A visita de Monsenhor Scalabrini ao Bairro do Cascalho.pdf

May 27, 2017 | Autor: Paulo Tamiazo | Categoria: History, Brazilian History, Catholic Church, History of Italian Immigration
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Um santo passou por aqui: Monsenhor Scalabrini visita o bairro do Cascalho (1904) Acompanhando a brilhante obra de Riolando Azzi sobre o papel da Igreja Católica na assistência aos imigrantes, vamos primeiramente destacar trechos de seus livros, recuperando o contexto em que se inseriu a visita do bispo Giovanni Battista Scalabrini ao Estado de São Paulo e ao bairro do Cascalho. Conforme apontamos em outro texto, através do trabalho realizado por Mário Zocchio Pasotto, em seu primeiro livro, conseguimos tomar contato com muitas informações, sobre fatos ocorridos nos primeiros anos da Paróquia de Santo Antonio de Cordeirópolis, a ação e a opinião dos seus responsáveis. Cascalho, neste caso, só aparecia marginalmente. No caso desta comunidade, apesar de muita coisa ter sido realizada nos últimos anos, não consta que algo tenha sido feito para a recuperação e publicação das informações relevantes, que possam estar contidas nos Livros Tombo e na documentação do Curato, depois Paróquia de Nossa Senhora da Assunção, que completa 120 anos de reconhecimento oficial nos próximos anos. O abrangente texto de Azzi resume o fenômeno migratório da Itália a partir da segunda metade do século XIX como sendo originário primeiramente da Lombardia, depois da Sardenha-Piemonte e em seguida do Vêneto, região de onde procede a maioria das famílias que compuseram a história de Cordeirópolis e especialmente do Bairro do Cascalho. Um interessante resumo dá conta da situação e do relacionamento entre política imigratória e interesses dos proprietários das fazendas do Estado de São Paulo. Segundo Azzi, refletindo posição da pesquisadora Zuleika Alvim, os anos de 1870 a 1885 marcaram a preocupação dos fazendeiros do chamado “Oeste” primeiro com sua articulação política, através do Partido Republicano Paulista (PRP), ao mesmo tempo em que havia a desagregação do sistema escravista e a ausência de uma política imigratória definida. Não sabemos se o autor tomou conhecimento especificamente da Lei de 29 de março de 1884, que criou o sistema de imigração subvencionada e autorizou a criação dos primeiros núcleos coloniais de iniciativa provincial. Segundo o autor, o período de 1885 a 1902 teve como característica a conformação do mercado de trabalho livre, a partir da legislação de extinção gradual e depois definitiva da escravidão, além de uma política imigratória, segundo Azzi, baseada no imigrante italiano. A partir deste ano, com a adoção de medidas restritivas, o grosso da imigração passou a se direcionar aos Estados Unidos, em virtude dos prejuízos sofridos pelos que estavam destinados ao Brasil. O autor destaca, em primeiro lugar, a entrada de aproximadamente 200 mil italianos no período de 1884 a 1889 por iniciativa da Sociedade Promotora da Imigração.

Do ponto de vista religioso, segundo um missionário, havia a constatação que, em diversos locais onde o imigrante era destinado, nos países estrangeiros, “a instrução, a moralidade e a religião eram miseráveis”. Os missionários de origem italiana, inspirados pela necessidade de atender aos seus compatriotas em terras distantes, segundo o autor, esbarravam em quatro problemas: a rudeza dos colonos; a oposição dos fazendeiros ao seu trabalho e a precariedade de suas instalações durante seu trabalho. Além disso, havia a dependência das colônias, sejam elas consideradas como os núcleos coloniais ou não, ao sistema das fazendas, ou seja, falta de autonomia. Além de tudo isso, a ação dos missionários era dificultada pela falta de apoio dos bispos diocesanos, que viam neles uma concorrência predatória, que diminuía os rendimentos dos sacerdotes vinculados a paróquias; até 1890, os padres eram também funcionários do governo provincial ou central, uma vez que administrativamente a Igreja Católica estava subordinada aos poderes temporais. Como foi destacado pelo autor, a situação dos missionários gerou o pedido por um auxílio para seu sustento de forma pecuniária, representando a “justa remuneração”; isso gerava aos padres diocesanos uma “perda de renda”, além de atritos entre os envolvidos. O problema da dependência da autoridade dos fazendeiros para o exercício do ministério religioso fez com que fosse proposta a “separação” das colônias, ou núcleos coloniais, da jurisdição normal, o que pudesse permitir a conciliação dos direitos paroquiais com a devida retribuição aos missionários. Citando a autora Zuleika Alvim, Azzi resume a mentalidade dos colonos provenientes do Vêneto, frisando que “os colonos davam muita importância à assistência religiosa, sobretudo porque grande parte deles provinha do Vêneto, região italiana sob forte influência da Igreja Católica”. Mais interessante é a conceituação do autor, que propõe que “lazer”, sob a ótica destes imigrantes, era “ir a uma cidade vizinha assistir à missa ou participar de uma cerimônia”. De acordo com sua proposta de visitar as missões de sua congregação no Brasil, Scalabrini chega a Nápoles em 17 de junho de 1904, para embarcar à América. Em 7 de julho, aporta ao Rio de Janeiro, para chegar a Santos no dia seguinte. Em 9 de julho, data que se tornará importante para o Estado, o Bispo de Piacenza chega a São Paulo. No fim do mês, a obra destaca a presença do prelado na Fazenda Santa Gertrudes, no dia 30. Por fim, em 5 de agosto, ele visita o orfanato da Vila Prudente, em São Paulo, construído por seus subordinados. No final do século passado, um autor analisando as relações entre o anarquismo, o governo e a chamada “pastoral do imigrante” estabelecida por Scalabrini, oferece algumas citações específicas sobre a ação dos Missionários de São Carlos em nossa cidade.

Em 1903, o responsável pela administração da ordem no Brasil ressaltava ao seu superior que o Bispo de São Paulo tinha intenção de conceder “uma ou duas paróquias importantes” cuja “renda não seja indiferente”. Para a administração, assumir as paróquias era uma forma de “viabilizar a formação de pontos estratégicos e de referência”. Segundo este autor, a ação dos escalabrinianos no período era resumida, sob a orientação geral de “ajuda ao imigrante”, em “busca de rendas” e de “católicos desprovidos de assistência religiosa” pela administração diocesana, em virtude do número insuficiente de sacerdotes. Continuando, esta obra mostra que, por indicação do então Bispo de São Paulo, D. José de Camargo Barros, os missionários escalabrinianos se instalaram na então Paróquia de Santo Antonio dos Cordeiros e no então Curato de Nossa Senhora da Assunção de Cascalho. Mario Pasotto, em sua resenha sobre os textos do Livro Tombo da Paróquia, que esteve sob sua administração por mais de vinte anos, destaca que encontrou páginas inexistentes, relativas a período anterior à posse do padre Victor Viola, missionário da Congregação de São Carlos, em 5 de março de 1905. Em 16 de julho de 1906, conforme registros da paróquia, é nomeado outro padre da mesma congregação, Leandro Maria dell´Uomo, que construiu entre 1906 e 1909 a segunda Igreja Matriz de Santo Antonio. Estranhamente, o texto de Azzi não cita a passagem do bispo Scalabrini por Cascalho. De acordo com reportagens dos jornais “O Estado de São Paulo” e “Correio Paulistano”, recuperamos alguns dados sobre a passagem do religioso pelo então distrito de Cordeiro, ao qual pertencia o bairro do Cascalho, ambos subordinados ao Município de Limeira. Recuperando o que escrevemos em 2013, quando da descoberta destas relevantes informações na imprensa paulistana, citamos o que foi falado sobre a presença de Scalabrini por nossas terras. Vale lembrar que a posição do “O Estado de São Paulo” não era muito simpática à presença de missões religiosas ou representantes clericais estrangeiros. “Em 25 de julho, o correspondente do Correio Paulistano destacou a visita, no dia 30 do mesmo mês, de Giovanni Battista Scalabrini, bispo de Piacenza, Itália e fundador da Congregação dos Missionários de S. Carlos. (...) Em 8 de agosto, um cronista no “Correio Paulistano” registrou as festividades realizadas pela presença do Bispo de Piacenza, sem deixar de notar que “para que houvesse grossa propina, foi estabelecido o sistema de “ingresso” na igreja, cobrando por cada pessoa, de mil reis pra cima, à semelhança do que se faz nas casas de espetáculo”. Continuava o cronista: “Algumas distintas famílias que penetraram na igreja sem os correspondentes ´ingressos´ foram rispidamente maltratadas, chegando até o

padre de Cascalho dirigir-se à professora dali em termos ríspidos. A festança rendeu ao Bispo Scalabrini uma copiosa centena de mil-réis”. Alguns meses antes, em maio, um correspondente do jornal “O Estado de São Paulo” descreveu Cascalho como um “bairro [que] distava mais ou menos dois quilômetros de Cordeiro, por uma “avenida larga e malconservada”, contando com 700 habitantes.” Quanto à ação dos missionários escalabrinianos, um pequeno texto indica resumidamente o período de sua abrangência. Segundo ele, em 1904 se iniciou a expansão da administração religiosa, assumindo a responsabilidade de diversas paróquias, como São Bernardo do Campo, Cordeirópolis, Santa Gertrudes e Cascalho, até que na década de 1930, as paróquias foram devolvidas às respectivas dioceses para que a ordem se preocupasse exclusivamente com a situação dos emigrados italianos. Segundo um texto italiano sobre a vida de Scalabrini, à época de seu falecimento, os missionários estavam presentes nos Estados de São Paulo e do Paraná, nos seguintes locais: Santa Felicidade, São Paulo, Encantado, Nova Bassano, Nova Prata, Umbará, Protásio Alves, Vilas Boas, Cascalho, Monte Belo, São Bernardo do Campo, Curitiba e Monte Veneto. Uma tese sobre imigrantes italianos em Limeira destaca a presença de Scalabrini no Cascalho, dizendo que “a 31 de julho de 1904, a colônia seria visitada pelo próprio fundador do Instituto dos Missionários de São Carlos, o Monsenhor Scalabrini, bispo de Placência, que ficou deveras impressionado com a vida da colônia e com a notável adaptação de seus patrícios ao Brasil.” Em nota, o autor indica que “Monsenhor Scalabrini registrou, antes de partir, algumas palavras de estímulo e de gratidão, em sua língua natal, no Livro Tombo da Paróquia de Cascalho”. Através da dissertação sobre a análise de cartas enviadas pelos imigrantes italianos de Cascalho à terra natal, passamos a conhecer o que Scalabrini escreveu: “Fui acolhido com sinais de vivíssima alegria por esta colônia de Italianos de Cascalho, que eu agradeço novamente e da qual não me esquecerei nunca. No dia seguinte celebrei a Santa Missa, implorando de Deus abundância de graças e bênçãos sobre todas as famílias. Adeus, irmãos, nos vemos no Paraíso”. Parece que o bispo de Piacenza estava sendo premonitório, pois faleceu menos de um ano após sua visita a Cascalho, em 1º de junho de 1905. Em 1908, três anos após sua morte, é inaugurado um monumento fúnebre na Catedral de Piacenza. Em 5 de maio de 1936, é aberto um processo visando a beatificação e posterior canonização de Monsenhor Scalabrini. Quatro anos depois, o processo é autorizado por uma das instâncias da Igreja, sendo-lhe concedido o título de “Servo de Deus”.

O processo sofre somente andamento em 1982, quando o Papa João Paulo II ratifica a autorização para o início das investigações. Em 1987, Scalabrini foi declarado “Venerável”, através do reconhecimento de suas “virtudes heróicas”. Neste mesmo ano, a cura de um tumor maligno incurável é atribuída à intercessão de Scalabrini, fato confirmado em 1996, por comissão estabelecida pela igreja. No ano seguinte, a intercessão de Scalabrini na cura é aceita pelos teólogos do Vaticano. Por fim, em 7 de julho de 1997 é reconhecido o milagre, por decreto do Papa João Paulo II e em 9 de novembro o Bispo João Batista Scalabrini é declarado “beato”. Segundo as regulamentações eclesiásticas, a beatificação é um ato mediante o qual a Igreja reconhece a “ascensão de um falecido ao Paraíso” e a conseqüente capacidade de interceder a favor dos fiéis que pedirem. O título autoriza o culto público do “beato” no âmbito de uma igreja particular e de um instituto religioso. A beatificação é uma etapa obrigatória do processo de canonização, ao fim do qual um “servo de Deus” é reconhecido santo. Por esses motivos, é mais do que justa e necessária uma homenagem ao bispo de Piacenza, registrando seu nome em uma via pública do bairro do Cascalho. Textos pesquisados AZZI, Riolando. “A Igreja e os Migrantes”, Edições Paulinas, São Paulo, 1988. PASOTTO, Mario Zocchio. “Santo Antonio de Cordeirópolis”, Edição do Autor, s/d SOUZA, Wlaumir Doniseti. “Anarquismo, Estado e pastoral do imigrante”, Editora da UNESP, São Paulo, 1999. http://italyanisudamerica.blogspot.com.br/2006/08/san-paulo-dos-italianos.html FERNANDES, Márcio L. “Análise de cartas de imigrantes e seus descendentes”. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Ribeirão Preto, 2007. SILVEIRA, Marcel Camargo. “Imigração Italiana em Limeira 1880-1900”. Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 2007. CRIONI, Andréa G.O. “Patrimônio Cultural e Identidade Territorial – Cascalho”. Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2012 GORI, Nicola. “La famiglia scalabriniana”, Edizioni San Paolo, Milano, 2014

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