A vitimologia e sua interface com os direitos humanos

June 30, 2017 | Autor: Feitosa Gonçalves | Categoria: Vitimologia, Criminologia, Direitos Humanos
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Organizadores: Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão Neto João Paulo Allain Teixeira Marcelo Labanca Corrêa de Araújo

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O S O R G A N I Z A D O R E S DA OBRA: A r n a l d o Fonseca d e A l b u q u e r q u e M a r a n h ã o Neto Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana MACKENZIE/SP; Professor da Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIPE); Professor da Faculdade Joaquim Nabuco (FJN - Unidade Recife/PE); Autor de Obras Jurídicas; Advogado. João Paulo Aliam Teixeira Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Professor Adjunto do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco (CCJ/ UFPE); Professor do Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco (PPGD/UFPE); Professor da Graduação e Mestrado em Direito da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Marcelo Labanca Corrêa d e Araújo Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Professor de Direito Constitucional e membro permanente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); Professor de Direitos Fundamentais da Faculdade Marista - Recife/PE; Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Pernambuco; Procurador do Banco Central.

Organizadores: Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão Neto João Paulo Allain Teixeira Marcelo Labanca Corrêa de Araújo

DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS: TEMAS CONTEMPORÂNEOS

Recife, 2012

Copyright© by dos organizadores

NOTA DOS ORGANIZADORES

Produção Gráfica Edições Bagaço Rua dos Arcos, 150 • Poço da Panela Recife/PE. CEP 52061-180 Telefax: (81) 3205.0132 / 3205.0133 email: [email protected] www.bagaco.com.br

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Direitos humanos e fundamentais : temas contemporâneos / organizadores: Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão Neto, João Paulo Allain Teixeira, Marcelo Labanca Corrêa de Araújo. - Recife : Bagaço, 2012. 392p.: il. Inclui referências. 1. DIREITOS HUMANOS - BRASIL. 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS - BRASIL. 3. DIREITO E DEMOCRACIA. 4. DIREITO INTERNACIONAL. I. Maranhão Neto, Arnaldo Fonseca de Albuquerque, 1981-. II. Teixeira, João Paulo Allain, 1971-. III. Araújo, Marcelo Labanca Corrêa de, 1975-. CDU 342.7 CDD 341.481

PeR-BPE 12-0584 ISBN: 978-85-373-0995-7 Impresso no Brasil - 2012

Tematizar Direitos Humanos na contemporaneidade é sempre um grande desafio. Com a crise das grandes narrativas consagradas pela modernidade e com a fragmentação das múltiplas possibilidades de vida, a definição, pelo Direito, dos limites da tutela dos Direitos Humanos demanda um esforço permanente de mediação e compreensão das demandas presentes no meio social. O presente livro é um claro esforço no sentido do enfrentamento desse desafio, onde buscamos oferecer ao leitor um panorama abrangente dos temas referentes ao papel institucional dos Direitos Humanos tal como pensados a partir de uma perspectiva jurídica. Resultado de uma conjugação de múltiplos olhares sobre o tema, o livro nasce com a proposta de contribuir para o debate, vinculando-se com firmeza no horizonte da promoção dos valores que integram e definem a condição humana. Da mesma forma, esta obra é resultado de pesquisas desenvolvidas em nível de Pós-Graduação stricto sensu, sendo majoritariamente composto por estudos desenvolvidos no âmbito do Mestrado em Direito da Universidade Católica de Pernambuco. De forma didática, dividimos a obra em duas categorias: temas gerais e temas específicos, sendo necessário este cuidado para possibilitar ao leitor uma abordagem ampla sobre o tema, num primeiro momento, em que se preocupa em demonstrar uma universalização dos Direitos Humanos, e num segundo momento um enfoque desses direitos em temáticas especializadas sobre a nossa realidade jurídica brasileira. Os diversos trabalhos aqui produzidos têm a preocupação de provocar o leitor, convidando-o a refletir sobre o

tema. Estamos felizes por apresentarmos à comunidade acadêmica nacional um trabalho cuidadoso cuja preocupação fundamental é estimular o debate e fomentar a cultura de promoção dos Direitos Humanos no Brasil. Os Organizadores

SUMARIO DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS: TEMAS GERAIS UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: ABORDAGEM DA LEGITIMAÇÃO E DA TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA PROPOSTA POR JÜRGEN HABERMAS Arnaldo Fonseca de Albuquerque Maranhão Neto Francisco Cristiano Lopes

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ELEMENTOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL: A EMENDA 45/2004 E A TUTELA DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL Rodrigo Ferraz de Castro Remígio João Paulo Allain Teixeira

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O PROBLEMA DO INTERPRETATIVISMO CONSTITUCIONAL E O JUDICIÁRIO SUPRA-ESTATAL COMO NEOPROCUSTO SEMÂNTICO João Cláudio Carneiro de Carvalho

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A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO NOVO PARADIGMA DE DIREITOS DO HOMEM 107 Maria de Fátima Miranda de Oliveira e Silva Maria Emília Miranda de Oliveira Queiroz DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS: TEMAS ESPECÍFICOS ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS: O ESTUDO DA DEFENSORIA PÚBLICA COMO O MODELO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA NO BRASIL 129 Ricardo Russell Brandão Cavalcanti PODER GERAL DE CAUTELA: EXPRESSÃO DO PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO INTERSUBJETIVA NO PROCESSO COMO FORMA DE RESGUARDAR OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CIDADÃOS 155 Érika de Sá Marinho Albuquerque

O NEOCONSTITUCIONALISMO, O ACESSO À JUSTIÇA E O FIM TELEOLÓGICO E DEMOCRÁTICO DO DIREITO PROCESSUAL 171 Fernando Joaquim Ferreira Maia O PAPEL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS NA CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 197 Maria Clementina Guedes Alcoforado ABORTO: UMA QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS Cynara de Barros Costa Karoline Tarciane de Barros Campos

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POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DO ABORTO EM VIGOR NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO 249 Ângela Simões de Farias Marcela Neves Baptista Lins EFETIVIDADE DO DEVER FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO: DO DEVER DO ESTADO DE EDUCAR AO DIREITO DOS CIDADÃOS DE SEREM EDUCADOS 271 Camila Colares Soares de Andrade Amorim A APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PUBLICO A LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 301 Charlston Ricardo Vasconcelos dos Santos DIREITO FUNDAMENTAL À PENSÃO PREVIDENCIÁRIA DA CONCUBINA: UMA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL 335 Nayane Nyerla Coelho Batista A VITIMOLOGIA E SUA INTERFACE COM OS DIREITOS HUMANOS 373 José Antônio de Albuquerque Filho Francysco Pablo Feitosa Gonçalves

A VITIMOLOGIA E SUA INTERFACE COM OS DIREITOS HUMANOS José Antônio de Albuquerque Filho1 Francysco Pablo Feitosa Gonçalves2 1. PONTO DE PARTIDA O presente artigo situa-se no âmbito dos direitos humanos e da criminologia crítica, no que se refere aos assuntos interdisciplinaridade e vitimologia. O objetivo geral apresenta como iniciativa contribuir com a reflexão sobre o fenômeno criminal numa perspectiva interdisciplinar, considerando a importância dos estudos vitimológicos (especificamente das vítimas de crimes) na interface dos direitos humanos. O que apresentamos nas linhas que se seguem decorre da reflexão e diálogo dos autores, no que concerne à vitimologia e aos direitos humanos. Optamos por dividir o trabalho em duas seções primárias - que, por sua vez, são compostas por duas seções secundárias nas quais discorremos sobre a vitimologia, seu conceito e suas relações com as disciplinas afins, bem como sobre sua interface com os direitos humanos. 1 Mestre em Direito e Pesquisador do Grupo de Pesquisa "Linguagem e Direito" pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Professor da Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIPE) e da Faculdade Joaquim Nabuco de Recife (FJN - Unidade Recife/PE). 2 Mestre em Direito e Pesquisador do Grupo de Pesquisa "Direitos Fundamentais: Instrumentos de Concretização" pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Professor da Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIPE) e da Faculdade Estácio do Recife (ESTÁCIO - FIR).

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IEMAS ESPECÍFICOS

2. A IMPORTÂNCIA DA VITIMOLOGIA PARA A CRIMINOLOGIA E PARA O DIREITO PENAL O estudo da vitimologia torna-se cada vez mais importante como orientação na elaboração de políticas criminais envolvendo a pessoa da vítima, bem como, a partir de uma análise do comportamento da própria vítima, permite a adequada aplicação do direito penal. Para a criminologia, especificamente, é importante dizer que a vítima compõe um dos seus objetos de estudo, sendo observada em sua totalidade - aspecto social, psicológico, antropológico e biológico - de maneira a contribuir para a concretização da própria vitimologia e da explicação científica do fenômeno criminal. No direito penal, a preocupação com a vítima é referendada quando se analisa o seu comportamento como fator criminógeno, no que diz respeito às condutas provocadoras de crime. Nesse contexto, o comportamento da vítima passa a ser objeto de estudo do direito penal, analisado de acordo com as especificidades do caso concreto. Percebam que o estudo da vítima tanto na criminologia quanto no direito penal está contextualizado em métodos diversos, de acordo com a finalidade de cada ciência. Para a criminologia, a vítima está inserida numa ampla realidade social, cujo aspecto fenomenal corrobora para o entendimento da realidade criminal, no intuito de compreendê-la para transformá-la. Já para o direito penal, o comportamento da vítima é analisado conforme o caso concreto, independentemente das circunstâncias fenomenológicas que envolvam a vítima. Nesse sentido,

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Não se propõe o Direito Penal à verificação, à explicação e à investigação do problema criminal. Se o crime é problema para o Direito Penal, que seja em sua unidade normativa, enquanto fato descritivo do tipo penal, desconsiderando qualquer análise da realidade circundante. (ALBUQUERQUE FILHO; QUEIROZ, 2011, p. 124)

A atuação do direito penal se apresenta como protagonista de todo o enredo criminal, como se bastasse apenas o seu arcabouço normativo para a solução do caso concreto. Não adota o direito penal a interdisciplinaridade, diferentemente das outras ciências: criminologia e vitimologia. Nesse contexto, Eduardo Mayr (apua FERREIRA, 2002, p. 219) afirma que a vitimologia constitui (...) o estudo da vítima no que se refere à sua personalidade, quer do ponto de vista biológico, psicológico e social, quer o de sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de vitimização, sua inter-relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos.

A definição de Mayr registra o caráter interdisciplinar que compõe o fenômeno vitimológico, sem se limitar ao dogma que envolve a investigação das causas do crime e do criminoso. Esse papel do estudo do crime e do criminoso coube, respectivamente, às Escolas Clássica e Positiva, num contexto histórico onde se iniciava a fase científica e autônoma da criminologia, com as pesquisas desenvolvidas por Lombroso. A vitimologia surgiu a partir da segunda metade do século XX, no contexto do pós-Segunda guerra, 375

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que também é o contexto da afirmação dos direitos humanos em âmbito internacional. Desde o seu início, a vitimologia chama a atenção para a criação de programas e políticas de assistência, reparação e tratamento das vítimas de crimes, considerando todas as variáveis que envolvem o fenômeno criminal, como por exemplo, os processos de vitimização, que veremos logo adiante. 2.1 VITIMOLOGIA: CIÊNCIA AUTÔNOMA E RAMO DA CRIMINOLOGIA. Quanto à natureza da vitimologia, não há um consenso entre os doutrinadores que a estudam. Uns afirmam que ela é uma ciência autônoma, outros que seja apenas uma ramificação da criminologia crítica. Não obstante as afirmações e divergências, acreditamos que o melhor é adotá-la como ciência autônoma e como ramo da criminologia. Digamos, uma natureza sui generis. Ou seja, a sua natureza dependerá do contexto fenomenológico ou de como ela é concebida na comunicação com as outras ciências. Nesse sentido, se verificarmos a criminologia, de fato constataremos que a vítima é um de seus objetos de estudo. Mas se o caso concreto, fenomenal, demandar um estudo mais complexo da vítima e seu comportamento, bem como dos processos de vitimização, a vitimologia será ciência, com conceito, método e objeto de estudo próprios, assim como o direito, a sociologia etc.

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2.2 A VITIMOLOGIA COMO ESTUDO DO FENÔMENO CRIMINAL Vimos logo acima que qualquer que seja a natureza da vitimologia, a etiqueta veiculada não desqualifica o seu estudo e a sua aplicação. Para nós é irrelevante, ante o caráter interdisciplinar dessa ciência, que busca entender a vítima face aos processos de vitimização, buscando a prevenção e a reparação do dano. Vimos também, que no estudo da criminologia crítica, a vitimologia se apresenta como um ramo autônomo, tornando-se indiscutível o estudo da vítima como um fenômeno criminal. Mas, nem sempre foi assim. Segundo Sérgio Salomão Shecaira "a vítima, nos dois últimos séculos, foi quase totalmente menosprezada pelo direito penal. Somente com os estudos criminológicos é que o seu papel no processo penal foi resgatado" (SHECAIRA, 2011, p. 60). Nesse sentido, podemos dividir a evolução da concepção de vítima em três fases: o protagonismo, a neutralização e a redescoberta do papel da vítima. No protagonismo, também conhecido como idade de ouro, havia uma valorização do papel desempenhado pela vítima, que era protagonista da resposta ao crime, cabendo a ela vingar-se do criminoso. Na neutralização, a vítima tem reduzido o seu poder de justiça privada diante do monopólio estatal no exercício do direito de punir e da aplicação da pena. Nesse sentido, conforme Shecaira, "a pena passa a ser uma garantia de ordem coletiva e não vitimaria" (SHECAIRA, 2011, p. 61). A fase da redescoberta foi marcada pelo resgate do papel da vítima pelo Estado, aproximadamente a partir da segunda metade do século XX, onde podemos 377

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também citar como fato histórico o surgimento da vitimologia como ramo autônomo da criminologia. Com os estudos sobre a vítima, o objeto da criminologia se ampliou no que diz respeito à explicação do fenômeno delitivo. Não mais interessava como objeto de estudo da criminologia apenas o crime e o criminoso, abrangendo a partir de então os estudos relacionados à vítima e ao controle social do comportamento delitivo. Nesse contexto, "cabe definir a Criminologia como ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo (...)" (GOMES; MOLINA, 2008, p. 32) Certamente, com essa definição da Criminologia, podemos observar claramente o seu método, empírico e interdisciplinar, bem como o seu objeto de estudo - crime, delinqüente, vítima e controle social - consagrando-a como ciência autônoma. No que concerne aos estudos da vítima, podemos afirmar que a criminologia nos oferece as ferramentas necessárias para que ela possa ser analisada inserida na realidade social, como fenômeno criminal. Dessa forma, a classificação das vítimas segundo as questões vitimológicas são: vitimização primária, secundária e terciária.3 Para Shecaira, considera-se haver vítima primária quando um sujeito é diretamente atingindo pela prática de 3 Convém adiantar que no Caso Damião Ximenes, que mencionaremos brevemente logo adiante, temos um caso de vitimização primária (o próprio Damião) e terciária (seus familiares). No que concerne aos casos de pessoas apenadas que sofreram sofrimentos excessivos, também temos interessantes precedentes nas Cortes de direitos humanos, um exemplo é o Caso Caesar contra Trinidad e Tobago, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

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ato delituoso. A vítima secundária é um derivativo das relações existentes entre as vítimas primárias e o Estado em face do aparato repressivo (polícia, burocratização do sistema, falta de sensibilidade dos operadores do direito envolvidos com alguns processos bastante delicados etc). Já a vítima terciária é aquela que, mesmo possuindo um envolvimento com o fato delituoso, tem um sofrimento excessivo, além daquele determinado pela lei do país. É o caso do acusado do delito que sofre sevícias, torturas ou outros tipos de violência (às vezes dos próprios presos), ou que responde a processos que evidentemente não lhe deveriam ser imputados (...). (SHECAIRA, 2011, p. 65)

Podemos citar também como exemplo de vitimização terciária a falta da presença do Estado e da própria sociedade no amparo às vítimas, configurando-se assim um total desrespeito aos direitos humanos. E não é pra menos que a vitimologia e os direitos humanos estão entrelaçados, num processo interdisciplinar e fenomenológico apresentado no caso concreto. Nesse contexto, certamente as questões relacionadas às violações a direitos humanos são, nos dias atuais, de interesse da vitimologia. 3. DIREITOS HUMANOS E VITIMOLOGIA4

3.1 SOBRE OS DIREITOS HUMANOS Em linhas anteriores, dissemos que as violações aos direitos humanos são uma das questões mais 4 Algumas das considerações fazemos nessa seção são, em parte, desenvolvimentos, modificações e revisões de reflexões anteriormente feitas, (cf. GONÇALVES, 2011, passim, esp. p. 134; e cf. GONÇALVES; ALBUQUERQUE FILHO, 2012).

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relevantes para a vitimologia, mas o que são, afinal de contas, esses tais direitos humanos? Essa é uma questão permeada por muitas controvérsias e mal-entendidos, que vão desde o fundamento e natureza dos direitos humanos, e passam por seu conteúdo e até mesmo pela sua denominação.5 Se pudermos pensar nos elementos mais comuns referentes aos direitos humanos, parece possível afirmar que eles são, em verdade, uma construção ocidental moderna. É evidente que na antigüidade existiam o que podemos interpretar como antecedentes históricos de tais direitos, e de que nos direitos e nas filosofias orientais também, desde há muito, existem construções culturais que guardam alguma correlação com o que compreendemos hoje como sendo direitos humanos. É preciso, porém, ter em mente que antecedentes e correlações dependem em muito da perspectiva de quem os interpreta - a ordem da história depende, também, da hermenêutica do historiador. Dessa forma, embora seja possível afirmar que os homens sempre tiveram direitos, temos que compreender, por outro lado, que o conceito de pessoa humana como sujeito de direitos nem sempre foi - na prática, aliás, nem sempre é - um conceito exatamente abrangente; muito se batalhou ao longo da história, como muito 5 Dentre outras, apenas a título de ilustração, podem ser enumeradas: direitos naturais, direitos individuais, direitos subjetivos, direitos públicos subjetivos, direitos do homem, direitos humanos, direitos fundamentais, direitos humanos fundamentais, liberdades públicas, liberdades fundamentais, etc. Para uma análise mais detida de tais conceitos, ver Pérez Luno (2003, p. 29-38). Apenas a título de exemplo, a respeito da divergência presente também na doutrina brasileira sobre tais expressões serem ou não sinônimas, Ricardo Lobo Torres (2005, p. 9) entende que "Os direitos naturais são sinônimos dos direitos humanos, ou direitos fundamentais, ou direitos individuais, ou direitos civis, ou liberdades públicas." Já Alberto Nogueira (1997, p. 11) diz que "As expressões 'Direitos do Homem", 'Direitos Fundamentais' e 'Liberdades Públicas' têm sido, equivocadamente, usadas indistintamente como sinônimos."

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ainda se batalha nos dias de hoje, para conferir o status de pessoa humana dotada de dignidade a todas as pessoas vivas, independentemente de raça, sexo, orientação sexual, classe social, características físicas etc. Da forma como os compreendemos, os direitos humanos são, portanto, uma construção cultural, em alguma medida utópica, característica de um momento histórico, a modernidade.6 Tal compreensão, longe de retirar a importância de tais direitos, acaba reafirmando-a, na medida em que permite uma compreensão crítica acerca dos mesmos, avaliando tanto as construções teóricas como os movimentos sociais que lhe dizem respeito como indicativos de que tais direitos são direitos que queremos ter, direitos que queremos ver universalmente realizados.7 Essa é uma questão que entendemos ser relevante porque, como lembra Bobbio, existe uma diferença no que concerne ao fundamento de um direito que se tem e um direito que se deseja ter: O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter. No primeiro caso, investigo no ordenamento jurídico positivo, do qual faço parte como titular de direitos e de deveres, se há uma norma válida que o reconheça e qual é essa norma; no segundo caso, tentarei 6 Sobre os direitos humanos como invenção da modernidade, confrontar, dentre outros, Norberto Bobbio (2004) e Marcelo Neves (2005), para um panorama histórico dos direitos humanos, inclusive analisando a idéia de tais direitos em sua compatibilidade com filosofias e religiões variadas, o melhor estudo é o do Prof. João Baptista Herkenhoíf(2002). 7 Assumimos essa perspectiva do universalismo no sentido de reconhecer todo um movimento, ou melhor dizendo, todo um contexto historicamente verificável, sobretudo após a segunda guerra mundial, voltado ao reconhecimento da universalidade dos direitos humanos.

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buscar boas razões para defender a legitimidade do direito em questão e para convencer o maior numero possível de pessoas (sobretudo as que detêm o poder direto ou indireto de produzir normas válidas naquele ordenamento) a reconhecê-lo. (BOBBIO, 2004, p. 15)

Claro que, hoje, os direitos humanos se encontram reconhecidos nos ordenamentos jurídicos estatais, e, mais ainda, nos tratados internacionais, mas, apesar disso, esse reconhecimento muitas vezes é apenas formal. Isso nos leva a concordar com Costas Douzinas (cf. 2009), quando ele diz que a retórica dos direitos humanos triunfou, que hoje ela é apropriada pela direita e pela esquerda, pelo conservador e pelo reacionário, mas esse triunfo é cheio de paradoxos e contradições, sobretudo quando pensamos em todas as pessoas que permanecem em condição de vulnerabilidade social. Para que percebamos as contradições desse triunfo, basta que saiamos à rua e nos deparemos com um mendigo, e não nos referimos - apenas - àquele suposto esmoleu, em seu discurso ensaiado, pedindo trocados nos transportes coletivos, mas ao invisível, sujo, deitado na calçada, sem coragem de pedir. Basta que pensemos em todas as vítimas da criminalidade anônima, sobretudo nas grandes cidades, e perceberemos o quão paradoxal é o triunfo dos direitos humanos. Esse paradoxo não nos faz desistir dos direitos humanos, pelo contrário, faz com que sintamos a necessidade de pensá-los, também, como direitos que queremos ter, que queremos ver amplamente realizados, uma realização além da sua mera positivação, uma realização inclusiva, para todas as pessoas, especialmente aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social.

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Conhecemos, é claro, as acusações que são feitas aos direitos humanos; desde as mais coloquiais: a de que são direitos de bandido; até as mais acadêmicas: que são um instrumento de dominação cultural. Essas acusações podem muito bem ser procedentes, a retórica dos direitos humanos pode ser apropriada de diversas formas, para justificar diversos atos. Não iremos - nesse trabalho - analisar cada uma dessas críticas, no que possam ou não ser procedentes. Nos basta perceber que podemos e devemos debater se o que parece bom e desejável para a nossa cultura ocidental é realmente o melhor para todas as culturas, os direitos humanos não devem ser vistos como dogmas, seu conteúdo não pode estar hermeticamente fechado, mas aberto ao debate. Isso, entretanto, não invalida os direitos humanos em sua universalidade. Existem direitos que podem ser compreendidos como universais, nesse sentido, Michael Perry, baseando-se em fatos que efetivamente - e lamentavelmente - aconteceram e acontecem no mundo atual, nos proporciona uma interessante reflexão: Ninguém acredita em estuprar, ou cortar seios, ou rasgar úteros, ou decapitar uma criança na frente de sua mãe (logo após estuprá-la), ou castrar um prisioneiro (ou forçar outro prisioneiro a fazê-lo), ou jogar um prisioneiro em óleo quente - ninguém acredita que tais atos sejam bons ou que ou possam ser bom para eles a quem o horror é infligido. (PERRY, 1997, p. 483)8

8 No original: "No one believes that rape, or slicing off breasts, or ripping out wombs, or decapitating a child in front of its mother (who has just been raped), or castrating a prisoner (or forcing another prisoner to do so), or throwing a prisoner into hot oil - no one believes that such acts are or might be good for them on whom the horror is inflicted."

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Estendamos essa reflexão ao que vemos diuturnamente na mídia. Acreditamos que uma criança de oito anos deveria ter melhores oportunidades e orientação do que se envolver com tráfico de drogas,9 que nenhuma vítima da criminalidade deveria conviver com a ineficiência do Estado em responsabilizar seu agressor. Acreditamos, também, que o trabalho - ainda incipiente - de apoio às vítimas da criminalidade deveria ser mais abertamente vinculado aos direitos humanos nos quais muitas vezes se baseiam. Isso, talvez, evitasse esse estigma dos direitos humanos, a vitimologia, aliás, como mencionaremos oportunamente, talvez possa representar uma contribuição importante nesse sentido. Retomando a questão dos direitos que queremos ver realizados, importante perceber que essa compreensão, na medida em que decorre da também implica a compreensão dos direitos humanos como uma construção social utópica da modernidade. Uma utopia tão desejável que vem justificando incontáveis esforços teóricos para justificá-la - com base na história, na religião, na biologia (etc.) - numa busca que, aliás, se confunde com o próprio anseio pela compreensão do que é o ser humano e do que o distingue dos demais seres vivos. Tal compreensão importa, também, a percepção de que os numerosos movimentos sociais que imediata ou Não desenvolveremos o debate universalismo versus relativismo dos direitos humanos, mas para uma visão de tal debate, recomendamos a leitura de Michael Perry (1997,passim, esp. p. p. 461-508). 9 Esse exemplo pode ser um lugar comum, mas é um lugar comum tristemente real. Conforme noticiado na Folha de São Paulo, "Crianças entram no tráfico de drogas a partir dos 8 anos no Rio, diz OIT" (MIGNONE, 2002). Após mais de dois anos de pesquisa, na qual foi investigada a realidade das favelas do Rio de Janeiro, inclusive entrevistando várias pessoas ligadas ao tráfico, Luke Dowdney (cf. 2003, passim, esp. p. 126) registra que a idade média de entrada no tráfico é de treze anos e que a situação dessas crianças é muito mais semelhante à realidade de uma guerra do que à de bandidos.

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mediatamente buscam a afirmação de tais direitos atestam a sua necessidade. Mais uma vez a constatação de que tais direitos são direitos que precisamos que existam e que queremos ver amplamente efetivados.10 3.2 REFLETINDO SOBRE A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS NUMA PERSPECTIVA VITIMOLÓGICA Nas linhas anteriores registramos o nosso posicionamento em favor dos direitos humanos e registramos que nenhuma vítima deveria conviver com a ineficiência do Estado em responsabilizar seu agressor. Acrescentamos agora que o Estado muitas vezes é ineficiente, em outras tantas conivente, isso quando não é ele próprio, o Estado, o violador dos direitos humanos. Quando isso acontece, a busca ao direito internacional dos direitos humanos pode ser uma alternativa viável. Esta é uma primeira interface interessante entre os direitos humanos e a vitimologia, no que concerne, especificamente, à proteção das vítimas e reparação das violações sofridas. A proteção internacional dos direitos humanos pode se realizar em vários níveis, através dos diversos sujeitos de direito internacional, sendo que, no que concerne à proteção realizada através das Organizações Internacionais - intergovernamentais - é possível falar em dois grandes níveis ou sistemas, o Sistema Global, 10 Por outro lado, tal compreensão não afasta o problema anteriormente mencionado das denominações, às quais muitas vezes trazem implícita ou explicitamente uma classificação (e classificações não são mais ou menos certas, mas mais ou menos úteis). Se, a rigor, as expressões; direitos do homem, naturais do homem, fundamentais do homem, ou simplesmente humanos quando analisadas em termos semânticos podem ser consideradas sinônimas; tais expressões vêm ganhando assumindo significados distintos na doutrina jurídica. Não iremos adentrar essa questão (sobre isso, cf GONÇALVES, 2011), às vezes nos perguntamos se a energia gasta para conceituar e construir um discurso hegemônico sobre o que tais expressões devem significar não seria melhor empregada em prol da realização dos direitos humanos.

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centrado na Organização das Nações Unidas (ONU) e suas agências especializadas11 e os sistemas regionais12 Africano, Europeu e Interamericano - através de seus órgãos e instrumentos normativos. Importante mencionar que essa proteção internacional não tem a pretensão de conflitar com a nacional, mas andar junto com ela, afimde resguardar sempre o ser humano, os sistemas global e regionais, a priori, também não conflitam ou se excluem entre si. O sistema global de proteção dos direitos humanos vai atuar, principalmente, no sentido de "prevenir conflitos internos", através de mecanismos de intervenção política que visam o "fortalecimento de instituições nacionais para solucionar questões relacionadas a direitos humanos" (ONU, 2000, p. I).13 Os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, por sua vez, visam, principalmente, decidir controvérsias que não tiveram solução no plano das jurisdições domésticas 11 Dentre os documentos do sistema global, dentre outros, merecem lembrança a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 12 A Associação de Nações do Sudeste Asiático possui uma Comissão Intergovernamental de Direitos Humanos, inaugurada em 2009, mas não podemos dizer, ainda, que possui um sistema regional. 13 No âmbito da ONU, e pensando na perspectiva de tentar encontrar um fundamento para os direitos humanos das vítimas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, já contém princípios que podem ser interpretados nesse sentido, apenas a título de exemplo, mencionamos o Artigo V, que estabelece que "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante", o Artigo VII, que diz que "Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação", e o Artigo VIII: "Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei."

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dos Estados, compondo um meio jurisdicional internacional de solução de conflitos, (cf BENVENUTO; GONÇALVES, 2012) Dissemos anteriormente que a falta da presença do Estado e da própria sociedade no amparo às vítimas configura um exemplo de vitimização terciária e um desrespeito aos direitos humanos; nessa perspectiva, a primeira condenação que o Brasil sofreu perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos exemplifica bem a questão dessa vitimização e é emblemática do papel do Sistema Interamericano. Como sabemos, o caso Damião Ximenes contra o Brasil resultou na condenação do Brasil em 2006, em virtude de a vítima, o cearense Damião Ximenes Lopes, foi torturado e morto enquanto estava internado numa instituição psiquiátrica que recebia recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Diante da ineficácia do Estado em aplicar as sanções legais aos responsáveis pela tortura e morte de Damião, sua família - na pessoa de sua irmã Irene Ximenes - e a ONG Justiça Global denunciaram o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Gonçalves e Benvenuto (2012) registram que a sentença da Corte Interamericana concluiu que o Brasil violou sua obrigação geral de respeitar e garantir os direitos humanos, e, especificamente, o direito à integridade pessoal de Damião Ximenes e de sua família. A família também teve violado o direito e a garantia à proteção judicial,14 sendo, portanto, uma vítima terciária. Nessa perspectiva, precisamos considerar que ela só obteve 14 Os autores registram ainda que "Em 14 de agosto de 2007, o Diário Oficial da União publicou o Decreto Decreto 6.185/07, do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, autorizando a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República a indenizar os familiares de Damião Ximenes, com isso o Brasil reconhece a legitimidade e a competência da Corte e reafirma o compromisso do país com o Sistema Interamericano." (GONÇALVES; BENVENUTO, 2012, p. 473-474)

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uma resposta estatal minimamente adequada após a condenação da Corte Interamericana. Poderíamos mencionar diversos outros casos em que a Corte sentenciou Estados americanos por violações aos direitos humanos, cujas condenações compreendiam alguma forma de reparação às vítimas. O que é mais importante registrar, entretanto, é que qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidade não-governamental, de qualquer dos Estados que são parte da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) pode denunciar uma violação dos direitos humanos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que analisará o caso e poderá submetê-lo à Corte, esta, por sua vez, eventualmente, poderá vir a condenar o Estado responsável. Acreditamos que o que registramos até agora deixa evidente tanto o nosso posicionamento favorável aos direitos humanos como a nossa própria compreensão de direitos humanos, o que, esperamos, possa contribuir para desfazer os mal-entendidos em torno desses direitos, que queremos e precisamos ver amplamente realizados. Nesse particular, aliás, a vitimologia pode ter um papel muito importante numa reflexão crítica sobre os direitos humanos, na medida em que ela nos proporciona uma reflexão sobre os direitos humanos das vítimas. CONSIDERAÇÕES FINAIS

DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

chama a atenção para a criação de programas e políticas de assistência, reparação e tratamento das vítimas de crimes, programas que, em última análise, são de afirmação e realização dos direitos humanos. Sempre que nos deparamos com um contexto em que houver vitimização, primária, secundária ou terciária, podemos considerar, certamente, que houve um desrespeito aos direitos humanos. No caso da vítima terciária, aquela que tem um sofrimento excessivo além do determinado pela lei estatal, vimos que essa vitimização pode ser caracterizada, também, pela própria ausência do Estado e da sociedade na promoção dos direitos humanos. Nesses casos, quando o Estado é ausente, um caminho que pode ser adotado pelas vítimas é o recurso à proteção internacional dos direitos humanos, e, no nosso caso, enquanto brasileiros, qualquer de nós pode peticionar perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Acreditamos que uma maior reflexão, desenvolvimento e até mesmo problematização sobre as questões aqui discutidas, pode contribuir para o amadurecimento da vitimologia, em sua natureza sui generis de disciplina autônoma e ramo da criminologia. Esse amadurecimento, e uma maior reflexão e divulgação da vitimologia, por sua vez, certamente contribuirá para uma reflexão crítica sobre os direitos humanos e até mesmo de um maior interesse na realização desses direitos na perspectiva das vítimas. São questões que deixamos abertas ao debate e desenvolvimento em diálogos futuros.

Nas linhas anteriores refletimos sobre a vitimologia, enquanto estudo da vítima em vários aspectos, dentre os quais o da sua proteção social e jurídica. Mencionamos que desde o seu surgimento a vitimologia

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f f MAS ESPECÍFICOS

REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE FILHO, José Antônio. Direito à Saúde e o dever da fundamentação jurídica: uma abordagem transdisciplinar ancorada na análise crítica do discurso jurídico. 154 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP, Recife, 2011. ALBUQUERQUE FILHO, José Antônio; QUEIROZ, Maria Emília. A importância da criminologia crítica para o direito penal: como aplicar o direito numa perspectiva interdisciplinar. Cárcere social: por um direito penal sem fronteiras. Recife: APPODI, 2011, p. 122-140. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. DOWDNEY, Luke Crianças do Tráfico: Um estudo de caso de crianças em violência armada organizada no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003. DOUZINAS, Costas. O Fim dos Direitos Humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. FERREIRA, Pedro Luciano Evangelista. Vítimas e vitimização nos crimes sócio-econômicos. Revista Jurídica Mater Dei. Vol 2, N. 2, jan-jun. 2002, p. 219.Disponível em
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