A VALORAÇÃO DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS COMO MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA. UMA RELAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

May 19, 2017 | Autor: Rodrigues Anderson | Categoria: Direito Penal, Direito Processo Penal, Audiência De Custódia
Share Embed


Descrição do Produto

Faculdade CNEC Ilha do Governador

TeRCi

Artigo Científico

A VALORAÇÃO DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS COMO MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA. UMA RELAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS The valuation of wiretapping as proof of obtaining media. A relationship between fundamental rights Anderson Rocha Rodrigues Mestrando em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis, UCP. Brasil [email protected]

Paulo Eduardo Elias Bernacchi Mestrando em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis, UCP. Brasil Advogado [email protected]

Simone Caldara Motta Wieselthaler Mestranda em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis, UCP. Brasil Advogada [email protected]

Resumo: Este trabalho não pretende esgotar o tema escolhido, nem dar a profundidade necessária ao tema, mas seu objetivo principal é agregar ponderações acerca da valoração da prova obtida através de escutas telefônicas. Para isto, apresenta-se o histórico, conceito de prova e harmonia com o ordenamento constitucional. Em seguida o enfretamento da questão pelos Tribunais com ênfase na efetivação de direitos fundamentais, não descuidando da potencial vastidão argumentativa que o tema permite explorar. Palavras-chave: Poder judiciário; Escutas telefônicas; Valoração da prova. Abstract: This work does not intend to exhaust the chosen subject, nor give the necessary depth, sine its main objective to add weights on the assessment of the evidence obtained through wiretaps. For this, it presents the history, proof of concept and harmony with the constitutional order. Then the coping of the matter by the courts emphasizing the realization of fundamental rights, not neglecting the potential argumentative vastness that lets you explore the theme Keywords: Judicial power; Wiretapping; Evaluation of evidence.

TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Anderson Rocha Rodrigues; Paulo Eduardo Elias Bernacchi; Simone Caldara Motta Wieselthaler ISSN 2317-7764

1. Introdução A violência, apesar de estar bastante exacerbada no momento atual, sempre existiu. O conflito faz parte da natureza humana ao longo dos anos e a sociedade sempre buscou diferentes meios para resolvê-los, desde a criação da investigação e a penalização dos culpados. O homem possuía uma visão muito limitada da vida social e lidava com um conceito de delito ligado à ideia de ofensa a alguma divindade, uma ideia mística e com a desobediência, inevitável às manifestações divinas para exigir reparação do dano causado, através da utilização das ordálias1. Nas sociedades primitivas, quando da ocorrência de um crime, ocorria de imediato a reação do grupo social que agia de forma desproporcional na aplicação da penalidade contra o ofensor. Com a evolução social surgem outras formas de penalização do ofensor e, em um avanço na história do direito penal, por reduzir a abrangência da ação punitiva de outrora, surge a lei de talião adotada no Código de Hamurábi e na Lei das XII Tábuas e a ideia de composição adotada pelo Pentateuco e pelo Código Manú 2. Num saldo no relato do direito penal e com foco nos objetivos do presente estudo, quando o Estado aparece consolidado com seu imperium, é que a lei propriamente estabelece a prova. Com a evolução da liberdade dos povos nos regimes políticos, este sistema tornou-se superado pela prova livre, que a priori, se afigurava mais adequada às novas concepções filosóficas. A melhor opção hoje parece ser a liberdade probatória, delimitada pelas mencionadas diretrizes. O Estado, assim, deve restringir, limitar, proibir ou impedir a utilização de determinados meios de prova, ou o seu uso em relação a certos fatos. Tudo em prol da defesa dos valores sociais, dentre os quais avultam a liberdade e a intimidade. O termo prova nas palavras do lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2014. p. 461), significa “aquilo que atesta a veracidade ou a autenticidade de alguma coisa; demonstração evidente”. No giro necessário de aplicação ao campo jurídico, prova é o meio 1

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 18 ed. p. 327. Ao longo de toda a sua história, o Direito defrontou-se com o tema da construção da verdade, experimentando diversos métodos e formas jurídicas de obtenção da verdade, desde as ordálias e Juízos de Deus (ou dos deuses), na idade média, em que o acusado submetia-se a determinada prova física (ou suplício), de cuja superação, quando vitorioso, se lhe reconhecia a veracidade de sua pretensão, até a introdução da racionalidade nos meios de prova. 2 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. vol. 1, 25ª ed.São Paulo: Atlas, 2009. O castigo ou oferenda, por delegação divina era aplicado pelos sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando especialmente a intimidação. Legislação típica desta fase é o código de Manú, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito (cinco livros), na China (livro das cinco penas), na Pérsia (avesta) e pelo povo de Israel (Pentateuco). TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Página 44

Anderson Rocha Rodrigues; Paulo Eduardo Elias Bernacchi; Simone Caldara Motta Wieselthaler ISSN 2317-7764

instrumental de que se valem os sujeitos processuais (autor, juiz e réu) de comprovar os fatos da causa, fatos estes deduzidos pelas partes como fundamento do exercício dos direitos de ação e de defesa. Segundo Plácido e Silva (1987. p.491): do latim proba, de probare, demonstrar, reconhecer, formar juízo de, entender-se, assim, no sentido jurídico, a demonstração, que se faz, pelos meios legais, de existências ou veracidade de um ato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência ou se firme a certeza a respeito da existência do fato ou ato demonstrado.

Não obstante isso, importante salientar que a prova é um instrumento dentro do processo que está relacionada com demonstração da verdade daquilo que se alega. As provas estabelecem, então, dentro do caderno processual, a existência ou não de determinados fatos, tudo com o fim de aproximar o julgador o mais próximo da verdade judicial 3 e formar seu convencimento. No curso da instrução de um processo as partes procuram demonstrar ao juiz a veracidade ou falsidade da imputação feita ao réu, levando ao julgador a convicção de que necessita para o seu veredicto final. Para Paulo Rangel (2003, p.406): “o objeto da prova é o fato, o acontecimento que deve ser conhecido pelo magistrado, para que possa dar um juízo de valor. São os fatos sobre os quais versa a lide.” No mesmo sentido Tourinho Filho (2008, p. 523): objetivo ou a finalidade da prova é formar a convicção do Juiz sobre os elementos necessários para a decisão da causa. Para julgar o litígio, precisa o Juiz ficar conhecendo a existência do fato sobre o qual versa a lide. Pois bem: a finalidade da prova é tornar aquele fato conhecido do Juiz, convencendo-o da sua existência. As partes, com as provas produzidas, procuram convencer o juiz de que os fatos existiram, ou não, ou então, de que ocorreram desta ou daquela maneira.

Flavio Mirza (2011. p. 205-206) ensina que: A palavra prova é, na linguagem jurídica, equívoca, ora sendo usada para designar a atividade probatória, ora o resultado que se extrai dessa atividade é, por fim, para designar os meios de prova. Inobstante tal equivocidade, é possível afirmar com segurança que a prova é o cerne do processo, uma vez que em razão de sua apreciação, o pedido será julgado procedente ou improcedente.

3

Cf. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 37: “(...) a verdade judicial, necessariamente relativa, deve ser entendida como uma ‘verdade’ que o juiz busca nas provas existentes nos autos e que seja a ‘maior aproximação possível’ daquilo que se denomina verdade. TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Página 45

Anderson Rocha Rodrigues; Paulo Eduardo Elias Bernacchi; Simone Caldara Motta Wieselthaler ISSN 2317-7764

Diante disso, parte da doutrina defende que o termo prova, dentro do direito processual, apresenta três conceitos: prova como meio, prova como atividade e prova como resultado. Leonardo Greco (2011. p.84) aduz que “prova como meio corresponde ao processo mental através do qual se estabelecem conclusões decorrentes de determinadas premissas e se constrói o julgamento dos fatos.”4 A prova como atividade processual, segundo Badaró (2012. p. 269) “consiste no conjunto de atos praticados para a verificação de um fato”, é a atividade das partes na demonstração daquilo que alegam (artigo 156, caput do CPP) ou refutam, subsidiariamente, também, é atividade do juiz (artigo 156, II do CPP). Na mesma linha Ada Pellegrini Grinover, (1999, p. 73) quando afirma: o papel do juiz, num processo publicista, coerente com sua função social é necessariamente ativo. Deve ele estimular o contraditório, para que se torne efetivo e concreto. Deve suprir as deficiências dos litigantes, para superar as desigualdades e favorecer a par condicio. E não apenas satisfazer-se om a plena disponibilidade das partes em matéria de prova.

Leonardo Greco (2011. p.86) denomina a prova como resultado de “concepção metajurídica”. Assim explica o autor: A terceira concepção – a de prova como resultado – corresponde ao que denomino de concepção metajurídica, que se contrapõe à retórica e às provas legais e identifica a prova como um fenômeno humano, utilizado pelo conhecimento em todas as áreas do saber – e não como fenômeno exclusivo e típico do processo judicial.

A concepção metajurídica chega a raciocínio importante, no qual a prova não pertence ao Direito ou à lógica, mas a todas as ciências, tendo natureza empírico-demonstrativa, não se impondo as limitações legais. Importante ressaltar que a doutrina ainda faz uma distinção entre objeto da prova com objeto de prova. Para Tourinho Filho e Paulo Rangel objeto da prova consiste na produção de convencimento do julgador, com o intuito de que este detenha a verdade para o julgamento da lide, enquanto que objeto de prova são as alegações de fatos, é saber o que se precisa provar. A doutrina tradicional diz que o objeto da prova são os fatos e o objeto de prova são as alegações. No mesmo patamar do objeto incluem-se as alegações de fatos secundários, ou seja, aqueles que por si só não são relevantes à causa, mas ajuda o juiz no seu esclarecimento, quais são: fatos simples ou fatos probantes. Leonardo Greco (2011. p.99), exemplifica:

TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Página 46

Anderson Rocha Rodrigues; Paulo Eduardo Elias Bernacchi; Simone Caldara Motta Wieselthaler ISSN 2317-7764

Às vezes, entretanto, as partes alegam fatos aparentemente irrelevantes, secundários, mas dos quais podem ser extraídas conclusões acerca dos fatos relevantes. É o que se passa, por exemplo, na hipótese em que o réu, demandado numa ação de indenização por atropelamento ocorrido em local distante da sua casa, arrola como testemunha o porteiro do edifício em que reside. Embora o porteiro nada saiba sobre o acidente em si, no seu depoimento declarou que, na alegada hora do acidente, presenciou o réu entrando em seu edifício. Dependendo da distância entre o local do acidente e aquele em que se encontra a residência do réu, o atropelamento e sua autoria. Nesse caso, de acordo com aludida distância, o juiz pode chegar à conclusão de que é impossível que o réu tenha atropelado o autor na hora relatada e tenha retornado tão rapidamente à sua casa. No exemplo citado, o fato probando seria o atropelamento alegado pelo autor, enquanto o fato probante seria a entrada do réu no seu edifício na mesma hora em que se afirmou ter ocorrido o acidente.

Arremata-se, então, que os meios de provas são todos aqueles utilizados pelo juiz, direta ou indiretamente para o conhecimento acerca dos fatos, ou seja, são todas ações que o Juiz utiliza para formar a sua convicção e chegar à verdade, pois o processo visa atingir a essa verdade (ou próximo dela), portanto, as partes podem utilizar com liberdade os meios de prova, sem se preocupar com limitações. São exemplos no nosso ordenamento jurídico de meios de provas: a confissão presente no artigo 197 do CPP, o depoimento do ofendido no artigo 201 do CPP e a perícia de local no artigo 169 do CPP. Por outro lado, a Constituição Federal de 1988 é o mandamento constitucional mais abrangente e extenso do que as Constituições anteriores com ênfase nos direitos e nas garantias do indivíduo em matéria Penal e Processual Penal. O artigo 5º da Carta Magna torna explícitas as garantias concernentes à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, o direito à inviolabilidade do domicílio, o sigilo de correspondências e das comunicações telegráficas de dados e comunicações telefônicas, dentre outros. No mesmo sentido, é a garantia de que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos5, sem respeitar os requisitos de validade exigidos pelo ordenamento jurídico, sendo produzidas através da violação de um direito ou a partir de um procedimento ilegítimo. A prova será considera ilícita quando não se observarem as garantias previstas na ordem constitucional ou em contrariedade com o disposto em normas de procedimento, que ensejará violação ao devido processo legal. De acordo com o disposto no artigo 157 do CPP

5

As garantias da inadmissibilidade das provas obtidas de forma ilícita, como corolário do devido processo legal, é direcionada, em princípio, a acusação (Estado), que detém o ônus da prova. Quando a prova obtida ilicitamente for indispensável para o exercício do direito fundamental à ampla defesa pelo acusado, de modo a provar a sua inocência, não há porque se negar a sua produção no processo. (MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013). TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Página 47

Anderson Rocha Rodrigues; Paulo Eduardo Elias Bernacchi; Simone Caldara Motta Wieselthaler ISSN 2317-7764

“são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas lícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Aspecto relevante é a prova ilícita por derivação também chamada frutos da árvore envenenada (Fruits of the poisonous tree na doutrina americana), adotada pelo legislador ordinário no parágrafo 1º, do artigo 157, do CPP, sendo utilizada pelo Supremo Tribunal Federal com certo temperamento, em alguns arestos6 como se demonstrará. Por tudo, considerando os aspectos conceituais da prova na forma explanada, o objetivo deste estudo é canalizado a analisar a valoração da prova obtida por meio da escuta telefônica, apresentando o entendimento doutrinário e jurisprudencial dos Tribunais.

2. A interceptação telefônica como meio de obtenção de prova

A interceptação telefônica foi a única exceção que o Poder Constituinte Originário autorizou a restrição por meio de lei. Quanto aos direitos fundamentais, quando analisados à luz do princípio da proporcionalidade, podem ser restringidos mesmo sem autorização expressa do constituinte. A Constituição Federal de 1988 trouxe no bojo do artigo 5º, inciso XII a inviolabilidade do sigilo das comunicações, salvo por ordem judicial nas hipóteses em que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual. Antes de promulgada a lei para autorizar as interceptações telefônicas para fins de investigação ou instrução processual nos moldes do inciso XII do artigo 5º, alguns juízes com o fim de dar a norma constitucional uma eficácia plena 7, utilizavam a Lei 4.117/62 que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações como forma de legalidade no deferimento das interceptações telefônicas.

6

Referida doutrina tem sido atenuada em alguns casos em razão da possibilidade de invalidação de toda a investigação pelo simples fato de que o conhecimento inicial da infração se deu por meios ilícitos. Como bem assinala Eugênio Pacelli, “ao investigado sempre será mais proveitoso a existência de uma prova ilícita, sobretudo se produzida antes do início das investigações. Então, se poderá alegar que todas as demais, subsequentes, dependeriam da informação obtida com a ilicitude.” (MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013) 7 Aqui foi adotada a teoria tripartida das normas constitucionais exposta por José Afonso da Silva, que “considera que todas as normas constitucionais são providas de eficácia, embora possa haver diferenciação quanto a graduação desta, pois todas as normas constitucionais seriam dotadas de eficácia meio, na medida em que a sua vigência revoga a legislação ordinária anterior com ela incompatível (efeito imediato) e dirige a fenomenologia da incidência – produção, interpretação e aplicação – das demais normas que constituem a ordem jurídica (efeito diferido), porém nem todas as normas constitucionais seriam dotadas de eficácia fim, uma vez que a aplicabilidade não seria uma qualidade essencial às mesmas, estabelece a distinção entre normas constitucionais de eficácia plena, contida e limitada. (MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional, Teoria da Constituição. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.) TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Página 48

Anderson Rocha Rodrigues; Paulo Eduardo Elias Bernacchi; Simone Caldara Motta Wieselthaler ISSN 2317-7764

O artigo 57 da referida Lei, de acordo com a visão do Supremo Tribunal Federal, não havia sido recepcionado pela nova ordem constitucional. Com isso, as interceptações telefônicas com fundamento nas disposições contidas no referido artigo 57 foram declaradas nulas pelo Supremo Tribunal Federal8, conforme se extrai da ementa abaixo:

CONSTITUCIONAL. PENAL. PROVA ILICITA: "DEGRAVAÇÃO" DE ESCUTAS TELEFONICAS. C.F., ART. 5, XII. LEI N. 4.117, DE 1962, ART. 57, II, "E", "HABEAS CORPUS": EXAME DA PROVA. I. - O SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFONICAS PODERA SER QUEBRADO, POR ORDEM JUDICIAL, NAS HIPÓTESES E NA FORMA QUE A LEI ESTABELECER PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL OU INSTRUÇÃO PROCESSUAL PENAL (C.F., ART. 5, XII). INEXISTÊNCIA DA LEI QUE TORNARA VIAVEL A QUEBRA DO SIGILO, DADO QUE O INCISO XII DO ART. 5. NÃO RECEPCIONOU O ART. 57, II, "E", DA LEI 4.117, DE 1962, A DIZER QUE NÃO CONSTITUI VIOLAÇÃO DE TELECOMUNICAÇÃO O CONHECIMENTO DADO AO JUIZ COMPETENTE, MEDIANTE REQUISIÇÃO OU INTIMAÇÃO DESTE. E QUE A CONSTITUIÇÃO, NO INCISO XII DO ART. 5, SUBORDINA A RESSALVA A UMA ORDEM JUDICIAL, NAS HIPÓTESES E NA FORMA ESTABELECIDA EM LEI. II. - NO CASO, A SENTENÇA OU O ACÓRDÃO IMPUGNADO NÃO SE BASEIA APENAS NA "DEGRAVAÇÃO" DAS ESCUTAS TELEFONICAS, NÃO SENDO POSSIVEL, EM SEDE DE "HABEAS CORPUS", DESCER AO EXAME DA PROVA. III. - H.C. INDEFERIDO.

Diante disso, o legislador na sua missão constitucional criou a Lei nº 9.296/96 que disciplina a interceptação das comunicações telefônicas, que poderá ocorrer de ofício pelo magistrado, a requerimento do membro do Ministério Público ou da Autoridade Policial, mas somente quando presentes os seguintes requisitos: (i) indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal; (ii) não houver outro meio de se produzir a mesma prova; e (iii) o fator for punido com pena de reclusão. Sobreleva notar que, diferentemente do que ocorreu em países da Europa como Alemanha, Itália e Portugal9, a legislação brasileira não adotou um catálogo de crimes possíveis de interceptação telefônica, adotando, somente, o critério da pena de detenção. Neste sentido, a interceptação das comunicações telefônicas com a invasão da privacidade e da intimidade do interceptado, além dos requisitos acima enumerados, somente servirá para apurar crimes cuja pena seja de detenção, afastando o seu cabimento para crimes de menor potencial ofensivo e prova em processos civis e administrativos. 8

HC 69912/RS, Relator Sepúlveda Pertence, Relator para Acórdão Ministro Carlos Veloso, Julgamento em 30/06/1993, Tribunal Pleno do STF. 9 Cf. artigo publicado pelo Professor Adjunto da UFRJ, Antonio Eduardo Ramires Santoro, em http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=ded693405194bd81. TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Página 49

Anderson Rocha Rodrigues; Paulo Eduardo Elias Bernacchi; Simone Caldara Motta Wieselthaler ISSN 2317-7764

Por outro lado, o que se tem notado é que a prova obtida com a interceptação das comunicações telefônicas acaba por ser utilizada de maneira bem mais ampla do que a sua concepção inicial, sendo admitido pelos tribunais para apuração de novos crimes 10, e admitida como prova emprestada para outros procedimentos que não o penal, uma verdadeira burla à constituição. A intimidade e a privacidade são garantias constitucionais conquistadas com grande custo pela sociedade, bem como todas as demais garantias individuais estampadas nos direitos fundamentais inseridos em nossa Constituição. Portanto, se cabe numa ponderação de princípios na relativização da intimidade com o fim de alcançar a prova que somente poderá ser obtida pela quebra do sigilo telefônico, demonstra a sua inconcebível utilização e ampla divulgação. Os argumentos a favor da ampla utilização da prova colhida em escuta telefônica afirmam que se a intimidade já foi afastada não haveria mais o que se preservar. Contudo, tal assertiva não merece respaldo jurídico, pois ao ampliar o conhecimento a um número ilimitado de pessoas sobre o teor da investigação e dos conteúdos interceptados, estamos diante de uma burla à legislação infraconstitucional, pois em verdade a intenção do legislador era limitar a interceptação telefônica, somente aos casos de investigação criminal ou instrução processual criminal de determinada pessoa ou grupo de pessoas que cometeram o crime ou os cometem em continuidade. Como não poderia deixar de ser, há ainda uma quebra ao princípio nemo tenetur se detegere, ou seja, o direito de não produzir prova contra si, pois as escutas interceptadas são valoradas como verdadeiras confissões do acusado, sem que o mesmo tenha manifestado vontade alguma em confessar. Ora, se no sistema processual atual alinhado com a Constituição Federal de 1988 a confissão do acusado perante a Autoridade Policial deve ser repetida na fase instrutória da ação penal, na forma do artigo 155 do Código de Processo Penal, como valorar a confissão obtida através de escuta telefônica numa sentença condenatória?

10

Aqui se tem o que os Tribunais Superiores têm chamado de encontro fortuito ou fenômeno da serendipidade, sendo amplamento aceito, conforme ação penal n. 510/BA, cuja Relatora Ministra Eliana Calmon e Relator para Acórdão Ministro João Otávio de Noronha na Corte Especial julgaram em 21/08/2013: “a instauração do inquérito policial teve origem em notícia criminosa, surgida em interceptação telefônica (Operação 'Cova Rasa'), devidamente autorizada, o que a jurisprudência chama de 'encontro fortuito', não cabendo, pois, falar-se em nulidade das escutas telefônicas, nos termos da Jurisprudência do STJ, que neste sentido já se manifestou: 'O Estado não pode quedar-se inerte ao tomar conhecimento de suposta prática de crime. Assim, o encontro fortuito de notícia de prática delituosa durante a realização de interceptações de conversas telefônicas devidamente autorizadas não exige a conexão entre o fato investigado e o novo fato para que se dê prosseguimento às investigações quanto ao novo fato'. TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Página 50

Anderson Rocha Rodrigues; Paulo Eduardo Elias Bernacchi; Simone Caldara Motta Wieselthaler ISSN 2317-7764

Num primeiro momento podemos encontrar argumentos favoráveis a sustentar a legalidade de valoração da prova obtida por meio de escuta telefônica, sob o fundamento de que o direito deve ser visto como um sistema, não havendo, portanto, sentido em revelar um fato em determinado processo e confinar as provas nele. Pode-se sustentar ainda que a prova produzida no âmbito penal pode migrar para os demais processos, uma vez que não existe compromisso constitucional com a impunidade. Por outro motivo relevante, pode-se alegar que não seria possível que o juízo criminal, diante de bens relevantes com a quebra da intimidade, não possa se valer das provas produzidas na interceptação – inclusive a confissão –, não sendo possível ignorá-la. Ainda que assim não fosse, o regime processual brasileiro dá liberdade ao juiz de valorar a prova, sem que possa ocorrer arbitrariedade, em virtude da obrigação constitucional de fundamentar suas decisões à luz das normas aplicáveis. Contudo, não nos parece ser acertada a valoração da prova na seara criminal, quando baseadas em “confissão” sem sua repetição no juízo criminal. Além da “confissão”, eivada de inconstitucionalidade, extraída da escuta telefônica, há casos que a doutrina chama de encontro fortuito de provas, pois a suposta realização legal da escuta pode trazer fatos fortuitamente recolhidos, daí cabe indagar se seria lícito ao Estado se apoderar dessas informações para poder dar início a uma futura ação penal. Segundo Manuel Andrade (1992, p. 304-305): Estava lançado o princípio da proibição de valoração dos conhecimentos fortuitos que não estejam em conexão com um crime de catálogo. Que viria se converter num dos tópicos mais pacíficos entre os tribunais e os autores e, nessa medida, numa como que exigência mínima do regime processual penal dos conhecimentos fortuitos. Trata-se, de resto, de uma exigência que o Tribunal Federal procura ancorar diretamente no princípio de proporcionalidade codificado no regime positivo do parágrafo 100 a da StPO. De acordo com a decisão em exame, ‘o princípio de proporcionalidade decorrente da ideia de Estado de Direito só permite a compreensão das posições correspondentes aos direitos fundamentais na medida do que é absolutamente necessário para a proteção de bens jurídicos reconhecidos pela Constituição. E proíbe, por isso, a valoração do material que vem à rede numa escuta telefônica legalmente realizada, mas que não é significativo (ou deixa de o ser) para o fim de proteção da ordenação democrática e livre’ a que o regime de escutas telefônicas presta homenagem.

Em sentido contrário ao acima esposado, o Tribunal de Justiça Alemão flexibilizou o entendimento no sentido de que os conhecimentos fortuitos de crimes poderiam ser utilizados para a persecução penal sendo ou não crimes de catálogo e não há necessidade de conexão com o crime que motivou a escuta.

TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Página 51

Anderson Rocha Rodrigues; Paulo Eduardo Elias Bernacchi; Simone Caldara Motta Wieselthaler ISSN 2317-7764

Assim, não há o que se falar em prova ilícita quando obtidas através de escuta legalmente autorizada que tragam à luz crimes não conhecidos até o momento da autorização da escuta. No STF é pacífico o entendimento que a escuta telefônica legalmente autorizada pode trazer o conhecimento de novos crimes e novos sujeitos que poderão ter suas conversas interceptadas, conforme se extrai do HC 102.304 Minas Gerais. O que não pode ser admitido é a utilização da interceptação como meio de prova, sendo ela tão somente meio de obtenção de prova, afastando-se sua valoração como único indício de cometimento do crime, implicando, necessariamente, na absolvição do Réu. Contudo, infelizmente, o que se tem notado na prática é que a interceptação telefônica vem sendo amplamente utilizada no meio da investigação processual ou no curso da instrução, e o que se extrai das gravações está sendo valorado pelo magistrado como forma de confissão do crime. Confissão esta que não condiz com o conceito etimológico da expressão, ou seja, não respeita a vontade do interceptado, violando dessa maneira direitos constitucionais, como o silêncio, além do direito de não produzir prova contra si mesmo, nemo tenetur se detegere.

3. Considerações finais O estudo do presente trabalho, a despeito de sua ampla divergência doutrinária, versa sobre a possibilidade de valoração da prova obtida por meio de escuta telefônica na investigação criminal ou na instrução processual, com os olhos voltados aos ditames dos direitos fundamentais explicitados na Constituição Federal. A interceptação telefônica 11 veio a lume com o fim de regulamentar o artigo 5, inciso XII da Carta Magna de 1988 com o fim de autorizar e regulamentar a quebra de sigilo telefônico. A obtenção da prova, de acordo com a lei 9296/96, tem o fim exclusivo de investigação criminal ou instrução processual penal, tudo mediante autorização judicial. O posicionamento da doutrina não é unânime quando se refere ao tema abordado, tendo o Supremo Tribunal Federal priorizado a eficácia da utilização da escuta telefônica no combate aos crimes, em especial, os crimes de colarinho branco, quando em doutrina encontramos flagrante resistência a sua aceitação como forma de prova para condenação do interceptado, alinhando-se a uma doutrina mais garantista do direito penal, que visa à proteção dos direitos fundamentais.

TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Página 52

Anderson Rocha Rodrigues; Paulo Eduardo Elias Bernacchi; Simone Caldara Motta Wieselthaler ISSN 2317-7764

Por tudo, autorizar a escuta telefônica utilizando-se da invasão da privacidade e da intimidade do interceptado com o fim de apurar novos crimes e sua admissão como prova emprestada para outros procedimentos (civis e administrativos), bem como utilizar as informações na interceptação telefônica como prova cabal do cometimento do crime e valorar sua confissão, sem que haja sua repetição na fase judicial, resta patente a violação dos direitos fundamentais do cidadão, sendo inaceitável que essa ‘confissão’ seja baseada como único fundamento de condenação do réu, ante os princípios informadores do direito processual penal.

4. Referências bibliográficas ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra, 1992.

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Campus: Elsevier, 2012.

CAPEZ, Fernando. Legislação Especial. Vol. II. 5. ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2006.

FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. 17ed., Vol.3. São Paulo: Saraiva, 1995.

GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. II: Processo de Conhecimento. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

________________. O conceito de prova. Revista de Direito da Faculdade de Campos, Ano IV, nº 4. Campos, RJ: 2003.

GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório. Revista Brasileira de Ciências Criminais 27, 1999.

Site: www.ibccrim.org.br. Acesso 27/07/2015. Site: www.stf.gov.br

TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Página 53

Anderson Rocha Rodrigues; Paulo Eduardo Elias Bernacchi; Simone Caldara Motta Wieselthaler ISSN 2317-7764

JUNIOR. Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 4 ed. 2009.

MALATESTA, Nicola Framarino dei. A lógica das provas em matéria criminal. 2 ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1927.

MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gone. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 4 ed. Editora Atlas. 1995.

MIRZA, Flavio. Tributo a Afrânio Silva Jardim: escritos e estudos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

MORAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional, Teoria da Constituição. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 18 ed. p. 327.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

____________. Direito Processual Penal. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2014.

SILVA, de Plácido. Vocabulário Jurídico. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

Recebido em: 05.08.2015 Aceito em: 10.11.2015 TerCi, v.06, n.01,jan./jun.2016

Página 54

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.