A violência noticiada pelo jornalismo de revista brasileiro: um estudo envolvendo o emprego da tática black bloc.

July 9, 2017 | Autor: E. Toscani Gindri | Categoria: Criminologia, Criminología Crítica, Newsmaking Criminology
Share Embed


Descrição do Produto

1

A violência noticiada pelo jornalismo de revista brasileiro: um estudo envolvendo o emprego da tática black bloc. RESUMO O presente artigo tem como temática o estudo da tática black bloc nas manifestações sociais que ocorreram em junho de 2013. As manifestações foram marcadas pela violência policial, pela aglutinação de pessoas nas ruas e pelo consistente emprego da tática. Os veículos de comunicação, especificamente o jornalismo de revista, objeto de análise deste trabalho, retrataram de forma variada a ação dos manifestantes. Analisaram de forma superficial a ação dos manifestantes em black blocs, criminalizandoos, dicotomizaram as ações entre “bons e maus” manifestantes e omitiram grande parte das ações truculentas e violadoras dos órgãos repressores do estado. A pesquisa foi desenvolvida buscando identificar “de que maneira se constrói o conceito de violência a partir das manifestações sociais, sobretudo no uso da tática black bloc?”. O objetivo geral é problematizar a conceituação da violência sobre as ações de manifestantes segundo a tática black bloc nas manifestações de junho de 2013. As ações analisadas por um viés criminológico crítico e a partir complexificação do conceito de violência empregado pelos veículos analisados permite evidenciar a tentativa de denunciar as violências cotidianas impetradas pelo modelo capitalista vigente. Portanto, torna claro o emprego da tática black bloc como estratégia simbólica de resposta à violência estrutural que o sistema impõe aos cidadãos e cidadãs.

Palavras-chave: Black bloc.; Criminologia Crítica.; Jornalismo de revista; Violência.

1. INTRODUÇÃO

O mês de julho de 2014 teve como um dos temas polêmicos divulgados pelos meios de comunicação de massa a decretação da prisão de 23 pessoas por figurarem como réus em processo no qual se investigava sua participação em manifestações violentas em junho de 2013. A polêmica envolvia, de um lado, a polícia, o Ministério Público e o juiz de direito que decretou a prisão dos envolvidos; de outro lado, advogados, juristas, estudiosos, ativistas e movimentos sociais que protestaram publicamente contra o que consideraram ser o reconhecimento de um estado de exceção. Os veículos de comunicação hegemônicos adotaram a postura das primeiros; os veículos alternativos, a postura dos segundos. O principal mote da polêmica era o uso de violência nas manifestações, tema que permeou toda a cobertura jornalística sobre as manifestações de junho de 2013.

1

2

Pensando sobre esse tema, extremamente atual e relevante, este trabalho de pesquisa se propõe a olhar para as manifestações sociais que aconteceram no Brasil, em junho de 2013, para analisar a temática da violência, com foco nas ações promovidas por manifestantes identificados e participantes da tática black bloc. Assim, traz como problema de pesquisa a questão: “De que maneira se constrói o conceito de violência a partir das manifestações sociais, sobretudo no uso da tática black bloc?”. Diante da complexidade do conceito de violência, o trabalho tem por objetivo problematizar o uso corrente do termo nos veículos de comunicação para designar alguns tipos de manifestações sociais, como, por exemplo, o uso da tática black bloc. Os argumentos do trabalho serão expostos de forma dedutiva. Inicialmente, serão apresentados conceitos fundamentais para a compreessão da tática black bloc e das atitudes dos “manifestantes black blocs”. A partir da compressão destes, que compõem um dos objetos da pesquisa, será discutido o conceito de violência a partir do marco teórico da Criminologia Crítica. Enquanto, historicamente, a criminalidade era vista como algo patológico, a teoria do etiquetamento traz a ruptura epistemológica desse sistema, percebendo que o desvio é produto da definição desse status, da rotulação de indivíduos e comportamentos como desviantes por grupos detentores de poder para tanto (BECKER, 1996). Por sua vez, a Criminologia Crítica busca compreender este processo de rotulação do status de criminoso, considerando o contexto social das relações de poder e desigualdades materiais do sistema capitalista, dentro de uma visão macrossociológica conflitualista (BARATTA, 2002). 2. A TÁTICA BLACK BLOC

A tática black bloc surgiu na Alemanha Ocidental dos anos 80 com o objetivo específico de lutar contra a repressão policial exercida nos squats, áreas de ocupação popular. Caracterizados por usarem roupas e botas pretas, os adeptos da tática black bloc logo ganharam visibilidade devido à homogeneidade de seus participantes e ao aspecto estético que os mesmos ofereciam dentro das manifestações, sendo esta, como aponta Dupuis-Déri (2014), a principal diferença dessa tática para as demais utilizadas em manifestações. Com o objetivo evidente de proteger os manifestantes, a tática assumiu primeiramente um posicionamento passivo nas manifestações, esperando ocorrer a repressão policial para então assumir a sua posição de “guerrilheiros urbanos” e, consequentemente, utilizar as ações concretas de enfrentamento policial. No entanto, na manifestação de Seattle em 1999, a tática black bloc demonstra a sua filiação aos ideários anticapitalistas e antiglobalização que eclodem

2

3

com grande efervescência na virada para o ano 2000 e, em decorrência disso, a tática expõe a sua face proativa agindo contra os símbolos do capitalismo e não apenas em resposta à repressão policial. A partir dessa construção histórica da tática black bloc é possível perceber a sua presença nas mais diversas manifestações e localidades o que gera uma das maiores confusões entre os que não compreendem a dinâmica black bloc e acabam por confundir a tática com uma organização internacional permanente e seus membros como adeptos de uma ideologia específica, “porém, o termo Black Bloc representa uma realidade mutável e efêmera” (DupuisDéri, 2014, p.10). É necessário compreender o caráter descentralizado e horizontal das ações dos “manifestantes black blocs”, não há uma organização perene e continua dessas pessoas, com pautas, regras e lideranças definidas, o black bloc surge e se desfaz na manifestação, logo, todos os presentes podem se vestir de preto, cobrir seus rostos e aderir a tática não sendo necessário ser adepto de uma ideologia ou grupo específico. Verifica-se, portanto, errônea a afirmação de que todos os “manifestantes black blocs” são anarquistas, pois não há impedimentos ideológicos, apenas a concordância quanto a existência do inimigo em comum: o capital. A tática black bloc é uma forma de se comportar nas manifestações. O principal objetivo de seus participantes é chamar atenção para uma crítica radical contra a violência estrutural gerada pelo sistema político e econômico capitalista, não se filiam a uma pauta específica, pois acreditam que cada uma é parte essencial na luta contra o capitalismo, portanto, não possuem a intenção de serem revolucionários e nem nutrem a ilusão de que a utilização da tática isolada é suficiente para conseguir alcançar as mudanças que almejam, acreditam nela como um meio de viabilizar e dar visibilidade as reinvindicações presentes nas mobilizações. Podemos visualizar a presença da tática black bloc protegendo os manifestantes contra a repressão policial e praticando seus atos contra símbolos do capitalismo, na maioria das vezes depredações de bancos, concessionárias automotivas e estabelecimentos de grandes multinacionais, não sendo obrigatória a presença de ambos para haver a caracterização da tática, ou seja, é perfeitamente possível a presença pacífica dos “manifestantes black blocs” sendo suficiente a estética visual do bloco negro para estar caracterizada a crítica radical pretendida. Contudo, a presença dos “manifestantes black blocs” só costuma ser percebida quando há a face proativa dos mesmos, promovendo as depredações dos patrimônios públicos e privados, motivando ou em resposta a ação policial. Como trazer visibilidade às manifestações é um dos objetivos dos “manifestantes black blocs”, a utilização da violência performativa tornou-se o principal instrumento na efetivação

3

4

desse objetivo e uma característica relevante dessa tática que conseguiu a visibilidade midiática, contudo, como vândalos, marginais, desocupados que cometem uma violência sem sentido. Porquanto, apesar da evidente deslegitimação pela mídia das ações praticadas, as mesmas continuam a ser realizadas para conseguir os holofotes midiáticos ainda que por ângulos não muito favoráveis. A ação dos black blocs adentra o “espetáculo midiático, na medida em que busca introduzir um contra espetáculo, ainda que, de certa forma, este dependa do espetáculo oficial, e da mídia pública e privada” (DUPUIS-DÉRI, 2014, p. 12). A questão da violência performática utilizada pelo black bloc vem conceituada por Juris como: [...] encenações rituais simbólicas de interação violenta com ênfase predominante em comunicação e expressão cultural. Isso contrasta com a violência política direta que significa causar morte ou dano de humanos contra humanos, apesar de essa diferença ser frequentemente de grau. No contexto da ação política, a violência performativa pode ser vista como uma forma de comunicação através da qual os ativistas buscam efetivar transformações sociais encenando confrontações simbólicas baseadas na ‘representação de relações antagonísticas e na encenação de imagens prototípicas de violência’ (Schröder and Schmidt, 2001) (JURIS, 2005, p.415, tradução livre)

O autor busca esta categoria para inserir os atos realizados por manifestantes, na cidade italiana de Gênova, em 2001, quando houve a formação de black blocs e consequente representação midiática destes. Juris deixa evidente que a violência performativa possui aspectos singulares que a diferencia da violência física, que acontece nas relações entre os seres humanos. Há aspectos prático-instrumentais que envolvem o esforço de transformar diretamente o ambiente social, enquanto há também os aspectos simbólico-expressivos que enfatizam a comunicação e dramatização de ideias e valores sociais importantes: “performances violentas funcionam amplamente através de exibições icônicas não verbais, espetaculares, fornecendo ativistas de base com valiosos recursos simbólicos” (JURIS, 2005, p. 415, tradução livre). Ainda quanto a questão da violência performativa é necessário estar atento a deslegitimação promovida pela mídia ao caracterizar esses atos como criminosos, pois ao fazer este enquadramento os veículos midiáticos retiram todo o sentido ideológico e político existente por trás das quebras de vidraças, retira-se a motivação dos manifestantes black blocs para sobrar apenas o vandalismo sem sentido, a violência gratuita. Ao abordar a tática black bloc é essencial dar foco ao alvo das ações feitas por estes, não apenas como estabelecimentos, mas como símbolos que representam, “... o que torna esse tipo de ação inteligível é seu alvo” (DUPUIS-DÉRI, 2014, p. 66). Ou seja, é preciso que se aborde a significação simbólica das depredações e dos enfrentamentos policias, os quais possuem uma

4

5

raiz ideológica no anticapitalismo para que a performance realizada seja compreendida na sua dimensão de crítica radical ao sistema político e econômico e não como atos praticados por criminosos sem nenhum tipo de motivação além do prazer em destruir o patrimônio. A violência performática é compreendida através do conhecimento das peculiaridades de seus alvos. A respeito do Occupy, de Wall Street,

Žižek observa que em geral as ações

empreendidas pelos manifestantes são caracterizadas como violentas. Essa não é uma percepção isenta de críticas, segundo o autor: Os manifestantes são violentos? É verdade que sua linguagem pode parecer violenta (ocupação e tudo mais), mas eles são violentos somente no sentido em que Mahatma Gandhi era violento. São violentos porque querem dar um basta no modo como as coisas são feitas - mas o que é essa violência quando comparada àquela necessária para sustentar o suave funcionamento do sistema capitalista global” (ŽIŽEK, 2012, p. 17 - grifado no original).

Deste modo, ao exercer a violência performativa, os manifestantes em black blocs buscam exercer a função de chamar atenção midiática ao movimento e ainda expressar a indignação com o sistema capitalista através da quebra de símbolos específicos, como vidraças de instituições financeiras ou veículos da mídia hegemônica. É importante destacar que a violência performativa não se destina à agressão de seres humanos, à produção de danos que causem prejuízo, emocional ou físico, a outrem, sequer se dirige contra carros comuns, lojas e casas, pois tais condutas estão fora da lógica de significação proposta pela tática (JURIS, 2005). Sua ênfase é como forma de comunicação e expressão de indignação frente ao sistema opressor, ou seja, uma maneira de demonstrar publicamente o descontentamento com as violência perpetradas previamente pelo sistema. 2. COMPLEXIFICANDO A VIOLÊNCIA

A palavra violência movimenta uma gama de sentimentos e sentidos diferenciados ao ser enunciada e ao caracterizar atos, fenômenos e sujeitos. No senso comum, se percebe a violência como uma agressão que tem por consequência algum dano. Por outro lado, a problematização do conceito de violência leva a crer que a violência apresenta dimensões complexas que vão além da relação causa efeito entre uma agressão e seu respectivo resultado. Como já afirmado por Žižek (2012), a violência performativa desempenhada pelos manifestantes tem fundamento e legitimidade na contestação das violências instrínsecas ao sistema capitalista, que suprime em inúmeras situações e contextos as necessidades e potencialidades do ser humano.

5

6

Baratta (2003), baseado em Galtung, explica que os direitos humanos projetam normativamente potencialidades de existência e da qualidade de vida das pessoas, ou seja, as necessidades reais. Daí que a violação dos direitos humanos, característica da história dos povos e da sociedade, é uma repressão das necessidades reais das pessoas. Para Galtung, a injustiça social é a principal causa dessa repressão das necessidades reais, o que o autor denomina de “violência estrutural”: “insultos evitáveis às necessidades humanas básicas, e mais em geral, à vida, baixando o nível real de satisfação das necessidades que é potencialmente possível” (GALTUNG, 1990, p. 291, tradução livre). Assim, a violação dos direitos humanos é caracterizada como um tipo de violência, da qual decorrem direta, ou indiretamente todas as suas outras formas. Partindo-se do conceito de violência estrutural como repressão das necessidades humanas fundamentais, percebe-se que o modelo de desenvolvimento que gera a exclusão social, típica do capitalismo e sobretudo de sua versão neoliberal (BAUMAN, 1999), é violento, e gera conflitualidade. A partir da luta contra essa violência, essa conflitualidade passa a ficar evidente na forma de conflitos particulares, que se transformam em violência individual e de grupo (BARATTA, 2003, p. 340). Para Baratta (2003, p. 338), a violência estrutural, apesar de dificilmente ser assim identificada, “é a forma geral da violência, em cujo contexto, direta ou indiretamente todas as outras formas de violência encontram sua fonte, direta ou indiretamente”. Philippe Bourgois (2001), em um estudo sobre as diferentes formas de violência, percebe quatro tipos distintos, dentre eles a violência estrutural. Identificou ainda a “violência política”, aquela direcionada em razão de políticas ideológicas e às ações de movimentos populares ou de caráter repressivo do Estado. Outra dimensão seria a violência simbólica, conceito desenvolvido por Pierre Bourdieu (1997 apud BOURGOIS, 2001), para desmascarar aquela violência que opera em um nível mais íntimo e sutil, através do “desconhecimento das estruturas de poder por parte do dominado que é cúmplice de sua opressão, na medida em que cada vez que percebe e julga a ordem social, o faz por meio de categorias que fazem com que ela pareça natural e autoevidente" (BOURGOIS, 2001, p. 8, tradução livre). Por fim, Bourgois ainda conceitua a violência cotidiana, com base no conceito de Nancy Scheper-Hughes (1992, 1996, 1997). Para o autor, são as rotinas, práticas e expressões que servem para naturalizar a violência interpessoal, que pode evoluir a um nível de cultura do terror, na qual há o consenso de normalização da violência. Através desses conceitos percebe-se que o sentido de violência, vastamente utilizado para caracterizar as ações de manifestantes segundo a tática black bloc, é complexo e assume diferentes dimensões. Falar que a violência performativa é uma violência em si, sem raiz ou

6

7

sentido, significa ignorar a violência estrutural que é o cerne da indignação e da denúncia ambicionada pelos manifestantes. Significa acreditar que o conflito emerge a partir das ações da tática black bloc, ocultando sua existência prévia. Nessa esteira, afirma Baratta (2003, p. 352): “uma característica geral da construção dos conflitos dentro do pensamento penal e criminológico tradicional é justamente a sua ‘despolitização’ em termos de uma suposta ciência do comportamento individual e de uma técnica de respostas a ele”. No caso dos movimentos sociais de luta pela terra no Brasil, por exemplo, percebe-se que a violência e a conflitualidade são anteriores a esses movimentos. E, portanto, os conflitos não se resumem à sua atuação, como querem transparecer os setores conservadores da sociedade. Trata-se de uma reação à violência estrutural, que, por se utilizar de uma violência performativa, acaba por ser tachada de violenta de maneira descontextualizada, levando à criminalização de seus agentes (BUDÓ, 2013). Quanto à tática black bloc, não é diferente. Há uma quase completa negação do caráter político das ações diretas, que são relegadas para fora do campo e da racionalidade políticos (DUPUIS-DÉRI, 2014). Em geral, a imagem da criminalidade, promovida pelo cárcere, e a percepção dela como uma ameaça para a sociedade devido à atitude das pessoas e não à existência de conflitos na sociedade produz um desvio da atenção do público, dirigida de modo privilegiado ao “perigo da criminalidade”, antes que à violência estrutural. Nesse sentido, a violência criminal adquire, para o público, o lugar que deveria coresponder à violência estrutural, e em parte contribui a escondê-la e mantê-la (BARATTA, 2003, p. 346, tradução livre).

A ruptura epistemológica proporcionada pela teoria do etiquetamento, é complexificada quando a criminologia crítica busca um viés macrossociológico com foco nas relações de poder, evidencia que o sistema penal é altamente seletivo. Assim, conclui que este sistema não atua segundo a promessa dogmática da segurança jurídica, mas com forte discriminação, já que quem possui os poderes de definição e distribuição do status de criminoso são aqueles grupos de alto poder econômico e político (BARATTA, 2002). Portanto, “além de a clientela do sistema penal ser constituída de pobres e excluídos em geral, as pessoas que reivindicam mudanças do status quo são frequentemente identificadas como desviantes” (BUDÓ, 2013, p. 55). Pelo fato de a imagem da violência se resumir à violência individual, o ocultamento da violência estrutural, implica em seu incremento, e na reprodução social das desigualdades. A impunidade dos crimes mais graves é cada vez mais elevada à medida em que cresce a violência estrutural e a prepotência das minorias privilegiadas que pretendem satisfazer as suas necessidades em detrimento das necessidades dos demais e reprimir com violência física as exigências de progresso e justiça, assim como as pessoas, os grupos sociais e movimentos que são seus intérpretes” (BARATTA, 2003, p. 341).

7

8

Nessa repressão que surge como reação às ações que intentam questionar a ordem desigual posta, o sistema penal é uma ferramenta fundamental, redundando em outra forma violência: a violência institucional, a mais legitimada pelos meios de comunicação. A violência institucional é exercida “quando o agente é um órgão do Estado, um governo, o exército ou a polícia. A violência institucional pode ter formas legais, ou seja, de acordo com as leis vigentes num Estado ou, como acontece em muitos casos, ilegais” (BARATTA, 2003, p. 339). A atuação gravemente violenta da polícia contra os manifestantes somente é possível de ser legitimada a partir da despolitização dos conflitos, que levam a uma redução dos fatos à fórmula crime = pena. Assim, despolitizar e superficializar a tática black bloc implica na descomplexificação do conflito que expressa. Como consequência, “o sistema penal intervém, então, para manter a situação e não para modficá-la. Sendo assim, constrói socialmente a ideia de que uma situação complexa de conflitualidade se resume a um simples conflito, subversor da ordem” (BUDÓ, 2013, p. 180), e assim, soluciona o aparente conflito, reprimindo as manifestações e buscando coagir a formação de novos movimentos. 4. CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho, desenvolveu-se o objetivo de complexificar o conceito de violência a fim de compreender como esse se constrói a partir das manifestações promovidas por manifestantes em black blocs. Quando depredam algum prédio ou veículo, esses manifestantes atuam segundo uma perspectiva simbólica de, através desses atos, expressarem o aspecto político de descontentamento com a ordem capitalista. A caracterização desses atos como violentos e criminosos contrasta com a visão proporcionada pelo referencial teórico discutido, o qual demonstra que a violência é uma interação complexa, entre sujeitos, instituições e estruturas sociais. Ao voltar os olhos para as ações desempenhadas pelos manifestantes em black blocs, se torna evidente que por trás da violência performativa há a somatória de diferentes consequências advindas de outras formas de violência. Quando o conceito de violência é problematizado, percebe-se que as ações destes manifestantes expressam um conflito pré-existente, que visam evidenciar e questionar através dos atos que desempenham. REFERÊNCIAS

8

9

BARATTA, Alessandro. Derechos humanos: entre violencia estructural y violencia penal. Por la pacificación de los conflictos violentos. In: ELBERT, Carlos Alberto. Criminología y sistema penal: Compilación in memorian. p. 334-356. Montevideo/Buenos Aires: B de F, 2004. BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 2008. BOURGOIS, Philippe. The Power of violence in war and peace: post-cold war lessons from El Salvador. Ethnography. Volume 2(1) p. 5-34. Londres: Sage Publications, 2001 BUDÓ, Marília De Nardin. Mídia e controle social: da construção da criminalidade dos movimentos sociais à reprodução da violência estrutural. 1. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2013. DUPUIS-DÉRI, Francis. Black Blocs. São Paulo: Veneta, 2014. GALTUNG, Johan. Cultural violence. Journal of Peace Research, v. 27, n. 3, 1990. pp. 291305. JURIS, Jeffrey S. Violence Performed and Imagined: Militant Action, the Black Bloc and the Mass Media in Genoa. In: Critique of Anthropology, v. 25, 2005. Disponível em: . Acesso em: 09 jun. 2014. MEGALE, Bela; ARAGÃO, Alexandre. O bloco do quebra-quebra. Veja, São Paulo, p 72-79, 21 de ago. 2013. ZIZEK, Slavoj. O violento silêncio de um novo começo. In: HARVEY, David et. al. Occupy. São Paulo: Boitempo, 2012. p. 15-26.

9

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.