A viticultura minhota nos estudos sampaianos da Revista de Guimarães

May 23, 2017 | Autor: José Luís Braga | Categoria: Rural History, Vine and Wines History, Late Nineteenth and Early Twentieth Century History
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A viticultura minhota nos estudos sampaianos da Revista de Guimarães JOSÉ LUÍS

Resumo: Alberto Sampaio, o reputado historiador das instituições rurais do Noroeste de Portugal, destacou-se também como viticultor. O presente artigo pretende revelar o carácter inovador dos seus escritos sobre a viticultura da região dos vinhos verdes, os quais foram publicados na Revista de Guimarães, durante as décadas de 80 e 90 do século XIX. Nestes textos, Sampaio remonta a expansão da vide, no Norte de Portugal, à Época Romana, especialmente a partir do século III. O legado romano é inclusive reconhecível nos vocábulos de origem latina associados à viticultura e ainda hoje empregues. Muitos séculos transcorridos, no último quartel do século XIX, o vinho constituía uma fonte de riqueza incontestável da economia agrária minhota, sendo somente travado, na sua expansão, pelas fitonoses que assolaram a região. A nível cultural, o arbusto apresentava-se associado às culturas cerealífera e forrageira, sendo incomum surgir em exclusivo. Alberto Sampaio sustentava que a viticultura deveria ser intensiva e limitar-se a solos de boa qualidade. A cultura vinícola associada a outras permitiria que se salvaguardasse sempre o rendimento agrícola, independente das doenças que pudessem vitimar a vide. Para o historiador vimaranense, os viticultores da região deveriam apostar numa cultura mais racional para combater eficazmente os parasitas que assolavam a vinha. As sociedades agrícolas, a constituir em todos os concelhos, seriam um outro modo de dar resposta às contrariedades que se abatiam sobre a cultura da vide, ao promover o estudo destinado ao aperfeiçoamento da cultura e da vinificação. O espírito visionário de Alberto Sampaio está patente, de igual modo, na sua proposta para que estas sociedades atribuam uma marca ao vinho, visando assim o seu melhor acolhimento pelo mercado. Nos seus artigos, o autor de As Vilas do Norte de Portugal, assume-se como paladino da elevação dos padrões de qualidade do vinho verde, manifestando a necessidade de o vinho extravasar as fronteiras da província, tornando-se um produto impulsionador da riqueza agrária regional. Palavras-chave: Alberto Sampaio, História do Vinho, Sistemas de Condução da Videira, Fitonoses. Abstract: Alberto Sampaio, the renowned historian of rural institutions in Northwest Portugal, also stood out as a winegrower. This article aims to reveal the innovative character of his writings on the viticulture of the Minho region, which were published in the Revista de Guimarães during the 80s and 90s of the 19th century. In these texts, Sampaio traces the expansion of the vine in the North of Portugal to the Roman Period, especially from the third century onwards. The Roman legacy is even recognizable in the Latin words associated with viticulture and still employed today. Many centuries later, in the last quarter of the nineteenth century, wine was a source of undeniable wealth in the Minho agrarian economy, being only blocked in

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140 |  VINHO VERDE. História e Património its expansion by the grape diseases that devastated the region. At the cultural level, the vine was associated with cereal and forage crops, and it was unusual to emerge exclusively. Alberto Sampaio maintained that viticulture should be intensive and restricted to good quality soils. The wine culture associated with others crops would allow the agricultural income to be always safeguarded, irrespective of the diseases that could harm the vine. For the historian, the winemakers of the region should turn to a more rational culture to effectively fight the parasites that devastated the vineyard. Agricultural societies, to be set up in all municipalities, would be another way of responding to the setbacks of the culture of the vine by promoting the study for the improvement of culture and winemaking. The visionary spirit of Alberto Sampaio is equally apparent in his proposal for these societies to assign a brand to the wine, thus aiming at their thorough acceptance by the market. In his papers, the author of As Vilas do Norte de Portugal, becomes a champion of the elevation of the quality standards of the vinho verde, revealing the necessity of the wine business to expand, fostering regional agrarian wealth. Keywords: Alberto Sampaio, History of Wine, Conduction Systems, Grapevine diseases.

Introdução O interesse que o historiador vimaranense tributou à viticultura perpassa em parte substancial dos escritos de sua autoria que vieram a lume na Revista de Guimarães. Com efeito, a importância conferida ao precioso néctar transparece igualmente na correspondência dirigida ao seu amigo Luís de Magalhães, a qual foi publicada naquele periódico em 1941, por ocasião do centenário do seu nascimento1. Nestas missivas, Sampaio regozija-se pelo amigo ter apreciado o barril de vinho verde que este lhe havia enviado e que tinha sido inopinadamente encetado aquando do seu transporte por caminho-de-ferro. Noutras cartas ressumam também incidências ligadas à plantação, à vinificação e ao negócio do vinho a que Sampaio se dedicava na Quinta de Boamense. Finalmente, a depredação provocada pelo míldio nos cachos e folhas da vitis vinifera faz também a sua aparição nestes escritos.

A viticultura d’antanho Os povoados da Idade do Ferro que se estabeleceram no Norte de Portugal – a partir do séc. VIII a. C., –, acima do Vouga ou na Beira interior e Trás-os-Montes, eram pontuados por fortificações pré ou proto-históricas que vulgarmente se designam castros. Trata-se de materializações de uma cultura decorrente da implantação e assentamento de tribos e povos que se dedicavam eminentemente à pastorícia e escassamente à produção cerealífera, ainda que os grãos panificáveis não fossem de todo ignorados por estes contingentes humanos.

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SAMPAIO, Alberto – Cartas de Alberto Sampaio. IV para o Abade de Tagilde. Revista de Guimarães [Em linha]. 51:3 (1941) 216-233 [Consult. 9 Mar. 2016]. Disponível em WWW:.

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Na verdade, as citânias e castros situavam-se nos «altos desabrigados2», onde segundo o geógrafo romano Estrabão, o vinho primava pela ausência. Esta situação é compreensível, uma vez que tanto a vide como a oliveira estão dependentes da ação solar intensa para vingarem e são intolerantes à ação dos ventos frios, razão pela qual elanguesciam nas montanhas. Esta situação explica a míngua da vide e a inexistência da oliveira nestas paragens. A conquista romana, a partir do séc. II a. C., consubstanciou-se na introdução de um sistema de parcelas em parte das villas da região setentrional desde a sua fundação, à imagem do que havia sucedido na Gália e em Itália. A miríade de «subunidades culturais3» que encontramos nos séculos IX e X e os termos a elas adstritos, atestam a sua origem romana: Casales, Quintanas ou Quintas, Villares e Varzeas. Sampaio sustenta ainda que Quintana ou Quinta, era, tal como os casais, uma subunidade agrícola, constituída no interior das villas. Estes espaços eram formados por habitações de cultivadores ou proprietários – as casas ou domus –, bem como pomares, terras lavradias, soutos, vinhas, entre outros. O mesmo autor identifica ainda outros componentes que ostentam nomes derivados do latim: a zona da entrada ou pátio central foi designada de eido ou aido (de aditus), eirado (de eira), quinteiro (de quintarius) e rua. Em torno ou ao lado da quinta, foram erigidas as instalações dos animais, as cortes (de cors, cortis). Neste contexto, o vinho era produzido num qualquer lugar coberto, contíguo ao eido, e estagiava nas cubas. Segundo o historiador vimaranense, o centro de produção vitivinícola romano designado de cellavinaria, somente fez a sua aparição neste território num momento ulterior. Ao contrário do que sucede com a oliveira, a vide está omnipresente no Norte de Portugal desde a época romana. Com efeito, as videiras jamais estiveram ausentes quando se tratava de prédios de dimensão importante – Estrabão pretendia mesmo que este arbusto já era conhecido das populações castrejas. Não obstante, a viticultura apenas proliferou quando havia volvido muito tempo desde a conquista romana da Península. Sampaio revela ainda que, até ao reinado do imperador Marco Aurélio Probo (276-282), impendia uma restrição vitícola nas províncias, para contrariar a sombra que os novos vinhos poderiam fazer àqueles que eram produzidos na metrópole. Este constrangimento recaía sobretudo sobre a Gália, todavia ele fazia sentir-se também em algumas regiões da Hispania. Não se tratava de uma interdição absoluta, mas compreendia principalmente novas plantações. Para Sampaio, este foi um fator dissuasor da extensão da viticultura, que apenas prosperou entre nós a partir do século III4. Apesar disso, quando ocorreu, a expansão deu-se de maneira célere medrando em todos lugares em que a videira era capaz de produzir uma bebida passível de ser consumida. Sampaio regista ainda que os vocabulários latinos ligados à viticultura SAMPAIO, Alberto – As Vilas do Norte de Portugal. Revista de Guimarães [Em linha]. 10:3 (1893) 161176. p. 173. [Consult. 8 Mar. 2016]. Disponível em WWW:. 3 SAMPAIO, Alberto – As Vilas do Norte de Portugal. Revista de Guimarães [Em linha]. 10:4 (1893) 209221. p. 213. [Consult. 8 Mar. 2016]. Disponível em WWW:. 4 SAMPAIO, Alberto – As Vilas do Norte de Portugal. Revista de Guimarães [Em linha]. 12:2 (1895) 65-90 [Consult. 8 Mar. 2016]. Disponível em WWW:. 2

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142 |  VINHO VERDE. História e Património denotam que esta se fixou e consolidou durante o jugo romano. Esta influência é visível em termos como «vide, videira, vinha, troncho da vide (trunculus), cacho (caplus), bago (baculum), uva, vinho, vindima, podar, podão podoa (puto-are), fouce (falx), mergulha (mergus), cuba coppo cubilhete (cuppa), pipa, pipo (pipo-are), aduella (doga); o lagar (lacar […]) provém, quaesquer que sejam as modificações, do lacus que era o receptaculo do mosto»5. Acresce ainda que cântaro deriva do étimo cantharus, sem prejuízo do sentido se ter alterado ligeiramente. Por seu turno, adega constituiu-se a partir de apotheca, a despeito do vulgo dar primazia ao designativo loja, de origem germânica. No que toca às vasilhas, os romanos utilizavam unicamente recipientes de barro aos quais chamavam de dolia, trasfegando em seguida o vinho novo para amphoras, que eram empregues no transporte do líquido que delas era vertido para consumo diário. Não obstante, na Gália, privilegiavam-se as vasilhas de madeira, que o francês hodierno designa de tonneau (derivado de tunna). Sampaio, refere que, em plena Alta Idade Média, no século IX, as vasilhas de madeira, cubos e cubas (cubus et cupas), já eram amplamente utilizadas no Norte do País. Posto que algumas destas estruturas fossem utilizadas para armazenar cereais, estas eram também recetáculos de vinho. A viticultura estava, já nesta altura, «consignada a glebas especiaes6», designadas em fontes coevas de vinea integra. O sistema de condução, contudo, não era invariável, coabitando vides baixas com trepadeiras adossadas a árvores. A cultura baixa irá, posteriormente, imperar em Trás-os-Montes, sem que, contudo, esteja arredada da região minhota. Sampaio, advoga que as uveiras não cingiam ainda os campos, nem aquando da instituição das vilas e tampouco no ocaso da Alta Idade Média, no século X. Esses rincões parecem ter sido ocupados pelas cidreiras, macieiras e outras árvores, sendo que as uveiras se apresentavam aglomeradas intermitentemente. Só num momento posterior, quando ficou paulatinamente demonstrado, através de evidências empíricas, que a vide se adaptava a um sem número de terrenos, das ladeiras banhadas pelo sol aos vales mais abatidos; tão-só nesse momento as videiras ocuparam a periferia das glebas, «substituindo as macieiras e outras arvores fructiferas7». Não obstante, o historiador vimaranense reconhece a existência de ramadas altas dispostas na horizontal ainda em tempos suevos em que a pérgula era utilizada amiúde como ornato dos jardins. Porém, este costume não perdurou, uma vez que careceu da adesão do povo. Séculos depois, contudo, generalizar-se-ia a ramada ou latada. No entanto, a vide trepadeira justaposta às mais altas árvores parece ter sido o sistema de condução predominante na época romana, como transparece na descrição do tratadista agronómico Columela (4-70). A distribuição das culturas no seio das vilas, numa fase de plena implantação, favorecia a delimitação dos casais de maneira a que todas as subunidades comungassem das diversas qualidades de tratos que elas continham. Isto fazia com que os casais incorporassem glebas descontínuas, pois, apenas deste modo, se podia conceder a 5

Ibidem. IDEM, p. 88. 7 Ibidem. 6

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cada família uma extensão de terreno que provesse a sua subsistência. O historiador, que escreve em finais de Novecentos, refere que essa disposição ainda prevalecia nos casais seus coetâneos. Deste modo, a distribuição das terras contemplava equitativamente: • Terrenos planos e enxutos de fácil amanho (agros, agras), reservados ao cultivo de cereais; revezando-se anualmente, os de estio com os de inverno; • Linhais (linares) que geravam o bragal, situados à beira das nascentes; • Vinhas (vineas, vineales) compostas de vides trepadeiras adossadas a árvores ou, com menos frequência, arbustos baixos, dispostas nos locais mais secos e abrigados; • Pomares (pumares), intercalados com estas últimas, acercando-se, contudo, das casas, próximas das quais se achavam as cortinhas e as hortas; mais avulsamente os soutos (saltus) de castanheiros, que outrora predominavam na paisagem; • Bouças (bauzas, bustelos) que dotavam de mato a cama dos animais e ainda asseguram a lenha. Achavam-se nos lugares elevados ou pedregosos e áridos; • Lameiros (pascua, padules) devotados à pastagem e manutenção do gado no verão. Quedavam nas partes mais baixas8. • Adjacentes aos terrenos, sobram ainda os logradouros, de carácter comunal, onde era livre o pastoreio do gado e o usufruto do mato e da lenha para fins domésticos. Enquanto classe privilegiada, também a coroa administrava o seu amplo pecúlio fundiário, dispondo de adegas e celeiros para receber os géneros. As rendas de que beneficiava o titular das terras reguengas eram compostas, em geral, pelo terço do pão e a metade do vinho, além de outras pensões fixas9.

Da riqueza vinícola da nação Escorando-se em dados estatísticos que se reportam a 1875, Sampaio calcula o rendimento total derivado do vinho como representando 23% – quase a quarta parte, portanto – daquele que é granjeado em solo nacional. Deste modo, já no início do último quartel do século XIX, o vinho se constituía como «uma das fontes mais copiosas da riqueza agrícola de Portugal e uma das mais importantes bases do seu commercio10.» Independentemente do local escolhido e da técnica de cultivo, a vide retribuía sempre com prodigalidade o esforço do lavrador. O néctar que dela se produzia encontrava e encontraria sempre procura, visto que existem muitos povos que habitam regiões onde 8

IDEM, p. 89-90. SAMPAIO, Alberto – As Vilas do Norte de Portugal. Revista de Guimarães [Em linha]. 14:4 (1897) 161-186 [Consult. 9 Mar. 2016]. Disponível em WWW:. 10 Rebello da Silva apud SAMPAIO, Alberto – O presente e o futuro da viticultura no Minho: Estudo d’economia rural. Revista de Guimarães [Em linha]. 1:4 (1884) 196-203. p. 196. [Consult. 2 Mar. 2016]. Disponível em WWW:. 9

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144 |  VINHO VERDE. História e Património o clima não apresenta estações bem definidas que permitam o bom desenvolvimento da planta. Em Portugal – e noutros países – o arraigo deste arbusto parece compensar a escassa fertilidade duma parte substancial do nosso território. A despeito da negligência, do descuido e do tratamento adverso da parte do agricultor, a vide foi medrando em toda a sorte de terrenos, inclusive nos mais inclementes. Este arbusto produzia sempre de modo fecundo, alastrando e reproduzindo-se sem cessar, de tal modo que a breve trecho duplicaria a sua produtividade e assimilaria os tratos mais estéreis, se a sua expansão não tivesse sido travada e revertida pela devastação operada por algumas fitonoses na segunda metade da centúria de Novecentos. Todavia, num outro artigo, igualmente publicado em 188411, o mesmo autor refere que, mesmo antes daquela grande fatalidade se ter abatido sobre parte substancial de um dos principais recursos agrícolas do nosso país, ameaçando aniquilar o remanescente, as terras cultivadas com vinhas e cereais já antes estavam debilitadas e, portanto, sentenciadas. A terra carente de alfaias tecnicamente mais apuradas que facilitassem a sua lida e dos conhecimentos exigidos para extrair todo o rendimento possível dela – quase exaurida «á força de dar sem receber12» – fazia com que a receita fosse diminuta para compensar os encargos da atividade. Perante isto, o lavrador vivia com dificuldades, vendo o seu magro pecúlio subtraído pelas obrigações da hipoteca e as exações do fisco. A soma que sobrava apenas permitia ao lavrador sobreviver.

Práticas culturais Visto que a vinha se adapta a uma multiplicidade de culturas, a nível económico ela pode apresentar duas configurações, podendo achar-se de maneira exclusiva ou associada a outras. No primeiro modo, o proprietário dedica-se integralmente à viticultura, pelo que produz unicamente vinho. No segundo caso, o agricultor cultiva na mesma propriedade e nos mesmos tratos ou noutros, além da vinha, cereais, frutos, oleaginosas, entre outras plantas. No Minho, a cultura da vide, tem surgido economicamente associada a outras, especialmente a cerealífera e forrageira, em vez de se apresentar em exclusivo. Cultura exclusiva e associada

Como é natural, optar por culturas exclusivas é temerário, uma vez que, se algum imprevisto as puser em risco, a população que delas depende ficará absolutamente inerme. Por seu turno, os proprietários irão debater-se com grandes dificuldades para debelarem uma semelhante crise. Sampaio é da opinião que a viticultura deve ser intensiva, em vez de extensiva, e cingir-se a solos de boa qualidade ou que sejam suficientemente fecundos para a nutrirem de modo satisfatório. Perante as enfermidades da vinha, o latifúndio tem de se converter em minifúndio, uma vez que só aqui será possível proceder ao tratamento eficaz das fitonoses. O historiador vimaranense, por conseguinte, preconiza que, em detrimento da cultura exclusiva, se privilegie a associação 11

SAMPAIO, Alberto – Resposta a uma pergunta. Convirá promover uma exposição industrial em Guimarães? Revista de Guimarães [Em linha]. 1:1 (1884) 25-34 [Consult. 3 Mar. 2016]. Disponível em WWW:. 12 IDEM, p. 31.

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da vinha a outras culturas, que permitam ao lavrador combater e cuidar das fitonoses em melhores condições. Assim sendo, o agricultor deve afetar os tratos onde a vinha brota «enfezada e rachitica13» – e onde o cultivo é árduo e dispendioso – para o mato, giestas e arvoredos que favoreçam a geração de adubos. De acordo com Sampaio, as terras lavradas no Minho podem ser integradas genericamente em três tipos, atendendo às suas propriedades produtivas: • Terras fundas contendo água de rega e lima; • Terras de boa consistência possuidoras de «uma certa humidade propria e de sólo aravel profundo, com ou sem agua de rega14». • Terras secas, com certa ou escassa fundura de solo e desprovidas de água de rega. Os dois primeiros tipos adequam-se melhor à produção de cereais e forragens, pelo que o historiador vimaranense, desaconselha a sua substituição. Todavia, no caso da derradeira tipologia, em virtude do afolhamento aplicado, quando é tempo dos cereais de verão, a produção torna-se inconstante e sujeita às condições meteorológicas de julho e agosto. De facto, se, neste período de secura atmosférica no clima da região, sobrevêm chuvas copiosas, a produção é irrelevante e o esforço do lavrador não é recompensado. Acresce ainda que o cultivo de cereais de inverno não é muito proveitoso nestes solos, uma vez que a mais pequena intempérie os deteriora e as pastagens que no ínterim se podem granjear são rarefeitas, o que gera pouco alimento para o gado. Não obstante, Sampaio entende que estas surribadas podem, quando se impuser – e estando eficazmente adubadas – afeiçoar-se melhor à cultura da vinha, gerando um vinho de qualidade superior. A área destes tratos não será despicienda podendo cifrar-se em cerca de uma quinta parte dos casais tomados genericamente. De facto, nestes casais, ao passo que as plantas anuais vingam a duras penas e produzem mediocremente, nas bordas do mesmo campo a vide «cresce, medra e se cobre de cachos15.». São estes os terrenos mais azados para a viticultura, pelo que deverão ser privilegiados pelo proprietário na hora de produzir um vinho fino. Por outro lado, a cultura associada a outras permite que, se a planta soçobrar, jamais se ponha em causa o rendimento agrícola da região. Neste sentido, as demais culturas auxiliarão a viticultura substancialmente. A produção de cereais e forragens viabilizando a criação de gado, e, portanto, a geração de adubos de curral, beneficiá-la-ão grandemente, uma vez que é sabido que a sua ação é fundamental. Por outras palavras, as culturas anuais de onde se obtém o pão e os legumes, devem ser complementadas pela da vide, que oferece a bebida do quotidiano, pelo que há que plantar na borda dos campos as vides e as árvores que lhes valham de tutor, «as fruteiras que lhes hão de dar as frutas, que pouparão o pão e o presigo, e lhe avivarão

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SAMPAIO, Alberto – SAMPAIO, Alberto – O presente e o futuro da viticultura no Minho: Estudo d’economia rural. Revista de Guimarães [Em linha]. 1:4 (1884) 196-203, p. 202. 14 SAMPAIO, Alberto – O presente e o futuro da viticultura no Minho: Estudo d’ economia rural. Revista de Guimarães [Em linha]. 2:1 (1885) 20-35, p. 25. [Consult. 3 Mar. 2016]. Disponível em WWW:. 15 IDEM, p. 25.

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146 |  VINHO VERDE. História e Património o paladar do seu comer monótono, sempre igual, e de pouca nutrição, porque a terra não dá para mais16.» Cultura alta

No Minho, a cultura da vide adotou tecnicamente a maneira alta, adossando as cepas às árvores ou alongando-as em largas ramadas horizontais. Segundo Sampaio, esta maneira cultural deverá ser a mais primitiva e a que melhor mimetiza a estrutura da planta, «trepadeira de natureza vagabunda e expansiva17.» Na realidade, esta era a aparência que ela adotava no interior das florestas, pelo que o agricultor a replicou quando a transplantou para os seus campos. Todavia, o vinho que se produz a partir deste sistema de condução é geralmente tido como um produto de menor categoria, pelo que o seu consumo se circunscreve à localidade onde este é produzido. Isto porque o paladar de quem não está acostumado a este tipo de bebida, repudia-a. Este sistema de condução leva a que a uva acabe sempre por não amadurecer o bastante, visto que sobre ela não incide o calor refletido, uma vez que os cachos pendem de um local elevado. De outro modo, o facto de as vides estarem alcandoradas, impossibilita que sejam convenientemente tratadas, o que é imperioso quando se pretende produzir «uma bebida fina18.» Antes de os castanheiros terem definhado na região e do oidium se ter propagado, a cultura arborescente revelava ser economicamente proveitosa. Contanto que estivesse enleada ao castanheiro, a vide trepava pela árvore e enlatava-a, sendo então apenas suficiente o labor mediano do agricultor. A poda afigurava-se fácil e tinha, geralmente, lugar bienalmente. A árvore e a vide viviam e morriam entrelaçadas. O castanheiro oferecia assim ao lavrador os seus frutos capsulares e o vinho, mas igualmente madeira de construção valiosa. A cultura, contudo, tinha vindo a tornar-se menos proveitosa. Quando o tutor se extinguia, com grande frequência havia que mergulhar a vide. Sampaio assinala que este ciclo tinha sido encurtado, havendo, com frequência, uma interrupção da produção, durante quatro a cinco anos, no mínimo. No entanto, o historiador não se opõe liminarmente à vide alta, defendendo que em certos terrenos esta prática cultural deverá ter primazia sob qualquer outro sistema. Não obstante, sustenta que se deve selecionar a casta que melhor se adeque a esta situação e às contingências a ela inerentes, no que toca à produção e à qualidade do produto. O vinho produzido atendendo a este método deverá destinar-se sobretudo a prover o consumo doméstico e a um mercado costumeiro que já esteja habituado a este género de bebida. A cultura alta apresenta um outro inconveniente. O vinho de melhor qualidade – produzido no âmbito de uma experiência efetuada, nesta época, numa propriedade de um concelho limítrofe ao de Guimarães – em árvores, mas com uma cultura aperfeiçoada é 16

SAMPAIO, Alberto – Estudos de economia rural do Minho. A apropriação da terra e as classes que constituem a população campestre. Revista de Guimarães [Em linha]. 4:1 (1887) 21-38, p. 36. [Consult. 8 Mar. 2016]. Disponível em WWW:. 17 SAMPAIO, Alberto – O presente e o futuro da viticultura no Minho: Estudo d’ economia rural. Revista de Guimarães [Em linha]. 2:1 (1885) 20-35, p. 20. 18 IDEM, p. 23.

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suscetível de granjear uma percentagem alcoólica de 8 a 8,9%, o que comparando com os resultados em cultura baixa, cujos vinhos apresentam densidades que correspondem a percentagens alcoólicas efetivas de 11 a 13%, revela como o líquido ficou saturado de ácidos, que não se desdobraram em glicose. Cultura baixa

A cultura baixa deverá ter levado muito tempo para se implantar entre nós. Esta maneira cultural exigia que se contrariasse a tendência natural do vegetal para crescer desmedidamente, convertendo-o antes num arbusto de tíbio e reduzido crescimento. Aqui focalizava-se no cacho toda a sua vitalidade, concorrendo assim para a produção de um suco doce, de fino paladar e apto a gerar um néctar generoso, em vez de um fruto agreste, ácido e áspero. Sucede ainda que a viticultura baixa, no clima atlântico desta região, permite que o mosto se torne mais homogéneo na sua composição, não sobrevindo excesso de glicose e escassez de fermento, nem tampouco um grau elevado deste último ou ácidos em exagero. Sampaio argumenta que esta alteração nos métodos de cultivo é devida ao empirismo dos antigos cultivadores. O historiador revela que quando a cultura baixa se consolidou, a alta, com aperfeiçoamentos de maior ou menor monta, tendeu, eventualmente, a conservar-se nos espaços mais apropriados ao cultivo de outras plantas ou em propriedades em que não era requerido vinho de boa qualidade. Todavia, ainda na época de Columela, já eram conhecidas as duas práticas culturais. O escritor agronómico romano descreve, já nessa altura, alguns elementos presentes na viticultura minhota contemporânea de Alberto Sampaio. Assim, está presente «a árvore em alto fuste (arbustum italicum), disposta em andares (tabulata) até à entrepada em tres ou quatro cabeços (rumpotinus, genus arbusti gallici), incluindo os cordões (traduces) que passam de uma para a outra19.» Pretende ainda o autor vimaranense que, no Minho quinhentista, a vide baixa fosse o sistema preponderante, começando a rarefazer-se e a converter-se toda em alta no século seguinte. A mudança cultural sugere que o lavrador pretendeu produzir grandes quantidades a preços baixos, em detrimento da qualidade. Na realidade, o vinho de enforcado, independente das beneficiações de que possa ser objeto, no sentido de apurar a sua qualidade, será sempre de menor valia.

A destruição gerada pelas fitonoses O flagelo decorrente da expansão da filoxera era, ainda em 1876, um problema grave, mas circunscrito localmente. Contudo, uma portaria de agosto desse ano, alerta já para as proporções alarmantes que a destruição gerada pelo pequeno inseto estava a ter nas vinhas plantadas em ambas as margens do rio Douro20. De facto, o surto de filoxera assolou de tal modo a região que, oito anos volvidos, quase todas as videiras

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Ibidem. Rebello da Silva apud SAMPAIO, Alberto – O presente e o futuro da viticultura no Minho: Estudo d’economia rural. Revista de Guimarães [Em linha]. 1:4 (1884) 196-203. p. 197.

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148 |  VINHO VERDE. História e Património haviam sido dizimadas. Concomitantemente, a fitonose, progrediu para norte e sul em marcha vertiginosa, pondo em risco os restantes vinhedos nacionais. Os prejuízos derivados das pragas

Na realidade, já desde 1876 que o inseto se havia propagado à região de Trás-os-Montes e em direção à zona meridional do país, até ao Tejo, não deixando indemne em toda a sua dimensão, nenhuma zona cultural. Por seu turno, o Minho, que até durante algum tempo se presumia incólume, já apresentava em 1884 duas manchas detetadas. A voragem destruidora da praga tornava inúteis quaisquer diligências para a deter. Na região de Trás-os-Montes, a fitonose havia prosperado em todos os concelhos, inclusive o de Miranda, tendo sacrificado 4180 pipas. Na verdade, o país encontrava-se todo afetado pela praga desde Bragança até ao Tejo, sendo que a zona de Leiria o foi com especial intensidade. Contudo, é no Norte do país que os números são mais estarrecedores. Sampaio refere que, nesta circunscrição, a superfície total de vinhas invadidas é de 80650 hectares; sendo a área efetivamente vitimada pela filoxera de 64:000 hectares. A superfície de vinha destruída cifrava-se em 21900 hectares. As pragas sucediam-se em série, apresentando uma intensidade crescente e ameaçavam parte substancial do rendimento vinícola nacional. Só na região duriense, refere Sampaio, em maio de 1883, o prejuízo era estimado em 75000 pipas de vinho, sobejando somente uma produção de 25000 pipas, ou unicamente uma quarta parte do seu produto habitual nos tempos anterior à epidemia. No entanto, a filoxera não foi a única fitonose a assolar o país. A anguilula expandiu-se no Minho, bem como em parcelas dos distritos de Vila Real e Guarda, não abrangidas na antiga demarcação do Douro, em Aveiro, Viseu, Castelo Branco, entre outros. Em certas regiões, como é o caso de Aveiro e Viseu, os danos que infligiu foram mais notórios, embora num ritmo mais lento do que a filoxera. Sem embargo, é no Minho que esta praga mais se expande. Descoberta em 1881, numas raízes de videira oriundas de Paredes, em três anos invade um terreno considerável, como atrás foi assinalado. Os seus efeitos na vinha parecem ser análogos aos da filoxera. A sua ação gera nas vinhas semelhante definhamento, conduzindo-as à morte, porém a sua difusão é muito mais retardada e por isso provoca menos inquietação. Deste modo, as fitonoses da vinha não estiveram cingidas ao Douro, ou a qualquer outra região em particular, mas impenderam sobre a economia geral do país, designadamente afetaram cerca de uma quarta parte da nossa produção agrícola. Com efeito, a filoxera não constitui a única enfermidade que arruína a vinha; a clorose, a antracnose, o míldio, a maromba, a pirale, assolam cada uma com mais intensidade, dependendo da zona, mas acarretando sempre danos consideráveis, tanto na produção quanto na vegetação. O oídio, por seu turno, não se limita a um local, mas irradia por todo o país. Sampaio alerta também para o facto de os prejuízos terem especial impacto no comércio internacional, uma vez que a produção vinícola representava por esta altura cerca de uma terça parte das suas exportações. Além disso, a eliminação da vinha

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saldar-se-ia, na economia de cada província do reino, no despovoamento e ermamento de todos os terrenos onde, previamente, era cultivado o valioso arbusto21. O Minho, neste período, testemunhou ainda a destruição, operada por um micélio, da maior parte dos seus castanheiros, que formavam uma das suas riquezas agroflorestais, por via dos seus frutos, que serviam de sustento à população durante uma parte do ano, mas também pela sua madeira que era utilizada na construção. Em suma, em meados da década de oitenta do século XIX, as mais famigeradas regiões vinícolas achavam-se, «destruídas ou ameaçadas d’uma catastrophe proxima22». O tratamento das vinhas

A filoxera progredia e os esforços para a deter revelavam-se tíbios. Em 1884 Sampaio calculava que, em junho desse ano, a extensão de vinhedos tratados com sulfureto de carbono, para debelar a filoxera, seria de 1754 hectares, face aos 64000 hectares filoxerados e aos 80650 hectares de vinhas infestadas. De acordo com o historiador vimaranense, por cada 100 hectares atingidos apenas são tratados 2 e, possivelmente, não do melhor modo. Não obstante, Sampaio propõe algumas soluções para afrontar a depredação provocada pelas fitonoses. Para ele, o cultivo da vinha deve prosseguir, mas de maneira que se possa fazer frente economicamente às diversas enfermidades que a vitimam. Por intermédio de uma cultura mais racional, os parasitas perderão vigor e não poderão ameaçar a videira. Sendo que muitas destas moléstias haviam sido importadas, tendo epicentro num qualquer ponto do país, a partir do qual se tinham propagado, irradiando velozmente em todas as direções, daqui decorre que a planta que exteriormente parecia estar saudável e produtiva, encontrava-se débil quanto baste para não poder contrariar a ação nefasta dos parasitas. Pelo que, para além da aplicação de remédios que visem diretamente a destruição dos insetos, era forçoso cultivar a vinha em condições adequadas para se envigorar e, suportando a invasão destes agentes perniciosos, dar azo a que se possa fazer um tratamento direto com veleidades de êxito. Para alcançar este desiderato, será necessário levar a efeito uma mudança profunda na generalidade da viticultura. Pretende-se gerar um arbusto forte, pelo que se deverá privilegiar a constituição geral daquele e, deste modo, instituir uma poda «menos productiva, mas também menos esgotante23». Sampaio, também, alerta para a necessidade de retirar a vinha de terrenos menos favoráveis ao seu cultivo, onde a sua nutrição é demasiado débil, e onde há uma propensão para o arbusto se exaurir e fragilizar. Deve o lavrador recorrer, com frequência, também a um sistema de adubos adequados, para que estas substâncias concorram para o revigoramento da planta. Ademais, o viticultor deve dispensar maior atenção e desvelos à videira, não renunciando ao ataque 21

IDEM, p. 200. SAMPAIO, Alberto – O presente e o futuro da viticultura no Minho: Estudo d’ economia rural. Revista de Guimarães [Em linha]. 2:1 (1885) 20-35, p. 23. 23 SAMPAIO, Alberto – O presente e o futuro da viticultura no Minho: Estudo d’economia rural. Revista de Guimarães [Em linha]. 1:4 (1884) 196-203. p. 201. 22

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150 |  VINHO VERDE. História e Património direto, desde o início, de todos os parasitas, até que a planta se torne resistente de novo, e aqueles fiquem debilitados, para assim aniquilar as várias epidemias que a atingem. Como vimos acima, o autor pretende ainda que o minifúndio característico do Minho é uma condição essencial para o tratamento das diversas fitonoses que acometem a videira. Efetivamente, o conjunto de cuidados que se deve conceder executam-se com maior eficiência quando o terreno a amanhar é mais exíguo. Ação particular e governamental

O historiador vimaranense, opõe-se à ação direta do estado para solucionar a crise, argumentando que esta se revela infrutífera aos olhos daqueles que foram mais sacrificados pela epidemia. O governo deve resumir a sua ação ao apoio à constituição de sociedades vinícolas, à instituição «de postos e estações de estudo em todas as zonas culturaes24» e, sobretudo, à fiscalização dos vinhos artificiais que os comerciantes colocam no mercado, com pesadíssimos custos para a saúde pública e para os viticultores que, debatendo-se quotidianamente com novos obstáculos, ficam constrangidos a vender por um preço cada vez mais baixo o seu produto. Esta omissão das autoridades centrais é grave e condenável para Sampaio, não apenas porque devem estar incumbidas em exclusivo da fiscalização, mas porque a adulteração dos vinhos constitui um autêntico roubo, e por esse facto deve ser contrariado pela ação dos seus funcionários. No entanto, toda a diligência do poder central que exorbite a supervisão será contraproducente, terá apenas o efeito funesto de insuflar esperanças vãs. Neste contexto, a ação particular deverá ser primordial, especialmente se for secundada por sociedades especiais que o historiador defende que se deveriam formar em todos os concelhos. Só uma organização deste porte poderá concentrar-se no estudo pormenorizado do problema, que, como é natural, varia de província para província e, com frequência, de uma localidade para a outra. São elementos essencialmente variáveis aqueles que influenciam irreversivelmente a resposta às adversidades, designadamente: a distribuição topográfica dos terrenos, a qualidade do solo, os predicados do produto que se pretende criar e os hábitos e tradições da população. A solução está, portanto, nas mãos dos produtores. O autor prognostica a sua seleção natural, numa teorização afim do darwinismo social: «mas taes crises não poderão ser resolvidas por nenhuma entidade fóra dos mesmos productores; os mais fracos succumbirão; os mais pertinazes irão luctando até que se estabeleça todo este conjunto de condições necessarias ao novo modo de cultura25.» Por outro lado, a carga tributária excessiva de toda a sorte que incide violentamente sobre a propriedade minhota subtrai anualmente boa parte do rendimento do solo, forçando o dono da terra a aumentar a sua receita, incrementando o rendimento de qualquer uma das suas produções, se não quer ser compelido a cessar o cultivo de muitas terras menos produtivas, no sistema cultural vigente. Como vimos acima, Sampaio sugere que, em seu lugar, se ensaie uma nova cultura da vinha, de modo a 24

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Ibidem. IDEM, p. 203.

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produzir um vinho fino que, consequentemente, eleve a lucratividade. Uma semelhante reforma, exige um esforço concertado. Logo, tornava-se imperiosa a criação de uma sociedade vinícola, a quem cumpriria efetuar os estudos de índole prática adequados ao fomento e aperfeiçoamento da cultura e da vinificação no concelho. Uma tal sociedade estaria numa posição privilegiada para proceder ao estudo de uma grande quantidade de factos que urgia conhecer para alcançar os objetivos propostos. Só uma organização deste género poderia instituir um horto experimental onde se cultivassem diversas castas finas, sob diferentes métodos de poda e cultura e onde se determinasse a fertilidade de cada uma, bem como o valor do líquido produzido. Nesse espaço, levar-se-ia a efeito o ensino prático da viticultura e vinificação aos vinhateiros da localidade e prover-se-ia os proprietários das plantas mais apropriadas, tanto no que toca à produção como no que diz respeito à qualidade do produto. Esta ação, não seria passível de ser feita isoladamente, mas seria empreendida com vantagem por uma sociedade. Por outra parte, sendo que no Minho prevalecia a pequena propriedade, é de supor que o pequeno viticultor ver-se-ia mais facilmente enredado na especulação do comerciante. Na realidade, quem apenas produz uma quantidade reduzida de determinados produtos estará impedido de criar uma chancela comercial que requer uma capacidade operativa mais substancial. Todavia, uma sociedade recolhendo o vinho logo após a sua elaboração e atribuindo-lhe uma marca, encontrar-lhe-ia com menos esforço um mercado. Descontando as despesas inerentes, todo o produto seria concedido ao produtor. Por conseguinte, Sampaio é contrário ao isolamento que fragiliza e é gerador de cizânia. Segundo o mesmo autor, os atores, avulsamente, apercebem-se que nada está como devia, mas não conseguem encontrar uma solução. Cada qual ajuíza a seu talante, que é sempre particular, sendo necessário averiguar a opinião que é perfilhada pela maioria e que, por isso, ganha adesão geral, depois de escrutinados os fatos que lhe subjazem. Urge, portanto, contrariar a fragmentação dos agentes económicos, concorrendo, ao invés, para a sua organização, de forma a fazer jus às aspirações acalentadas pelos produtores.

Enotecnia e aperfeiçoamento do produto Como temos vindo a verificar, Sampaio bate-se pela elevação dos padrões de qualidade do vinho verde. Na sua opinião, o proprietário do Minho devia concentrar a sua produção num vinho que fosse apelativo à generalidade do mercado. O historiador salienta que é percetível uma alteração no mundo vinícola, que se manifesta numa progressiva extinção dos antigos centros de produção, que serão necessariamente substituídos por outros que irão de encontro ao paladar daqueles que privilegiam um produto saboroso, refinado e genuinamente natural, independentemente da sua proveniência. Por outro lado, quando se proceder à limitação da área de cultivo, a quantidade de vinho decrescerá, inevitavelmente, e por consequência incrementar-se-á o seu preço. Este ajuste só não havia acontecido ainda, segundo o autor, em razão da negligência da administração central em fazer face ao comércio dos vinhos artificiais. Face à crise gerada pela inflação das pragas, que terá como resultado a redução da produção, con-

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152 |  VINHO VERDE. História e Património ceber vinhos que não sejam suscetíveis de extravasar as fronteiras da província, quando se poderia gerar um produto de «circulação geral26», é fazer mau uso dos recursos da região e colocá-la numa posição de menoridade face às demais. Para Sampaio as fitonoses constituem uma ocasião azada para transformar a viticultura da região. A propagação das doenças da vinha impõe que se previna o seu aparecimento melhorando os cuidados e o tratamento dispensados à cultura da vide e, como tal, torna oportuno um aperfeiçoamento do produto que compense o acréscimo de trabalho efetuado. O autor, nos seus escritos, distingue ainda vinhos finos, designação que se aplica, entre nós, unicamente aos vinhos alcoólicos, secos, adamados ou licorosos, de vinhos de pasto que são os demais, aqueles tidos como ordinários. Esta última categoria é depreciada pelo historiador vimaranense, e diz respeito aos verdes ou maduros cujo uso está reservado para a caldeira ou para o consumo direto. Os nossos vinhos, em meados da década de 80 do século XIX, distinguiam-se dos franceses no que concernia ao tom, sendo que este povo concedia uma grande ênfase ao bouquet e à frescura do vinho ao passo que os portugueses punham a tónica no açúcar e no álcool dele resultante. Todavia, este relevo conferido à produção de álcool parecia estar a diminuir. Na realidade, segundo o mesmo autor, havia vinhos finos que não continham necessariamente um alto teor alcoólico. Os vinhos de mesa podiam, por conseguinte, ser tintos ou brancos; e estar categorizados em ordinários, comuns ou de consumo corrente e finos ou de qualidade superior. O que os distinguia era a variedade da vide e o tipo de mosto a que cada casta dava origem. Não obstante, em todos eles havia uma ausência quase completa de açúcar em virtude da fermentação alcoólica a que eram sujeitos tanto nas balseiras quanto nas vasilhas. O que fazia com que o vinho sobressaísse, nesta circunstância, é, além do maior ou menor teor de álcool, «o seu arranjo íntimo, a justa proporção de todos os seus elementos; e tanto ou mais que aquella substancia, o gosto, a côr e a elegancia que resultam d’uma grande quantidade de principios diferentes27». O historiador vimaranense chama também a atenção para a diversidade vinícola da nação. Uma vez que o país possui regiões de climas secos e tórridos e outras de temperatura mais amena e mais húmidos, a cada área seria atribuída, com vantagem, naturalmente a produção vinícola que lhe era peculiar. As primeiras distinguem-se pelos seus ricos vinhos de elevado grau alcoólico, as segundas especializam-se na produção de vinhos leves, frescos e aromáticos, sejam eles tintos ou brancos. Para Sampaio, estes últimos, comparativamente, não são, necessariamente de qualidade inferior e ocupam igual lugar de destaque nas refeições. Deste modo, o país deveria somente produzir tantos tipos de vinhos quantas as regiões, o que poria termo à miríade de qualidades que confundem o consumidor estrangeiro, que jamais está em condições de definir o vinho português. Esta transformação beneficiaria o comércio internacional de vinhos, visto que o produto nesta época era substancialmente vendido a especuladores estrangeiros, que o preparavam para SAMPAIO, Alberto – O presente e o futuro da viticultura no Minho: Estudo d’ economia rural. Revista de Guimarães [Em linha]. 2:1 (1885) 20-35, p. 24. 27 Cf. IDEM, p. 26. 26

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o adequar ao gosto do mercado, mas ostentando uma designação e marca comercial diversos do nacional. Para incrementar as exportações de vinho, como já se disse, o viticultor nacional deve prestar atenção à cultura da vide para que seja suscetível de criar um produto de qualidade, que concorrerá para aumentar a riqueza agrária regional. Deste modo, a vinha de enforcado, consagrada a granjear a bebida de consumo generalizado da comunidade que a aprecia, pode ser afeta aos terrenos mais profundos ou menos beneficiados pela ação do sol. Contudo, as terras situadas nas encostas, enxutas, protegidas e de maior exposição solar – cuja falta de humidade e excesso de calor seco, as tornam menos aptas para a cultura do milho – devem ser lavradas com castas finas destinadas à produção de vinho de mesa. Por conseguinte, Sampaio preconiza duas qualidades de vinho distintas. Devido às especificidades do clima minhoto, cujos verões são mais curtos, a região nunca será capaz de produzir vinhos de alto teor alcoólico. A ausência de um período suficientemente dilatado de calor intenso e, principalmente, a humidade que se faz sentir em finais de setembro e inícios de outubro impossibilitam que a uva atinja um estado de extrema maturação que seria necessário para elaborar essoutro tipo de vinhos. Portanto, as condições climatéricas não consentem que a uva alcance maior teor sacarino. Em contrapartida, esta região está naturalmente habilitada a produzir vinhos de outra qualidade, que são tomados juntamente com a refeição e que o mercado demanda em abundância. Ainda que na região não exista calor em abundância, há-o em suficientemente medida para eliminar a maioria dos ácidos livres e proporcionar à uva aquilo que é indispensável para obter um bom vinho. O que confere extrema acidez aos vinhos de origem minhota, tornando-os impróprios para consumo, não é nem o solo nem a ausência de calor, mas a falta de qualidade das vides e o método de as cultivar a grande altura, que inviabiliza uma boa exposição dos cachos ao sol. A isto acresce a incúria do viticultor que mistura sem critério as uvas, independentemente do seu estado ou grau de maturação. Assim, para a produção de um vinho fino, concorrem, para além do terreno e do clima – que devem favorecer a vegetação e frutificação da vide – a qualidade das castas e uma cultura apropriada. Ora Sampaio, refere que estes dois últimos requisitos estão completamente ausentes do Minho. É, pois, a excelência da cepa que dita a valia do produto, ainda que o solo possa ter implicações positivas ou negativas para a qualidade do mesmo, oferecendo-lhe certas características organoléticas particulares. Deste modo, a viticultura nacional, para ser competitiva, deve, não só debelar todas as ineficiências já mencionadas, mas também, e sobretudo, extinguir todas «as castas inferiores que povoam os seus vinhedos n’uma confusão extrema28». Há que preservar somente um número muito restrito de castas – as mais finas e mais adequadas a cada uma das regiões vinícolas. Ao viticultor incumbe relegar as videiras de qualidade inferior para as terras de cereais e pastagens, cultivando nas restantes uma ou duas vides mais ajustadas para a produção de vinhos finos de mesa – que se adaptem convenientemente ao solo e, principalmente, ao clima – e sejam passíveis de atrair a atenção de um mercado mais abrangente. Além disso, o lavrador deve escolher o método 28

IDEM, p. 31.

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154 |  VINHO VERDE. História e Património cultural em cepa baixa que melhor convenha à casta ou castas preferidas. Este tipo de vinhos, uma vez que sejam consumidos por um público mais amplo que apenas o da localidade, atingirão sempre preços superiores. Portanto, seria a produção de vinhos finos de mesa que conduziria o pequeno produtor a ultrapassar as contrariedades que acometiam o seu humilde casal. Procurando aperfeiçoar a qualidade do vinho verde, Sampaio pronuncia-se também sobre a utilização de adubos. Segundo ele, existia já uma panóplia de fertilizantes que a indústria propiciava, mas que eram vendidos no nosso país a preços exorbitantes. Para além disto, o uso exclusivo destes produtos não se tinha revelado profícuo, pelo que o autor prescrevia que se combinassem com os adubos normais, dando origem a compostos, que deveriam conter em dose mais elevada os elementos que escasseavam ou estavam ausentes por completo da terra. Não obstante, para o mesmo autor, os adubos comuns seriam os mais eficazes, quando destramente manipulados e aplicados com critério. As medidas que são enunciadas nestas linhas fundavam-se no empirismo do autor d’ As Vilas do Norte de Portugal, o que assegurava a sua aderência à realidade. Visava o historiador dar solução à crise que ameaçava abater-se sobre a propriedade minhota.

Notas finais Como verificámos acima, o vinho verde acompanha a dieta do minhoto desde tempos romanos. Esta bebida leve, aromática e fresca não deixava igualmente de ser presença assídua nos jantares das festas populares, onde víveres abundantes eram servidos em grandes terrinas e escudelas, consecutivamente, e onde o seu consumo era alternado «com as infusas e canecões de vinho verde, que quanto mais rascante mais lhe estimula o appetite, aliás sempre complacente29». Apesar da acidez natural do vinho verde, Sampaio, nos seus escritos, bateu-se pela melhoria da qualidade deste produto. Ao longo deste texto procurámos ressaltar os temas de cariz enológico que Alberto Sampaio tratou com inovação nos artigos que publicou na Revista de Guimarães, periódico criado em 1883, como órgão da Sociedade Martins Sarmento, instituição fautora da instrução popular no Concelho de Guimarães, da qual o historiador vimaranense foi nomeado sócio honorário em 1891. O historiador teve na casa paterna de Boamense, situada no concelho de Vila Nova de Famalicão, o seu “laboratório” agrícola. Nesta propriedade, Sampaio dedicou-se à vinificação aperfeiçoando a qualidade do vinho verde. Alberto Faria Frasco30 revela que Alberto Sampaio iniciou os seus primeiros registos sobre viticultura e vinificação quando tinha 25 anos. Na Casa de Boamense pôde empreender experiências com as melhores castas visando melhorar a qualidade do vinho verde, não se cingindo apenas às castas autóctones, mas utilizando castas de todas as regiões do país, mas também 29

SAMPAIO, Alberto – Estudos de economia rural do Minho. A terra, os homens e a administração pública. Revista de Guimarães [Em linha]. 2:4 (1885) 203-231, p. 223. [Consult. 3 Mar. 2016]. Disponível em WWW:. 30 FRASCO, Alberto Faria – Alberto Sampaio percursor dos vinhos verdes de qualidade. Revista de Guimarães [Em linha]. 102 (1992) 447-458, p. 5. [Consult. 7 Jan. 2017]. Disponível em: WWW:.

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da Alemanha, de França e de Itália. Ao empirismo na adubação, poda e tratamento fitossanitário, Sampaio unia uma erudição sólida alicerçada na leitura dos mais destacados e atualizados tratados de ampelografia. O conhecimento acumulado permitiu que os vinhos que produzia nas propriedades da sua família alcançassem o reconhecimento nacional e internacional, sendo premiados em Filadélfia (1876), Porto (1880), Lisboa (1884), Berlim (1888), Paris (1889) e Guimarães (1910). Como é sabido, Alberto Sampaio foi vanguardista no que diz respeito à história rural do nosso país. O presente artigo põe em evidência a importância dos seus escritos também no domínio da viticultura, onde dispensou especiais cuidados à poda e enxertia das vides, bem como à seleção das castas, enfim áquilo a que o próprio denominou enotecnia do vinho.

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