A villa romana do Monte da Salsa (Brinches, Serpa): uma aproximação a sua sequência ocupacional

July 25, 2017 | Autor: J. Larrazabal Gal... | Categoria: Roman Villae, Roman Archaeology
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4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVA O Plano de Rega (2002-2010)

MEMÓRIAS d’ODIANA 2.ª Série Estudos Arqueológicos do Alqueva

FICHA TÉCNICA MEMÓRIAS d’ODIANA - 2.ª Série TÍTULO

4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVA O Plano de Rega (2002 – 2010) EDIÇÃO

EDIA - Empresa de desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva DRCALEN - Direcção Regional de Cultura do Alentejo COORDENAÇÃO EDITORIAL

António Carlos Silva Frederico Tátá Regala Miguel Martinho DESIGN GRÁFICO

Luisa Castelo dos Reis / VMCdesign PRODUÇÃO GRÁFICA, IMPRESSÃO E ACABAMENTO

VMCdesign / Ligação Visual TIRAGEM

500 exemplares ISBN

978-989-98805-7-3 DEPÓSITO LEGAL

356 090/13

Memórias d’Odiana • 2ª série

FINANCIAMENTO

EDIA - Empresa de desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva INALENTEJO QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional FEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional Évora, 2014

ÍNDICE 9

INTRODUÇÃO

11

PROGRAMA

15

LISTAGEM DOS PÓSTERES APRESENTADOS

17

CONFERÊNCIAS

19

“Alqueva – Quatro Encontros de Arqueologia depois...”. António Carlos Silva

34

“O património cultural no Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva: caracterizar, avaliar, minimizar, valorizar …”. Miguel Martinho

45

“O Acompanhamento no terreno do Projecto EFMA na área da Extensão de Castro Verde do IGESPAR”. Samuel Melro, Manuela de Deus

53

COMUNICAÇÕES

55

“Um mundo em negativo: fossos, fossas e hipogeus entre o Neolítico Final e a Idade do Bronze na margem esquerda do Guadiana (Brinches, Serpa)”. António Carlos Valera, Ricardo Godinho, Ever Calvo, F. Javier Moro Berraquero, Victor Filipe e Helena Santos

74

“Intervenção arqueológica em Porto Torrão, Ferreira do Alentejo (2008-2010): resultados preliminares e programa de estudos”. Raquel Santos, Paulo Rebelo, Nuno Neto, Ana Vieira, João Rebuje, Filipa Rodrigues, António Faustino Carvalho

83

“Contextos funerários na periferia do Porto Torrão: Cardim 6 e Carrascal 2”. António Carlos Valera, Helena Santos, Margarida Figueiredo e Raquel Granja

96

“Intervenção Arqueológica no sítio de Alto de Brinches 3 (Reservatório Serpa – Norte): Resultados Preliminares”. Catarina Alves, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

103

“Caracterização preliminar da ocupação pré-histórica da Torre Velha 3 (Barragem da Laje, Serpa)”. Catarina Alves, Catarina Costeira, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra, António M. Monge Soares, Marta Moreno-Garcia

112

“Questões e problemas suscitados pela intervenção no Casarão da Mesquita 4 (S. Manços, Évora): da análise intra-sítio à integração e comparação regional”. Susana Nunes, Miguel Almeida, Maria Teresa Ferreira, Lília Basílio

119

“Um habitat em fossas da Idade do Ferro em Casa Branca 11, na freguesia de Santa Maria, concelho de Serpa”. Susana Rodrigues Cosme

125

“Poço da Gontinha 1 (Ferreira do Alentejo): resultados preliminares”. Margarida Figueiredo

132

“Currais 5 (S. Manços, Évora): diacronia e diversidade no registo arqueoestratigráfico”. Susana Nunes,; Mónica Corga, Miguel Almeida, Lília Basílio ÍNDICE

Memórias d’Odiana • 2ª série

5

Memórias d’Odiana • 2ª série

6

137

“A villa romana do Monte da Salsa (Brinches, Serpa): uma aproximação à sua sequência ocupacional”. Javier Larrazabal Galarza

145

“Dados para a compreensão da diacronia e diversidade do registo arqueológico na villa romana de Santa Maria”. Mónica Corga, Maria João Neves, Gina Dias, Catarina Mendes

155

“A pars rústica da villa da Insuínha 2, freguesia de Pedrógão, concelho da Vidigueira”. Susana Rodrigues Cosme

162

“A villa da Herdade dos Alfares (São Matias, Beja) no contexto do povoamento romano rural do interior Alentejano”. Mónica Corga, Miguel Almeida, Gina Dias, Catarina Mendes

171

“A necrópole de incineração romana da Herdade do Vale 6, freguesia e concelho de Cuba”. Susana Rodrigues Cosme

178

“Necrópole romana do Monte do Outeiro (Cuba)”. Helena Barranhão

185

“O conjunto sepulcral do Monte da Loja (Serpa, Beja)”. Sónia Cravo e Marina Lourenço

191

“O sítio de São Faraústo na transição da Época Romana para o Período Alto-Medieval, freguesia de Oriola, concelho de Portel”. Susana Rodrigues Cosme

197

“O sítio romano da Torre Velha 1. Trabalhos de 2008-09 (Barragem da Laje, Serpa)”. Adriaan De Man, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

203

“Análise preliminar dos contextos da Antiguidade Tardia do sitio Torre Velha 3 (Barragem da Laje - Serpa)”. Catarina Alves, Catarina Costeira, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

212

“A Necrópole de São Matias, freguesia de São Matias, concelho de Beja”. Susana Rodrigues Cosme

219

“Xancra II (Cuba, Beja): resultados preliminares da necrópole islâmica”. Sandra Brazuna, Ricardo Godinho

225

“Funchais 6 (Beringel, Beja) – resultados preliminares”. Manuela Dias Coelho, Sandra Brazuna

231

PÓSTERES

233

“Primeiros resultados da intervenção arqueológica no sítio Torre Velha 7 (Barragem da Laje - Serpa)”. Adriaan De Man, André Gregório, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

237

“A Torre Velha 3 (Serpa) no espaço geográfico. Uma abordagem morfológica de um “sítio” arqueológico”. Miguel Costa, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

242

“O contributo da Antropologia para o conhecimento das práticas funerárias pré e proto -históricas do sítio de Monte da Cabida 3 (São Manços, Évora)”. Maria Teresa Ferreira

246

“Villa Romana da Mesquita do Morgado (S. Manços, Évora): considerações acerca das práticas funerárias”. Maria Teresa Ferreira

ÍNDICE

“Monte da Palheta (Cuba, Beja): dados para a caracterização arqueológica e integração do sítio à escala regional”. Mónica Corga, Gina Dias

256

“Aldeia do Grilo (Serpa): contributos para o estudo do povoamento romano na margem esquerda do Guadiana”. Carlos Ferreira, Mónica Corga, Gina Dias, Catarina Mendes

261

“Resultados preliminares de uma intervenção realizada no sítio Parreirinha 4 (Serpa)”. Carlos Ferreira, Susana Nunes, Lília Basílio

267

“Depósitos cinerários em Alpendres de Lagares 3”. Maria Teresa Ferreira, Mónica Corga, Marta Furtado

271

“Workshop Dryas’09: Estruturas negativas da Pré e Proto-história peninsulares – estado actual dos nossos conhecimentos... e interrogações”. Miguel Almeida, Susana Nunes, Maria João Neves, Maria Teresa Ferreira

276

“Intervenção arqueológica na Horta dos Quarteirões 1, Brinches, Serpa”. Helena Santos

280

“A Intervenção Arqueológica no Monte das Covas 3 (S. Matias, Beja): Os contextos romanos de época republicana”. Lúcia Miguel

284

“O Sítio do Neolítico antigo da Malhada da Orada 2 (Serpa): resultados preliminares”. Ângela Guilherme Ferreira

289

“Intervenção arqueológica nas necrópoles do Monte da Pecena 1 e Cabida da Raposa 2”. Andrea Martins, Gonçalo Lopes, Marisa Cardoso

7

ÍNDICE

Memórias d’Odiana • 2ª série

250

“A VILLA ROMANA DO MONTE DA SALSA (BRINCHES, SERPA): UMA APROXIMAÇÃO À SUA SEQUÊNCIA OCUPACIONAL”. -$9,(5/$55$=$%$/*$/$5=$80 Resumo O desenvolvimento entre Outubro de 2008 e Abril de 2009 de várias intervenções arqueológicas junto do Monte da Salsa (Brinches, Serpa), revelou novos vestígios pertencentes à villa romana do mesmo nome, conhecida desde finais do século XIX. O aparecimento de fragmentos avulsos de Terra Sigillata Itálica e Gálica fundamenta a ocupação do lugar já desde o século I d.C. Contudo, as primeiras fases de ocupação detectadas remetem para os séculos II - finais IV/primeira metade V d.C., e confirmam a utilização produtiva do espaço localizado a poente da actual instalação agro-pecuária. As fases mais recentes (V-VI d.C.) evidenciam uma ruptura drástica com os anteriores modos de vida, testemunhada através da ruína generalizada dos edifícios e da nova dedicação funerária do espaço.

Abstract The development between October 2008 and April 2009 of several archaeological interventions at the Monte da Salsa (Brinches, Serpa), has revealed new remains belonging to the Roman villa of the same name, known since the late nineteenth century. The discovery of fragments of Italic and Gallic Terra Sigillata verifies the settlement of the place since the first century A.D. However, the first phases of occupation identified relate to the II - late IV/first half V centuries A.D., and confirm the productive use of space now located west of current farming facilities. The most recent phases (V-VI A.D.) show a sharp break with previous ways of life, witnessed by the widespread destruction of buildings and the new funerary dedication of the space.

1. Introdução

80

[email protected]; Empatia Arqueologia, Lda

COMUNICAÇÕES

137

Memórias d’Odiana • 2ª série

A primeira e sucinta notícia relativa à estação arqueológica do Monte da Salsa data de 1900, ano em que Leite de Vasconcelos (1899-1900, p. 231), publica as vivências e impressões surgidas durante uma das suas habituais expedições arqueológicas, realizada durante as festas de Páscoa de 1895 no Baixo Alentejo e Algarve. Apontaria no seu relato o infatigável investigador que nas proximidades da estação de comboio de Serpa existia “...uma herdade chamada A Salsa, que foi villa ou povoação romana...”, segundo as informações recolhidas, que falavam do aparecimento no lugar de vestígios de mosaicos e elementos arquitectónicos e artísticos de pedra. Vasconcelos, que nunca chegaria a visitar este sítio, não poderia estar mais certo. Teve de transcorrer quase médio século desde esta visita para que um outro investigador, o autóctone José Fragoso de Lima, inspeccionasse por fim o lugar in situ, noutra breve excursão realizada desde a já famosa estação de comboio de Serpa (Lima, 1942). A sua visita confirmaria o que Vasconcelos insinuara várias décadas antes: a existência de uma villa romana nas imediações do Monte da Salsa. O achado de abundantes cerâmicas de armazenagem e “arretina” ou de alguns elementos construtivos cerâmicos e pétreos (mármores) nas redondezas da horta do Monte assim o certificava. 1954 é o ano no qual a estação romana de Monte da Salsa se revela definitivamente à comunidade científica, ainda que não devido precisamente a uma situação grata. Alertado pela notícia da destruição de restos arqueológicos nas cercanias do monte, um outro pertinaz investigador, Abel Viana, compareceria no lugar em Julho daquele ano, confirmando o arrasamento dalgumas estruturas provavelmente pertencentes a um conjunto termal no decurso da execução de profundas lavras na zona (Viana, 1955, pp. 3-11). Procedentes das remoções, foram recuperados numerosos fragmentos cerâmicos, moedas, duas cupae funerárias (uma delas epigrafada), vários restos arquitectónicos de mármore e outros de pedra, sem dúvida pertencentes a um lagar, e uma estatua de Esculápio, também de mármore, que Viana

Ilustração 1 /RFDOL]DomRFDUWRJUiÀFD da villa romana do Monte da Salsa.

interpretaria como procedente das destruídas termas ou de um hipotético templo anexo às mesmas, destinado a honrar ao deus da Medicina. De especial interesse resultaria a descoberta de vários recipientes cerâmicos de armazenagem em cujas superfícies foi estampilhada a inscrição ECLESIESCEMARIE LACATENSIAAGRIPI que provaria a cristianização do lugar num momento não determinado. O primeiro reconhecimento arqueológico da estação realizado desde perspectivas já modernas teria de esperar mais outros 40 anos, concretamente pela elaboração da Carta Arqueológica do Concelho de Serpa, materializada nos meados da década dos anos 90 do século passado (Lopes et al., 1997, pp. 33-34). Durante o programa de prospecções realizadas na zona para este efeito foram localizados exemplares de Terra Sigillata Hispânica e Clara C e D, dolia, assim como alguns fragmentos cerâmicos cobertos com esmalte de tonalidade melada que poderiam indiciar uma ocupação do lugar mais tardia, centrada nos séculos X-XI. Desde 1997 as intervenções arqueológicas no Monte da Salsa desdobraram-se em trabalhos de acompanhamento e escavação, na sequencia da realização de diversas obras no local. Referimo-nos ao acompanhamento da instalação, nesse mesmo ano, de uma conduta de água do Sistema Adutor do Aproveitamento Hidráulico de Enxoé, junto da estrada que liga Serpa e Brinches; ao acompanhamento em 2005, por um lado, da abertura de várias valas destinadas a receber um sistema de rega e, por outro, da destruição do muro delimitador da sua antiga horta; e à escavação em 2007 de uma ampla sondagem junto dos edifícios do Monte por motivo da abertura das sapatas para a instalação de um moderno carregador de azeitonas. Estas duas últimas intervenções permitiram detectar diversos vestígios arquitectónicos da villa romana, provavelmente pertencentes ao sector produtivo da instalação e datados da época baixo-imperial81.

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2. A intervenção actual A execução do projecto Bloco Oeste da Rede Secundária do Subsistema de Rega do Ardila, promovido pela EDIA Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva, S. A., implicava o desenvolvimento prévio de um projecto

81

Agradecemos desde já às Dras. Carolina Grilo e Teresa Ricou a amável disponibilização de informações relativas às suas inter venções arqueológicas no Monte da Salsa.

COMUNICAÇÕES

de minimização de impactes sobre o património cultural (adjudicado à empresa Empatia Arqueologia, Lda.), de aplicação a um total de sete ocorrências arqueológicas pertencentes todas elas à freguesia de Brinches (Serpa). Entre estes lugares, o sítio do Monte da Salsa, integrado na Frente 1 do projecto, receberia onze sondagens de avaliação de 3 x 5 m (num total de 165 m2), implantadas no eixo da futura conduta de rega, que cruzaria a área no sentido Norte-Sul pela berma ocidental da estrada nacional 265 Serpa - Brinches. As sondagens, realizadas em Outubro de 2008, foram distribuídas de forma regular ao longo de 300 m, equivalentes à distância da estação arqueológica que seria atravessada pela futura instalação. A descoberta de diversos vestígios durante a abertura destes trabalhos (nomeadamente na sondagem 1- frente ao portão de acesso ao Monte - e nas sondagens 3 e 4 - de ambos os lados da antiga entrada da sua horta -), motivaria a realização de uma segunda fase de escavações arqueológicas com o objectivo de obter uma visão mais completa dos indícios encontrados. Estes trabalhos, levados a cabo entre os meses de Fevereiro e Abril de 2009, compreenderam a abertura de uma vala de 2 m de largura e 260 m de comprimento (520 m2, dos quais 135 m2 pertenciam às sondagens abertas na campanha do 2008), coincidente novamente )RWRJUDÀD²9LVWDJHUDOD6XOGDLQWHUYHQomRDUTXHROyJLFD com o traçado da conduta. Para facilitar o registo nesta fase, foi implantada sobre a área uma grelha de escavação, orientada segundo o Norte Magnético e dividida em quadrículas de 20 m de lado. A sua enumeração seguiu a orientação Sul - Norte com recurso a letras maiúsculas e Oeste-Este mediante números sucessivos. Desta maneira, a zona a intervir ficaria inserida numa única coluna com início a Sul (quadrícula A1) e término a Norte (quadrícula M1). Finalizados os trabalhos desta segunda fase de intervenção arqueológica, procedeu-se à realização de vários alargamentos com o objectivo de melhorar o nível de compreensão de algumas realidades que foram aparecendo durante os trabalhos, essencialmente várias estruturas que corriam para além dos limites inicialmente marcados.

3. Resultados dos trabalhos

COMUNICAÇÕES

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De forma muito sintética, a intervenção arqueológica desenvolvida durante o mês de Outubro de 2008, permitiu definir três áreas com diferentes graus de sensibilidade arqueológica. A Zona Norte (sondagens 1, 2, 9 e 10), a mais próxima do núcleo edificado actual, e a Zona Sul (sondagens 5, 6, 7 e 8), mostraram uma importante presença de espólio baixo-imperial não associada a estruturas, exceptuando os restos de uma canalização levantada em opus signinum na sondagem 9. A Zona Central (sondagens 3, 4 e 11), junto do portão da antiga horta do Monte, constituir-se-ia na área de maior sensibilidade arqueológica, uma vez que nas três sondagens se encontraram vestígios bem preservados de estruturas de indubitável datação romana. Pela sua parte, os resultados obtidos da escavação do extenso “canal” durante a segunda fase da intervenção vieram a confirmar em parte o que a primeira já deixou perceber: a existência de um importante núcleo construtivo poucos metros a Sul do antigo portão da horta do Monte (quadrícula E1); de um outro bastante degradado, já detectado durante a primeira fase, a uns 30 m a Norte do anterior (quadrículas F1 e G1); e de um terceiro, não revelado na fase anterior e em muito bom estado de conservação, na Zona Norte, nas imediações da antiga sondagem 1 (quadrículas K1 e L1). Ainda mais a Norte foram localizados outros vestígios de edifícios da época romana, se bem que bastante alterados pelos trabalhos agrícolas e a construção recente de caminhos (quadrícula M1). Resulta inegável que uma escavação arqueológica destas características teria que proporcionar necessariamente uma visão transversal da estratigrafia da estação, apesar das limitações impostas pelas dimensões da área aberta (muito extensa, mas também estreita de mais para lograr uma visão suficientemente esclarecedora dos vestígios). Contudo, o aparecimento de importantes elementos estruturais pertencentes à villa nas quadrículas mencionadas, associados a níveis comuns a toda a zona dos trabalhos, colocou-nos perante a possibilidade de elaborar uma única matriz estratigráfica para a totalidade da intervenção. Apresentamos a seguir, de forma resumida, as suas fases mais significativas.

Ilustração 2 – Plano ÀQDOGDTXDGUtFXOD E1 com implantação das estruturas (Autor: Rui Oliveira).

• FASE I Em redor dos extremos da Zona Centro, directamente assentes sobre o afloramento de caliço, foram detectados vários depósitos de natureza argilosa, preenchendo pequenas cavidades ou depressões existentes no substrato geológico. Algumas destas unidades continham escassos fragmentos de Terra Sigillata Hispânica e Clara A, atribuíveis ao período alto-imperial, datados entre a segunda metade do século I e finais da seguinte centúria, aos quais se deverão acrescentar alguns exemplares de Terra Sigillata Itálica e Gálica localizados avulsos em outras fases, e que testemunhariam a ocupação do lugar no período referido. • FASE II A sequência “ocupacional” da villa do Monte da Salsa começaria na verdade com esta Fase II, que está representada pela presença de parcos vestígios de estruturas nas quadrículas E1 e L1, muito afectados pela sobreposição de edificações posteriores, e por vários negativos localizados na quadrícula E1, cuja forma e secção sugerem a eventual presença de alguma estrutura construída em madeira.

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• FASE IV Consiste numa das fases mais representativas e complexas da intervenção, encontrando-se presente em três zonas: na quadrícula E1, nas quadrículas F1/G1, e no núcleo de estruturas localizado nas quadrículas K1/L1 da Zona Norte. Na primeira, após o )RWRJUDÀD²9LVWDJHUDOD6XGRHVWHGDVHVWUXWXUDVORFDOL]DGDV abandono das estruturas correspondentes à Fase III, nas quadrículas K1/L1. foi levantado um edifício com paredes de pedra às que foram encostados diversos elementos: uma lareira construída em tegulae, um apoio quadrangular igualmente construído com tegulae e, pouco mais a Norte, uma canalização em opus caementicium, que devia encaminhar algum líquido até um desaparecido contentor rectangular do qual só se salvaguardou a sua impressão, marcada sobre finas argamassas depositadas sobre o afloramento rochoso. A cronologia deste conjunto é fornecida por um grande nível de terras com carvões, que se estende desde a lareira em direcção

COMUNICAÇÕES

Sul, e que parece corresponder ao último momento de utilização da mesma antes da zona sofrer uma profunda remodelação (Fase V da sequência). A cronologia atribuída a este momento – balizada pelos fragmentos de sigillata recolhidos no depósito, com presença maioritária de Clara A (dominam as formas Hayes 14C, Hayes 27 e Hayes 31), acompanhados de algumas Hispânicas de Andújar e vários exemplares de Clara C (Hayes 48B e Hayes 50) - aponta como data limite os finais do século III d.C. Nas quadrículas F1/G1 foi detectada uma estrutura, no fundo da sequência, erigida no interior de uma fossa rectangular escavada no substrato rochoso, construída com fragmentos de tegulae dispostos na horizontal e ligados entre si com argamassa hidráulica. Em torno desta estrutura foram recuperadas in situ duas anforetas e um pote de cerâmica comum com a superfície intensamente polida. O outro grande núcleo construtivo representativo desta fase situa-se na Zona Norte, nas quadrículas K1/L1. As estruturas encontram-se organizadas por dois muros principais construídos com pedra e tegulae, que deveriam desenhar um espaço fechado excepto pelo seu flanco Sul. No seu interior foram dispostas várias estruturas de combustão, algumas de tipologia )RWRJUDÀD²9LVWDJHUDOD6XOGDVHVWUXWXUDV similar à detectada na quadrícula E1 (de planta quadrangular e construídas localizadas na quadrícula E1. com tegulae), possivelmente lareiras, enquanto que noutros dois casos, deverão corresponder a fornos mais complexos, fechados, que seriam encostados a um dos muros mencionados. Na nossa opinião, a estrutura situada mais a Sul corresponderia à câmara de cozimento de um forno doméstico - encontrava-se cheia de sementes de cereal - enquanto que a adjacente a Norte tratar-se-ia da sua câmara de combustão, alimentada através de uma abertura efectuada no muro U.E. 2162, posteriormente fechada. Definitivamente, parece tratar-se de uma área destinada a funções domésticas, cujos níveis associados se caracterizam pela presença maioritária de T.S. Clara A e C, fundamentalmente esta última, representada pelas formas Hayes 45A e Hayes 50. • FASE V Esta fase da sequência parece apontar para um momento de remodelação dos espaços edificados das quadrículas E1 e K1/L1. É especialmente perceptível na quadrícula E1, onde, sobre as estruturas da fase anterior, foram implanta-

Ilustração 3 – Plano ÀQDOGDVTXDGUtFXODV K1/E1 com implan tação das estruturas (Autor: Rui Oliveira).

COMUNICAÇÕES

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dos dois novos muros, com orientação ligeiramente diferente daquelas. Contudo, a implantação destas novas construções não supôs a desactivação das funções iniciais da área, mantendo-se em vigor muitos dos elementos da fase anterior (lareira, aqueduto,…), situados a Norte, enquanto que a Sul, a reorganização do espaço foi total, desmantelando todos os muros existentes na zona quase até a base. Nas quadrículas J1/K1 da Zona Norte, as remodelações não foram tão marcantes, sendo no entanto evidente a existência de uma certa ruptura na utilização do espaço. Por exemplo, a lareira quadrangular é agora remodelada por completo (embora mantendo a sua função e posicionamento) e reedificada com um pequeno muro periférico de pedras. O final da fase nesta zona é testemunhado pelo já comentado fecho detectado na abertura da câmara de combustão, rasgada no muro U.E. 2162. Também nesta fase incluímos, com alguma prudência (dada a falta de referências cronológicas), algumas estruturas localizadas nas quadrículas L1 e M1, num estado de preservação muito precário, e a canalização de opus signinum revelada durante os trabalhos de 2008 na sondagem 9. • FASE VI Sobre a fase anterior detectaram-se em toda a área aberta extensos níveis térreos, derrubes e amplas estruturas negativas que denunciam uma clara desactivação dos espaços edificados. Na prática, quase em todas as unidades englobadas neste momento, a presença de fragmentos de T.S. Clara D torna-se um elemento distintivo, em especial nos potentes níveis de derrube que acabaram por cobrir as estruturas das fases anteriores. Um momento que a julgar pelos materiais deverá remontar à segunda metade do século IV até meados do século V d.C. (mais próximos talvez desta última data, em virtude da presença de alguns exemplares de Late Roman “C”). • FASE VII Na Fase VII integramos um variado conjunto de realidades situadas entre dois claros momentos de abandono, mas com notória escassez em todas elas de materiais/marcadores cronológicos. No entanto, apesar desta ausência de referências cronológicas e de relações estratigráficas entre as diversas zonas, era evidente que as realidades detectadas se repetiam por toda a área intervencionada, marcando com clareza um período de funcionalidade bem diferente das fases anteriores. Na Zona Norte os edifícios arruinados durante a fase anterior serviriam de guia para a construção de outras estruturas de muita menor qualidade, similares às construídas na área setentrional da Zona Centro (quadrículas G1/ H1), com as que partilham também um elevado grau de alteração, sem dúvida por terem sido afectadas pelos modernos trabalhos agrícolas. Distribuídas pelas três zonas, encontraram-se, por último, os restos de três sepulturas de inumação, das quais somente duas conservavam o defunto no seu interior. A situada na quadrícula L1 continha o esqueleto de um indivíduo jovem depositado no interior de uma caixa construída com tegulae, à qual faltava uma das paredes laterais e a maior parte do fecho superior. No canto SE da estrutura U.E. 2013, na quadrícula E1, foram localizados os restos de uma outra caixa de tegulae , com vestígios da tampa e do fundo, também erigidos com tegulae, mas sem inumação no seu interior. Já a sepultura localizada na quadrícula F1, correspondente a um bebé e ao ossário de um outro bebé depositado aos seus pés, desperta muitas mais dúvidas dado o seu forte grau de alteração, o seu posicionamento estratigráfico directamente sobre o afloramento rochoso - e a ausência de espólio associado.

4. Os materiais arqueológicos

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A escavação desenvolvida na villa do Monte da Salsa proporcionou um vasto e diversificado espólio arqueológico, procedente basicamente dos níveis de abandono e, em menor medida, de ocupação. No conjunto encontram-se exemplares de cerâmica comum, Terra Sigillata, lucernas, ânforas, vidros, bronzes, moedas, armas, objectos em osso, e até alguns elementos escultóricos e arquitectónicos que testemunham a importância atingida pela villa. Devido ao seu extenso volume, optamos por analisar inicialmente aqueles materiais que melhor se poderiam ajustar aos nossos objectivos de balizamento cronológico da sequencia estratigráfica, e, em especial, aos abundantes exemplares de Terra Sigillata e de lucernas. A visão obtida desta análise foi complementada com o estudo de outros elementos que, quer pela sua originalidade, quer pelo seu valor enquanto referente cronológico, quer ainda por se tratar de objectos de distinção, consideramos apropriado incluir no análise. A selecção analisada de Terra Sigillata é composta por 301 fragmentos com significativa informação tipológica ou decorativa, de um grupo que ultrapassa largamente o milhar de amostras. No universo escolhido prevalece a Terra Sigillata Clara com 247 exemplares (82,06%), enquanto que a Terra Sigillata Hispânica, na que dominam as produções

COMUNICAÇÕES

)RWRJUDÀD²/XFHUQDGHGLVFRFRPFHQDFLUFHQVH (Forma Deneauve VIIIB).

)RWRJUDÀD²%ULGmRGHFDYDORHPEURQ]HFRPGHFRUDomR FHQWUDOÀJXUDWLYD

de Andújar sobre as de Tritium Magallum, é constituída por 51 peças (16,94%). O grupo da T.S. Clara é dominado, com mais de metade da amostra, pela T.S. Clara A (53,85%), enquanto que as produções C e D dividem, em partes quase iguais, o resto do conjunto (25,21% e 20,94%, respectivamente). O grupo das lucernas é integrado por quinze exemplares, entre os que se encontram vários representantes de lucernas de volutas, de disco (sem dúvida as mais abundantes), e algumas, poucas, de carácter votivo/mineiras ou elaboradas em Terra Sigillata Africana (reconhecem-se alguns fragmentos de lucerna de canal do Tipo VIII C2). A lucerna de disco é, sem dúvida, o tipo melhor documentado no Monte de Salsa, com nove exemplares, entre os quais um exemplar completo da forma Deneauve VIIIB (=Dressel-Lamboglia 28), datável dos finais do século II d.C. e todo o século III d.C. A sua base conserva um grafito (VX), entretanto que a orla, decorada com rosetas e cachos em relevo, rodeia uma cena circense, com quadriga triunfante parada à esquerda. Contudo, é a denominada cerâmica comum o grupo mais abundante dentro do espólio. Quanto as formas, dominam as pecas destinadas à cozinha, em especial os pratos e panelas, seguidas por outros tipos minoritários como os alguidares, os potes, as tigelas ou os almofarizes. Sobressaem ainda vários exemplares completos de cerâmica de armazenagem: um dolium e uma talha de grandes dimensões, duas anforetas e um pequeno pote, localizados todos eles no interior de entalhes ou pequenas fossas abertas no afloramento. Entre os objectos de metal têm especial interesse duas pecas com já alguma tradição bibliográfica: uma faca tipo Simancas (séc. IV-V d.C.), com lâmina de ferro e punho provavelmente em prata (sem analisar); e um bridão de cavalo em bronze (séc. IV-VI d.C.), cuja tipologia se inscreve no grupo de exemplares circulares para adorno de cavalos de parada, com decoração figurativa central complementada com incisões circulares no anel exterior. Um último grupo de objectos destacado no conjunto são as peças elaboradas em osso, em especial os alfinetes (18 completos) destinados a segurar, manter e embelezar os penteados (acus crinalis) e as agulhas (5 completas) para coser (acus).

5. Conclusões

COMUNICAÇÕES

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Embora os resultados da intervenção não o permitam assegurar, existem fundadas suspeitas de que a ocupação da villa do Monte da Salsa terá tido início já no século I d.C., coincidindo com o patenteado noutras villae da região como S. Cucufate ou Pisões. Considerar se esta povoação era ou não forânea, como já se questionara Maria da Conceição Lopes (2000, p. 264-265), é uma questão que deverá esperar à realização de escavações de maior extensão que as presentes, nomeadamente na sua pars urbana. Entretanto, os momentos de ocupação melhor documentados, correspondentes às Fases IV e V da sequência estratigráfica, remetem para os séculos II-III e IV-V d.C. respectivamente, e confirmam a utilização produtiva dos edifícios localizados nas quadrículas E1 e K1/L1. Esta é, de facto, uma das principais conclusões que resultam da presente intervenção: a identificação da antiga horta do Monte como a área onde com mais probabilidade se deverá localizar o grosso das instalações da pars frumentaria, nas proximidades do Barranco da Aldeia dos Testudos.

Por último, as Fases VI-VII evidenciam uma radical transformação das funções da villa, provavelmente ocorrida a partir de meados do século V d.C. Uma situação, por outro lado, comum a toda a paisagem rural romana do ocidente europeu (Brogiolo & Chavarría, 2008). Com efeito, a partir desta data detecta-se no registo arqueológico das villae tardo-antigas uma drástica ruptura com os anteriores modos de vida aristocráticos, como consequência do desaparecimento real dos domini da esfera rural (Chavarría, 2006, p. 25). Assim, os espaços mais representativos das villae seriam em muitos casos inutilizados e sobrepostos por outros mais modestos, de dedicação artesanal ou inclusive funerária, em ocasiões também vinculadas à construção de edifícios de culto cristão. Muitos destes últimos elementos encontram-se representados precisamente na Fase VII do Monte da Salsa, uma fase que parece representar o momento imediato à ruína generalizada de muitos dos edifícios que constituíam a antiga unidade agro-pecuária. No entanto, e devido à restrita superfície da intervenção, não é possível concluir se o aparecimento desta nova função funerária na zona supôs a completa perda de função dos antigos ambientes ocupacionais da villa. Mas, contudo, não queremos deixar de salientar que os escassos dados existentes sobre este assunto parecem apontar precisamente nessa direcção: referimo-nos, no concreto, às escavações realizadas em Setembro de 2007 nas proximidades da pars urbana da villa, que revelaram a reutilização de algumas construções produtivas (vários tanques pertencentes provavelmente a um lagar, revestidos internamente com opus signinum) como espaço funerário.

%LEOLRJUDÀD Brogiolo, Gian Pietro; Chavarría Arnau, Alexandra (2008) - El final de las villas y las transformaciones del territorio rural en Occidente (siglos V-VIII). In Fernández Ochoa, Carmen; García-Entero, Virginia; Gil Sendino, Fernando, eds. - Las villae tardorromanas en el occidente del Imperio: arquitectura y función, IV Coloquio Internacional de Arqueología en Gijón. Gijón: Trea, pp. 193-213.

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Chavarria Arnau, Alexandra (2006) - Villas en Hispania durante la Antigüedad Tardía. In Chavarria, Alexandra; Arce, Javier; Brogiolo, Gian Pietro, eds. – Villas Tardoantiguas en el Mediterráneo Occidental. Anejos de AEspA. Madrid: CSIC. XXXIX, pp. 17-35. Lima, José Fragoso de (1942, 25 de Abril) - A Herdade da “Salsa” (Estação romana na freguesia de Brinches, entre Moura e Serpa). Jornal de Moura. Ano XXII, 743, p. 1. Lopes, Maria da Conceição; Carvalho, Pedro; Gomes, Sofia de Melo (1997) - Arqueologia do Concelho de Serpa. Serpa: Câmara Municipal de Serpa. Lopes, Maria da Conceição (2000) - A Cidade Romana de Beja. Percursos e debates em torno de Pax Iulia, Dissertação de Tese de Doutoramento em Arqueologia, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra. Policopiado. Vasconcelos, José de Leite de (1899-1900) - Da Lusitânia à Bética. O Archeologo Português. Lisboa. Série I, 5, pp. 225-249. Viana, Abel (1955) - Notas Históricas, Arqueológicas e Etnográficas do Baixo Alentejo. Arquivo de Beja. Beja: Câmara Municipal de Beja. XII:1-4, pp. 3-35.

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