agroecologia e Promoção da Saúde no Brasil. 2012. Disponível em: Acesso em: 12/09/2013. AZEVEDO, Elaine de; PELICIONI, Maria Cecília Focesi. Promoção da Saúde, Sustentabilidade e Agroecologia: uma discussão intersetorial. 2011. Disponível em Acesso em: 13/09/2013. BARBIERI, José Carlos; RODRIGUES, Ivete. A emergência da tecnologia social: revisitando o movimento da tecnologia apropriada como estratégia de desenvolvimento sustentável. 2008. Disponível em Acesso em: 18/09/2013. CARRARA, Sérgio. Uma “tempestade” chamada Latour: a antropologia da ciência em perspectiva. 2002. Disponível em: Acesso em: 17/09/2013. DAGNINO, Renato. A comunidade de pesquisa e a política de ciência e tecnologia: olhando para os países avançados, 2006. Disponível em: Acesso em: 17/09/2013. ESCOSSIA, Liliana da. O conceito de coletivo como superação da dicotomia indivíduo-sociedade. 2005. Disponível em: Acesso em: 17/09/2013. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. INGOLD, Tim. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais. 2012. Disponível em: Acesso em: 17/09/2013. LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997. LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. (C. I. Da Costa Trad.) Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994. LATOUR, Bruno. Entrevista. Por uma antropologia do centro. MANA 10(2):397-414, 2004. NUNES, Cleiton Antônio; SOUZA, Vanessa Rios de; CORRÊA, Síntia Carla; SILVA, Marília de Cássia da Costa e; BASTOS, Sabrina Carvalho; PINHEIRO, Ana Clara Marques. Heating on the volatile composition and sensory aspects of extra-virgin olive oil. 2013. Disponível em: Acesso em: 25/05/2014. PREMEBIDA, Adriano; NEVES, Fabrício Monteiro; ALMEIDA, Jalcione. Estudos sociais em ciência e tecnologia e suas distintas abordagens. 2011. Disponível em: Acesso em: 17/09/2013. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. SILVA, Luiz Fernando de Oliveira da; OLIVEIRA, Adelson Francisco de; PIO, Rafael; ZAMBON, Carolina Ruiz. Caracterização agronômica e carpométrica de cultivares de oliveira. 2012. Disponível em: Acesso em: 26/05/2014.

Guilherme Leite Garrido Silva ([email protected]) Adilson da Silva Mello ([email protected]) Instituto de Engenharia de Produção e Gestão, Universidade Federal de Itajubá. Av. BPS, 1303 – Bairro Pinheirinho, Itajubá - MG.

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