A UTILIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS CONTRA A BITRIBUTAÇÃO PARA A PRÁTICA DO TREATY SHOPPING

July 27, 2017 | Autor: Maiara Cardoso | Categoria: Direito Tributário (Tax Law), Direito Internacional
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A UTILIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS CONTRA A BITRIBUTAÇÃO PARA A PRÁTICA DO TREATY SHOPPING THE USE OF INTERNATIONAL TREATIES AGAINST DOUBLE TAXATION FOR THE PURPOSES OF TREATY SHOPPING

Maiara Leite Cardoso Acadêmica de Direito no Centro Universitário Unicuritiba

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL; 2.1 DISTINÇÃO ENTRE ELISÃO FISCAL E EVASÃO FISCAL; 2.1.1 Os Limites da Elisão Fiscal; 3 O TREATY SHOPPING; 3.1 CONDUIT COMPANIES; 3.2 STEPPING STONE COMPANIES; 3.3 SAME COUNTRY HOLDING STRUCTURE; 3.4 QUINTETO; 4 A VALIDADE DA PRÁTICA DO TREATY SHOPPING; 4.1 A ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA EVITAR O TREATY SHOPPING; 4.1.1 No Direito Interno; 4.1.1.1 No Brasil; 4.1.2 Por Meio Dos Tratados Internacionais; 5 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS. RESUMO: O mundo globalizado diminuiu as barreiras anteriormente existentes entre as diversas nações do globo, permitindo que empresas pudessem se aventurar na concorrência do mercado internacional. No entanto, essas empresas esbarraram no fenômeno da dupla tributação internacional, tendo, em alguns casos, as suas operações tributadas por mais de um país. Diante dessa situação, alguns países decidiram afastar a ocorrência da dupla tributação por meio da elaboração de tratados internacionais sobre a matéria. Entretanto, esses acordos passaram a servir também como um instrumento para a elaboração de planejamentos tributários internacionais. Nesse contexto, o presente artigo objetiva abordar a discussão quanto à licitude do planejamento tributário internacional colocado em prática por meio da estrutura do Treaty Shopping. De um lado, há a defesa do uso dos tratados internacionais contra a bitributação no planejamento tributário como um direito dos contribuintes; de outro, o entendimento de que tal método consiste em abuso, devendo ser reprimido pelos países signatários dos acordos contra a bitributação. Palavras-chave:

bitributação, tratados internacionais, planejamento tributário, elisão, Treaty Shopping.

ABSTRACT: Globalization removed some of the barriers that previously existed between nations, allowing a greater number of companies to enter into the international market. This led to a situation where many companies were affected by the problem of double taxation—the problem of being taxed by more than one country at a time. In response, some countries decided to prevent the occurrence of double taxation by developing international tax treaties. However, these treaties have also been instrumental in the development of international tax planning. This paper addresses the question of the legitimacy of international tax planning as it is put into practice in treaty shopping. Some authors argue that the use of tax planning, and, in particular, treaty shopping, is a right of taxpayers; others argue that this use is abusive and should be prevented by the signatory states of the tax treaties against double taxation. Key words: double taxation, tax treaties, tax planning, tax avoidance, Treaty Shopping.

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INTRODUÇÃO

O atual cenário econômico mundial é resultado do fenômeno da globalização ocorrido ao final do século XX e que acabou por conectar nações do mundo todo, desenvolvendo novas relações transnacionais de comércio, transferências de capitais, exportação e importação de serviços. Essa grande movimentação de bens e serviços no mercado internacional passou a colocar em conflito interesses de empresas – que visam expandir a sua competitividade no mercado internacional – com interesses dos Estados – os quais almejam se beneficiar dessa expansão do mercado para abastecerem seus cofres públicos através do exercício de suas competências tributárias (UCKMAR, 2012, p.24). Nesse contexto, a participação das empresas no cenário internacional fez com que muitas delas ficassem sujeitas à tributação em mais de um país e, como consequência da possibilidade de dois ou mais Estados diferentes manterem critérios de conexão com o mesmo fato imponível, instituindo tributos semelhantes ao mesmo sujeito passivo e sobre igual espaço temporal (no caso de tributos cobrados periodicamente), surgiu o fenômeno chamado de dupla, bi ou pluri tributação internacional. Neste mesmo sentido, Heleno Tôrres (1997, p.222) qualifica este fenômeno como uma patologia tributária, a qual seria desencadeada pela existência de uma concorrência de pretensões impositivas sobre os mesmos rendimentos, resultado quase que inevitável da adoção, por mais de um país, de diferentes ou semelhantes critérios de conexão (princípios da territorialidade e universalidade). A pluritributação tem implicações diretas na economia, porquanto que retira a atratividade que os negócios internacionais oferecem aos empresários e investidores, com reflexo expressivo principalmente na diminuição dos investimentos destinados aos países em desenvolvimento, tornando-se um obstáculo às relações comerciais internacionais. Por estas razões, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na elaboração de seu Modelo de Convenções contra a Dupla Tributação (2010, p.12), classifica a pluritributação como lesiva, de modo que os

3 obstáculos por ela causados no desenvolvimento econômico das relações internacionais devem ser afastados. No entanto, ainda que o referido fenômeno seja economicamente negativo, não é considerado proibido por qualquer ordenamento jurídico, por se trata de fato lícito e juridicamente aceitável (TÔRRES, 1997, p. 231). O que se observa no cenário das relações econômicas internacionais é uma tendência dos Estados em buscar medidas de atenuação ou exclusão de sua ocorrência, principalmente por meio da elaboração de tratados internacionais contra a dupla tributação. Diante dessa realidade, os comitês de assuntos fiscais e econômicos de organizações mundiais como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas (ONU) criaram modelos para estes tratados contra a bitributação, sugerindo um texto padrão que pode ser adotado na íntegra ou parcialmente pelos países interessados, além de fornecerem recomendações para a inclusão, dentro dos próprios acordos, de cláusulas para coibir o seu uso indevido. Entretanto, os tratados internacionais contra a bitributação se transformaram em ferramentas para os contribuintes adeptos ao planejamento tributário internacional. Foi então denominado de Treaty Shopping o uso destes tratados por terceiros não incluídos dentre os seus beneficiários efetivos que, por não serem residentes de um dos Estados signatários do acordo escolhido, se aproveitam de sujeitos interpostos na organização de suas operações para gozarem de seus benefícios O presente artigo visa, portanto, expor a mecânica do Treaty Shopping, o planejamento fiscal que envolve o uso do melhor acordo contra a bitributação em benefício do sujeito que não está incluindo dentre seus beneficiários efetivos e a discussão sobre a validade desta prática, examinando também as alternativas para o combate de referida modalidade do planejamento fiscal.

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PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL

Uma alternativa que os contribuintes encontraram para a economia lícita de tributos foi o planejamento tributário, que se resume a uma atuação preventiva

4 contra as consequências fiscais dos negócios praticados pelos contribuintes, método este que se mostra eficiente tanto para as empresas que atuam nacionalmente, quanto para aquelas do mercado internacional. O professor Hermes Marcelo Huck (1997, p.148) defende a importância do planejamento tributário: "tão essencial quanto um planejamento econômico, técnico, comercial, de mercado etc., o planejamento tributário é aquele que visa à eficiência em seu campo, ou seja, o menor ônus tributário para o negócio, dentro dos limites da lei". O planejamento tributário, nas palavras de Heleno Tôrres (2001, p.37), é "a técnica de organização preventiva de negócios, visando a uma economia legítima de tributos, independentemente de qualquer referência aos atos ulteriormente praticados". A legítima economia de tributos é aquela que não confronta com o ordenamento jurídico de um Estado, pois para a sua efetivação faz-se uso de hipóteses de não incidência ou de isenções postas na legislação. Baseada mais fortemente no exercício do princípio da autonomia da vontade, que é a liberdade garantida constitucionalmente1, esta economia é a priori considerada lícita pois não há no conjunto de leis brasileiras norma que exija do contribuinte a adoção de meios negociais que lhe sejam fiscalmente mais onerosos. Quanto ao planejamento internacional, Alberto Xavier (2004, p.310) se refere a este fenômeno como elisão fiscal internacional ou, na língua inglesa, tax avoidance, que indica o ato de eliminar, evitar ou suprimir a tributação. Segundo o autor, estes são atos geralmente lícitos, praticados pelo contribuinte de acordo com os seus interesses e a liberdade de ação que se apresenta da análise de diversos ordenamentos jurídicos. No planejamento fiscal internacional, o exercício que se faz é o de localização de determinado fato em cada ordenamento jurídico, permitindo que haja a escolha voluntária do contribuinte sobre qual ordenamento deseja organizar seus negócios, permitindo a escolha do regime que seja mais vantajoso e atuando no elemento de conexão da norma, possibilitando que se atraia a aplicação deste regime escolhido (XAVIER, 2004, p.310-311). Ademais, é importante ressaltar que o planejamento internacional, além de examinar a legislação dos países escolhidos para a efetivação das operações negociais, 1 2

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A autonomia da vontade está inscrita na Constituição Federal de 1988 no art. 5. , incisos IV, IX, XIII, XV, XVII e XXII, e art. 170. Neste sentido, Huck (1997, p.34) afirma que: "Ambas as figuras, evasão e elisão, comungam da

5 também deve levar em consideração a existência dos princípios do direito internacional e de tratados internacionais que protejam as relações entre os Estados, de forma a manter-se o respeito e cooperação entre estas nações. Segundo Hermes Marcelo Huck (1997, p.43-44), construiu-se uma tradição jurisprudencial e doutrinária no cenário internacional, onde se formou o entendimento de que o direito do contribuinte de planejar os seus negócios estaria garantido, pois qualquer pessoa é livre para organizar seus negócios e escolher, dentro das formas jurídicas colocadas a sua disposição, aquela que traga menor onerosidade fiscal, uma vez que ninguém estaria obrigado a escolher a forma mais rentável para o Fisco. No entanto, devemos atentar para o fato de que, na atualidade, a liberdade dos contribuintes na organização de seus negócios está cada vez mais limitada pela análise do Fisco sobre as formas empregadas pelos contribuintes, significando que em alguns casos, quando observado o uso de formas impróprias ou incomuns, apenas com o objetivo de economia fiscal, teremos configurado uma conduta ilícita. Como exemplos de formas de organização do planejamento tributário internacional, Heleno Tôrres (2001, p.56) cita: a utilização de paraísos fiscais, o transfer pricing, o uso de acordos internacionais chamado de Treaty Shopping, realocação das empresas para o exterior, etc.

2.1

DISTINÇÃO ENTRE ELISÃO FISCAL E EVASÃO FISCAL

É importante esclarecer quais as distinções entre os institutos da evasão e da elisão fiscal. Primeiramente, ressalte-se que a evasão fiscal é também chamada de evasão ilícita, simulação, fraude ou sonegação fiscal. Ademais, compete ilustrar que a elisão fiscal é frequentemente denominada de evasão lícita, elusão, economia ou planejamento fiscal. Assim, o presente tópico tratará destes dois institutos utilizando as palavras evasão e elisão. Nas palavras de Huck (1997, p.19), evasão e elisão podem ser conceituadas da seguinte maneira:

6 Evasão ilícita [...] é aquela decorrente de uma ação consciente e voluntária do agente, - que, por meios ilícitos, fraudulentos ou simulatórios, procura eliminar, reduzir ou retardar o pagamento do tributo devido. De outro lado, propõe-se um conceito de evasão lícita, corporificada pela conduta preventiva do contribuinte, visando por meio de processos lícitos – ao menos em sua aparência formal – afastar, reduzir ou retardar a ocorrência do fato gerador do tributo. Na evasão ilícita, o agente vale-se de artifício doloso, pratica seus atos com malícia para fugir ao imposto devido, enquanto na evasão lícita, conhecida também como elisão, economia ou planejamento fiscal, o agente busca um determinado resultado econômico, mas para reduzir o impacto da obrigação fiscal dele decorrente, ou mesmo para eliminá-lo, procura por instrumentos de aparência legal, ou não proibidos, outra forma de exteriorização dos atos que levem àquele mesmo resultado, dentro de um leque de alternativas de forma que a lei civil lhe oferece.

Identifica-se que ambos os institutos levam a resultados econômicos muito semelhantes, que é a diminuição ou extinção da carga fiscal que recai sobre o contribuinte, porém cada um segue uma via diferente: na evasão o contribuinte dolosamente busca fugir do pagamento dos tributos, utilizando-se de meios fraudulentos e ilícitos, ao passo que na elisão o contribuinte age de acordo com as normas legais para atingir uma lícita economia de tributos, ou seja, é uma prática fundada na utilização de meios legais. Neste sentido, Huck (1997, p. 125) trata dos conceitos da elisão e evasão também pelo viés do direito norte-americano, onde se trabalha com o tax avoidance e tax evasion. O tax avoidance é um conceito equivalente ao da elisão, e trata da hipótese em que um sujeito evita a realização da hipótese de incidência de determinado tributo quando deixa de praticar o ato previsto na lei tributária ou escolhe praticar ato que leve a resultados semelhantes e que não preveja consequências fiscais. O tax evasion, por outro lado, se iguala à definição já observada para a evasão, quando o contribuinte pratica o ato previsto na lei tributária e, posteriormente, visa evitar o pagamento do tributo devido. Como já observado, o planejamento tributário é entendido como elisão tributária, isto é, trata-se da economia de tributos feita de forma lícita, pois neste caso aquele que planeja age de acordo com a legislação para encontrar nela hipóteses para praticar seus negócios aproveitando-se da isenção, não incidência ou menor incidência tributária. No entanto, o operador do direito deve estar sempre atento a

7 linha que separa a elisão da evasão, que são institutos jurídicos muito semelhantes, em especial em razão das consequências que causam aos Estados modernos.2 Destaque-se que um planejamento tributário pode ser lícito em um país e não gozar necessariamente da legalidade em outro, pois certos países preveem em seus ordenamentos que ainda que o contribuinte tenha se utilizado de meios legais para atingir a sua economia de tributo, o ato poderá ser qualificado como fraude em virtude da frustração da lei tributária. Corroborando o já exposto, Gilberto de Ulhôa Canto (2006, p.131) ensina que a elisão se configura em um momento anterior à ocorrência do fato imponível, visando neste momento ajustar a ocorrência deste fato de acordo com os interesses do contribuinte, permitindo que seja efetuada a operação que para ele seja a mais econômica. De outro lado, segundo o mesmo autor, a evasão fiscal se define como a prática de atos ilegais que pretendem esconder a ocorrência de um fato imponível ou alterar a realidade frente à fiscalização. Portanto, esta só pode se apresentar em um momento posterior à ocorrência do fato imponível. Trata-se, na verdade, de infração tributária e penal, pois é ação praticada em desacordo com a legislação, visando esconder ou modificar perante o Fisco o fato imponível após a sua ocorrência. Como exemplos de evasão fiscal podem-se citar a sonegação e a fraude à fiscalização.

2.1.1

Os Limites da Elisão Fiscal

Segundo defendem alguns doutrinadores, a elisão fiscal poderá ser considerada ilícita, ainda que o indivíduo se valha de formas legais e autorizadas pelo direito privado. Isso pode se verificar quando o contribuinte recorrer a formas claramente inadequadas ou anormais para realizar determinado ato jurídico, havendo apenas a intenção de evadir a tributação que recai sobre o ato jurídico que efetivamente buscava. No entanto, o conceito de elisão ilícita ainda deve ser 2

Neste sentido, Huck (1997, p.34) afirma que: "Ambas as figuras, evasão e elisão, comungam da característica de serem técnicas de insubmissão ao comando da norma tributária. [...] Para fugir ao alcance da norma e do tributo que ela lhe impõe, o contribuinte pode escolher entre dois caminhos alternativos: ou desvia-se do campo da tributação, fugindo ao alcance da norma tributária, ou, já sujeito a sua incidência, utiliza-se de meios ilícitos para impedir, reduzir ou retardar o recolhimento do imposto devido, pela descaracterização do fato gerador ou pela redução da base de cálculo do tributo."

8 considerado distinto do de evasão, onde sempre existirá ilegalidade ou fraude (HUCK, 1997, p.39-40). Para José Bocchiardo (1994, p.39 apud HUCK, 1997, p.38), a elisão ilegítima consiste na utilização abusiva de formas jurídicas como meio ardil ou enganoso, já que estranhas e inadequadas em relação ao ato que se deseja praticar, apenas com o objetivo de enganar o Fisco, permitindo a subtração de um pagamento de um imposto legalmente devido. Já a elisão legítima, para este autor, consiste na não ocorrência do fato imponível por simples abstenção do ato ou em razão da utilização de formas jurídicas que, ainda que sejam alternativas, não são evidentemente fictícias ou simuladas. Tratando do tema como elusão fiscal, Uckmar (2012, p.93) defende que este fenômeno não sugere uma violação direta a preceito normativo, mas é o contorno deste preceito, de maneira que os princípios da igualdade e da capacidade contributiva podem impor o retorno à situação que teria ocorrido caso não houvesse o contorno. Ricardo Lobos Torres (2001, p.239) ensina que, "A jurisprudência dos valores e o pós-positivismo aceitam o planejamento fiscal como forma de economizar imposto, desde que não haja abuso de direito. Só a elisão abusiva ou o planejamento inconsistente se toram ilícitos". Esta caracterização da elisão como ilícita está ligada, principalmente no direito nacional, à proteção dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, que seriam violados por meio destas condutas elisivas de alguns contribuintes, isto é, o sujeito que se aproveita de um planejamento fiscal estaria sendo submetido a um tratamento fiscal diferenciado daquele aplicado aos contribuintes que adotarem as formas regulares de negócios, conforme estabelecido na lei tributária, que acabarão devendo o tributo integralmente. No caso da elisão internacional, parte-se do pressuposto de que os negócios planejados pelo contribuinte estarão sujeitos a mais de um ordenamento jurídico, de modo que o contribuinte organizará seus negócios a partir da identificação do ordenamento que se apresente mais favorável aos seus objetivos, agindo em conformidade com a autonomia da vontade para escolher o elemento de conexão que norteará a tributação das operações por ele visadas. Diante desta escolha do elemento de conexão por parte do contribuinte, conforme já assinalado, é possível conceituar a elisão fiscal internacional entre subjetiva

9 ou objetiva: subjetiva, quando o elemento de conexão escolhido for subjetivo, por exemplo, a nacionalidade, residência ou o domicílio; e objetiva, no caso de escolha do elemento de conexão objetivo, como o local da fonte de pagamentos ou do exercício da atividade (HUCK, 1997, p.235). Ainda, é importante destacar que a elisão internacional também está sujeita a limites de licitude, os quais são impostos por princípios clássicos do direito internacional, não atendendo ao princípio da legalidade o planejamento fiscal que se apoie na simulação (divergência entre a vontade real e a declarada no ato), fraude (violação efetiva de norma jurídica) ou abuso de direito (exercício de direito pessoal causando um dano). Ademais, somam-se a estes limites aqueles impostos pelas legislações nacionais e acordos internacionais firmados entre as nações, que determinarão até que ponto a organização dos negócios de um sujeito estará dentro da esfera legal do exercício da liberdade negocial.

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O TREATY SHOPPING

O termo Treaty Shopping surgiu nos Estados Unidos e teve sua origem ligada à expressão forum shopping (ALESSI, 2003, p.2), que ocorre quando uma das partes envolvidas em um processo judicial opta por levar a sua causa para julgamento em uma jurisdição onde acredita que a decisão lhe será mais favorável. Essa expressão tem sido compreendida como o planejamento tributário feito por terceiros que não estão incluídos dentre os beneficiários de acordos internacionais contra a bitributação, os quais se utilizam de manobras para estruturar seus negócios para passarem a gozar dos benefícios destes tratados (SCHOUERI, 1995, p.20-21). Estes tratados estabelecem concessões recíprocas entre os Estados contratantes, que aproveitam aos seus residentes, não prevendo a sua utilização por residentes de Estados não signatários. Assim, no Treaty Shopping, o contribuinte que não poderia se aproveitar de um acordo utiliza um terceiro que seja beneficiário, colocando-o perante a fonte do rendimento, de modo a gozar dos benefícios fiscais contidos no tratado (SCHOUERI, 1995, p.20-21).

10 Similar ao forum shopping, o Treaty Shopping seria, portanto, a busca pelo contribuinte de benefícios fiscais que existam em determinado tratado contra a pluritributação, de modo que para poder se aproveitar destas vantagens deve interpor um terceiro na relação tributária. Esse terceiro interposto na relação tributária, que deve ser beneficiário do acordo, pode ser tanto uma pessoa física quanto uma pessoa jurídica, sendo mais comum a interposição de sociedade, podendo, inclusive, ser a filial do próprio investidor.3 Para Heleno Tôrres (2001, p.321), o planejamento tributário internacional denominado Treaty Shopping pode ser traduzido como "busca da melhor convenção internacional":

[...] o treaty shopping consiste no ato planejado de selecionar, dentre os tratados contra a dupla tributação internacional existentes, o que melhor convier para efeito de uma dada operação que deva ser praticada com algum residente de um outro país com o qual o seu (de residência) não possua um acordo semelhante (ou que possua, mas com condições menos favoráveis), mediante a interposição de uma pessoa jurídica ou entidade qualificável como "residente" em um dos Estados signatários, para obter as respectivas vantagens que as cláusulas da convenção possam lhe oferecer. (TÔRRES, 2001, p. 324-325)

Ainda, Schoueri (1995, p.21) defende que o Treaty Shopping só ocorre se a ação do contribuinte for movida pelo desejo de reduzir a carga fiscal que recai sobre as suas operações. Nas suas palavras: "o Treaty Shopping exige que não haja outra explicação para a interposição de terceiro beneficiário do acordo, senão a obtenção das vantagens oriundas deste". Neste mesmo sentido é o entendimento de Tôrres (2001, p.329), que inclui "a busca planejada da melhor convenção, visando a um resultado fiscalmente mais favorável para a operação" como um dos elementos característicos da prática. É importante destaca que o Treaty Shopping é apenas o planejamento fiscal colocado em prática por meio da utilização de tratados internacionais contra a

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Schoueri (1995, p.27) define quem será este terceiro interposto: "Será a pessoa física ou jurídica (ou, mesmo, o estabelecimento permanente) que será colocado entre o Investidor e a fonte pagadora dos rendimentos. Será o Terceiro Interposto quem receberá os rendimentos pagos pela última e os repassará ao Investidor. [...] O Terceiro Interposto é, nos termos de um acordo de bitributação, beneficiário de vantagens tributárias quando da remessa de recursos pela fonte pagadora."

11 pluritributação, estando afastado do seu conceito o aproveitamento de outras estruturas, como a simulação (SCHOUERI, 1995, p.22). Desta forma, o Treaty Shopping pode ser conceituado da seguinte maneira:

[...] o Treaty Shopping ocorre quando, com a finalidade de obter benefícios de um acordo de bitributação, um contribuinte que, de início, não estaria incluído entre seus beneficiários, estrutura seus negócios, interpondo, entre si e a fonte do rendimento, uma pessoa ou um estabelecimento permanente, que faz jus àqueles benefícios. (SHOUERI, 1995, p.21)

Assim, tem-se no Treaty Shopping um exemplo de elisão fiscal subjetiva, vez que tal manobra decorre da manipulação, por parte do contribuinte, de elementos de conexão subjetivos, já que neste caso estrutura seus negócios por meio da inserção de um terceiro que terá como residência ou domicílio um dos países signatários do acordo de bitributação. No entanto, referida expressão tem sido utilizada também de maneira pejorativa, havendo muitas vezes a aplicação do termo Treaty Shopping como sinônimo do treaty abuse, que seria o uso dos acordos internacionais de forma abusiva, quando os resultados da prática são contrários às disposições do acordo. Outros tendem a assimilar o Treaty Shopping aos paraísos fiscais, porém o Treaty Shopping pode envolver a interposição de um terceiro até mesmo em um território que possua alta tributação, pois retira o seu resultado dos tratados internacionais, e não das regras fiscais internas dos países envolvidos na prática. Tôrres (2001, p.322) trata também da distinção entre Treaty Shopping e rule shopping, que se resume na utilização de determinado tratado de bitributação por alguém que se inclui dentre seus beneficiários e deseja "ajustar-se a regras mais favoráveis ou construir 'vácuos' de tributação, afastando a incidência de ambos os sistemas tributários". Guttentag (1984, p.3-10 apud SCHOUERI, 1995, p.23) defende que ao se tratar destes termos de maneira pejorativa torna-se mais difícil examiná-los, pois já se parte do pressuposto de que houve abuso ou fraude, preferindo uma denominação mais completa para o Treaty Shopping:

12 [...] entende que se deve utilizar uma expressão mais longa, mas que lhe parece mais neutra. Teríamos, pois: "até que ponto os não residentes de um país signatário de um acordo podem e deveriam ser autorizados a beneficiar-se de acordos de bitributação daquele país" (the extent to which non-residents of a treaty country can and should be benefit from the tax treaty of that country). (SCHOUERI, 1995, p.23)

Todavia, ainda que remeta a uma perspectiva pejorativa, é o termo Treaty Shopping que está consagrado na doutrina internacional e em publicações oficiais. Diante do conceito atualmente aplicado ao termo Treaty Shopping, faz-se mister compreender de que formas tal prática ocorre, ou seja, quais as estruturas utilizadas pelos contribuintes para introduzir o terceiro interposto na sua relação com a fonte pagadora, passando a fazer uso dos acordos de bitributação que antes não lhe eram proveitosos. São, portanto, duas as formas mais utilizadas: conduit companies e stepping stone companies, as quais envolvem pessoas localizadas em três países diferentes. Ainda, alguns autores defendem a figura do same country holding structure e da "colocação de filial", que envolvem sujeitos situados em apenas dois países diferente.

3.1

CONDUIT COMPANIES

As "empresas canais", ou conduit companies, consistem em uma prática de canalização de recursos por meio da interposição de uma sociedade como terceira beneficiária em uma operação de transmissão de dividendos, interesses ou royalties entre a fonte pagadora de um Estado que possui o acordo internacional e o residente de outro Estado que não está abrangido pelo tratado. Um exemplo dessa estrutura, segundo o exame de Alessi (2003, p.4) sobre a descrição do fenômeno dada pelo Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE, pode ser a existência de uma sociedade sediada no País X que receba dividendos de uma outra sociedade sediada no País Y, onde as operações entre os Países X e Y estão isentas de impostos em virtude de um tratado internacional firmado entre estas nações. No caso do proprietário da empresa situada em X ser residente de um terceiro país, o País Z, ele não estaria abrangido pelo tratado de X e Y, mas ao criar a sociedade em um destes países ele poderá então gozar dos benefícios concedidos

13 pelo acordo. Então, neste caso, tem-se que a sociedade situada no País X foi criada apenas para canalizar os dividendos que o sujeito do País Z gostaria de receber da fonte localizada no País Y de forma menos onerosa. Semelhante é a explicação de Schoueri (1995, p. 24) sobre o tema, que faz uso do Relatório do Grupo de Experts em Cooperação Internacional em Matéria Fiscal da ONU, segundo o qual:

O acordo de bitributação assinado entre o País A e o País B prevê a obrigação de o País A isentar do imposto os dividendos pagos por empresas ali sediadas a acionistas residentes no País B. O País C não possui acordo de bitributação em vigor com o País A nem com o País B. Entretanto, uma empresa situada, sediada no País C detém a totalidade das ações de uma empresa localizada no País A. A fim de se valer dos benefícios decorrentes do acordo assinado entre A e B, a empresa localizada no País C transfere a totalidade das ações que possui da empresa localizada no País A para uma subsidiária integral, que é constituída no País B. Esta subsidiária integral localizada no País B, por sua vez, está isenta, de acordo com as leis do País B, do imposto sobre os dividendos recebidos de uma subsidiária integral. Deste modo, os frutos do investimento efetuado pela empresa situada no País C são transferidos para a empresa situada no País B, onde podem ser acumulados pela controladora (ou reinvestidos em outros países, ou "emprestados" à própria controladora). (Departamento de Economia Internacional e Assuntos Sociais da ONU, 1988 apud SCHOUERI, 1995, p.24)

Ademais, segundo Schoueri (1995, p.25), é importante identificar que no caso das conduit companies o terceiro interposto para a canalização dos rendimentos não se encontra sujeito à tributação em seu país sede.

3.2

STEPPING STONE COMPANIES

Essa estrutura foi apelida de "empresas trampolim" e se diferencia da anterior porque ao contrário das "empresas canais", o terceiro interposto nessa operação encontra-se sujeito à tributação de seu país sede, de forma que o contribuinte deseja diminuir o lucro tributável, o que faz por meio da transmissão dos benefícios retirados do acordo internacional a título de despesas (SCHOUERI, 1995, p. 25).

14 Portanto, para que essa prática seja vantajosa é necessário que a sociedade interposta não esteja sujeita à uma carga tributária muito alta em seu país sede. Como exemplo desta estrutura, tem-se que:

Nos termos do acordo de bitributação assinado entre o País A e o País B, os juros oriundos do primeiro e pagos a residentes do País B são isentos. O País C não possui acordo em vigor com A ou com B. A fim de se valer dos benefícios do acordo, uma empresa localizada no País C transfere à sua subsidiária, no País B, o crédito decorrente de empréstimo efetuado a uma empresa localizada no País A. Em decorrência da transferência do crédito, a subsidiária localizada no País B passa a ser credora da empresa situada em A e, ao mesmo tempo, devedora daquela sediada no País C. Em princípio, a empresa localizada no País B estaria sujeita à tributação, em sua sede, sobre os rendimentos de juros recebidos do exterior. No entanto, tal tributação não se aplica, já que o seu rendimento é anulado pelos juros pagos à empresa localizada no País C, que lhe transferira os créditos. O País B não tributa, na fonte, os juros pagos ao exterior e o País C não tributa os juros recebidos do exterior. A empresa localizada no País C usa, pois, o acordo celebrado entre A e B como um "trampolim" para receber os juros devidos pela empresa localizada no País B, sem tributação. (Departamento de Economia Internacional e Assuntos Sociais da ONU, 1988 apud SCHOUERI, 1995, p.24-5)

Alessi (2003, p.5) elenca algumas qualidades que entende que devem estar presentes nesse país onde se "compra" o tratado: uma boa rede de convênios internacionais, um tratamento especial aos pagamentos e cobranças vindos do exterior, um sólido sistema financeiro e bancário, estabilidade política e tradição na prestação de serviços de intermediação. Essas são qualidades frequentemente encontradas nos chamados "paraísos fiscais", no entanto, não é apenas nestes países que se consegue obter vantagens fiscais, podendo ser atingido resultado semelhante com a utilização de um terceiro interposto sediado em Estados que possuam regimes fiscais normais.

3.3

SAME COUNTRY HOLDING STRUCTURE

Luís Eduardo Schoueri (1995, p.25) aponta também a existência das estruturas bilaterais de Treaty Shopping. Um dos casos possíveis é a criação de

15 uma estrutura de "holding" para permitir a aplicação de um acordo internacional de bitributação a determinadas operações. Neste caso há a criação de uma empresa de participações no país em que está situado o beneficiário final do rendimento ou onde serão realizados os investimentos finais, para, entre sociedades, fazer uso de privilégios concedidos pela lei local, além de aproveitar um tratado internacional que envolva o país onde se encontra a fonte dos rendimentos e o país onde está localizado o beneficiário destes. Segundo Schoueri (1995, p.25-26), essa estrutura bilateral pode ocorrer da seguinte maneira:

Supõe-se o caso de uma empresa, sediada no País A, que possui uma participação minoritária em outra empresa, sediada no País B. Entre A e B vigora um acordo de bitributação, que isenta os dividendos remetidos de B para A, desde que a beneficiária dos rendimentos possua uma participação substancial no capital daquela que os distribui. De acordo com a legislação do País B, os dividendos pagos por uma empresa a outra pessoa jurídica, localizada no mesmo País, estão isentos de tributação. Deste modo, a empresa investidora minoritária, localizada em A, constitui, no País B, uma subsidiária integral, a quem são transferidas as suas ações do capital daquela que pagará os dividendos. Quando da efetiva distribuição, os dividendos são pagos a uma empresa localizada no próprio País B que, por sua vez, sendo subsidiária integral daquela localizada no País A, beneficiase do acordo, quando da remessa dos lucros assim auferidos.

Logo, destaca-se nessa prática, além do aproveitamento de tratados internacionais, uma aplicação de normas societárias locais que permitam auferir vantagens na distribuição de rendimentos entre sociedades do mesmo Estado. Não é outro o entendimento de Verónica Alessi (2003, p.6): "no es más que el esfuerzo de una sociedad extranjera de hacer uso de un privilegio entre sociedades concedido por las leyes locales".

3.4

QUINTETO

Por fim, admite-se a estrutura do "quinteto", que também envolve apenas dois Estados, sendo novamente uma forma bilateral de Treaty Shopping. Tal situação é

16 característica da Alemanha, em razão da forma que este país tem firmado alguns de seus tratados internacionais. Estes acordos firmados pela Alemanha possuem, em geral, disposições que permitem o benefício da isenção quando existirem dividendos distribuídos por empresas alemãs a sociedades estrangeiras que possuam menos de 25% de participação na empresa alemã que distribui o rendimento. Deste modo, a solução encontrada pelas sociedades estrangeiras que possuem 100% de participação em sociedades alemãs foi a criação de até cinco subsidiárias organizadas sob a lei de seu próprio país, cada uma com menos de 20% de participação acionária na sociedade alemã da qual se deseja receber os dividendos, de maneira a obter os benefícios do tratado (ALESSI, 2003, p.6; SCHOUERI, 1995, p.26). Diante deste cenário, Verónica Alessi (2003, p.6) demonstra que a tendência da Corte Alemã tem sido em não considerar que há abuso de tratado na utilização da estrutura do "quinteto". Finalmente, Schoueri (1995, p.26-27) defende também a utilização do termo "colocação de filial" para os casos em que possa ocorrer uma organização de negócios similar a do "quinteto", porém com a criação de filiais, sucursais ou estabelecimentos permanentes, que permitam a identificação do Treaty Shopping.

4

A VALIDADE DA PRÁTICA DO TREATY SHOPPING

Os tratados internacionais e, em especial, o Modelo OCDE não foram editados com o fim de facilitar a ocorrência da evasão ou elisão fiscal, mas permitir a exclusão da dupla tributação internacional de determinadas operações transnacionais. Portanto, discute-se com frequência qual a validade da utilização destes acordos para o planejamento tributário quando o contribuinte faz uso da figura do Treaty Shopping. A interposição de uma sociedade no território de um Estado signatário de um tratado fiscal que possua benefícios que estejam sendo visados por um sujeito que não é beneficiário do acordo, segundo Alberto Xavier (2004, p.347-354), é um exemplo de elisão fiscal subjetiva, pois envolve a manipulação do critério de conexão subjetivo – residência ou domicílio do sujeito passivo. Tal operação é

17 caracterizada pelo autor como uso impróprio ou abuso das convenções, porém reconhece que seja difícil a comprovação da ocorrência de fraude, isto é, não é simples a prova da ausência de motivos para a transmissão da residência do sujeito passivo além da vontade de gozar de menor carga fiscal. Da mesma maneira, Sergio André Rocha (2012, p.220) trata do Treaty Shopping como uma forma de utilização ilegítima dos acordos internacionais, defendendo que tal prática se funda no uso impróprio de tratados contra a pluritributação por contribuintes que não possuem legitimidade para tanto:

A própria utilização das convenções pode se dar de forma ilegítima, sendo a principal forma de abuso o chamado treaty shopping, o uso impróprio do tratado, o qual, nas palavras de Rosembuj, "indica o uso de um convenio de dupla tributação por parte de uma pessoa jurídica, física ou sujeito de direito que, com propriedade, carece de legitimidade para fazê-lo". Na mesma linha, Luc de Broe afirma que o "treaty shopping refere-se a uma situação em que uma pessoa que não tem direito aos benefícios de um tratado tributário faz uso de outra pessoa (normalmente jurídica) para obter aqueles benefícios convencionais que não lhe estariam disponíveis diretamente".

Ao tratar do tema, Alessi (2003, p.1) expõe que o objetivo dos tratados internacionais em matéria tributária é beneficiar os residentes dos Estados contratantes e por isso não se estendem aos residentes de outros países, de modo que entende que o uso dos tratados por pessoas não compreendidas dentre seus beneficiários pode definir um abuso dos tratados tributários. Uckmar e Alessi definem duas formas de violação dos acordos internacionais, uma direta e outra indireta. Como exemplo da violação direta há o fornecimento de declarações falsas à autoridade fiscal com o intuito de diminuir a carga fiscal. Já no caso da violação indireta, que seria o Treaty Shopping, não se infringe uma disposição normativa, mas se fere o "espírito do tratado" (ALESSI, 2003, p.2) por meio da sua utilização por um não beneficiário que faz uso da figura do terceiro interposto:

A segunda hipótese de violação indireta do tratado, através do treaty shopping, consiste no uso do tratado por parte de um sujeito que não seria alcançado pelo respectivo âmbito de aplicação pessoal, mediante a configuração de uma transação comercial internacional que inclua para esse fim a participação de uma pessoa (física ou jurídica) residente num Estado contraente, de modo a gozar do tratamento preferencial previsto no

18 tratado a favor de pessoas (físicas ou jurídicas) residentes nesse Estado. (UCKMAR, 2012, p. 92)

Baseando-se em Figeroa, que entende ser um fator problemático o fato da elisão ser praticada por meio da aplicação de um tratado de forma contrária aos objetivos de sua redação, Verónica Alessi (2003, p.3) então conclui que o Treaty Shopping é um exemplo de simulação fraudulenta da lei, uma vez que consiste no uso de um acordo para uma situação jurídica que não deveria estar por ele acobertada. Uckmar (2012, p.92), por sua vez, defende que nos casos em que se observe a prática do Treaty Shopping as autoridades fiscais poderão negar a aplicação do tratado, pois ela não estaria sendo feita de acordo com os objetivos incluídos no próprio acordo. Já o entendimento de Tulio Rosembuj (1998, p. 69 apud TÔRRES, 2001, p. 328) é de que a interposição de uma sociedade por um não beneficiário de determinado tratado fiscal internacional, visando com essa manobra possibilitar a aferição de benefícios contidos no acordo, pressupõe uma simulação, pois ainda que se manifeste como real, a sociedade interposta em um dos Estados não possuirá os requisitos societários verificados em casos normais, de modo que não se tratará uma estrutura verdadeiramente real. De acordo com Heleno Tôrres (2001, p. 321), a utilização de tratados internacionais sobre a tributação por não-residentes dos países signatários é uma "forma de uso indevido das convenções internacionais em matéria tributária". No entanto, o próprio autor admite que o termo "uso indevido" é usado com "impropriedade", pois qualquer ilicitude só poderá ser identificada quando houver uma análise do tratamento que o ordenamento dos países signatários ou que o tratado utilizado conferem a essa prática:

[...] quando falamos em um "uso indevido" do "acordo escolhido", o fazemos com impropriedade, por ser algo indesejado pelos países signatários, que se sujeitaram naquele ato internacional a comprometer os seus sistemas fiscais (de receitas e despesas), em sentido meramente pragmático. [...] Seja como for, o conceito de treaty shopping, como planejamento tributário internacional de "escolha de melhor convenção internacional", esgota-se nessa opção. A partir daí, tudo o mais é problema de aplicação da convenção escolhida, e particularmente de controle sobre o uso indevido decorrente da

19 interposição de residência aparente. Por conseguinte, a "busca planejada da melhor convenção" poderá consistir numa ilicitude ou "uso indevido" das convenções, na medida em que se revelar como algo alheio às finalidades do tratado, implicando um uso que amplia os limites de aplicação do tratado a sujeitos alheios às relações jurídicas entre os países signatários. (TÔRRES, 2001, p. 328)

Assim, seguindo o entendimento de Tôrres (2001, p.346), a licitude do planejamento tributário efetuado por meio do Treaty Shopping dependerá do respeito pelos sujeitos envolvidos na operação aos limites estabelecidos pela legislação dos países envolvidos e pelo acordo internacional que esteja sendo aplicado. Portanto, é imprescindível que o sujeito que deseja fazer uso desta estrutura, além de estudar qual o melhor tratado fiscal internacional a ser utilizado, busque analisar quais as regras que os Estados envolvidos poderão aplicar frente à organização de negócios que ocorrerá por meio da interposição do terceiro beneficiário, identificando se tal estruturação de negócios poderá ser considerada como uma simulação e, assim, sofrer consequências jurídicas como a desqualificação dos negócios que venham a ser efetuados. Nesta mesma esteira, Rodrigo Rigo Pinheiro (2009, p. 144) conclui em artigo publicado sobre o tema que o conceito de Treaty Shopping é apenas de planejamento internacional centrado na escolha da melhor convenção internacional, sendo um ato legítimo. No entanto, quando a estrutura for colocada em prática e gerar efeitos e consequências jurídicas, a sua licitude poderá ser observada quando na ação do contribuinte puder ser identificado o respeito aos limites impostos pelas normas jurídicas dos países signatários e nas próprias convenções. Finalmente, conforme já exposto, Schoueri não associa a figura do Treaty Shopping à fraude ou simulação4, embora considere possível que países assimilem aos seus ordenamentos normas contra o "uso abusivo" dos tratados fiscais, além da inclusão de cláusulas limitativas dentro dos tratados. Neste sentido, o autor também contesta que a teoria do abuso de formas possa ser aplicada ao Treaty Shopping no

4

Segundo Schoueri (1995, p.86), "o Treaty Shopping, conforme descrito, não caracteriza a simulação, já que não há qualquer vício de vontade das partes. É certo que as partes são movidas por razões de índole fiscal, inexistindo outro fundamento para a estrutura jurídica escolhida. Entretanto, as partes assumem as conseqüências (econômicas e jurídicas) de sua escolha, descaracterizando-se a hipótese de simulação. Daí, pois, ser inaplicável a legislação referente à simulação, ao caso.

20 tocante ao direito brasileiro, isso pois considera que essa teoria uma espécie de analogia, inadmitida no direito tributário nacional. Portanto, segundo este autor, não há no direito interno brasileiro instrumento que impeça a prática do Treaty Shopping. Entretanto, quanto aos demais casos de elusão fiscal, entende que o ordenamento brasileiro pode repreender apenas as situações em que for observada fraude ou simulação, considerando, em geral, legítima a organização feita por meio do planejamento tributário (SHOUERI, 1995, p.176178). Assim, conclui-se que o Treaty Shopping, ainda que seja considerado por muitos como uma forma de aplicação indevida dos acordos de bitributação, por ser usado de uma maneira não prevista dentre os objetivos que levaram à criação dos tratados internacionais em matéria fiscal, não deve ser taxado genericamente como uma atividade ilícita. Tal adjetivo só lhe poderá ser atribuído após uma análise atenciosa das normas apresentadas pelos ordenamentos dos países envolvidos sobre o tema e de disposições que, eventualmente, possam estar no texto do acordo escolhido para ser aplicado. Para complementar este entendimento, Hermes Marcelo Huck (1997, p.249250) assinala que "não há consenso doutrinário ou jurisprudencial para uma avaliação do treaty shopping como sendo prática lícita e permitida ou procedimento abusivo e juridicamente inaceitável". O que se observa, no entanto, é um movimento dos Estados signatários de acordos de bitributação para coibir tal manobra por meio de elaboração de normas internas ou cláusulas nos acordos que impossibilitem o uso dos tratados por sujeitos não contemplados dentre os seus beneficiários originais.

4.1

A ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA EVITAR O TREATY SHOPPING

Perante a prática do Treaty Shopping, os países afetados por essa manobra buscam a criação de medidas que possam evitar a ocorrência deste fenômeno, para que seja possível "garantir a manutenção do regime tributário aplicável, como forma de preservação do princípio da isonomia entre contribuintes não-residentes, além da garantia à percepção dos créditos tributários" (TÔRRES, 2001, p.336). Deste modo,

21 foi buscando manter a normalidade da arrecadação fiscal e o comportamento isonômico de todos os contribuintes perante a norma tributária, que os países passaram a combater referida manobra elisiva. Neste sentido, tendo em vista que o Treaty Shopping consiste em uma técnica alheia aos objetivos para os quais os acordos fiscais internacionais foram editados, a própria OCDE, na elaboração da Convenção Modelo de 1992, sugeriu aos Estados membros alternativas para coibir este aproveitamento indevido dos tratados internacionais contra a bitributação, como a inserção de cláusulas específicas neste sentido dentro dos acordos ou regulamentações em sua legislação doméstica.

4.1.1

No Direito Interno

No direito interno, uma solução para o combate das práticas elisivas seria a incorporação de normas gerais antielisivas ou a criação de normas que façam referência direta ao Treaty Shopping, sobretudo nos ordenamentos dos países signatários de tais tipos de convenções internacionais contra a bitributação. Contrariamente, Schoueri (1995, p.70) entende que os tratados internacionais não podem ser interpretados por normas de direito interno, pois segundo ele, estão sujeitos às regras de interpretação de tratados internacionais em geral. Neste sentido, o autor ressalta que a Convenção de Viena expressamente determina que as partes de um acordo internacional não podem invocar direito interno como justificativa para deixar de cumprir obrigação decorrente da convenção assinada (SHOUERI, 1995, p. 87). Este também é o entendimento de Alberto Xavier (2004, p.419), para quem a aplicação de normas do direito interno perante os tratados internacionais fere o pacta sunt servandae que decorre destes convênios. Entretanto, é evidente a força do posicionamento contrário, sendo possível analisar que alguns Estados incorporaram tais normas aos seus ordenamentos, ainda que opostamente ao direito público internacional. Assim, nas palavras de Xavier (2004, p. 417), como reação à frustração da aplicação de suas normas tributárias em determinadas situações e, "convictos da impossibilidade

de

tipificar

legalmente

todos

os

comportamentos

elisivos

imagináveis, certos países tentaram elaborar ‘cláusulas gerais’ (de ordem legal ou

22 jurisprudencial) tão amplas que a todos abrangessem". Como exemplos de países que adotam este método o autor cita a Alemanha, Holanda, França, Austrália e o Canadá. Segundo Tôrres (2001, p.354),

Para tais países, quando uma transação é praticada com finalidade elusiva, é possível abstrair a forma jurídica da transação, desconsiderando o ato jurídico para os efeitos fiscais, ou negando-se o reconhecimento da entidade constituída para ober vantagem do tratado contra a dupla tributação. Esta teoria é aplicável na Argentina, Espanha, França, Itália, Alemanha e Portugal.

De outro lado, alguns países criaram normas internas específicas para proibir a utilização do Treaty Shopping. Segundo Alessi e Schoueri, este é o caso da Suíça5, que foi o primeiro país a fazê-lo, e também dos Estados Unidos6. Nesta mesma esteira, são várias as posturas que as nações podem adotar frente ao Treaty Shopping. Verónica Alessi (2003, p.12-13) explica que as jurisdições anglo-saxônicas fazem uso da teoria da substancia sobre a forma, buscando determinar se a operação é ou não uma operação com propósito comercial, ou se foi realizada meramente com a intenção de economia fiscal. De maneira similar, os países europeus, em sua maioria, abordam referida prática sob o princípio do abuso e buscam analisar na operação a ocorrência ou não deste abuso. Dessa forma, ambos os posicionamentos se baseiam essencialmente na análise das condutas das pessoas físicas ou jurídicas. 5

6

Para tanto, Verónica Alessi (2003, p.10) esclarece que: "En 1962 el Consejo Federal Suizo adoptó en su legislación interna normas que consisten en establecer la existencia del abuso de un tratado cuando una sociedad residente recibe una renta, beneficiada por el convenio de doble imposición, la cual transfiere, en parte sustancial, a un no residente que carece de legitimidad para acceder a tales ventajas." Neste caso, são normas estabelecidas dentro do Modelo de Convenção Norte Americano e também na legislação interna: "[...] en 1981, se publica un segundo Modelo de Convenio, el artículo 16 […] incluye una cláusula contra el treaty shopping que se extiende sobre personas físicas y todo tipo de ingresos. Este no fue el fin del tratamiento de este tema en la historia de Estados Unidos, por el contrario, introduce en 1986 una cláusula antiabuso en su ley nacional. […] a diferencia de lo que ocurre en la mayoría de los países, no existe un orden de prelación entre la ley interna y los tratados, sino que la última ley deroga a la anterior y los últimos convenios lo hacen con los precedentes. Pero la ley local puede modificar unilateralmente convenios preexistentes cuando se tornen inconsistentes con la nueva legislación. Según lo expuesto […], la ley interna de los Estados Unidos puede revocar un tratado o descartar su aplicación, no obstante el derecho internacional positivo vigente, según el cual una parte no puede invocar las disposiciones de su derecho interno como justificante de la no ejecución de un tratado (Convención de Viena, art.27)." (ALESSI, 2003, p.10-11).

23 No entanto, a própria OCDE recomenda que os Estados não afastem a aplicação ou revoguem, por via do seu direito interno e unilateralmente, as disposições dos acordos internacionais firmados, sendo preferível que o combate ao uso abusivo das convenções internacionais ocorra por meio da inserção de cláusulas dentro dos acordos em questão.

4.1.1.1 No Brasil

Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, norma que proíba diretamente o Treaty Shopping. Porém, alguns autores consideram que a norma geral antielisiva (art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional) seria aplicável em casos nos quais fossem identificados abusos na utilização dos tratados internacionais. Segundo Rodrigo Pinheiro (2009, p.149), partindo do pressuposto de que o planejamento tributário é lícito, tal dispositivo legal não poderia ser aplicado ao caso do Treaty Shopping, pois necessita que haja uma dissimulação, ou seja, um ato ilícito, não apenas o prejuízo na arrecadação fiscal. Assim, não cabe à autoridade fiscal desconsiderar atos e negócios jurídicos apenas porque o contribuinte optou por uma via mais econômica do ponto de vista tributário. Ademais, ressalta que esta norma não tem alcance extraterritorial, de maneira que não poderia desconsiderar negócios jurídicos realizados em outros países. Portanto, para Pinheiro (2009, p. 149), o direito interno não possui força para desautorizar cláusula de um acordo,

Salvo quando este, expressamente, contiver um dispositivo autorizando a hipótese, porque, quando não houver regra expressa e contrário, o princípio pacta sunt servanda deve ser respeitado, de modo a atribuir as vantagens do acordo mesmo a terceiros interpostos sem finalidade negocial.

Entretanto, é evidente que os legisladores nacionais e as autoridades fiscais vem buscando maneiras de desconsiderar as operações efetivadas por meio do planejamento tributário, inclusive da figura do Treaty Shopping. Porém, a repressão de tais práticas acaba esbarrando na falta de uma norma antielisiva eficaz.

24 4.1.2

Por Meio Dos Tratados Internacionais

Ainda, como forma de coibir o Treaty Shopping, os próprios tratados internacionais contra a bitributação poderão conter a chamada "cláusula antiabuso". Em 2003 os Comentários ao Modelo OCDE incluíram expressamente dentro dos seus objetivos o combate à elisão e à evasão fiscal, mais especificamente quanto a elisão praticada por meio do uso destes tratados. Todavia, não estabeleceram cláusulas fixas dentro do Modelo, pois entendem que tais práticas abusivas também podem ser restringidas pelo direito doméstico e por normas gerais de combate à elisão tributária. Uma tendência nas convenções internacionais é o pacto de troca de informações entre os Estados signatários, garantindo maior efetividade à fiscalização, principalmente em casos de elisão fiscal internacional. Ademais, as convenções, por escolha de seus signatários, poderão trazer cláusulas para limitar os benefícios dos tratados à algumas pessoas, as chamadas limitation on benefits clauses (UCKMAR, 2012, p.93). Segundo Schoueri (1995, p.140-141), essa é a forma mais eficaz para o combate ao Treaty Shopping, em razão da ausência de dúvidas quanto à aplicabilidade das medidas adotadas. Nesta mesma linha, a doutrina trata das hipóteses de contenção do Treaty Shopping pelas convenções internacionais por meio da elaboração de cláusulas de abstinência, exclusão, transparência, sujeição efetiva ao imposto, de trânsito ou de boa-fé. A cláusula de abstinência, conforme ensina Alessi (2003, p.6-9), se refere ao fato de um país não concluir acordos tributários com países que constituam paraísos fiscais ou que possam dar sede às chamadas "sociedades condutoras", como observado, por exemplo, na Austrália, França e Estados Unidos. Já cláusula de exclusão prevê a não concessão (exclusão) de todos ou alguns benefícios do convênio às empresas residentes em um dos Estados contratantes que já gozem de um regime fiscal privilegiado. Segundo Alessi (2003, p.6-9), um exemplo desta prática é o tratado entre Espanha e Luxemburgo que exclui a aplicação do convênio internacional quanto às sociedades holding, assim definidas pela lei de Luxemburgo. Ainda, Schoueri (1995, p.141-151) indica que o Brasil já incluiu cláusula similar em tratado com Luxemburgo, firmado em 1978.

25 Heleno Tôrres (2001, p. 367) aponta que estas cláusulas de exclusão não combatem apenas ao Treaty Shopping, mas também se prestam à redução das dificuldades de negociações com territórios chamados de "paraísos fiscais" ou a evitar o excesso de benefícios concedidos a certas empresas. De maneira semelhante, a cláusula de transparência ou de "tratamento minucioso" (SCHOUERI, 1995, p.141), ou look-through approach, determina que os benefícios do tratado sejam concedidos apenas às empresas cujos donos ou acionistas sejam residentes de um dos países contratantes, não bastando que somente a sociedade seja residente de um deles. Neste caso, Alessi (2003, p.6-9) defende que uma maneira mais eficiente de aplicação da cláusula seria pela consideração da residência da pessoa que recebe os dividendos finais, e não dos acionistas nominais, de modo que a fiscalização deve "olhar através do véu societário" para conseguir identificar por meio do critério de residência quais acionistas seriam beneficiários do tratado. Essa cláusula foi adotada pela Dinamarca, França, Itália, Estados Unidos e outros países. Entretanto, Schoueri (1995, p.141-143) ressalta que a cláusula de transparência não seria efetiva no combate ao Treaty Shopping na modalidade "trampolim", e também nos casos em que o investidor e o terceiro interposto estiverem situados no mesmo país ou quando houver a colocação de filial. Já no caso da cláusula de sujeição efetiva ao imposto, o benefício contido no tratado poderá ser aproveitado com a condição de que as receitas provenientes de um Estado estejam sujeitas à tributação no outro7, evitando que uma sociedade esteja livre da imposição tributária de ambos os Estados:

Essa proposta de cláusula para as convenções permite limitar os benefícios do acordo aos ganhos que não estejam submetidos à tributação no outro país signatário, visando a exclusão dos benefícios do tratado às sociedades cuja renda derivada de um Estado não sejam tributadas no outro Estado, evitando a formação de um "vácuo fiscal" e assegurando que a eliminação de dupla tributação não se converta numa dupla isenção em ambos os Estados. (TÔRRES, 2001, p. 367) 7

Neste sentido, Alessi (2003, p.8) cita o seguinte exemplo: "Un buen ejemplo de la aplicación de esta cláusula se encuentra en los tratados que Bélgica, Francia, Alemania e Italia han concluido con Suiza. En estos, una sociedad residente en Suiza en la que no residentes de este país tienen un interés sustancial, sólo pueden reclamar los beneficios del tratado sobre intereses, royalties y ganancias de capital provenientes del otro Estado contratante, si estos intereses, royalties o ganancias de capital están sujetas a impuesto, en el lugar donde está establecida la sociedad, bajo iguales o similares condiciones."

26 Tal política de prevenção ao abuso dos tratados é aplicada em países como a Áustria, França, Alemanha e Espanha. As cláusulas de trânsito, ou channel approach, são específicas para o combate das estruturas de "empresas trampolim" do Treaty Shopping, pois negam os benefícios do convênio aos dividendos, interesses e royalties se algum porcentual desse ingresso for utilizado para o pagamento de despesas para pessoas ou empresas não residentes em um dos Estados contratantes. Nessa linha, Chipre e Dinamarca firmaram tratados com os Estados Unidos. Luís Eduardo Shoueri (1995, p.149) ressalta que as cláusulas de trânsito, por ele denominadas de canalização de recursos, devem ser acompanhadas de uma cláusula de "salvaguarda", pois as disposições em tratados que limitem benefícios devem atentar para não afetarem também operações legítimas, isto é, aquelas efetuadas de boa-fé, que se assemelhem ao tipo genericamente definido na cláusula anti-abuso. Assim, no tocante às cláusulas de boa-fé, Verónica Alessi (2003, p.9) explica que elas são inseridas nos tratados no sentido de que as soluções descritas para o combate do Treaty Shopping devem se restringir a casos específicos, de modo que deve ser garantido o gozo dos tratados internacionais nos casos em que as operações tiverem sido realizadas de boa-fé. Para tanto, relata que o Modelo OCDE fornece exemplos destas cláusulas, que podem estar baseadas na análise do propósito negocial das operações, do local da realização destas operações, da quantia do imposto economizado etc. Heleno Tôrres (2001, p.370) trata destas mesmas cláusulas como cláusulas de atenuação, que são editadas com o objetivo de "não penalizar situações criadas de boa-fé", principalmente quando for observado as operações em análise estavam motivadas por razões econômicas substanciais, e não para obter as vantagens fiscais trazidas nos tratados. Outros Estados podem preferir incluir em seus tratados uma cláusula geral antielisiva, a exemplo do que ocorre nos tratados Brasil-Israel de 2002 e AlemanhaCanadá de 2001 (UCKMAR, 2012, p. 93). Finalmente, é importante fazer referência à sugestão do Modelo OCDE de que os países signatários definam nos tratados os conceitos de "beneficiário efetivo"8,

8

Segundo Heleno Taveira Tôrrres (2001, p.374), "beneficiário efetivo é expressão que se usa para designar o autêntico sujeito titular do rendimento.".

27 para o fim de determinar quais sujeitos e sociedades serão considerados aptos a gozarem dos benefícios contratados. Neste sentido, Tôrres (2001, p.356-357) relata que algumas convenções brasileiras passaram a adotar, a partir de 1997, o combate ao uso indevido destes acordos, isso ao exigir que a pessoa residente em um dos países contratantes, receptora dos dividendos, fosse o "beneficiário efetivo", de maneira a recusar os benefícios do tratado para o residente de um dos Estados, receptor dos dividendos, que fosse um mero intermediário.

5

CONCLUSÃO

É evidente que a vontade de economizar tributos está presente nas mais diversas nações do mundo e independe do nível cultural ou financeiro da população de qualquer país. Duas são as formas aplicadas pelos sujeitos para fugir, reduzir ou anular as consequências fiscais de seus negócios: a evasão e a elisão fiscal que, em síntese, se diferenciam pela legalidade da conduta e a sua anterioridade em relação à ocorrência do fato imponível. De um lado, a evasão é ilícita e aplicada, em geral, em momento posterior a ocorrência do fato imponível. De outro, a elisão se divide em lícita e ilícita, contemplando a hipótese de planejamento tributário, que acontece antes da ocorrência do fato imponível, quando o contribuinte estuda qual é a via legal mais econômica do ponto de vista fiscal de organizar seus negócios. Criou-se na doutrina a separação entre os conceitos da elisão lícita, quando o contribuinte utilizar das formas jurídicas colocadas à sua disposição para realizar atos ou negócios jurídicos que estejam de acordo com a forma adota e com a realidade econômica da operação que visava colocar em prática, e da elisão ilícita, quando o indivíduo também se aproveitar de formas legais e autorizadas pelo direito privado, mas que sejam claramente inadequadas ou anormais para realizar determinado ato jurídico, havendo apenas a intenção de evadir a tributação que recai sobre o ato jurídico que efetivamente buscava.

28 Observando e sendo afetados por essa tendência, alguns Estados passaram a buscar alternativas para coibir referidas práticas, de maneira a garantir o abastecimento de seus cofres públicos e a manutenção de suas estruturas estatais. No caso do combate à elisão, o argumento mais frequente é de que o planejamento tributário fere os princípios da isonomia e da capacidade contributiva, que seriam violados por meio das condutas elisivas, considerando-se que o sujeito que se aproveita de um planejamento fiscal se submeteria a um tratamento fiscal diferenciado daquele aplicado aos contribuintes que adotarem as formas regulares de negócios, conforme estabelecido na lei tributária, que acabarão devendo o tributo integralmente. Assim, de um lado o Estado busca efetivar a cobrança dos tributos e de outro os contribuintes articulam maneiras de reduzir as consequências tributárias de suas operações, argumentando que agem dentro da esfera de liberdade que lhes é concedida pelo Estado democrático de direito. Consequentemente, no tocante ao planejamento tributário internacional e, mais especificamente, ao Treaty Shopping, duas correntes se formaram: a daqueles que defendem tal prática sob a ótica da liberdade negocial que possuem os sujeitos; e, a daqueles que conceituam o fenômeno como abuso, defendendo a adoção de medidas tanto no direito interno quanto nos próprios acordos internacionais para coibirem a sua utilização abusiva. Desta maneira, cada Estado integra ao seu ordenamento jurídico o posicionamento que melhor lhe convir, tratando-se mais de uma decisão política do que jurídica, podendo optar não inserir em sua legislação interna qualquer norma que proíba a elisão, ou adotando normas gerais antielisivas ou específicas para o combate ao Treaty Shopping. Ademais, os Estados, ao assinar os tratados internacionais contra a bitributação, podem incluir as chamadas "cláusulas anti-abuso". Ao final, a licitude do planejamento tributário elaborado por meio da escolha da melhor convenção internacional contra a bitributação – o Treaty Shopping, dependerá da postura firmada por cada ordenamento jurídico envolvido na estruturação dos negócios do contribuinte que faz uso dessa estrutura, de maneira que podem ser tanto lícitas – quando a conduta não for sancionada por qualquer disposição legal – ou ilícitas – quando houver alguma norma de direito interno e/ou no próprio tratado que não permita o uso de tal estrutura ou que exija a observação de determinadas situações, como a presença de um propósito negocial somado ao objetivo de economia tributária.

29 REFERÊNCIAS

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30 TORRES, Ricardo Lobo. A chamada interpretação econômica do direito tributário", a lei complementar 104 e os limites atuais do planejamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O planejamento tributário e a lei complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001. p.233-244. UCKMAR, Victor et al. Manual de direito tributário internacional. 1.a parte com Tradução de Marco Aurélio Greco e Milene Cavalcante Greco. São Paulo: Dialética, 2012. XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001. _____. Direito tributário internacional do Brasil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

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