A vida em preto e branco na cidade: experiências do PIBID com a história local

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Referência Bibliográfica BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO, José Maria [org.] Jardim de Histórias: discussões e experiências em aprendizagem histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens, 2017. ISBN: 978-85-65996-47-1 Edição Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens: www.revistasobreontens.blogspot.com.br 2

ANDRÉ BUENO DULCELI ESTACHESKI EVERTON CREMA JOSÉ MARIA NETO

JARDIM DE HISTÓRIAS: DISCUSSÕES E EXPERIÊNCIAS EM APRENDIZAGEM HISTÓRICA

Edição Especial LAPHIS/Sobre Ontens 2017 3

A VIDA EM PRETO E BRANCO NA CIDADE: EXPERIÊNCIAS DO PIBID COM A HISTÓRIA LOCAL Max Lanio Martins Pina Maria Doralice Nepomuceno Barbosa A cidade é um importante local onde são observados encontros e desencontros, assim como a interação de indivíduos que se descobrem diariamente através de sociabilidades e sensibilidades, que deixam marcas em relevo no tempo e no seu espaço físico e imaginário. A urbe se caracteriza como um lugar de construção de sentido para a vida humana prática com seus meandros, seus sons, seus odores, sua alegrias e seus dissabores, que assinalam marcações por meio de uma infinidade de acontecimentos e experiências vividas. A humanidade elegeu a cidade como ponto essencial para construção da civilização. Isso indica que na História quase tudo está relacionado ao aspecto da vida urbana, como a cultura, a religião, a música, as invenções, o trabalho, o lazer entre outros. É quase impossível a compreensão da modernidade sem relacioná-la a essa realidade tangível e intangível ao ser humano. A urbe é um local repleto de memórias que estão sobrepostas. Isso nos permite afirmar que a cidade do presente é formada por várias civitas que existiram antes dela. Não há como negar que o local onde habitamos e estamos deixando nossas impressões, já foi palco para outros fazerem suas marcações temporais e espaciais. Para Pesavento (2008, p. 03) é na cidade que estão nossos pontos de ancoragem da memória, pois ela se constitui de lugares visíveis, invisíveis e imaginados que são o sustentáculo do nosso reconhecimento indenitário, levando em conta que as experiências cotidianas ou excepcionais nos dotaram de carga simbólica que nos permite diferenciar ou identificar espaços construídos pelo tempo, neste sentido, a cidade é concebida como um lugar de memória. Por isso ela representa para o historiador um campo fértil a ser descortinado, pesquisado e analisado. Na cidade permanecem os vestígios do passado que podem ser observados nas ruas, nas construções, nos espaços, nos monumentos, enfim em cada canto onde existem lembranças das experiências do vivido. São memórias que precisam ser resgatadas e trazidas ao presente por meio da História. Para isso um dos instrumentos que possibilitam esse resgate são as fotografias que estão guardadas em arquivos pessoais, particulares e familiares. De acordo com Sant’Anna (2012, 48) “A fotografia, como um sedioso documento provido de linguagem visual, pode nos revelar informações e emoções às vezes imperceptíveis por outras linguagens, como a oralidade ou a escrita”. Conforme Sant’Anna (2012) haverá sempre um objetivo por trás da produção de imagens, elas são produzidas para atender a determinados fins. Posto isto, entendemos 193

que as fotografias são fontes que revelam muito além daquilo que ela expõe para o resgate do passado. Pensando assim, o subprojeto do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência/PIBID de História da Universidade Estadual de Goiás/UEG, Câmpus Porangatu, decidiu trabalhar/refletir/discutir durante os encontros de formação semanal do primeiro semestre de 2016, a temática que relacionava História, Fotografia e Cidade. Deste modo, a finalização do semestre culminou com uma exposição na escola campo, de fotografias em preto e branco que representavam diversos aspectos da vida urbana local e regional durante as décadas de 1940 até 1990. Um dos exemplos explorados sobre os aspectos ligados a história local é a vida religiosa, que pode ser observado no conjunto de imagens 1, 2 e 3, as quais representam vários momentos da Igreja Matriz Nossa Senhora da Piedade, que hoje é conhecida como “Matriz Velha” pela população do município de Porangatu/GO. Ela foi construída por volta do final do século XIX em estilo colonial sobre um morro artificial e ao longo desse tempo foi submetida a reformas e restauração. Imagens 1: Igreja Matriz Nossa Senhora da Piedade entre os anos 1950-1960.

Fonte: Domínio público. Imagens 2: Igreja Matriz Nossa Senhora da Piedade nos anos 1970

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Fonte: Domínio público.

Imagens 3: Igreja Matriz Nossa Senhora da Piedade na atualidade

Fonte: Os autores 195

O apoio teórico O estudo da história local torna o ensino de história mais interessante e atraente, na medida em que são abordados temas mais próximos da realidade e da vivência do aluno, tanto no tempo como no espaço. Contribui para a apropriação da realidade e dos bens culturais deixados pelos antepassados, além de corresponder às exigências de uma corrente historiográfica que valoriza a micro história. Ao citar os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, Caime (2010, p.69) afirma que “os estudos de história local constituem o ponto de partida da aprendizagem histórica, uma vez que permitem a abordagem dos contextos mais próximos em que se inserem as relações sociais entre os professores, os estudantes e o meio”. A partir desta proposta dos PCN’s percebemos a importância da história local para a formação de uma consciência crítica da realidade social e da consciência histórica, que valoriza as experiências culturais de sua comunidade e o seu pertencimento à mesma. Isto vem de encontro com o projeto de uma educação libertadora, transformadora e autônoma, pois segundo Freire citado Dias e Soares (2007, p. 72) “O ser alienado não procura um mundo autêntico. Isto provoca uma nostalgia: deseja outro país e lamenta ter nascido no seu. Tem vergonha de sua realidade”. A educação deve abranger o educando como um todo, visando o pleno desenvolvimento de suas potencialidades, capacitando-o para agir e interagir no meio e na sociedade, a reconhecer-se como cidadão com direitos e deveres, possuidor de uma identidade que o torna ao mesmo tempo indivíduo e membro de uma coletividade. E nesse sentido “o ensinoaprendizagem da história local configura-se como um espaço de reflexão crítica acerca da realidade social e, sobretudo referência para o processo de construção das identidades destes sujeitos e de seus grupos de pertença” (CAIMI, 2010, p. 69). Para Cainelli (2009, p. 139) a história local pode ser uma estratégia de aprendizagem que garanta uma melhor apropriação do conhecimento por parte do estudante, inserindoo na comunidade onde ele vive, gerando nele atitudes investigativas a partir do seu conhecimento, facilitando sua percepção de continuidades, diferenças, mudanças, conflitos e também permanências. Contribui para a construção de uma história mais plural, menos homogênea, além de dar vozes aos sujeitos históricos que foram silenciados e contribui, ainda, para a formação identitária e social do aluno. Nesse caso, a memória e o patrimônio sobressaem como indispensáveis para o estudo da história local, uma vez que nem sempre esta possui registros escritos, muito embora faça parte de um contexto histórico mais amplo, regional ou nacional. Pode-se entender aqui a memória como sendo as fontes orais, mas também os lugares de memória: como museus, centros históricos, casas ou conjuntos arquitetônicos. Estas memórias, conforme Paim (2010, p. 90) são “plenas de conhecimento e sensibilidades, relacionadas com o vivido”. Em outras palavras os lugares de memória contam história, a história silenciada. Parafraseando Paim (2010, p. 90) torna-se difícil delimitar as fronteiras entre a memória e a história, pois uma envolve os componentes da outra. Estes lugares de memória, no seu conjunto, constituem o patrimônio cultural como herança das gerações passadas, fruto da cultura de uma sociedade, elo entre o presente e o passado. O patrimônio pode cumprir uma função social e educadora quando preservado e explorado com a finalidade de tornar concreta a história abstrata narrada 196

nos livros didáticos. Pode-se estabelecer um importante diálogo entre o patrimônio e a escola. De acordo com Pesavento (2005, p. 14) uma cidade, “inventa seu passado e cria o seu futuro para explicar o seu presente”. Por isso, é aceitável afirmar que ao longo dos anos a cidade foi representada por palavras, faladas e escritas, por músicas através de melodias e canções, por imagens desenhadas, pintadas ou projetadas do seu todo ou de suas partes. Elas também foram “sonhadas, desejadas, temidas, odiadas” e admiradas (PESAVENTO, 2007, p. 11). Todavia, compreendemos a cidade também como sociabilidade, porque “ela comporta atores, relações sociais, personagens, grupos, classes, práticas de interação e de oposição, ritos e festas, comportamentos e hábitos” (PESAVENTO, 2007, p. 14), entre outras situações que são eternizadas pela sensibilidade da fotografia. Nesse ponto do trabalho, destacamos o papel fundamental da fotografia como recurso para compreensão dos traços que fizeram parte do passado dos atores históricos que vivem e viveram na cidade. A fotografia é uma invenção do século XIX. Seu surgimento foi marcado de acordo Mauad (1996, p. 2) por polêmicas ligadas aos seus usos e funções, porque trazia consigo o caráter de prova irrefutável daquilo que de fato havia acontecido, isto é, transformouse num espelho, cuja função era eternizar a imagem que refletia. Essa visão já não define a fotografia na atualidade, as reflexões sobre o tema conforme a Mauad (1996, p. 6) classifica essa prática como “circuito social da fotografia”, problematizando a “natureza técnica da imagem fotográfica como o próprio ato de fotografar, apreciar e consumir fotografias”. Sendo assim, a fotografia pode ser qualificada ou interpretada como “resultado de um trabalho social de produção de sentido, pautado sobre códigos convencionalizados culturalmente” (MAUAD, 1996, p. 7). Ela opera como informação que se processa através do tempo, cujos constituintes são culturais, porém, são significados diferenciados, porque são entendidos numa generalidade que está relacionada com o contexto, com a mensagem veiculada e com o local no interior da própria imagem (MAUAD, 1996). A relação existente entre História, cidade e fotografia abre um leque de infinitas possibilidades de construção e reconstrução do passado, da vida privada e pública, permitindo assim um acesso aos locais de memória e espaços sociais sobrepostos por outras realidades que no futuro também serão substituídos por outras formas e práticas socioculturais e religiosas.

A experiência

Semanalmente o grupo de bolsistas do PIBID de História se reunia nas dependências da Universidade Estadual de Goiás, Campus Porangatu para debater e refletir o quanto a centralidade citadina nos influencia e condiciona a nossa existência fazendo parte de nossas relações. Nesse sentido, o foco principal dos encontros semanais de formação 197

teórica do primeiro semestre do ano de 2016, era criar possibilidades que permitissem aos pibidianos transformar o conhecimento teórico intelectual, em ferramenta prática para auxiliar no cotidiano escolar das aulas de História sob a responsabilidade da professora supervisora. Assim sendo, os bolsistas desenvolveram para o Colégio Estadual Presidente Kennedy, aqui configurado como escola campo, um projeto de exposição de fotografias históricas com o título “Memórias em arquivo de família: a vida em preto e branco”, que foi dividido em várias estações, as quais procuravam abordar diversas facetas que representavam pessoas ou indivíduos como homens, mulheres, crianças, casamentos, a relação entre pais e filhos, lugares do campo e da cidade, os monumentos e funerais (conferir imagens 4). As imagens que foram expostas pertencem a arquivos pessoais e privados que foram cedidas para a ocasião, bem como a páginas do Facebook de moradores do município onde o projeto foi desenvolvido.

Imagens 4: Exposição de fotografias históricas na escola campo.

Fonte: Os autores. As sete estações com as fotografias separadas por categorias foram afixadas em murais no corredor da escolar e em cada uma delas se encontrava um bolsista do PIBID que explicava para os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, bem como para os demais funcionários da escola o que representavam aquelas imagens e a sua importância como elemento fundamental para conservação da memória e resgate do passado individual e coletivo da história local. Difundiu-se por meio dos bolsistas a ideia de que todas as pessoas produzem memórias através das imagens que produz, como por exemplo, a selfie que se tornou uma mania entre os portadores de aparelhos celulares 198

capazes de produzir fotos em altíssima resolução e representam um comportamento do tempo presente. Os estudantes do Ensino Fundamental ao se depararem com as imagens expostas demonstraram no primeiro momento uma reação de espanto que foi seguida da curiosidade em querer saber os sentidos e as explicações por traz daquela produção. Percebeu-se que a avaliação do olhar era sempre do presente para o passado, isto significa que as referências que permitem os escolares compreenderem as imagens estão estabelecidas a partir de sua vida prática. Vale ressaltar que os estudantes em sua maioria notaram que as fotografias que continham a representação de crianças, homens, mulheres e casais, possuíam uma característica em comum. Em todas elas não se encontravam sorriso e quase sempre, as pessoas ali representadas estavam em poses rígidas (conforme o conjunto das imagens 5 e 6). Tal situação permitiu aos bolsistas explicarem que a sociedade e seus valores estão sempre mudando, por isso é necessário a História, para que se possa compreender que nem sempre a humanidade foi o que ela é no presente, mas que existiram outras formas de experiências do vivido. Imagens 5: Casal recém-casado e crianças em pose para foto.

Fonte: Arquivo familiar privado.

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Imagens 6: Crianças em pose e uma distinta senhora.

Fonte: Arquivo familiar privado.

Considerações Finais

As mudanças e permanências ocorridas ao longo do tempo nos espaços urbanos podem ser visíveis, invisíveis ou imaginadas, muitas vezes passam despercebidas diante dos olhos destreinados e incapazes de captar os ricos traços deixados pelo tempo. Cabe aos historiadores e professores de História colorir esse mundo invisível de transformações e despertar em cada indivíduo o sentimento de valorização de suas próprias memórias inseridas nos territórios construídos e destruídos pertencentes à cidade. Portanto, observamos por meio dos estudos e da aplicação do projeto na escola campo que a fotografia é um elemento muito importante para fazer e refazer as ligações da memória com o passado cotidiano e privado da vida de indivíduos que contribuíram e deixaram suas marcas visíveis e invisíveis na urbe. Consideramos que a aplicação do projeto na escola superou nossas expectativas porque a experiência nos permitiu ainda observar que os alunos, os professores e os funcionários da escola, ficaram impactados quando eles perceberam que a memória evocada pela imagens fotográficas fazia referência a um passado do qual eles fazem parte e que, no entanto, já havia sido esquecido pela sensação que temos de viver num constante e eterno presente.

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