A utilização do jogo Call of Duty como ferramenta auxiliar de ensino no Grupo de Pesquisa em História Militar com alunos do Ensino Médio

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A utilização do jogo Call of Duty como ferramenta auxiliar de ensino no
Grupo de Pesquisa em História Militar com alunos do Ensino Médio

Fernando Dala Santa[1]

Resumo. A assimilação crítica dos acontecimentos históricos encontra
dificuldades na falta de referências ao universo simbólico dos estudantes,
situação que pode ser revertida com o auxílio de elementos midiáticos,
entre os quais se encontram os jogos eletrônicos. O uso dos games em
ambientes educacionais não é mais novidade, embora ainda careça de uma
reflexão sobre os seus limites e potencialidades, visando o estabelecimento
de uma nova cultura pedagógica. Dessa forma, o presente trabalho tem por
objetivo destacar a importância da inserção de novas tecnologias no
processo pedagógico, apresentando os resultados parciais da utilização do
game Call of Duty nos encontros do Grupo de Pesquisa em História Militar
realizado com alunos do Ensino Médio, que se pauta por uma leitura menos
técnica e mais humana da Segunda Guerra Mundial.

1. Tópicos de interesse relacionados


Utilização de games em contextos educacionais e/ou de inclusão social

2. Introdução

A humanidade se encontra quase irreversivelmente integrada ao panorama
de evolução das tecnologias informacionais, exigindo que indivíduos e
instituições busquem se adequar aos paradigmas referentes ao advento da
cibercultura[2]. Entretanto, não obstante à evidente mudança na aplicação
das inovações tecnológicas, não mais percebidas simplesmente como elementos
auxiliares de uso ocasional, algumas instituições, em especial a escola,
ainda se mostram relutantes em abandonar as práticas defasadas que se
atrelam à sua tradicional concepção de mundo.
A necessidade de empreender um modelo pedagógico capaz de dar conta da
complexidade e fluidez do mundo contemporâneo é, talvez, o principal
desafio que se coloca aos educadores. A escola não pode tornar-se
refratária às mudanças nas organizações sócioculturais, desprezando as
contribuições dos modernos meios e veículos de comunicação. No tocante ao
Ensino Médio, poucas ferramentas se mostram tão efetivas quanto os jogos
eletrônicos na tarefa de motivar os estudantes, incentivando-os a abandonar
a ideia de que a escola deve ser obrigatoriamente um local desagradável e
entediante. Partindo desse princípio adotamos o game Call of Duty nos
encontros do Grupo de Pesquisas em História Militar, que congrega alunos do
Ensino Médio em uma atividade extracurricular de fomento à pesquisa
científica.


3. A instituição do Grupo de Pesquisa em História Militar

Durante longo tempo a preocupação relativa ao Ensino Médio esteve
voltada para a estruturação de políticas públicas que viabilizassem a
expansão no número de vagas, vencendo um déficit educacional histórico. A
universalização do acesso ao Ensino Médio, porém, não foi seguida por um
crescimento no desempenho dos estudantes, redundando em baixo
aproveitamento e desempenho escolar. Essa perspectiva evidencia a
necessidade de que o ensino não se limite à transmissão/recepção de
determinados conteúdos.
Dessa forma, tendo em vista o panorama de busca por um modelo
educacional que conduzisse a uma maior autonomia intelectual dos estudantes
do Ensino Médio, adotamos a concepção de pesquisa como princípio educativo,
através do conceito de "aluno pesquisador", objetivando uma aprendizagem
centrada na formação de habilidades de raciocínio e de pesquisa, em
contraposição à simples memorização mecânica. O grande diferencial dessa
proposta está no próprio conceito de grupo de pesquisa enquanto espaço de
socialização do conhecimento, que estabelece como objetivos principais a
pesquisa cooperativa e o desenvolvimento intelectual de cada um dos seus
membros, bem como o incentivo à produção científica.
O tema a ser pesquisado pelo Grupo de Pesquisa em História Militar
(GPHM) deveria ser capaz de despertar o interesse dos estudantes,
demonstrando sua relevância histórica, tanto no âmbito da história geral
quanto no que se refere aos seus aspectos regionais. Para tanto, nos
dedicamos ao estudo da Segunda Guerra Mundial, e de forma mais profunda ao
estudo da participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e da Força
Aérea Brasileira (FAB) no conflito. Cabe ressaltar que o estudo no âmbito
da história militar não tem o intuito de fazer apologia à guerra, ao
contrário, pois ao trazer o assunto à discussão, permite evidenciar a
irracionalidade da violência em todas as suas dimensões.


4. Os Games enquanto aparatos pedagógicos: o ensino da história

A maioria das dificuldades que se impõem àqueles dispostos a pensar a
educação na contemporaneidade se refere ao desafio de tornar o ensino
atrativo a alunos cada vez mais exigentes, que encontram fora do âmbito
escolar outras formas, muito mais interativas e agradáveis, de adquirir
informações. Para os estudantes a escola não representa mais o templo do
saber como fora outrora, mas uma pausa forçada na sua vibrante rotina de
múltipla utilização de elementos midiáticos. Sem dúvida, a escola, com sua
rígida organização e apego a métodos tradicionais de ensino, enfrenta uma
batalha inglória quando se propõe a disputar a atenção dos alunos com a
internet, a televisão ou os jogos eletrônicos.
Com efeito, uma iniciativa que contribuiria imensamente na tarefa de
reverter esse quadro de desinteresse pela educação seria reconhecer o
potencial pedagógico dos jogos eletrônicos, que deixaram de ser somente
fontes de entretenimento lúdico, para surgirem como manifestações estético-
culturais de alcance e profusão até então inimagináveis. Os games
representam um dos resultados do avanço tecnológico e da utilização do
computador nas telecomunicações, como uma poderosa ferramenta de
comunicação e informação (Moita, 2007).
As potencialidades pedagógicas de um uso correto dos jogos eletrônicos
são inegáveis, pois enquanto exigem dos jogadores atenção, memória,
reflexos apurados, pensamento lógico e capacidade de articulação entre os
elementos disponíveis, os games acabam por fortalecer essas habilidades.
Outro ponto a ser considerado refere-se à capacidade dos games de ampliarem
a nossa percepção do real. Levy (1996) identifica esse potencial
virtualizante como "um modo de ser fecundo e poderoso, que põe em jogo
processos de criação, abre futuros, perfura poços de sentido sob a
platitude da presença física imediata".
No que se refere especificamente ao ensino de história, maçante e
inócuo em muitos casos, os jogos eletrônicos favorecem a apropriação dos
contextos históricos a serem estudados, enriquecendo a pesquisa e
reforçando a compreensão a partir de uma abordagem crítica. A história
sempre alimentou as produções cinematográficas, da mesma forma como
representa um tema recorrente no que tange aos jogos eletrônicos. Afirma
McLuhan (1996) que as práticas sociais de uma geração tendem a ser
codificadas na forma de jogos pelas próximas. Essa tendência se mostra
acertada tendo em vista o sucesso angariado por algumas das franquias mais
destacadas no universo dos de games, e que buscam inspiração na Segunda
Guerra Mundial: Medal of Honor, Call of Duty, Battlefield e Brothers in
Arms[3].
Os games atuam na construção e transformação da informação e do
conhecimento, na medida em que são "instrumentos para o desenvolvimento das
interações entre as representações da comunidade de jogadores e permitem
desse modo, a contextualização do conhecimento" (Moita 2006). Essa
abordagem contextual abalizada pelo uso dos jogos eletrônicos torna
possível perceber a história enquanto emaranhado complexo de causas e
consequências, e não como um mero desenrolar mecânico de fatos. Assim,
vinculada a um modelo didático-pedagógico dinâmico e atrativo, mas que não
negligencia os conteúdos formais, a apropriação das representações
simbólicas presentes nos games possibilita uma assimilação crítica e
significativa do conteúdo histórico.


A utilização do game Call of Duty como ferramenta auxiliar de ensino e
pesquisa: resultados com o GPHM

Lançado no ano de 2003, Call of Duty é um game do estilo "tiro em
primeira pessoa", produzido tendo por base alguns acontecimentos reais
ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, tais como o Dia D, a defesa de
Stalingrado e a conquista de Berlim. Sendo o primeiro título desenvolvido
pela empresa Infinity Ward e distribuída pela Activision, Call of Duty foi
vencedor de diversos prêmios, inclusive o de jogo do ano[4], firmando-se
como o precursor de uma franquia de jogos que abordam também outros
conflitos bélicos.
Para a época, Call of Duty possuía ótimos gráficos e uma boa
jogabilidade, contando com os comandos básicos de um FPS. Trazia uma
abordagem um pouco diferente dos outros jogos do gênero: ao invés de
apresentar um personagem central atuando de forma solitária, em Call of
Duty a maior parte do game se desenvolve com o jogador fazendo parte de um
pelotão em missões cuja característica mais marcante é a grande profusão de
inimigos, em uma competente simulação do que devem ter sido as caóticas
batalhas empreendidas na guerra. A fidelidade histórica e o realismo
alcançados pelo jogo ainda são surpreendentes. As armas e os cenários eram
muito detalhados, sendo inclusive graficamente mais bem feitos do que
vários títulos lançados posteriormente. O game trazia três campanhas, a
americana, a britânica e a soviética, sendo possível vislumbrarmos um pouco
do "espírito de época", ou seja, do modo de pensar de cada país envolvido
mediante a observação dos equipamentos e do paradigma tático adotado por
cada exército.
A ideia de utilizar o game nos encontros do GPHM surgiu da dificuldade
de contextualização de alguns dos temas históricos abordados. A distância
temporal entre o objeto de estudo e o seu observador quase que inviabiliza
uma pesquisa capaz de ir além da estéril e pouco significativa descrição de
fatos isolados. Dessa forma, a presença de Call of Duty nas aulas auxiliou
na imersão dos estudantes nos ambientes simulados pelo game, proporcionando
uma visão interna dos acontecimentos históricos. Assim, a reconstrução da
memória do conflito a partir da visão dos soldados, ou melhor, a
possibilidade de "tornar-se" um dos soldados e interagir com a trama, sem
dúvida, representou um elemento complementar de grande valor na compreensão
crítica de um fenômeno histórico da magnitude da Segunda Guerra Mundial. O
resultado foi uma pesquisa pautada não somente na ação dos grandes líderes,
mas de modo especial na contribuição dos milhões de soldados anônimos que
efetivamente venceram a guerra.
A utilização do game mostrou-se acertada também por estimular a
participação de alunos que não estavam vinculados ao grupo de pesquisa, e
que declaradamente se sentiram atraídos pela chance de legitimar o seu
gosto por jogos eletrônicos, justificando para pais e professores uma
prática muitas vezes mal vista ou, na melhor das hipóteses, considerada
apenas como entretenimento pouco saudável. Percebemos claramente que o
interesse pela pesquisa histórica era mais acentuado nos estudantes que já
haviam entrado em contato com jogos ambientados na Segunda Guerra Mundial,
e se fortaleceu sensivelmente naqueles que os conheceram através do GPHM.


6. Considerações finais

Sem dúvida, é necessário que se tenha sensibilidade pedagógica para
compreender a contribuição da tecnologia para o processo educacional. O
nexo natural existente entre educação e tecnologia não pode ser
negligenciado, tendo em vista o óbvio processo de retroalimentação que
ocorre entre ambas, ou seja, a inserção de novas tecnológicas no âmbito
educacional enriquece o ensino, abalizando a produção do conhecimento, o
que acaba por fomentar a evolução em todos os ramos do saber. Entretanto,
também se mostra imperioso o bom senso e a qualificação técnica dos
profissionais de educação na escolha dos recursos adequados e especialmente
na sua forma de aplicação, pois ao contrário do que algumas iniciativas
parecem sugerir, a pura e simples inserção de aparatos midiáticos não
garante a qualidade do ensino.
Podemos afirmar de forma conclusiva que o uso criterioso de jogos
eletrônicos nas aulas de história, de modo especial a presença de Call of
Duty nos encontros do GPHM, se mostrou satisfatório em todos os âmbitos:
dinamizou o processo de ensino/aprendizagem; incentivou a participação de
gamers no grupo de pesquisa; facilitou abordagem de temas cujo estudo era
dificultado pela falta de referências e despertou e/ou reforçou o interesse
dos alunos pela pesquisa histórica. Ademais, a escolha por esse game em
especial (já completamente ultrapassado em termos gráficos) se deu pela
possibilidade de que os demais jogos do gênero, lançados ao longo da última
década, pudessem ser paulatinamente integrados nos encontros do GPHM,
aprofundando os estudos e permitindo a consolidação de um novo ramo nas
pesquisas realizadas, centrado na interconexão entre passado e futuro
através dos jogos eletrônicos que se ambientam nos mais variados contextos
históricos.

7. Referências

CALL OF DUTY. Fabricante: Infinity Ward. Plataforma: PC. Distribuidor:
Activision, 2003.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Trad. Paulo Neves. São Paulo: Editora 34,
1996.

_____. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34,
1999.

MCLUHAN, Marshall. Comprender los medios de comunicación. Las extensiones
del ser humano. Barcelona: Paidós, 1996.

MOITA, Filomena M. G. S. C., Games: contexto cultural e curricular juvenil.
Tese (doutorado em educação) – Universidade Federal da Paraíba, João
Pessoa, 2006.


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[1] Filósofo, Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
da FAED/UPF, mediante Bolsa FAPERGS/CAPES. Coordenador do Grupo de Pesquisa
em História Militar da Escola Estadual de Educação Básica Frei José, São
João da Urtiga – RS. Integra o Núcleo de Pesquisa em Filosofia e Educação
(NUPEFE) da Universidade de Passo Fundo. E-mail: [email protected].
[2] Na concepção de Levy (1999), a cibercultura especifica "o conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de
pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do
ciberespaço".
[3] Franquias de jogos eletrônicos do estilo FPS (first-person shooter ou
tiro em primeira pessoa) ambientados, originalmente (Call of Duty, Medal of
Honor e Battlefield) ou de forma exclusiva (Brothers in Arms) na Segunda
Guerra Mundial, e que se caracterizam pela tentativa de reconstruir com
fidelidade histórica os acontecimentos presentes no enredo dos jogos.
[4] Foi considerado o jogo do ano, entre outras, pela Academy of
Interactive Arts & Science; a Interactive Achievement Awards e a U.K.s
British Academy of Filmand Television Arts.
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