A VOLTA PARA CASA DEPOIS DE UM PARTO PREMATURO

May 29, 2017 | Autor: Manola Vidal Vidal | Categoria: Depressão, Historias De Vida, PREMATURIDADE, PESQUISA QUALITATIVA EM SAUDE
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ÍNDICE


INTRODUÇÃO.................................................................................. P.2



Ser alguém em terra de ninguém – Sobre a transmissão psíquica e a relação da mãe-filha.....................................................................................................P.12


Qual pedaço de mim?..........................................................................P.47

De volta ao começo.............................................................................P.72

Ana e Mário : união pela fé..............................................................P.117

CONCLUSÃO....................................................................................P.115


 








1- Introdução
 
Neste livro me propus a conhecer o humor materno na relação mãe-bebê prematuro após a alta hospitalar. Realizei tal proposta por meio de quatro histórias de vida nas quais o período enfocado é o do acompanhamento materno por ocasião da internação do recém-nascido na unidade de tratamento intensivo neonatal (U.T.I) e os primeiros meses de seu ingresso em ambiente doméstico. A observação de como estas mães enfrentaram a vivência emocional da maternidade de um bebê prematuro me permitiu ampliar a compreensão sobre o humor materno no período do puerpério.
A prematuridade ou nascimento pré-termo é definido como aquele que ocorre com 36 semanas ou menos de gestação, sendo um dos principais problemas da perinatologia pois responde a 70% das mortes neonatais. A prematuridade está associada ao baixo peso ao nascer tendendo a ser consideração em função de sua prevalência-10% em todo mundo- a despeito das diferenças de níveis de desenvolvimento entre os países (Reed D.M., Stanley. 1977), é uma questão importante pelas restrições na qualidade de vida de muitos dos que a ela sobrevivem, pois, suas sequelas podem ser extremamente graves tanto para as crianças como para suas famílias.
Meu interesse em relação ao tema surgiu através do contato com mães de bebês prematuros enquanto psicóloga no Hospital Estadual de Duque de Caxias quando tive a oportunidade de realizar intervenções[1], a partir de minha prática profissional como psicóloga. Essas intervenções se dirigiam a mães em acompanhamento dos filhos internados e seu círculo familiar mais próximo (o pai, irmãos, avós e em algumas situações tios e cunhados). Meu objetivo era o de oferecer apoio e suporte à reestruturação da dinâmica familiar tanto no período da hospitalização como o da alta e transição para o ambiente doméstico. Tal trabalho foi possibilitado pelo fato do acompanhamento materno à internação ter sido uma prática instituída através de um processo desenvolvido a partir da década de setenta pelo Ministério da Saúde do Governo Brasileiro denominado Programa de Saúde Materno Infantil. Esse programa lançou as bases pragmáticas para a assistência da saúde da mulher e da criança que posteriormente foram conjugadas com as exigências de aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente em sua interface com a saúde perinatal [2]. Desta forma, se construiu um novo modelo de assistência em unidade de tratamento intensivo que busca minimizar o impacto negativo das intervenções invasivas (Gomes, 2004).
Me aproximei da realidade de uma população de mulheres oriunda das classes populares e dependentes da assistência pública enquanto gestantes de risco e puérperas em alojamento conjunto após parto prematuro. Pude então observar como reagiam durante o acompanhamento da internação de seus filhos em unidade de tratamento intensivo. Fui compreendendo que suas reações se relacionavam com a duração da internação, com o nível de prematuridade do bebê e com as formas de acompanhamento materno se através de visitas diárias com frequência semanal ou diária ou de alojamento conjunto. Neste último caso as mães ocupavam na maternidade, estando submetidas à estrutura de funcionamento da instituição em regime de internação hospitalar. Entretanto, apesar do direito ao acompanhamento ser assegurado por lei e daquela instituição manter alguns leitos disponíveis para ter as mães próximas dos bebês, o acompanhamento materno à internação do bebê prematuro se apresentava marcado por reações emocionais intensas. Os relatos das mães sobre situações como as de risco de vida para o bebê internado, visão de procedimentos invasivos ou de óbitos me trouxeram muitas reflexões. Essas se somaram a observações que fui elaborando sobre o humor materno e sobre práticas de humanização da assistência ao recém-nascido prematuro no interior da unidade de tratamento intensivo, refletindo sobre as longas internações provocadas prela prematuridade do bebê internado.
Durante minha prática profissional observei também um número recorrente de reinternações após alta hospitalar, fator que me possibilitou realizar uma associação entre o acompanhamento da internação e a interação familiar com o bebê egresso da unidade de tratamento intensivo. As reinternações ocorriam ora no CTI pediátrico ora na enfermaria pediátrica e suas causas variavam entre os casos de negligência (desnutrição), problemas respiratórios, doenças pulmonares característicos da prematuridade e um terceiro grupo que contemporaneamente é classificado como do das desorganizações psicossomáticas do primeiro ano de vida[3](distúrbios das grandes funções e os mais especificamente somáticos como eczema, asma, infecção otorrinolaringológica de repetição e distúrbios digestivos).
Reflexões sobre as situações que pude contrastar me possibilitaram indagar se o acompanhamento materno ao recém-nascido prematuro em unidade de tratamento intensivo produziria reações emocionais maternas do tipo depressivo, com efeito de duração superior ao período de internação e incidindo, justamente, na situação de reinternação hospitalar durante o primeiro ano de vida. Desta forma, passei a considerar a hipótese de que a vivência emocional destas mães poderia se constituir como uma situação de risco para a interação mãe-bebê. A partir de tais reflexões procurei aportes teóricos sobre a interação precoce e sobre o tema do humor materno após o parto prematuro, visando a entender o estatuto da parentalidade e a relação mãe bebê.
O período imediatamente posterior ao parto é denominado puerpério. O estudo do humor materno que se refere ao mesmo aponta para um campo de conhecimento recente e que em linhas gerais se apresenta não como o resultado de construtos psíquicos anteriores[4], mas sim como uma forma de funcionamento emocional, sendo única e independente em si mesma. Não se trata de uma organização inata[5] ou universal (Stern, 1997) e depende das condições sócio culturais que desempenham um papel importante na forma como a mesma é concebida na sociedade ocidental[6].
A mãe, após o parto e com a presença concreta do bebê, apresenta uma fenomenologia clínica característica (Cramer,1993) que se aproxima das definições oferecidas pelos conceitos como os de Preocupação Materna Primária (Winnicott,1956) e Constelação Materna Primária (Stern, 1997). Esta forma de organização estrutura aspectos da vida emocional materna que vão além da fase imediatamente posterior ao nascimento. Desta forma, a parentalidade materna é uma nova fase do desenvolvimento emocional muitas vezes de difícil adaptação e que pode trazer um cortejo de expressões psicopatológicas anteriormente inexistentes. Enquanto campo do conhecimento possui interface com os estudos sobre depressão e sobre sua influência para o desenvolvimento infantil.
Em relação aos estudos sobre a depressão, se aproxima de uma forma crítica quanto a posição apresentada pelo conhecimento médico psiquiátrico. Para a medicina psiquiátrica (Cheniaux, 1998) não existiria uma doença mental específica do puerpério. O parto somente atuaria simplesmente como fator desencadeante de transtornos psiquiátricos, especialmente, de transtornos do humor[7]. O puerpério traria um risco de adoecimento mental maior do que qualquer outra época de vida da mulher, sendo a ocorrência de distúrbios psiquiátricos no pós-parto quatro vezes maior do que na gestação. No puerpério, cerca de metade das mulheres experimentam uma síndrome depressiva de leve intensidade e transitória que desapareceria espontaneamente. É a chamada tristeza pós-natal, maternity blues, ou disforia pós natal[8](Chenioux, 1999,1998). Cerca de 10 a 15% das mulheres apresentam um episódio depressivo[9](Cox,1982) e, entre 0,1 e 0,2% são acometidas por um quadro psicótico[10].
Enquanto quadros psiquiátricos, esses fenômenos em nada difeririam quando ao curso e a evolução, daqueles que se iniciaram fora deste período. Assim, entre as mulheres que adoecem mentalmente no puerpério, cerca de dois terços apresentam episódio não puerperal semelhante, recebendo o mesmo diagnóstico. Na décima revisão da Classificação Internacional das Doenças (CID-10), encontra-se a categoria "Transtornos mentais e do comportamento associados ao puerpério, não classificados em outros locais" que se constitui como um diagnóstico de exclusão, só devendo ser utilizado quando as alterações mentais iniciadas no puerpério, convencionado como o período como o período compreendido pelas seis semanas posteriores ao parto, não se adequarem aos critérios diagnósticos de nenhuma outra categoria. O Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais, em sua quarta edição, DSM IV, não inclui uma categoria nosológica específica do pós-parto e reconhece a depressão pós-parto como uma forma geral de depressão que se estenderia em até quatro semanas.
A crítica proposta pela teoria da parentalidade ao conhecimento médico-psiquiátrico sobre o puerpério advêm de pesquisas (Milgron, 1999) sobre ao atendimento clínico de mulheres admitidas para tratamento por depressão pós-parto. Observou-se que, em até quatro anos após o parto, a maioria das mulheres que apresenta depressão ainda se diferencia do grupo de mulheres não deprimidas, evidenciando sintomas de baixa autoestima, problemas no vínculo com o bebê, problemas conjugais de divórcio e distúrbios nas relações familiares. Através destes resultados as investigações sobre as consequências, no longo prazo, da depressão após o parto (McCloud, 1996) se apresentaram como um campo de investigação assentado por sobre três pilares: os efeitos da depressão para a mulher, para a relação conjugal e, no que toca especificamente ao interesse deste trabalho, os efeitos da depressão materna para o bebê.
Os estudos sobre os efeitos da depressão pós-parto para a relação mãe-bebê evidenciam a diminuição da qualidade da interação afetiva que ao invés de abrupta se apresenta de forma constante e cumulativa. Mães deprimidas mostram menos responsividade e sensibilidade em relação às necessidades dos bebês e esse comportamento é encontrado em até 24 meses após o parto e início dos sintomas depressivos (Stein, Gath, Cooper, 1991). Será através desta relação, a dos efeitos da depressão materna sobre o desenvolvimento do bebê, que acredito em poder articular o humor materno após parto prematuro. A reação emocional materna após parto prematuro é compreendida como sendo compreendida como sendo consequência da internação hospitalar do recém-nascido. Esta explicação está presente na origem da assistência à prematuridade, sendo observada por Budin[11] nas situações de rejeição dos familiares por ocasião da alta hospitalar do recém-nascido, no óbito por negligência e nas reinternações. No período da pura tecnologização da assistência, a parti do final da década de 40 do século XX, esta explicação esteve presente nas pesquisas sobre as consequências das situações de carência dos cuidados maternos (Bowlby, 1984;Spitz,1973,1972) para a saúde mental do bebê[12]. Nos últimos 40 anos, tempo em que os setores de saúde vêm desenvolvendo uma ampla reflexão sobre a humanização dos cuidados, cresceu o número de investigações sobre a qualidade de vida do bebê após a alta hospitalar. Um aspecto, entretanto, não se modifica no decorrer de um século desta assistência: a constância dos distúrbios no estabelecimento do vínculo afetivo na relação da mãe com o bebê prematuro. O estudo sobre a vinculação afetiva entre a mãe e o recém-nascido prematuro não implicaria mais em investigações de situações de privação do contato com por ocasião da internação, mas se dão em enfatizar o não ingresso da mãe no estado da parentalidade, apesar do estabelecimento de procedimentos e propostas de humanização da assistência.
Exemplos que se relacionam com esta assertiva podem ser encontrados em pesquisas sobre: relação entre o baixo peso ao nascer e a síndrome da criança espancada, The battered child syndrome" (Klein, 1971), abuso sexual de crianças nascidas prematuramente, abandono e desorganizações psicossomáticas do primeiro ano de vida distúrbios das grandes funções e os mais especificamente somáticos. Desta forma, os distúrbios da parentalidade na relação mãe-bebê prematuro se aproximam tanto da duração cronológica mais extensa proposta por teorias sobre dos estados depressivos após o parto como da relação entre tais estados e o desenvolvimento do bebê.
A abordagem da relação mãe-bebê prematuro a partir de teorias sobre a internação precoce se justifica pela relação entre a qualidade da interação e o ingresso materno no estado de parentalidade, mas também porque, assentadas por sobre trabalhos de observação da relação mãe-bebê, apresentam hipóteses sobre a etiologia dos distúrbios da parentalidade que anos auxiliam na compreensão da especificidade do humor materno após parto prematuros.
De forma sintética (Larrousse, 1962) podemos entender como interação a reação recíproca entre dois fenômenos, ou seja, a situação de interdependência. Quando aplicada à relação mãe-bebê prematuro, este conceito se refere a uma determinada forma de comunicação que contemporaneamente é abordada por duas correntes distintas. O estudo da interação mãe-bebê é abordado pela psicanálise e pela observação direta, também denominada como interacionista (Lebovici,1987). Foi em relação a teoria psicanalítica que busquei os aportes através dos quais pude compreender a questão do humor materno enquanto fator ambiental que influência a qualidade da interação mãe-bebê. Desta forma, entendo que o humor materno é um fator que se constitui para o recém-nascido como parte do mundo externo. Esta posição se refere ao pressuposto de que, para o bebê, o ambiente é a mãe, ou seja, o ambiente se apresenta ao bebê através dos cuidados maternos necessários à satisfação das necessidades de sua condição de dependência.
Em relação a teoria psicanalítica, esta forma de compreensão se encontra nas contribuições de D.W. Winnicott que nos orientam para a importância do meio ambiente no desenvolvimento emocional do ser humano. Segundo o autor, o indivíduo não é uma unidade, mas uma estrutura ambiente-indivíduo (Winnicott,1982) que, quando referida ao desenvolvimento emocional primitivo, se apresenta como a estrutura mãe-bebê. Encontramos na obra de Winnicott (1956) uma forma de abordar o humor materno na relação mãe-bebê a partir da compreensão do puerpério enquanto relacionado ao estado de "Preocupação Materna Primária". Para este autor o estado de humor no puerpério possui uma função especular, ou seja, o bebê possui um reflexo de si mesmo a partir do estado de dependência absoluta do lactante e do ingresso da mãe no que o autor denomina como "Preocupação Materna Primária". Tal visão do si mesmo implica no fato de que o bebê não pode ver a si próprio como separado de sua mãe neste período de dependência absoluta e de que, a função materna principal é manter essa experiência de ilusão para o bebê. Ou seja, a ilusão é a de que ele e a mãe são um só.
Para o autor psique e soma são originários da ilusão do bebê de ser um só com o corpo da mãe. Tal ilusão aos poucos e gradativamente, após terem se estabelecido o sentimento de confiança de ilusão para o bebê, ou seja, a ilusão é a de que ele e a mãe são um só. Para o autor psique e soma são originários da ilusão do bebê de ser um só com o corpo da mãe. Tal ilusão aos poucos e gradativamente, após terem se estabelecido o sentimento de confiança e constância na função materna, se desfaz sendo possível ao bebê aceitar as falhas maternas da experiência de ilusão e de utilizar sua atividade mental para elaborar de forma imaginativa, e não através da fantasia, (Klein, 1978), a experiência corporal. Se a ilusão de fusão inicial, no período de dependência absoluta para o bebê e do puerpério (Preocupação Materna Primária), é da ordem da frustração e sim da mutilação, para o processo de integração psicossomática. A mãe deprimida é aquela que não consegue ingressar no estado de Preocupação Materna Primária, trazendo para o bebê a percepção da separação justamente no período em que o mesmo necessita da experiência de fusão inerente ao processo de integração entre o psíquico e o somático. Dito de outra forma, o bebê é representado subjetivamente pela mãe como ocupando um lugar onde deve dar conta de seu ser sem sê-lo ainda já que a continuidade se ser do bebê é garantida pela mãe e pelo ingresso da mesma no estado de Preocupação Materna Primária (Loparic, 1995ª;1995b).
O confronto dos pais com a angústia relacionada ao risco de morte do recém-nascido por causa de suas condições clínicas e, também relacionada com a experiência da estrutura de funcionamento de uma U.T.I pode dificultar o surgimento de processos de identificação materna com as necessidades do BEBÊ. Para o ingresso no estado de Preocupação Materna Primária essa identificação com o bebê é uma condição necessária e implica em uma noção de vivência temporal na gravidez e puerpério. Essa vivência temporal é descrita por Winnicott (1986) como "idas e vindas"entre dois tipos de percepção: a objetiva, que se relaciona com a existência do bebê real e, a subjetiva que se nutre da experiência de onipotência compartilhada (ilusão de fusão). Winnicott propõe (1963) que vivência de estados depressivos se relaciona aos processos de maturação e possibilita a descoberta de uma identidade pessoal. É a partir de integração ou não integração da vivência depressiva que o estado de humor materno no puerpério determinará a experiência de identificação com o bebê. Podendo ser também agente da falha ambiental que produz intrusão e consequentemente mutilação para o processo de integração psicossomática. Desta fora, a pesquisa sobre o humor materno em situações de prematuridade, envolve o estudo da função parental que se refere a possibilidade de integração ou não da vivência depressiva determinante para o processo de integração psicossomática do bebê.
Assim, a partir destas orientações teóricas, pude associara ao estado materno depressivo, característico do acompanhamento da internação em U.T.I., os distúrbios da identificação mãe-bebê, implicados, enquanto etiologia, na parentalidade de um bebê prematuro. Elaborei as seguintes hipóteses que nortearam minhas buscas na investigação sobre a forma como o humor materno se apresentaria após a alta hospitalar. Estas são:
-Existe uma influência da experiência de acompanhamento materno na internação e a relação mãe-bebê prematuro após a alta hospitalar.
-Existe uma ruptura do vínculo mãe-bebê característica da prematuridade que influencia o processo de maternagem.
-O processo de humanização da assistência intensivista não leva em conta a especificidade da experiência singular de cada mãe.
-Existe uma distância compreensiva por parte das prescrições do hospital e as situações concretas vividas pelas mães e seus bebês em ambiente doméstico.
 
O grupo de mães que esta pesquisa se propôs a abordar foi composto de puérperas em acompanhamento da internação de seus filhos realizado através do alojamento conjunto por 24 hs (integral), ou por 12 hs (parcial) ou em visitas com frequência superior a três vezes por semana à unidade de tratamento intensivo.
O critério de seleção que julguei primeiramente definir minha amostra foi o de mães que permanecessem em acompanhamento por um período superior a 30 dias por considerar que durante esse tempo a influência dos processos de humanização da assistência em relação ao humor materno ser realizaria. Construí um universo intenso de relações eu me possibilitaram conhecer uma realidade mais ampla do que aquela que inicialmente me propus a abordar. Uma interação bastante densa ocorreu, permitindo-me construir uma fonte primária de 330 horas de material coletado no interior da unidade de tratamento intensivo entre os meses de março e setembro de 2044.
Essa fonte originária de diálogos e observações diz respeito a minha participação em atividades de assistência aos pais de recém-nascidos internados no Hospital onde pesquisei. Investiguei no Instituto Fernandes Figueira que possui uma estrutura de funcionamento da UTI neonatal onde propósitos e ações são ênfase à humanização da assistência a pais e a recém-nascidos internados ou em acompanhamento no follow-up, buscando aproximação e empatia com eles por parte da equipe técnica formada por médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiras e pesquisadores. Pesquisei também as concepções, os sentimentos e as representações das mães, do casal, do pai e de outros familiares dos recém-nascidos internados ou em follow-up. No entanto, selecionei um grupo de casos para análise e utilizei as informações sobre outras situações mãe-bebês familiares como quadro ampliado para reflexão apresentada nesta tese.
O impacto causado pela riqueza deste material implicou na necessidade de um posicionamento em relação ao que me propus investigar. O foco no tema do humor materno em mães de bebês prematuros após a alta hospitalar exigiu um recorte do material colhido levando a que 145 horas de observação no interior da U.T.I., nesta tese fossem usadas apenas como quadro de referência e obviamente, exigindo um futuro trabalho de análise e reflexão.
A escolha de um recorte empírico específico foi possível graças ao aprofundamento das relações construídas com as mães, levando-me a perceber que ao lado da importância dos trinta dias de acompanhamento, havia outros fatores que se mostravam igualmente importantes. Foi o caso das situações de gestação ode risco, a origem social das mães e sua localização no território residencial onde lações de parentesco, de amizade e redes sócias são construídas. A gestação no contexto de risco implica em critérios médicos de avaliação ligando-se a situações nas quais a vida da mãe e do feto tem maiores chances de ser atingida. Os riscos somáticos para a gravidez frequentemente se relacionam com doenças maternas como diabetes, lúpus eritrematoso, hipertensão, placenta prévia, idade materna, infecções, grau de pobreza, trauma físico e ou psicológico, comportamento de adição (dependência química) e ausência de pré-natal. A gestação de risco implica também e, frequentemente, na hospitalização materna anterior ao parto o que justifica sua inclusão enquanto critério para seleção a partir de relatos de mães sobre mudanças na dinâmica familiar bem como vivência de estados depressivos[13].
A origem social foi outro fator incluído pelo fato de que as classes trabalhadores que estão no mercado formal ou informal representam a maioria da população assistida pela rede de saúde pública. Seus representantes em nossa sociedade, segundo Duarte (1986), dependem não só exclusivamente de seu próprio trabalho para a reprodução social, mas também expressão nessa condição (a de trabalhadores) sua marca de auto identificação positiva. Desta forma, a situação de dependência da assistência em saúde pela rede pública nas situações de gravidez de risco e parto prematuro envolve instituições de nível, terciário, secundário e primário, apresentando uma ração entre a população das classes trabalhadores e o estado, que julguei poder contemplar nas possibilidades de análise. Em relação ao aspecto da localização da residência enquanto critério de seleção, este se deveu ao fato de que seria importante para a prática da pesquisa sua acessibilidade, garantindo visitas domiciliares imprescindíveis para que eu procedesse ao acompanhamento da díade mãe-bebê fora do hospital. Nos casos analisados, duas mães residiam em outros municípios, uma na região da Baixada Fluminense e outra no subúrbio da cidade do Rio de janeiro. Desta forma, os critérios de seleção foram o do acompanhamento ou igual ou superior a 30 dias, a gestação de risco, a condição social e a região de residência.
Meu cronograma de pesquisa abarcou dois meses de revisão bibliográfica, sete meses de convivência com as mães no interior da U.T.I. e seis meses de visitas domiciliares que se iniciarem conforme a alta hospitalar gradativa dos bebês internados cuja as mães foram selecionadas para a visitação doméstica. Desta fora, algumas visitas foram iniciadas enquanto ainda havia conivência no interior da unidade com mães de bebês que continuavam internados.
As etapas deste planejamento compreenderam observar e ouvir como as mães vivenciaram no hospital a experiência da internação a partir de seu estado de humor e de como apreenderam o papel de coadjuvante na assistência durante o período da internação. Construída uma relação com as mesmas foi iniciada, após a alta hospitalar, a etapa das visitações domiciliares. Pretendi com essas visitas, acompanhar, a partir do processo hospitalar, os encontros e desencontros entre as propostas de humanização da assistência e as características da interação da dupla mãe-bebê em ambiente doméstico e observar as características do humor materno no exercício da função parental sem intermediação da equipe técnica.
Utilizei o método qualitativo de pesquisa em saúde, através do qual foi possível investigar o significado atribuído por mães de recém-nascidos prematuros ao acompanhamento da internação hospitalar e à interação com o bebê em ambiente doméstico através da construção de suas histórias de vida. Neste trabalho focalizo determinado período na vida destas mulheres relativo ao projeto da maternidade após parto prematuro. Desta forma, a unidade temporal considerada é relativa ao acompanhamento da internação ode seus filhos na unidade de tratamento intensivo e os primeiros meses após a alta hospitalar e o ingresso do bebê em ambiente doméstico. Realizei uma abordagem da história de vida que é tópica, mas que permitiu contemplar o passado, interpretar o presente e realizar projeções no futuro através do significado que as mães atribuíram a experiência do humor deprimido após a alta hospitalar de seus filhos. Segundo Minayo (2005) as histórias de vida nunca são uma verdade sobre os fatos vividos, mas sim a visão daqueles que o vivenciaram a partir de sua biografia, conhecimento e visão do futuro. Trabalhei com entrevistas abertas e não diretivas e com a observação participante que possibilitaram o desenvolvimento de uma escuta apurada e de uma atitude reflexiva.
Ao final da ordenação de todo o material coletado e de sua classificação, selecionei quatro casos para apresentação na tese, apresentando informações sobre o tempo relativo ao acompanhamento da internação, gestação de risco, condição social e região de residência, buscando aprofundar a questão do humor materno após a alta hospitalar de bebês prematuros.
Na primeira história, a de Constança, a associação entre prematuridade e o risco de violência na relação mãe-bebê prematuro se constituiu enquanto um aspecto pertinente às pesquisas sobre os distúrbios da parentalidade. Este caso se aproximou da hipótese de existir uma ruptura do vínculo mãe-bebê característica da prematuridade que influencia o processo da maternagem. Confirma também a hipótese da distância compreensiva entre prescrições do hospital e situações concretas vividas pelas mães e seus bebês em ambiente doméstico.
Na segunda história, a de Wanda, a situação de extremo baixo peso ao nascer de sua filha nascida prematura foi posterior a três outras experiências de maternidade com dois filhos falecidos no período perinatal e com uma filha que apresentou, ao nascer, o comprometimento neurológico da microcefalia. Tal situação se aproximou de a hipótese sobre o processo de humanização da assistência intensiva não levar em conta a especificidade da experiência singular de ada mãe. Neste sentido, o nascimento de Maria, mesmo que prematuro, foi investido pela expectativa de sua sobrevivência e desenvolvimento neurológico que resignificou a participação de Wanda durante o acompanhamento da internação da filha, bem como suas relações com a equipe técnica da unidade.
Com Andréa, na terceira história, encontrei a situação do acompanhamento materno de uma internação prolongada, sete meses, em função odo diagnóstico de Broncodisplasia de seu o que possibilitou estabelecer uma relação com a hipótese sobre a influência da experiência de acompanhamento materno na interação e a relação mãe-bebê prematuro após a alta hospitalar. Esta relação foi determinante para interação em domicílio com a tecnologia característica da dependência de oxigenioterapia apresentada por seu filho na transição da U.T.I. para o ambiente doméstico através da internação em domicílio durante primeiros meses após a alta hospitalar.
Por último, com Ana, pude conhecer a dinâmica familiar característica de reações traumáticas ao nascimento prematuro. Mas também acompanhei a elaboração da mãe a partir do suporte familiar e, neste sentido, reencontrei as hipóteses sobre a influência entre a experiência de acompanhamento materno da internação e a relação mãe-bebê prematuro após a alta hospitalar igualmente pude confirmar a hipótese da ruptura do vínculo mãe-bebê característica da prematuridade influenciando o processo da maternagem.
Portanto acredito que, apresentando uma reflexão teórica e antropológica sobre a experiência com a maternidade de um bebê prematuro, este trabalho oferece a oportunidade de uma compreensão mais ampla das necessidades dos grupos familiares que acorrem ao hospital, à U.T.I., permitindo melhor acolhimento por parte dos profissionais e compreensão maior das necessidades especiais do bebê, egresso da unidade de tratamento intensivo.
 
 
 




























Ser alguém em terra de ninguém – Sobre a transmissão psíquica e a relação da mãe-filha.
 
 
 
 
Conheci Constança já próxima da alta hospitalar de sua filha que se deu quatorze dias depois de nosso primeiro encontro. Apesar do convívio no interior da Unidade de Tratamento Intensivo ter sido breve foi seguro o bastante para se constituir, enquanto referência, quando, por ocasião do atendimento ambulatorial de sua filha, me procurou solicitando determinado tipo de auxílio. Foi através deste pedido para realizar um projeto pessoal de maternidade que sua história ingressou no trabalho de pesquisa aqui apresentado. No percurso, como usuária dos serviços públicos de assistência à gravidez de risco, foi atendida primeiramente na rede ambulatorial de sua cidade e internada pela primeira vez no Rio de Janeiro em outra instituição para, após uma breve alta, ser internada novamente, mas desta vez no Instituto Fernandes Figueira. Na relação com esta última instituição existiu uma constância no recebimento de assistência que lhe serviu como fonte de suporte quando ela percebeu em si mesma afetos e pensamentos que colocavam em risco o exercício de sua função materna. Constança e a filha eram como que um "elo" de uma corrente de transmissão da violência em um grupo familiar no qual esta se manifestava na relação entre as mães e as filhas e que no seu caso possuiria contornos ainda mais dramáticos pois estaria dirigida à relação com a filha ainda bebê. O percurso aqui focalizado compreende o período de tempo relativo ao processo de individualização de Constança em relação a este aspecto de sua "herança familiar" que lhe proporcionou autonomia em relação a não atuação de um comportamento destrutivo.
 
Conheci Constança na primeira vez em que participei de uma reunião coordenada pelo Serviço Social do setor[14], estava com os cabelos oleosos e em desalinho vestindo a roupa do hospital. Impressionou-me seu olhar fixo, sem piscar, enquanto falava e a aparente ausência de emoções apesar do conteúdo de sua fala ter mobilizado e iniciado, enquanto temática, o início de funcionamento do grupo.
 
Constança contou que no primeiro dia da alta de sua filha se sentiu mal em casa com a mesma dor de estômago que lhe acompanhava desde sua primeira internação ainda gestante. Procurou atendimento em um posto de saúde que funciona 24horas na cidade onde reside, na região da baixada fluminense. Segundo dados obtidos através do DATASUS (Ministério da Saúde, 2004) o município onde Constança reside possui em sua rede de assistência [15] 29 unidades de saúde sendo que dentre as mesmas um posto de atendimento 24 horas (este ano transferido do local onde Constança e a filha foram atendidas para o Centro da cidade justamente para facilitar a remoção de pacientes para fora da cidade). Esta unidade, conforme os dados apresentados pelo DATASUS, possui entre seus serviços de apoio uma ambulância própria que também funciona como uma U.T.I. móvel. Constança foi levada para atendimento à noite, acompanhada por um vizinho, sua mãe e a filha.
 
 
Cheguei lá e no momento em que eu estava sendo atendida ela teve parada cardíaca. Percebe-se a dificuldade do grupo de ouvir este tipo de relato pela expressão de emoção, choro, que o mesmo causa nas mães. Então a médica que estava atendendo colocou o aparelho no coração dela e disse: O coração desta menina está parado não adianta fazer mais nada. Minha mãe que estava com ela no colo correu para os outros médicos. Uma era clínica geral, o outro não sei o quê e então falaram que a médica que a atendeu, que ela era pediatra, minha mãe correu para lá e falou: Você é pediatra não vai atender, já vai condenar assim essa menina! Então foi assim que eu voltei com ela para cá (reinternação). Assistente social: Isto já é um problema de saúde pública, que dizer de secretaria de saúde. Outra mãe: Pois é, quando fui para casa com a X senti a mesma coisa porque depois ninguém quer atender, mandam logo de volta para cá. É paciente do Instituto Fernandes Figueira ninguém coloca a mão. Assistente Social: Pois é, todo mundo sabe que aqui não se faz atendimento de urgência, a contratransferência para esta instituição é uma coisa complicada. E essa é uma situação muito comum por isso que o grupo é importante para cada um ver o que os outros passaram.
 
 
No prontuário médico de sua filha encontro as seguintes informações: Estefânia nasceu de parto cesáreo em 04-03-04 com a idade gestacional de 34 semanas, pesava 2.130 grs., foi encaminhada para o departamento neonatal, unidade de atendimento intensivo, no mesmo dia. Permaneceu na unidade até 12/03/04 e, em seu prontuário relativo a este período, encontramos que a indicação para internação estava ligada a evolução após parto prematuro de um desconforto respiratório precoce havendo a suspeição de sepsis[16]. O diagnóstico clínico foi o de hipoglicemia, prematuridade, hipotermia e icterícia[17]. Sua primeira internação teve a duração de 8 dias, e se deu entre 04-03-04 e 12-03-04 e, no primeiro dia da alta hospitalar acontece o episódio da parada cardíaca. No prontuário de admissão para reinternação lemos: "recém-nascido com 13 dias e história de 3 episódios de cianose com perda de consciência, sendo o último há dois dias (12-03-04) com diagnóstico de morte aparente tendo inclusive recebido massagem cardiorrespiratória". Este atendimento ocorre, portanto, acidentalmente em seu primeiro dia de cuidados em casa sem a intermediação e o suporte antes existentes no hospital e durante um atendimento clínico ambulatorial de sua mãe. Apesar do ocorrido Schirley permanece com a filha em casa por mais 48horas, até o dia 15-03-04, quando se dá a reinternação através do primeiro atendimento ambulatorial previamente agendado e parte da rotina de alta hospitalar e acompanhamento em follow-up.
 
Na segunda internação sua filha permaneceu por mais nove dias apresentando dois grandes episódios de refluxo gastresofágico e não mais apneia ou cianose[18] obtendo alta em 24-03-04.
 
 
 
2 – A alta da Unidade de Tratamento Intensivo como um momento de crise.
 
 
O relato de Constança, anteriormente descrito, foi para mim impressionante e através de sua investigação pude compreendê-lo a partir de um contexto relativo a assistência de pacientes egressos de unidades de terapia intensiva em neonatologia.
 
Podemos nos aproximar do entendimento sobre as dificuldades encontradas por Constança se considerarmos a complexidade da situação de alta hospitalar de um bebê com necessidades especiais. Segundo Hostler (1991) crianças com necessidades especiais são aquelas que possuem doenças crônicas, deficiências físicas e distúrbios do desenvolvimento, sendo suas necessidades de saúde tão complexas que o próprio sistema de assistência se sente inapropriado para atendê-las.
 
Desta forma, podemos compreender que a alta de um bebê prematuro se assenta por sobre um tripé: indicadores que impliquem sua indicação, capacidade do sistema extra-hospitalar de absorver as necessidades especiais de tal clientela e, as condições da família em manter a continuidade dos cuidados com sua recuperação. A interdependência e comunicação destes determinantes resultam em prevenção ou experiência de situações de risco para o grupo familiar como a relatada por Constança.
 
Os indicadores e critérios de estabilidade para alta hospitalar (Rassish e col., 1998) em bebês prematuros podem ser resumidamente descritos como ligados a duas exigências: as físicas e as sociais. As exigências físicas são as da criança que deve estar clinicamente estável, sem doença aguda ou fisiologicamente estável se apresentar doença crônica; manter temperatura corporal estável em berço comum, por pelo menos 24 horas, estar sendo alimentada por via oral com ganho de peso progressivo, estar livre de apneia ou episódios de bradicardia[19]. As exigências sociais são a de um plano escrito e aprovado para a saúde da criança no domicílio, incluindo quem contatar se a criança ficar doente, uma lista de médicos de atendimento primário, medicamentos, responsabilidades específicas da enfermagem e dos pais, incluindo planos de seguimento; não devem receber alta crianças em processo de abandono por seus pais até que se tenha um responsável em outra fonte; deve ser enviado uma cópia do plano de seguimento, medicamentos, agendamentos e tratamento aos pais, ao serviço primário que assumirá a criança e manter uma cópia no quadro da Unidade de Tratamento Intensivo.
 
Por outro lado, problemas médicos que se originam nas primeiras semanas de vida podem requerer cuidados por meses ou anos, bem como outras condições podem se manifestar mais tarde, na infância, necessitando de uma atitude de constante atenção. Trachtenbarg (1998) sugere um modelo de procedimentos a ser utilizado pela rede primária de assistência, Office Data to obtain in Follow-up Care of Premature Infants, que consiste em orientações de encaminhamento para atendimento especializado, a partir da primeira semana até o décimo segundo mês após a alta.
 
Desta forma, a capacidade dos serviços extra hospitalares de receber tal clientela encontra-se diretamente ligada às ações derivadas de políticas públicas de assistência em sua capacidade de enfocar as situações de risco a partir dos sistemas locais de saúde. O fortalecimento de um sistema local de saúde seria uma estratégia segundo Paganini (1977), de equilibrar as ações de âmbito central e local promovendo uma unidade de recursos que implicariam na produção de atividades que na assistência amenizariam a separação entre especialidades médicas. As políticas públicas dirigidas à equidade, organização, regionalização e hierarquização dos serviços de assistência à saúde da criança, conjugados ao aumento crescente do índice de sobrevivência dos pacientes egressos de unidades de atendimento intensivo neonatal, compõem um panorama que impõe uma exigência de capacitação à assistência extra hospitalar para absorver as necessidades "especiais" desta clientela. Esta capacidade incide de forma direta sobre a qualidade de continuidade da recuperação dos egressos em ambiente doméstico.
 
No Brasil o suporte oferecido pela rede de assistência pública ainda não oferece ao egresso de unidades de tratamento intensivo em neonatologia uma alternativa que não seja a do atendimento específico na instituição de origem, que, frequentemente, como na situação aqui apresentada, oferece a internação, o follow-up multidisciplinar, mas não faz atendimento de urgência. Esta situação é constantemente encontrada de forma problemática, representando uma sobrecarga dos hospitais de nível terciário (Ritchie, 2002), e produzindo situações como a do desamparo vivido por Constança e sua família.
 
A indicação de alta hospitalar, como citado acima (Rassihis e col., 1998), supõe a avaliação da estrutura familiar. O conhecimento dos fatores de risco presentes nesta situação quando abordados a partir do enfoque da humanização da assistência, possui contemporaneamente uma face voltada para a família de recém-nascidos prematuros através de processos ligados a aprendizagem para alta que preconizam uma forma de avaliação à indicação de alta que vai além da situação clínica do bebê. Esta prática pedagógica seria a condição necessária para a continuidade da recuperação e da assistência às necessidades especiais do egresso. Estaria imersa na complexidade que conjuga políticas públicas dirigidas à assistência de bebês com necessidades especiais. Não poderiam por si só fazer frente às situações de risco inerentes a alta hospitalar, mas seriam indispensáveis ao considerar-se a importância da adaptação e consequentemente, participação familiar importantes para a continuidade da recuperação.
 
Sob o enfoque da aprendizagem para alta os riscos para interação mãe-bebê são tratados pela literatura científica a partir dos anos 80 através de artigos que priorizam pesquisas sobre a necessidade de uma ação conjunta, uma parceria, entre equipe técnica e parentes de bebês prematuros. Estas intervenções se originam de uma relação conhecida desde o início da história da assistência à prematuridade, em 1900 com Pierre Budin na França, entre os abandonos no hospital de bebês em condição de alta hospitalar e a dinâmica familiar (Ungerer, 1999). Desta forma, a relação entre as reações emocionais parentais experenciadas durante a hospitalização e a qualidade de interação bebê – prematuro – família em ambiente doméstico possui, como um de seus desdobramentos o conhecimento da perspectiva da família do bebê internado (Longson, 1996).
 
Foi através do interesse em produzir preparo e treinamento para a alta hospitalar que os processos de humanização da assistência intensiva em neonatologia se aproximaram das questões sobre a relação entre educação e saúde. Através do reconhecimento da alta como momento de crise se elaboram medidas para a produção de processos em capacitação através do treinamento dos pais no sentido de promover uma continuidade da recuperação (que com a alta hospitalar não estaria completa) em domicílio e ao mesmo tempo promover a qualidade da interação entre o bebê prematuro e sua família.
 
Madeira (1994) demonstra que a continuidade da recuperação em ambiente doméstico dos pacientes com necessidades especiais faz parte de uma nova filosofia de cuidados que coloca a família, ao invés do hospital e da equipe médica, no centro do sistema de prestação de assistência. Esta continuidade e participação familiar nos cuidados com a recuperação é uma realidade de recém-nascidos prematuros que são também reconhecidos como portadores de necessidades especiais e que, como tais, com a chegada ao domicílio alteram o estilo de vida da família em muitos aspectos. A alta hospitalar como uma situação de risco pode ser compreendida então como resultado da relação entre as necessidades de continuidade da recuperação do bebê conjugadas e as possibilidades do grupo familiar de representar uma fonte de suporte em relação às mesmas e, especificamente, como uma fonte de apoio às necessidades emocionais maternas fortemente relacionadas à qualidade da interação mãe-bebê.
 
A origem dos trabalhos pioneiros sobre a capacitação dos pais para a alta hospitalar possui relação com a problemática das análises sobre os custos e as despesas com investimentos em tecnologia e o tempo de internação. Consequentemente buscou-se, através de recursos da própria comunidade, uma forma de solução (Maroney, 2000). Assim, a educação para alta dirigida a parentes de recém-nascidos prematuros (Brooten, 1989, Costello, 1998, Robinson, 1991) foi construída a partir da criação de instrumentos pedagógicos através, inicialmente, de iniciativas por parte do corpo de enfermagem do setor de atendimento intensivo e posteriormente acompanhadas por iniciativas acadêmicas através de produções científicas. Desta forma, gradativamente, a partir das necessidades dos pais, o preparo para a alta hospitalar, como parte das intervenções ligadas ao acompanhamento da internação, demonstrou auxiliar principalmente as mães de bebês prematuros sendo observados a diminuição da frequência dos estados de depressão, ansiedade, da baixa de autoestima e promovendo uma qualidade de interação com o bebê capaz de fazer frente ao momento de alta hospitalar (Meyer, 1994).
 
Este trajeto, o da educação para a alta, possui um roteiro iniciado a partir do conhecimento sobre as necessidades de aprendizagem dos pais a respeito da situação clínica dos filhos internados, da compreensão e acolhimento pela equipe técnica das emoções experenciadas durante a internação pelos familiares e de suas percepções sobre a estrutura de funcionamento da unidade de tratamento intensivo. Outro fator importante foi o da especialização dos profissionais de enfermagem em internação domiciliar. Em Vecchi (1996) encontramos um modelo de intervenção, produzido para a realidade norte-americana, o Neonatal individualized predictive pathway (NIPP) que sintetiza tal percurso. Com este modelo a alta hospitalar se dá com um suporte mínimo de atendimento domiciliar pela equipe de enfermagem nos primeiros dias, sendo possibilitada pela antecipação sobre o conhecimento das necessidades dos pais sobre a situação clínica dos bebês internados e promoção de um planejamento, elaborado em paralelo à internação, para transição do hospital para o domicílio.
 
Podemos também considerar que este modelo norte-americano de planejamento em conjunto da alta hospitalar como uma das faces do processo de difusão da implementação de um modelo médico do exame clínico baseado em evidências. As identificações dos suportes necessários à educação dos pais durante a internação de seus filhos ligam-se a uma prática pedagógica modelada a partir da criação de protocolos, guidelines, inspirados nos guias de procedimentos clínicos da medicina norte-americana baseada em evidências. Exemplos desta padronização, de um modelo pedagógico de preparo de pais para a alta, são encontradas em Robinson (1991), McKim (1993), Maroney (2000) que estabelecem um plano onde tópicos[20] gerais e específicos devem ser apresentados a pais de bebês prematuros.
 
No Brasil, se pudermos relacionar as condições de atendimento específicas das unidades de atendimento intensivo do Estado do Rio de Janeiro (Gomes, 2002) sobrecarregadas e centralizadoras de serviços aos municípios distantes da metrópole, como é o caso daqueles existentes na baixada fluminense onde Constança reside, um planejamento que pudesse incluir a relação educação e saúde dirigidas aos familiares, teria que ter especificidade, ou seja, ser baseado na realidade local.
 
As situações da superlotação dos hospitais públicos produzem questionamentos em relação ao momento da alta. A alta precoce (Gonzalez e Perozo, 1987; marra e col., 1989) certamente favorece maior aproveitamento do leito hospitalar. Porém, para ser eficaz, precisa estar aliada a uma orientação eficiente quanto a continuidade do tratamento, ou seja, do seguimento após a alta. Madeira (1994) aponta para a situação de miséria e/ou pobreza absoluta quando considera que o retorno ao domicílio pode representar a volta às condições de vida as mais hostis. Tais situações representam risco para a re-hospitalização. Segundo a autora, na literatura nacional, nos últimos 10 anos, há uma predominância de publicações quanto as mudanças de critério a respeito da alta clínica de bebês prematuros e uma escassez de publicações a respeito da realidade e das necessidades de famílias brasileiras quando em situação de participação na recuperação em domicílio de bebês com necessidades especiais. Percebe-se o conhecimento a respeito da importância da situação de utilização dos recursos das unidades intermediárias para fomentarem um momento de preparo específico para a pós-alta (Belli, 1990; Santos, 1998) a partir de profissionais ligados à enfermagem, mas a ausência de um planejamento integrado a um plano de ação baseado no reconhecimento da alta como situação de risco que leve em conta a realidade social da população que depende da rede pública de assistência.
 
Neste contexto, a proposta do Ministério da Saúde (1992a; 1992b) de um planejamento participativo encontra na iniciativa pioneira de Fonseca (2004) um modelo de intervenção exemplar. Seu trabalho de dissertação de mestrado, baseado numa pesquisa participante orientada à educação conscientizadora e problematizadora, inspirada na obra de Paulo Freire, apresenta um material didático-institucional reconhecido pelo Ministério da Saúde como um instrumento de intervenção junto a familiares de bebês prematuros. Esta iniciativa denominada como "Cartilha para alta do recém-nascido prematuro" utilizou a abordagem qualitativa valorizando as relevâncias e valores das pessoas envolvidas nos cuidados e nas situações de vida, procurando, na troca de experiências, a produção da comunicação entre mães internadas e a equipe técnica. A proposta é diferente do modelo americano de guidelines que enfatizam o conhecimento médico.
 
No sumário social sobre Constança encontramos: "não exerce nenhuma atividade profissional fora do lar, vive em regime de comunhão há dois anos com X, no momento desempregado. Situação familiar precária, casal mantido por familiares, situação socioeconômica precária, casal reside em casa própria com 4 cômodos e sem infraestrutura (água, luz, esgoto) ". Utilizo-me deste documento para destacar o impacto da situação da alta de sua filha que não significou recuperação, nem possibilidade de recuperação em ambiente doméstico. Implicou, ao contrário, na necessidade de avaliação e reorientação, que em seu sentido mais amplo considere a infraestrutura familiar e da comunidade que recebe a dupla mãe-bebê após a alta hospitalar. Schraeder (1986) questiona o paradoxo verificado na observação de que o índice cada vez maior de sobrevivência do recém-nascido prematuro, devido aos altos investimentos em tecnologia e especialização profissional, contrasta com a incapacidade do suporte extra-hospitalar de fazer frente a suas necessidades desta clientela. Constança contou com o atendimento da pediatra no posto de saúde 24horas no episódio que levou sua filha à segunda internação, porém esta internação se deu 3 dias depois do mesmo a partir da referência para seu atendimento ainda ser a da instituição onde sua filha esteve internada. Através do atendimento ambulatorial na instituição Constança reencontrou recursos para lidar com as necessidades de sua filha que foram interpretados com a indicação da reinternação.
 
Este episódio foi mais uma vez evocado por Constança na véspera de sua segunda alta no interior da UTI:
 
 
Ela está mamando e amanhã faz seu último exame. Eu moro em X, então quando voltar vou entrar em contato com o subsecretário de saúde porque não é possível, posso precisar, vou precisar, de outros atendimentos e aquilo que aconteceu com aquela médica, dela não querer colocar a mão na menina, não pode mais acontecer. Foi uma situação difícil, a sorte é minha mãe vai ajudar. Nossa, se não fosse a minha mãe essa menina tinha morrido lá naquele posto.
 

 
3 – As dores antigas não tratadas – A ameaça de violência enquanto herança transgeracional.
 
 
Constança não foi uma mãe selecionada "por mim", na verdade costumo pensar frequentemente que eu fui selecionada por ela, para o acompanhamento após a alta hospitalar. Esta é minha interpretação pois, ao contrário das outras mães que pude acompanhar, nos encontramos apenas por 3 vezes durante seu alojamento conjunto à internação da filha, o que significa que a inserção nesta pesquisa se deu por sua iniciativa pessoal. Como a conheci durante os primeiros dias no trabalho de campo não construímos um vínculo a partir da convivência prolongada no interior da UTI pois, duas semanas após minha entrada no setor sua filha estava definitivamente de alta. Porém, o acontecimento relatado a seguir nos apresenta uma forma de investimento na qual as mães de bebês com necessidades especiais ativamente encomendam aos serviços de assistência pública o atendimento para os distúrbios da interação mãe-bebê prematuro.
 
Nosso reencontro após a alta hospitalar foi justamente em um determinado momento do trabalho de campo em que começo a visitar, por duas vezes na semana, o local de atendimento ambulatorial em follow-up dos egressos da unidade de tratamento intensivo. Meu objetivo foi o de poder conhecer o setor, enquanto pesquisadora, criando relações com os profissionais e ao mesmo tempo podendo manter contato com as mães que havia anteriormente conhecido no interior da U.T.I. Acreditei que ao reencontrá-las no ambulatório estaria possibilitando a criação de condições para as visitas domiciliares, minha etapa de trabalho subsequente.
 
Durante alguns dias fiquei na sala de espera observando a forma como as mães que tinham sido contemporâneas no alojamento conjunto conversavam sobre suas realidades a partir do ingresso dos bebês na rotina doméstica após a alta. Foram momentos gratificantes que me possibilitaram refletir, antes de realizar as visitas domiciliares, sobre a variedade de formas possíveis de adaptação do grupo familiar à realidade das necessidades especiais destes bebês. Frequentemente eram relatadas, no decorrer desta troca de experiências, soluções construídas para manter a frequência no ambulatório de follow-up e, a partir dali, percorrer os circuitos institucionais referenciados para os cuidados especializados (vacinas, próteses, atendimentos e cirurgias ortopédicas, etc.). Num desses dias de observação na sala de espera Constança me procura.:
 
 
Preciso falar com você, olha só, sabe o que é, é que eu acho que a minha filha está precisando de um atendimento com uma psicóloga porque eu observei que tem fonoaudióloga, tem fisioterapeuta, então também deve ter psicóloga para ela. Porque do jeito que está uma das duas vai ficar maluca. Quando eu estou sozinha em casa com ela, ela só quer ficar no colo, não fica deitada, ou acordada, fica um pouco deitada, eu não posso fazer nada, então eu acho que é manha, e até todo mundo diz que é manha, assim quando a gente coloca o bebê na cama e ele chora e então. Eu deixei ela chorar, deixei para ver se ela se cansava, para ela ver que eu não ia pegar, para ela parar de chorar, e ela chorou por 2 hs., 2hs. Seguidas, eu marquei no relógio, eu não quero fazer nenhum mal a ela, de ontem para hoje por exemplo ela tem um refluxo, então coloquei um travesseirinho que é dela, começou a chorar, eu não peguei, já é a terceira vez, que ela chora, eu não pego, aí ela provoca o vômito, e eu fico com medo porque mesmo com o travesseirinho ela pode sufocar, então eu sinceramente não sei o que fazer. Mas eu não aguento ficar assim, eu não estou fazendo nada, não estou podendo fazer nada em casa, lavar roupa, arrumar a casa, está tudo entulhado. Roupa eu só passo na hora de sair, roupa para sair, quem vê ela assim não diz, ninguém diz como ela chora comigo e eu tenho medo de bater nela, de fazer alguma coisa assim, mas ela não tem culpa, né, é pequena, não sabe o que está fazendo, e eu não, sou adulta, aí quando eu fico muito nervosa eu peço para a minha mãe, passo ela para a minha mãe. Ela vai e dorme, com o meu marido também, comigo é só uma horinha, ela dorme mesmo só depois do banho, e aí o tempo que eu tenho para fazer tudo porque a noite o sono dela é agitado, ela se bate o tempo todo, eu não durmo direito, até comer eu tenho que as vezes comer em pé com ela no colo. Ela começou menos um mês depois de sair daqui, tem mais ou menos um mês que ela está assim. Porque aqui na UTI ela estava calminha, ela era calminha, quase não chorava, lembra daquele bebê X, chorava tanto né, ela não, não fazia nenhum barulho, depois em casa, quanto chegou também não. Olhando para a menina, porque quem vê ela assim não diz, parece que é uma santinha né. Não acreditava que estava grávida, só fui acreditar quando o bebê nasceu aí eu vi. Apesar de ter ficado internada a maior parte do tempo da gravidez os médicos falavam que ela não iria sobreviver. Neste instante ela foi chamada para pesagem e me pede que nos reencontremos. Explico minha posição enquanto pesquisadora e assim esclareço mais uma vez, a primeira foi na reunião de grupo de pais quando nos conhecemos, meu vínculo em relação a instituição. Reconhecendo sua necessidade de atenção e seu sentimento de confiança proponho que continuemos em contato e pergunto se ela pode vir ao ambulatório na semana seguinte.
 
 
Avaliei que não poderia excluir a possibilidade de realizar seu acompanhamento, através da atividade de pesquisa, pois seria uma oportunidade ímpar de aproximação da situação, frequentemente citada na literatura (Klein, 1971, Fanaroff, 1982, Trause e col., 1983, Klaus e col., 1976), que relaciona violência e prematuridade. Tais autores demonstram que não se poderia calcular o custo humano (sofrimento e dor) em relação à violência pois muito deste custo é invisível, suas vítimas seriam por demasiado fracas, jovens ou doentes para se protegerem. Em relação aos abusos e negligência sofridos por crianças sabemos que é a partir da década de sessenta, através da literatura médica, com o artigo "The battered child syndrome" (Kempe e col., 1962) que as manifestações clínicas de abuso físico foram reconhecidas e incluídas enquanto categoria de diagnóstico médico. Atualmente através do Conselho de Prevenção contra o Abuso Infantil a Organização Mundial de Saúde (2002) definiu os maus tratos em relação à criança como "todas as formas de tratamento doentio, físico e ou emocional, abuso sexual, negligência ou tratamento negligente, exploração comercial ou outro tipo de exploração, resultando em danos reais ou potenciais para a saúde, sobrevivência, desenvolvimento ou dignidade da criança no contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder". Existiriam quatro tipos de maus-tratos por parte dos responsáveis pelos cuidados com as crianças: abuso físico, abuso sexual, abuso emocional e negligência.
 
Potencialmente a situação relatada por Constança poderia se aproximar do que é definido como abuso físico e possibilidade de negligência em relação aos cuidados especiais na recuperação após a alta hospitalar característicos do nascimento prematuro de sua filha. O abuso físico é definido "como atos de acometimento, por parte da pessoa responsável pelos cuidados com a criança, que causam real dano físico ou apresentam a possibilidade de dano" (OMS 2002). A negligência se apresentaria através de múltiplas manifestações, incluindo o não cumprimento de recomendações relacionadas aos cuidados com a saúde, falha na procura dos tratamentos apropriados, privação de alimentação resultando na fome ou falha em proporcionar um desenvolvimento físico à criança. Outros motivos incluiriam exposição da criança a drogas e proteção inadequada em relação aos perigos do ambiente, o abandono, a higiene precária e a privação da educação. Em relação aos fatores que aumentam a vulnerabilidade em relação ao risco de abuso e negligência das crianças, incluem-se aqueles que se ligam a determinadas características das crianças.
 
Desta forma, são a idade inferior a dois anos, o sexo e determinadas características especiais, como a gemelaridade, a deficiência física e o nascimento prematuro, que apresentam os maiores riscos de abuso físico e negligência. Sobre a especificidade da relação entre prematuridade e estudos sobre violência é comum que encontremos trabalhos orientados, através de uma ótica reducionista, que apontam para a separação mãe-bebê, consequência do período de internação na unidade de tratamento intensivo, como fator central que, de forma homogênea caracterizaria os distúrbios da interação mãe-bebê prematuro após a alta hospitalar.
 
Frequentemente (Leiderman, 1974; Klaus e Kennel, 1970; Caplan, 1965; Fomufod e col., 1975; justice e Duncan, 1976) tais estudos postulam que os estados afetivos maternos característicos do puerpério são condicionados às primeiras horas, primeiros dias que se seguem ao nascimento. Existiria uma forma de fixação que funcionaria como uma organização afetiva em relação ao bebê, denominada como bonding e que, a partir deste período, se reproduziria sem modificações no decorrer da relação. A explicação para o bonding materno veio primeiramente por comparação do comportamento humano com os modelos etológicos dos estudos sobre a interação entre animais (Klofer, 1971) e que resultaram em investigações a respeito de um determinismo biológico humano, através de pesquisas sobre hormônios e caracteres inatos relativos a espécie. Tais pesquisas podem ser exemplificadas pela abordagem que reduz a compreensão sobre o transtorno de humor no puerpério a problemática da variação hormonal presente na menarca, no climatério e no uso de contraceptivos. Assim, em nada difeririam, quanto ao curso e a evolução, daqueles que se iniciam na ausência da gravidez.
 
Outro aporte teórico é o que tende a comparar a ansiedade de mães de bebês prematuros com a ansiedade de mães de bebês nascidos a termo. Tais pesquisas (Genaro, 1988; Brooten, 1998) descrevem as reações emocionais maternas enquanto reações traumáticas (Kaplan,1960) que são compreendidas a partir de conceitos oriundos da Teoria da Crise (Caplan, 1960, 1964) orientadas pelos conceitos de crise previsível e crise imprevisível. Entretanto, mesmo como uma reação à crise imprevisível do nascimento prematuro, as reações emocionais maternas sofreriam as mesmas vicissitudes das crises previsíveis, ou seja, das reações emocionais maternas após nascimento a termo. Possuiriam determinadas características próprias durante o período de internação, que seriam restritas a este período, mas após a alta hospitalar e ingresso em ambiente doméstico as mães produziriam respostas adaptativas mediante as quais não seriam observadas diferenças no nível de ansiedade entre os dois grupos, tendência que novamente reduz ao período de separação, relativo a internação, a compreensão da interação mãe-bebê após a alta hospitalar. São a previsibilidade dos momentos de crise, ou seja, os aspectos invariáveis ligados aos estados emocionais da gravidez, (Caplan, 1960, 1965), que supõe a identificação de fatores de riscos ligados a crises "imprevisíveis". O ingresso em ambiente doméstico será o fator chave para a adaptação e o retorno, principalmente relacionado ao nível de ansiedade, a um modo de funcionamento anterior ao surgimento da mesma.
 
Porém, como já esclarecido na introdução deste trabalho, minha opção é a que se aproxima das trajetórias percorridas pelas duplas de mães e bebês, após a alta hospitalar, que não sejam reduzidas em sua compreensão pela irreversibilidade da ruptura produzida no vínculo mãe-bebê pelo período da internação. Desta forma, me aproximei dos sentimentos de ambiguidade vividos por Constança e tão frequentemente relacionados à gravidez de risco e ao nascimento prematuro compreendendo-os a partir de sua necessidade em criar, permitir, aceitar e regular uma rede de apoio protetora, benigna, para que pudesse manter os cuidados dos quais Estefânia necessitava. Constança possuiu dúvidas em relação a sua capacidade, enquanto mãe, de manter o bebê vivo durante a gestação e após o nascimento. As dúvidas giravam em torno de sua adequação enquanto animal humano, como nos propõe Stern (1997), para assumir seu lugar natural na evolução da espécie, na cultura e na família. Seria capaz de amar o bebê dado como morto? Poderia sentir que o bebê a amava?
 
 
Não acreditava que estava grávida, só fui acreditar quando ela nasceu, aí é que eu vi. Apesar de ter ficado internada a maior parte do tempo da gravidez os médicos falavam que ela não iria sobreviver e eu pensava também que ela iria morrer, toda aquela preocupação. Olhando para ela assim, porque quem vê ela assim não diz, parece que é uma santinha né? Mas não é, comigo ela não é.
 
 
Desta forma, na relação entre prematuridade e violência, encontro no estudo realizado por Friedrich (1978) um aporte que complexifica a compreensão da mesma para além dos efeitos da separação mãe-bebê pela internação em unidade de tratamento intensivo. Segundo a autora, frequentemente as teorias sobre etiologia do abuso e negligência, em sua relação com o nascimento prematuro, focalizam mais frequentemente as mães entretanto, existiria uma necessidade de aprofundamento sobre a mesma ligando-a a condições mais abrangentes que envolvem o casal parental (percepç o da criança como diferente ou especial), a criança com necessidades especiais (bebês "difíceis", facilmente irritáveis, com um nível de responsividade inferior aos nascidos a termo com necessidade de manejo de suas necessidades especiais) e o ambiente (suporte social bem como a tolerância cultural a punição física). Friedrich ressalta que o abuso e a negligência são tipicamente crônicos e transmitidos de uma geração para a seguinte.
 
Acredito que será através deste último aspecto, o da transgeracionalidade, que a relação entre violência e prematuridade pode se complexificar apresentando uma etiologia que não seja limitada em sua compreensão pelo período de internação hospitalar.
 
Desta forma, ao lado da possível identificação dos fatores de risco de violência contidos no relato de Constança havia "algo mais". Ao me identificar como uma profissional na qual pôde confiar relatando dificuldades que potencialmente poderiam representar a possibilidade de um enquadramento na situação de perda de pátrio poder, ao mesmo tempo, como nos demonstra Winnicott (1939), havia uma esperança:
 
 
Sem tentar nos aprofundar muito na origem das forças que lutam pelo predomínio dentro da personalidade, posso assinalar que, quando as forças cruéis ou destrutivas ameaçam dominar as forças do amor, o indivíduo tem de fazer alguma coisa para salvar-se, e, uma das coisas que ele faz é pôr para fora o seu íntimo, dramatizar exteriormente o mundo interior, representar ele próprio o papel destrutivo e provocar seu controle por uma autoridade externa. O controle pode ser estabelecido desse modo, na fantasia dramatizada, sem sufocação séria dos instintos, ao passo que o controle interno necessitaria ser geralmente aplicado e resultaria num estado de coisas conhecido clinicamente como depressão. " Winnicott (1939) p.91-99.
 
 
 
Compreendi o pedido de atendimento psicológico à bebê feito por Constança a partir do que o autor nos aponta como uma dramatização endereçada de forma esperançosa ao ambiente[21]. Um pedido de determinado tipo de suporte para que ela pudesse experenciar os sentimentos de depressão necessários à um controle interno próprio e não imposto a partir de suas forças cruéis ou destrutivas.
 
Como o humor materno é o regulador da possibilidade para a mãe ingressar ou não ingressar no estado de Preocupação Materna Primária (Winnicott, 1956), a mãe deprimida será aquela que não consegue se identificar com as necessidades do bebê, pois está voltada para si mesma. Neste sentido, podemos compreender que Estefânia é representada subjetivamente por Constança como ocupando um lugar onde "deve dar conta" de seu "ser" sem "sê-lo" ainda, já que a continuidade do ser do bebê é garantida pelos cuidados da mãe, característicos de seu ingresso no estado de Preocupação Materna Primária (Loparic, 1995). Mas qual seria a relação entre a depressão necessária ao controle interno das "forças cruéis e destrutivas", como nos aponta o autor, e a depressão que impede a mãe de ingressar no estado de Preocupação Materna Primária?
 
Acredito que a resposta sobre esta diferença nos é possibilitada através do que Winnicott (1963) apresenta como sendo o "valor da depressão". A questão é examinada a partir de um paradoxo, por um lado o reconhecimento de que a experiência de depressão traz riscos e por outro a possibilidade de que a mesma possa também "trazer em si o germe da recuperação". Quando a depressão "traz em si o germe da recuperação" é vinculada pelo autor a um processo de desenvolvimento[22] que se estruturou através da confiança no suporte oferecido pelo ambiente.
 
Desta forma, existiria uma experiência de depressão inerente ao processo de desenvolvimento emocional primitivo que se daria no período de dependência relativa[23] do bebê em relação ao ambiente e, através da qual seria estabelecido os primórdios do sentimento subjetivo de ser, self. Tal assertiva implica que anteriormente o bebê é o ambiente e o ambiente é o bebê sendo que, a partir da experiência de depressão inicia-se o processo emocional que permite ao bebê separar o seu self do ambiente[24]. Este processo, em sua gênese, estaria ligado a integração de experiências agressivas primárias inerentes ao controle motor adquirido pelo bebê. Winnicott nos fala desta crueldade primária que, quando encontra apoio e suporte do ambiente, aqui representado pela mãe e seus cuidados, com o estado de dependência do bebê, pode ser integrada fortalecendo o processo de desfusão[25]. É como se esta agressividade primária estivesse na origem da percepção de autonomia e individualidade sendo sua integração responsável pela existência de sentimentos de culpa e de preocupação com o outro. É o período em que a criança se tornou capaz de se sentir deprimida.
 
Desta forma, podemos compreender o estado de preocupação com o outro como uma conquista que depende da integração, no processo de desenvolvimento emocional do eu, dos sentimentos de agressão e crueldade que são opostos a destrutividade. Será a partir da integração da vivência de agressividade, possibilitadora da experiência de depressão, que um estado de preocupação com o outro é alcançado. Como nos referimos aqui a um tipo especial de preocupação temos que esta condição depende de uma aquisição, a da possibilidade de deprimir, inerente ao processo de desenvolvimento emocional, anterior ao puerpério e que se estrutura no período de dependência relativa do bebê.
 
Se há a não integração da experiência agressiva nesta etapa do desenvolvimento emocional primitivo, o estado de humor materno no puerpério se apresenta como deprimido, mas não se trata da depressão pura inerente ao desenvolvimento emocional, porém da depressão marcada por impurezas sendo potencialmente destrutiva e incapacitando a mãe de perceber o outro-bebê. Este tipo de humor depressivo teria em sua origem defesas ligadas ao controle do ódio, relativo a agressividade não integrada[26]. Ao contrário, na integração da experiência agressiva, o humor se apresenta como não deprimido permitindo à mãe uma regressão emocional temporária, possibilitada pela identificação com o estado de dependência do bebê. Assim, identificação e regressão constituem um estado de preocupação que, suponho, seja relacionado a saúde psíquica para deprimir e assim se preocupar com o outro. Winnicott (1963) propõe que a vivência de estados depressivos se relaciona a descoberta de uma identidade pessoal e, neste sentido, poderíamos conjecturar que os mesmos se relacionam, também, ao estabelecimento de uma identidade parental.
 
Mas qual será a relação entre depressão e o caráter transgeracional da violência em sua relação com a prematuridade?
 
No relato de Constança, ficou muito evidente para mim a necessidade de se oferecer uma proposta de intervenção que a auxiliasse em suas dificuldades. Procurei nos dias seguintes a chefe do ambulatório e, ao relatar a situação interpretei a demanda do atendimento de Constança para sua filha, como uma situação em que haveria necessidade de avaliar o risco de abuso e negligência em relação ao bebê, mas, também, que esta avaliação pudesse ser considerada em um processo de intervenção específica. Propus um acompanhamento ambulatorial através da Psicoterapia Pais-Bebê que seria realizado por mim no contexto institucional. Houve um consenso, entre eu e a chefe do ambulatório, em relação à necessidade de acompanhamento psicoterápico para a mãe se, após esta intervenção ainda pudesse ser observada a situação de risco, ou mesmo o desejo de Constança para continuar. Este encaminhamento, se necessário no futuro, seria realizado a partir da consolidação de nosso vínculo, para a triagem do atendimento psicoterápico na instituição pelo fato também de ser comum nas situações de violência o risco de abandono do contato com a instituição. Ao mesmo tempo, pesquisei no prontuário de sua filha a questão da assiduidade no follow-up, do ganho de peso, da alimentação, das queixas, enfim, de seu acompanhamento desde a alta até o dia em que me procura no ambulatório. Não houve uma falta as consultas, nem perda de peso, ou qualquer evidência clínica de violência física.
 
A intervenção na relação mãe-bebê é uma técnica recente no panorama das intervenções psicoterápicas e possui característica própria. Segundo Stern (1997) sua população alvo é a de pais, principalmente de mães e bebês muito jovens (0 a 3 anos), que apresentam psicopatologias ligadas a perturbações da interação mãe-bebê-família manifestadas através de desequilíbrios somáticos no bebê (transtornos das grandes funções) e perturbações da parentalidade (maternagem e paternagem). Seu aspecto mais original, e controvertido, independente da teoria da técnica utilizada, diz respeito a sua brevidade (Cramer e Espasa, 1993; Fraiberg, 1980; Kreisler e Cramer, 1985; Lebovici, 1987, Debray, 1998) pois que elas duram em média seis, no mínimo três e no máximo doze, sessões. A rapidez de seus efeitos terapêuticos é justificada por ser o pós-parto, unanimemente reconhecido, como período caracterizado por uma forma particular de funcionamento psíquico dos pais, sem precedentes e que também não possui equivalentes, em outras etapas da vida[27]. Ambos revivem as memórias de conflitos ligados às suas próprias infâncias e o resultado é um aumento de vulnerabilidade emocional quando se produz uma grande permeabilidade para a comunicação estabelecida através de uma situação terapêutica. Não seriam encontradas resistências, como as existentes fora deste período, e há uma grande disposição para fazer mudanças internas. O terapeuta tem de avaliar o equilíbrio psicossomático da tríade pai-mãe-bebê perguntando se este equilíbrio beneficia o desenvolvimento do bebê e, se não, como pode intervir para modificá-lo e como fazer isso. Há modificações importantes que afetam não somente os sintomas dos bebês, mas também a natureza da interação que está ligada principalmente aos investimentos das mães sobre seus filhos.
 
Porém esta posição, a de intervir nos distúrbios da relação entre Constança e sua filha, não poderia invalidar a possibilidade de continuidade da observação a domicílio e desta forma optei por uma técnica, no panorama das teorias de técnicas de intervenção na relação mãe-bebê, que se baseia na observação, ou seja, na manutenção da posição do observador, com um mínimo de intervenção verbal, desenvolvida por Watillon (1993, 1996, 1997) e que possui sua origem em um método de observação de bebês proposto por Bick[28] (1964). A partir desta orientação delimitei o número de encontros a 4, com a duração de uma hora e meia cada um, sendo os intervalos de 15 dias entre os mesmos acordados, a partir das possibilidades de Constança de vir de sua cidade para a instituição, e de seu desejo de continuar. Me mantive atenta a manutenção da posição de observadora da interação que se dava durante esses encontros e aguardei o que a autora denomina como a dramatização pelo bebê, a partir do discurso dos pais, do aspecto da interação a ser focalizado.
 
 
A interferência do bebê durante essas entrevistas é o aspecto vital de terapias desta espécie e merecem ser discutidas em detalhe. O bebê sempre participa e faz sua presença através de lágrimas, grunidos, balbucios, um sorriso ou outra qualquer forma particular de expressão ou comportamento. Eu sempre tentei observar, entender e interpretar a maneira como os bebês interferem nos relatos verbais dos pais. Por outro lado, isso lança luz para o que é mais importante para a criança e presumidamente está causando seu sofrimento, enquanto por outro lado ajuda-nos a entender a importância da realidade psíquica da criança. Watillon (1993), p. 1038, (Tradução pessoal).
 
 
 
Em nosso primeiro encontro esta oportunidade se deu da seguinte forma:
 
Depois daquela estória da minha mãe ter ido lá em casa com a amiga dizendo que ia a delegacia, eu não estou mais falando com ela e então eu acho que isso ajuda, porque ela não fica assim em cima de mim. Neste momento a bebê acorda e começa a chorar. Constança oferece o peito à bebê e ela ainda chora, continua oferecendo o peito para a bebê, ela pega, mas também retira algumas vezes mostrando irritação. Ela continua: "Então quando minha mãe quer dizer alguma coisa, falar mal de mim, ela manda recado pela minha irmã, ela não fala assim diretamente, mas a minha irmã está vendo sabe? A nenê chora. Teve que ter esse afastamento entre eu e minha mãe porque senão não ia dar, para a minha mãe, só sendo perfeito, mas também mesmo que eu fosse perfeita, também assim seria complicado. Desse jeito a gente se afasta e depois fica bem porque se afastou". A nenê chora um pouco, ela coloca de novo no seio e começa a balançar. "Eu quero ter uma relação diferente com ela (olhando para a bebê) ter uma relação boa com minha filha, quando ela ri para mim o riso dela é sincero e aquilo vale tudo para mim e também eu sei que vou precisar dela mais tarde". A bebê adormece. "É que eu queria ter uma filha para provar para minha mãe que eu sou melhor do que ela, que eu poderia ser melhor do que ela. Achei que minha vida fosse melhorar quando a bebê nascesse, mas só piorou" (chora).
 
 
O trabalho da psicoterapia pais-bebê ocorre em três níveis (Wattllon, 1993): 1) as desordens da interação; 2) pré-história, concepção e gravidez; 3) trocas transgeracionais, com a eliminação de fantasias inconscientes e projeções patológicas.
 
Para mim ficou claro, a partir da dramatização da bebê, que o ponto central era o da transgeracionalidade[29]. Minha avaliação foi a de que o equilíbrio psicossomático do bebê poderia ser afetado por um comprometimento no desenvolvimento emocional de Constança, ligado aos processos de separação-individuação na relação com sua mãe. Como visto anteriormente, a identidade pessoal está ligada ao desenvolvimento emocional primitivo através do qual o bebê efetua de forma gradativa a separação entre seu sentimento subjetivo de ser (self) e o ambiente. No processo de desenvolvimento emocional a percepção desta separação se relaciona à possibilidade de existir um estado de preocupação com o outro. A autonomia e a individualização, ligadas a conquista de uma identidade pessoal, (Winnicott, 1963) pressupõe a vivência de um estado emocional de separação psíquica da mãe, como acentuado por Mahler (1993), que não sendo alcançado plenamente pode apresentar núcleos de indiferenciação, simbióticos, que no caso de Constança, apontavam para a questão da integração da experiência depressiva.
 
Desta forma, determinado modo de funcionamento psíquico ligado a indiscriminação entre o eu e o outro prevaleciam em alguns aspectos na relação de Constança com sua mãe e foram reatualizados através da vivência emocional regressiva característica do puerpério. Sigo esta pista nos encontros posteriores. Me comunico por telefone quinze dias depois de nosso primeiro encontro por ter de avisar que por motivos pessoais irei faltar ao próximo sendo que sou atendida por sua mãe que diz:
 
 
Foi até bom eu poder conversar com você. Ela está sem telefone, eu cortei, eu cortei o telefone da casa dela, era eu que pagava as contas e então estava vindo muito caro e o pai da menina não ajuda porque, você deve saber ele é casado, então é muita coisa em cima de mim, e depois houve a nossa briga, e eu cismei que a menina estava chorando muito, que ela não sabia cuidar, e então ela fechava a porta para eu não ouvir a menina chorar e eu entrei lá dizendo que ia no conselho tutelar, você pode ver a menina não tem nenhuma marca mas ela poderia estar sendo maltratada de um outro jeito né? A Constança sempre teve problema, sempre foi nervosa, não sei se ela teve uma depressão pós-parto, não sei o que foi, mas ela tinha convulsão quando era pequena, teve de ir ao neurologista, começou a falar e andar tarde, foi um problema.
 
 
O que ficou claro para mim foi o grau de indiscriminação e, daí confusão, no relacionamento entre filha, mãe e neta. No atendimento de urgência no posto de saúde 24horas, quando a bebê tinha sido dada como morta, no prontuário médico consta o relato da avó no qual a bebê enrolou a língua, o que seria um sintoma característico das prováveis convulsões que Constança teria tido quando pequena. Me pareceu que esta indiscriminação, pela avó, entre sua filha e a neta, ocorria também com Constança que se via ameaçada de repetir a agressividade de sua mãe no relacionamento com a filha. Cramer (1993) ao apresentar o processo de estabelecimento da identidade parental demonstra que normalmente os pais se identificam, por ocasião do nascimento do bebê, com a imagem dos próprios pais, pelos quais se sentiram amados, ao mesmo tempo, projetam sobre o filho a representação do filho amado que sentiram ter sido para seus pais. Todavia se identificar com os pais, ao se tornar pai, reatualizam toda a ambivalência previamente desenvolvida na infância e adolescência. Deixar o lugar de filho, para se tornar pai, é sentido pelo jovem adulto como um abandono de uma parte de seus próprios pais. O autor denomina este processo como o de luto desenvolvimental que possui como característica a projeção no bebê de conflitos característicos. Porém, no segundo encontro surge no relato verbal de Constança a confirmação do que a dramatização da bebê apontou:
 
 
Como eu já te falei, eu queria ter uma filha para provar para ela que eu sou melhor que ela, que eu poderia ser melhor que ela. Eu não queria repetir as coisas lá em casa, a minha bisavó, a minha avó, minha mãe, tinham essa história de bater, de bater mesmo, de bater com raiva, com arame, de qualquer coisa que estivesse por perto e eu não quero repetir isso com minha filha, porque do jeito que estava eu não me preocupava com ela, quando ela chorava, eu me preocupava com o que a minha mãe fosse pensar.
 
 
Constança nos aponta para a questão da indiscriminação quando ligada a dificuldades nos processos de individualização que era transmitida de uma geração a outra e que, através de um de seus aspectos, perpetuava uma cultura familiar de tolerância a maus tratos em relação a crianças. Vários autores (Balint, 1973, Chasseguet-Smirgel, 1970; Deutch, 1945, MacDougall, 1986; Jones, 1933) discutem que esta relação, a da menina com a mãe é, mais do que a relação da menina com o pai, responsável pelas vicissitudes da feminilidade. Esta assertiva foi reconhecida por Freud (1931) que admitiu o limite da aplicabilidade do Complexo de Édipo para meninas, reservando o termo pré-edípico para o entendimento desta questão. É uma relação de centralidade que pode ou não encorajar o desenvolvimento emocional da mulher, servindo como fonte de força ou como fonte de patologia. O destino da feminilidade seria decidido pela ambivalência desta relação (Halberstadat, 1998).
 
Existiria uma ambivalência normal no vínculo mãe e filha, mas quando esta se apresenta de forma patológica são os sentimentos de rejeição ou de uma ligação simbiótica e consequentemente, de indiscriminação que prevalecem:
 
 
Com ela eu ainda não estou falando e também tudo que ela faz eu ignoro, estou ignorando o que ela faz, agora eu e minha irmã vamos ter que pegar os papéis com o meu pai para minha irmã poder construir, mas o problema é que ela tem fases, tem hora que ela está boa, mas para ela nunca está tudo bom, sempre tem algum problema por mais que você faça sempre tem algum problema. Ela não tem amigos, ninguém vai lá em casa, já não iam antes, então agora, até para visitar a neném eu não chamo, nem chamo para não dar confusão. Eu já passei muita coisa com ela, sou a mais velha, então já desde cedo eu olhava meus irmãos, não tive infância, tive isso sim desde cedo muita responsabilidade. Ela saía para trabalhar e quando chegava a casa tinha de estar completamente limpa, com tudo em ordem. Eu colocava um banquinho para alcançar e fazer as coisas.
 
 
Outro aspecto, é o da proximidade entre mãe e filha apresentar a vantagem de auxílio na transmissão da maternagem que, entretanto, pode acarretar o risco de perpetuar deficiências maternas e facilitar a transmissão de patologias através da linhagem feminina em uma família. Não é incomum encontrar traumas datando de gerações anteriores, a mãe e avó (Bell, 1996; Benedek, 1973). A história da feminilidade para a mulher começa antes do nascimento, sendo o destino emocional de uma menina afetado pela relevância da relação de sua mãe com sua avó. A consciência da identidade de gênero provém assim de uma histórica e dinâmica ligação geracional (Bergmann, 1982).
 
Porém, Constança reage de forma a não a transmitis passivamente. Se expõe quando me procura, fecha as portas da casa que fica no quintal da mãe, tentando delimitar um espaço do qual seja "proprietária".
 
 
Ela cortou o telefone, mas eu já estava mesmo tendo problemas com aquele número, eu estou pensando em entrar com uma ação contra a Telemar, já fiz isso uma vez e ganhei, mas foi uma confusão porque minha mãe achou que tinha de ficar com o dinheiro, ela acha que tudo tem de ser dela, apesar d'eu ter construído a minha casa ela acha que a casa é dela, que ela pode entrar quando quiser. Quando meus pais se separaram o meu pai deu um lote para casa filho construir uma casa, mas ela acha que ninguém pode ter nada, que se tiver alguma coisa tem de ser dela.
 
 
No decorrer dos encontros, a partir de intervenções que focalizaram a transgeracionalidade contida na ambivalência e aspectos simbióticos de sua relação com a mãe, os sintomas de Estefânia foram gradativamente desaparecendo, o que indicava que Constança estava se apossando de seu lugar de mãe como foi demonstrado pela crescente capacidade de perceber as necessidades de dependência de sua filha sem se sentir ameaçada de se tornar prisioneira das mesmas (sem poder comer, dormir) podendo sentir prazer com o cuidar:
 
 
Olha daquele dia que nós nos encontramos aqui, que eu falei para você que ela precisava de atendimento, ela melhorou, sabe aqueles choros que ela dava à tarde assim sem motivo? Ela não deu mais, ontem é que ela chorou um pouquinho a tarde, mas nem se compara com o que ela chorava antes, eu também estou me entendendo melhor com ela, conhecendo ela melhor então quando vou para a cozinha coloco ela no carrinho para ela poder me ver porque o que eu sei é que ela fica sem chorar, mas eu não posso sair de perto. Estou na sala assim, aí levanto do sofá e ela começa a chorar. Eu já estou conseguindo, daquele dia para cá, fazer coisas que eu não fazia, estou comendo, conseguindo sentar para comer, arrumando a casa e dormindo melhor.
 
Da outra vez que vim para o atendimento com a médica liberaram a papinha. Ela não gosta da de mamão, de maçã mais ou menos, gosta assim mais de banana, de banana ela come melhor, mas preocupada assim do jeito que eu fico com essa história do peso eu insisto, mas não adianta, quando ela não gosta cospe. E também, está acontecendo uma coisa nova, ela já fica sozinha mais tempo na cama brincando e vendo televisão. É muito legal, eu também gosto de televisão porque ela adora, eu sei que ela não entende, eu coloco na Xuxa, mas quando tem cor, quando ela vê os desenhos ela adora, então quando eu coloco em um canal que eu gosto para ver os meus programas ela não gosta (ri). Nesse momento a bebê começa a choramingar e ela diz: está com sono, colocando o seio em sua boca, a bebê rapidamente adormece.
 
 
Em nosso quarto e último encontro, a questão da agressividade e os processos de transmissão familiar são melhor integrados:
 
 
Mas ela está bem, ontem fui levá-la até a prefeitura porque um irmão do pai dela é vereador, eles me aceitam e aceitam a menina, quando ela nasceu eles me visitaram, só que não comentam com a esposa dele. Mas fui lá também porque se ele for reeleito vereador novamente a esposa dele afirmou que ele vai ver a minha situação porque fui mandada embora grávida. Mas se ele entrar como vereador a esposa dele garantiu que vai ver a minha situação, então eu vou esperar. E também agora nem ligo como eu ligava antes para a minha mãe porque sei que tudo o que eu fizer, se estiver certo ela vai falar, se estiver errado ela vai falar também, do mesmo jeito, eu nem ligo. É parece que tudo é ruim. Mas eu já consigo perceber que minha filha está se desenvolvendo, já está comendo papinha, ficando sozinha, que já vejo o que é bom e o que é ruim né? Antes parecia que tudo estava ruim. É gozado, que eu tenho uma horta, eu gosto, e agora eu tenho tempo de fazer, ela deixa (olha para a bebê e ri) e outro dia eu estava lá na horta conversando com a minha irmã, ela do lado dela, que é do outro lado do muro e eu, levantada no muro. Existe um muro entre o terreno dela e o meu. Ela estava lá com a minha sobrinha, que tem dois anos e que ficou brincando na terra enquanto a gente conversava, e, do outro lado também têm uma horta, a horta que é dela, então a minha sobrinha pegou uma salsinha de esmagou assim com as mãos, não foi para afrontar, estava brincando. Ela bateu na menina, mas bateu mesmo, ela bate, eu falei que não era para fazer isso porque a menina não entende e que isso depois iria marcar a vida dela, mas a minha irmã é uma pessoa difícil de entender, eu não faria isso. Não é possível que ela queira o que teve quando era criança.
 
 
Quando Constança relata o comportamento da irmã em reprimir a agressividade de sua sobrinha ela também nos demonstra como em seu grupo familiar a agressividade, natural ao desenvolvimento infantil não é integrada através da maternagem, ao processo de desenvolvimento emocional tendendo a se manifestar, em sua forma não integrada, através da destrutividade e consequentemente depressão[30] das mulheres no trato com suas filhas. Desta forma, a não integração da agressividade devido a uma maternagem insuficiente constitui-se social e culturalmente neste contexto familiar. Em Safra (1998) encontramos que a mãe dispensa cuidados que não são somente do registro biológico, mas que possuem uma estética característica do seu grupo familiar e, desta forma, a criança encontrará nos códigos que constituem tal estética as áreas de seu corpo e de suas experiências de vida que serão permitidas ou interditadas pelos mitos do grupo. Isto significa que existiriam experiências para determinados grupos sociais que encontram um registro simbólico[31], ou seja, são integradas ao processo de desenvolvimento emocional, e outras que permanecem sem qualquer tipo de articulação simbólica. O que não encontra significação, recorte simbólico no nível dos códigos sociais e culturais, coloca a pessoa em uma experiência em que é impossível conter a si mesmo. Como no caso de risco para Estefânia da não integração da agressividade transmitida pela linhagem feminina pelo grupo familiar de sua mãe: "Porque desse jeito uma das duas vai ficar maluca". "Eu tenho medo de bater nela, de fazer alguma coisa assim".
 
Safra (1998) justifica esse fenômeno através da impossibilidade dos grupos humanos de possuir organizações simbólicas e míticas para abranger toda a extensa área do viver e que o encontro com o outro, ou com outro grupo social e cultural, permitiria que o indivíduo pudesse encontrar uma interlocução para aquelas experiências de sua vida sem registro simbólico. Neste sentido, podemos entender a esperança de Constança ao me procurar na instituição como ligada a aspectos de sua subjetividade, da representação de si mesma, simbiotizados na linhagem materna pela mensagem transgeracional que procuravam, em outro grupo social, uma interlocução e, conseqüentemente, simbolização.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

4 – O Batismo de fogo: O corpo da linhagem feminina.
 
 
No decorrer dos encontros em ambiente doméstico pude observar como Constança resignificou, a partir da cultura de seu grupo familiar, a compreensão das experiências vividas na instituição hospitalar. Tais experiências foram denominadas como uma "crise" e se referiam ao período de sua gravidez e acompanhamento das internações da filha. Suas interpretações foram dirigidas primeiramente para as dores abdominais que se iniciaram no período em que, por duas vezes, ficou internada pelo risco de parto prematuro e ao episódio de apneia, responsável pela segunda internação da filha. Julgo que a consideração destas interpretações é importante na medida em que, como nos apresenta Rodrigues e Cardoso (1998), o sofrimento provocado pela doença pode representar uma experiência que desintegra a unidade da pessoa, ao mesmo tempo em que, pode também ser utilizado como matriz na construção da identidade social dos sujeitos. Por outro lado, seus destinos também reorientam os investimentos em relação às instituições de saúde podendo demandar intervenções mais específicas do que as recebidas no período de crise. No caso de Constança, resultaram em uma cirurgia (dores abdominais) e investigação clínica de suposta deficiência cardíaca congênita que foi então associada ao episódio de apneia ligado a segunda internação da filha na unidade de tratamento intensivo.
 
Tais construções, retrospectivas, apresentaram novas questões para o relacionamento de Constança com as instituições de saúde e foram paralelas a dois movimentos muito específicos ligados ao relacionamento com seu grupo familiar. Estes movimentos foram o do abandono pelo pai de sua filha e a reaproximação da mãe com quem não se comunicava a meses.
A situação de abandono pelo companheiro, reafirma para Constança sua condição de agregada em grupo familiar chefiado por uma mulher e, desta forma, restabeleceu seu lugar na dinâmica das trocas familiares. Ela nos diz:
 
 
Meus pais se separaram eu já tinha assim uns 15 anos. Meu pai perto da minha mãe ficava meio fraco. Por exemplo, ele comprava uma caneta, ela não gostava, aí ele ia, comprava outra e ela também não gostava, era uma pessoa difícil de agradar, como ela é com a gente agora, nada está bom, por mais que você faça nada está bom. Agora, com o pai da Estef6ania nem quando eu estava grávida ele me fazia companhia, me visitava, quando a menina estava no hospital ele foi uma vez, mas depois não foi mais porque falava que não gostava de hospital. Mas em casa, quando ele está aqui, fica sem ação perto da minha mãe, é como se ele não quisesse tomar partido para não aumentar a confusão (Silêncio). Quando encontrei o pai de minha filha, ele já era casado, ele continua casado, mas o que eu acho é que ele é uma criança, quer dizer ele podia fazer as coisas de um jeito diferente para ter mais sucesso, mas ele não liga, então por exemplo, ele sabe que pode colocar uma coisa assim, virada desse jeito, mas ele não coloca, não faz. Nós nos conhecemos quando eu estava separando do meu primeiro marido, então é isso que eu não entendo, ele já sabia o que eu tinha passado e fazer algo assim. Minha mãe também já falou com ele, deu um esporro nele, porque ele se aproximou de mim já sabendo o que tinha acontecido antes então é difícil, porque quando eu fiquei com ele eu não sabia que ele era casado, ninguém sabia, ninguém da família dele falava nada. A família dele falava a verdade, a avó dele falava mentira, como é que é ia saber, depois que ela nasceu que tudo começou, quer dizer eu então fiquei sabendo e quando a menina nasceu eu disse a ele, ou ela, a esposa, ou nós, eu e a menina, e ele não se separou. Mas para mim foi um alívio, sabe parece que saiu um peso das minhas costas. Porque eu estava desde a gravidez querendo isso, mas só não acho justo assim ele não dar nada para a menina. Minha irmã falou outro dia, disse que falou com ele para que pelo menos ele fosse visitar a menina, que ele poderia visitar, mas ele falou que na o, que era para a menina chamar o Ricardão de pai. Olha só, o Ricardão. Sabe (enche os olhos d'água) eu estava agora esta semana mesmo separando as fotos, vi uma com ele, sabe eu não senti nada, e eu olho para ela assim vejo que como ela é carinhosa, como ela me olha, tão boazinha, e eu tinha aquele problema para engravidar, então eu não me arrependo de nada, passaria por tudo de novo só para ter ela, a minha mãe falou que eu usei ele para engravidar, ri (ela tinha o risco, segundo conta, de nunca engravidar como falaram os médicos por causa de seu útero bicorno), mas sei lá eu não pensei que ele fosse mentir que não era casado, e também quando meu pai se separou de minha mãe foi por causa desse negócio de amante, não nasci para ser a amante, e aí dei a decisão. Eu acho é que ele tem medo.
 
 
Duarte (1994) nos chama a atenção para as afirmações do senso comum sobre a família ocidental que se referem às suas características relativas a tríade pai, mãe, filho, enquanto modelo existente nas camadas médias metropolitanas. Este modelo seria alvo de um grande investimento imaginário[32] pelas camadas médias, esconderia porém, outros formatos de modelos de grupo familiar. Compreendo que a configuração atual do grupo familiar de Constança se relaciona a esses outros formatos sendo característico do que Barroso (1978) nos apresenta quando se refere à situação das mulheres chefes de família. A característica proeminente de tais grupos é a de constituírem uma parte substancial das camadas mais pobres de todos os países onde são observados, situando-se no nível mais grave de miséria. A situação da mulher chefe de família será desvantajosa quando comparada com a população feminina em geral e com a dos homens chefes de família[33] pela alta probabilidade do desemprego e atividade informal e pela subsistência com salários ainda mais baixos que os dos homens. Possuiriam problemas específicos que ainda não foram devidamente estudados, ligados, principalmente à pobreza, pois será nas camadas mais pobres que as mulheres se tornam cada vez mais o único arrimo econômico de suas famílias. No trabalho da autora, podemos encontrar duas assertivas que se relacionam com a situação do grupo familiar de Constança: a de que as famílias chefiadas por mulheres são engendradas por condições de marginalidade econômica[34] e a de ser um fenômeno predominantemente urbano. Com a situação do término do casamento, apesar da herança dos lotes para que Constança e os irmãos construíssem suas casas, era a atividade econômica da mãe que oferecia o suporte principal e necessário à sobrevivência da família e em relação ao qual agora se acrescentava a continuidade de recuperação das necessidades especiais da neta em ambiente doméstico.
 
Segundo Barros (1978) são as mulheres separadas, divorciadas e desquitadas as que constituem o segundo grupo mais numeroso de mulheres chefes de família, sendo que a probabilidade será muito maior para a mulher desquitada ou separada do que para a viúva. Entretanto, como agregada, a situação de Constança se caracterizava de outra forma. Separada judicialmente, após o primeiro casamento, sua gravidez se dá durante uma relação não legalizada e que também não poderia ser reconhecida como a de uma união consensual que se aproxima do que Barros descreve como sendo a de mulheres solteiras que sem uma atividade econômica que lhes possa garantir a subsistência agregam-se às suas famílias de origem[35]. Geralmente mantêm, como estratégia de sobrevivência, o trabalho informal:
 
 
Eu estou fazendo uns bicos, meu irmão trabalha dirigindo uma vã e a moça que faz café para os motoristas saiu e ele me indicou para ficar no lugar dela. Como é muito cedo que eu tenho de sair lá pelas 4horas da manhã, então a minha filha só acorda as 7hs, aí minha irmã fica com ela para eu poder ir. É bom porque assim eu saio e a Estefânia está dormindo e quando volto ela as vezes ela ainda está dormindo também, aí não sente muito. Está dando para levar assim, comprar o remédio da menina e tudo.
 
 
Sorhet (1997) nos diz que se para a moral burguesa a mulher era destinada ao espaço privado para a classe trabalhadora isto sempre foi impossível, sendo a liberdade na rua vital para a ajuda no sustento da família. No seio das classes populares o casamento formal nunca preponderou e isto não é explicado somente pelo desinteresse em relação a propriedade, mas, pela dificuldade do homem pobre em assumir o papel de mantenedor típico das relações burguesas apesar do casamento formal ser reconhecido enquanto um valor. O homem das classes trabalhadoras, por não poder manter o papel de provedor, se depara com a resistência para o exercício de um poder irrestrito. O estereótipo do marido dominador e da mulher submissa, próprio da classe dominante, nunca pôde se aplicar in totum nas camadas menos favorecidas. Autônomas, assalariadas, improvisam continuamente suas fontes de subsistência[36].
 
Porém a situação matrifocal no grupo familiar de Constança, tão comumente encontrada nas classes populares, não se confundiria com a revolução feminina, a de mães solteiras de "produção independente" encontradas no interior da perspectiva igualitarista ou individualizante das camadas médias. Através da contribuição de Duarte (1994, 1986, 2006), em sua filiação às ideias de Dumont (1970), sobre a diferença existente entre a ordem tradicional de construção de pessoa e de indivíduo, podemos conhecer a definição de pessoa como sendo eminentemente relacional e socialmente determinada, sendo que a de indivíduo como um modelo moderno construído por ideais que aspiram a liberdade, igualdade, autonomia e singularidade. Daí, existir determinado tipo de tensão característico que opõem as mesmas. Esta tensão se originaria no que foi desenvolvido por Dumont, ao estudar os sistemas de castas na Índia, em sua teoria sobre a Hierarquia enquanto princípio estruturador de um sistema holista (relativos a totalidade) e de uma visão de mundo em que prevalece a representação de pessoa em confronto com tendências ou forças sociais individualizantes relativas às sociedades modernas. Porém, nem a sociedade moderna poderia ser compreendida como linearmente individualizante nem as culturas ocidentais pré-modernas compreendidas sem que se leve em conta a tensão entre sua estrutura hierárquica e a presença de disposições individualizantes.
Para Duarte temos que o formato de família entre as elites (o modelo da família enquanto "berço" do indivíduo) é diferente do encontrado nas classes populares. Sua contribuição ressalta a fraca subordinação de grupos familiares nas classes populares à ideologia individualista e concomitante preeminência de uma visão relacional hierárquica de mundo. Esta posição se caracteriza por uma irrelativização do reconhecimento da diferença complementar de seus membros e pelo não comprometimento com a produção de indivíduos. Estes grupos estariam, portanto, comprometidos a tal ponto com a questão da hierarquia que suas preocupações estariam ligadas com a produção de pessoas relacionais destinadas a integrar outras e idênticas unidades familiares. A unidade de identidade mínima seria este "grupo doméstico" e não o sujeito social isolado encontrado na categoria de Indivíduo.
 
A forma como Duarte se vale deste recorte na obra de Dumont nos auxilia para a compreensão dos efeitos da reaproximação de Constança em relação a sua mãe, sobre suas interpretações dos episódios relativos a dor abdominal e a reinternação da filha. A reafirmação de sua condição enquanto agregada em uma dinâmica familiar matrifocal substancializa um processo de construção retrospectiva que resignifica a crise, relativa a gravidez de risco e parto prematuro, marcada por internações prolongadas. Observou-se que é a partir do retorno à dinâmica das trocas familiares que uma forma de conhecimento oriunda da experiência de mulheres de seu grupo familiar, relacionadas aos processos de saúde e doença, se apresenta enquanto a substratos de tais resignificações.
 
 
Não tô aguentando isso, tá doendo, eu tô tendo as crises e os médicos lá não querem operar por causa dela (olha para a filha) dizem que por ela mamar no peito vai sentir muito a minha falta e, depois, se houver alguma complicação, é raro, mas eles dizem que pode acontecer, eu fico internada, aí pode ser muito ruim para ela, mas eu queria muito ficar boa, minha irmã operou, tinha essa mesma dor, minha tia também, eu queria poder sentar no chão, brincar com ela, penso que agora que estou com ela não vou poder aproveitar. A coisa comigo só foi diferente porque essas dores começaram quando eu estava grávida, na internação lá naquele primeiro hospital, que eu te falei lembra? Mas aí já era tanta coisa, tanta dor eu tomava um tal de aerolim, assim para segurar a gravidez, tinha dia que eu achava que ia morrer, meu coração acelerava muito, e estava um hospital ruim, foi antes de eu ir para o Fernandes Figueira, eu te falei que consegui a internação no Figueira com um colega né? Então já era tanta coisa que ela (dor) foi ficar mais forte mesmo depois que ela nasceu, mas eu não pensava assim que era vesícula como a da minha irmã, que operou e hoje está ótima.
 
 
Eu marquei a operação, já fui lá, é uma fila, e depois também já passou o tempo né? Eu te contei que no início eles fizeram os exames, mas não queriam me operar né, mas agora como ela está comendo papinha, pode assim ficar com alguém nos dias em que eu ficar internada, porque era esse o problema. Tanta coisa em tão pouco tempo, a internação dela, a reinternação, eu outro dia estava lembrando que eu já me queixava das dores, queria ir ao médico quando a Estaf6ania foi internada pela segunda vez. Foi assim depois daquela parada né? Foi na reinternação quando descobriram o refluxo também. Quando fui no IFF queria tanto ter reencontrado a dra. X, porque ela era assim: ela ia até o final dizia: "Nós não sabemos agora mas vamos descobrir". Aí então que veio essa coisa do refluxo, e dela ter que tomar até um ano o remédio. Todo mundo pensou, até a dra. X que as minhas dores eram nervosas, por causa da menina internada, da gravidez também que passei internada, mas não era, é uma coisa de família, minha irmã já operou, eu até senti umas câimbras outro dia, mas minha irmã disse que é normal, que é assim mesmo depois da operação.
 
A operação foi boa, fiquei com um pouco de medo não podia ter acompanhante fiquei mesmo foi com as enfermeiras, elas me trataram bem. Eu nunca tinha tomado anestesia geral, então na hora eles colocaram uma máscara e na minha cabeça e disseram que eu logo depois dormir, mas não foi assim demorou um pouco e o meu medo era que ele cortasse e eu não estivesse ainda anestesiada, mas depois ele mandou eu contar eu apaguei e quando acordei estava já na cama. As dores eram muito fortes de eu não poder ficar de pé e eu tinha medo de ter uma crise destas na rua e alguém vir e roubar ela porque criança branca né todo mundo quer. Agora não está tranquilo, tudo certo, eu sei que emprego é alguma coisa que aparece, que vai aparecer.
 
 
Minhas dores voltaram, tô sentindo elas de novo, não sei porque. O médico falou que pode ser alguma coisa da operação, marquei a consulta, vou fazer uns exames e voltar lá, vou tirar também algumas radiografias da coluna.
 
 
O episódio de apneia e consequente reinternação da filha foi ligado, pela interpretação do grupo familiar, à possibilidade de erro no diagnóstico médico por não ter sido precocemente relacionada a uma doença cardíaca congênita presente na família através da mãe de Constança. A mãe era atendida em um hospital público em São Paulo especializado em cardiologia e Constança ao retomar o acompanhamento de sua mãe nas consultas ambulatoriais nesta instituição diz:
 
 
 
Minha mãe sempre teve problemas do coração e sempre fui eu que a acompanhei nas consultas, desde pequena, só parei quando estava grávida e naquela época em que a gente estava brigada. Vamos para São Paulo o hospital lá é muito bom. E aí, eu levei ela né porque esse problema da minha mãe, ele pode passar assim para os filhos ou para os netos, eu não tenho, nem meus irmãos têm, mas a minha sobrinha, filha da minha irmã, tem um sopro no coração. O médico falou que não é grave, e que com o tempo vai fechar, mas quando eu fui agora em São Paulo, os médicos que já me conhecem, e conhecem a minha mãe de muitos anos, fizeram uns exames na Estefânia e acharam que o coração dela está grande, está grande assim para a idade dela e pediram um ecocardiograma. Eu acho que aquele problema lá no posto de saúde foi por causa disso que aqui eles não viram. Você sabe que eu fui saber através de uma outra mãe, assim no corredor, que no IFF tem eco. Então agora eu vou pedir (faz uma expressão de raiva), porque eles não pediram antes? Vou pedir e levar lá para São Paulo para eles verem.
 
 
 
Por ocasião do primeiro aniversário da filha este assunto é retomado por Constança:
 
 
Essa semana foi fogo, todo dia eu vou fazer alguma coisa na rua quando chego em casa não dá tempo para nada. Mas eu já fiz o molho do cachorro quente, já adiantei, não sei fazer bolo muito bem não, mas vou fazer o bolo hoje e a minha mãe vai confeitar, só que eu fui na rua e esqueci de comprar os ovos, ri, então tenho de esperar minha mãe chegar, ri, olha só, não comprei o ovo, então não têm ovos aí eu tenho de esperar a minha mãe. Minha irmã vai me ajudar com os enfeites, então vai dar tudo certo. Eu agora estou mais confiante sabe. Eu tenho umas intuições, eu sou muito de intuições, então eu acho que ela está bem. Tenho certeza que não é nada, que não vai ser nada, eu estou sentindo isso. Ela está bem, está comendo, está sorrindo, vai dar tudo certo.
 
 
 
Strauss, na introdução do livro Sociologia e Antropologia (Mauss, 1974) de Marcel Mauss, nos aponta como este último foi um pioneiro ao demonstrar a relação entre o fisiológico e o social a partir de sua interpretação sobre as relações entre o grupo e o indivíduo. A relação entre a cultura de grupo e o psiquismo individual é apresentada a partir de uma posição de complementaridade entre a psicologia e a sociologia através da qual a formulação psicológica é uma tradução no plano do psiquismo individual de uma estrutura propriamente sociológica. Essa complementaridade, possibilitada pela contribuição de Mauss, aproximou etnologia e psicologia através do aprofundamento das relações entre "suas incidências subjetivas". Mauss acreditava que o homem faz de seu corpo um produto de suas técnicas e representações dependentes da cultura definida então como um conjunto de sistemas simbólicos [37] que exprimiriam aspectos da realidade física e da realidade social bem como, a relação entre essas realidades e os sistemas simbólicos. Citando o autor:
 
 
O fato de eles (sistemas simbólicos) não poderem sempre ocorrer de modo integramente satisfatório e sobretudo equivalente, resulta, inicialmente, de condições de funcionamento próprias de cada sistema: eles permanecem sempre incomensuráveis. (mais adiante) Portanto, do fato de uma sociedade situar-se sempre no tempo e no espaço, sendo sujeita à incidência de outras sociedades e de estados anteriores de seu próprio desenvolvimento; ainda do fato, mesmo numa sociedade teórica que se imaginaria sem relação com qualquer outra, e sem dependência de seu próprio passado, os diferentes sistemas de símbolos, cujo conjunto constitui a cultura ou a civilização, permanecessem irredutíveis entre si (sendo a tradução de um sistema em outro condicionada pela introdução de constantes que são valores irracionais), resulta que sociedade alguma pode ser integral e completamente simbólica; ou, mais exatamente, que ela jamais virá a oferecer a todos os seus membros, e no mesmo grau o meio de utilizar-se plenamente na edificação de uma estrutura simbólica que, para o pensamento normal, é realizável apenas no plano da vida social. (Mauss, 1974) p.10.
 
 
 
Compreendo que Constança ao resignificar tais experiências, e a partir daí, redireciona seu percurso e suas demandas em relação às instituições de saúde (hospital em São Paulo para a filha, Santa Casa para a cirurgia da vesícula) expressa uma relação hierárquica[38], através da representação de seu corpo e do corpo de sua filha, com o sistema simbólico ligado a dinâmica do funcionamento de seu grupo familiar. Nesta busca de um sentido para o que lhe aconteceu se aproxima do que julga semelhante, identificando-se com as mulheres da casa, se afasta, quando não identifica na filha a doença da mãe, apesar dos médicos de São Paulo suspeitarem possui a intuição de que tudo vai bem, enfim, constrói um discurso de identidade (Rodrigues e Caroso, 1998) que é também o da alteridade em relação ao discurso médico que lhe foi apresentado como explicação no período de crise.
 
Desta forma, o discurso médico apesar de se aproximar através da assistência na situação da crise e no acompanhamento da continuidade da recuperação de sua filha e nas consultas clínicas para investigação das dores abdominais, ou seja, exercer uma influência lexical e morfológica (Duarte, 1995) não correspondeu a uma efetiva conversão ou transformação sintática na forma como Constança e seu grupo familiar apreendem os dois episódios. Reproduz, na verdade o que nos é demonstrado por Oliveira (1998) como a falta de clareza, característica de seus prestadores, em relação ao fato de que as concepções a respeito de saúde/doença possuírem características próprias dos diferentes grupos que compõe a sociedade. Ao interpretar as demandas de Constança, de forma reducionista, somente através de intervenções clínicas potencializa uma assistência iatrogênica negando a pressão exercida, neste caso, pela diferença simbólica entre os sistemas característicos de conhecimento médico e os de uma dinâmica familiar matrifocal. Podemos a partir daí, refletir sobre a questão da hegemonia, ou seja, de não existir um sistema simbólico hegemônico capaz de totalizar, através de um determinado tipo de conhecimento, os processos relacionados à saúde e à doença conforme demonstra Minayo (2001).
 
 
5 – Conclusão
 
 
A inclusão deste período da história de vida de Constança no presente trabalho esteve diretamente relacionada com a importância de investigar uma situação frequentemente ligada a relação mãe-bebê prematuro que é a da violência. Em relação a este aspecto o fato de ter se elaborado uma intervenção que não representasse um fim em si mesma, mas uma ponte para a continuidade da observação em domicílio, possibilitou existir dois momentos que caracterizaram nossa relação de formas diferentes. Nossos encontros no interior da unidade foram reduzidos se comparados ao que são apresentados na história de outras mães que acompanhei, por outro lado, no período em que nossa relação acontecia no ambulatório, se engendrava a possibilidade de um vínculo existir e respaldar a visitação em domicílio.
 
Pude perceber através do acompanhamento, durante os meses que se seguiram a alta hospitalar, que a própria prática da observação foi um modelo de continência e que Constança ao se sentir aceita e, portanto, não excluída, por uma "representante" da saúde após lidarmos com questões tão profundas inicialmente possibilitou-nos lidar de forma criativa com os aspectos relacionados a nossas posições. Assim, pude também pela primeira vez conhecer uma determinada forma de percepção sobre situações de risco, ligadas ao estado emocional característico do puerpério que, enquanto observadora, possibilitou-me exercitar a continência emocional necessária em relação às angústias que a observação da relação mãe – bebê frequentemente provocam. Esta continência emocional me permitiu também lidar com a situação do risco de violência de forma a avaliar e me posicionar em relação a mesma a partir de um olhar não reducionista. Assim, apesar da situação, relatada por Constança e observada por mim, apresentar as características presentes na etiologia das situações de abuso e negligência[39], pude me valer da compreensão sobre o humor no puerpério ligado que redimensiona o equilíbrio de defesas psíquicas que, no caso de Schirley estavam ligadas a sua identificação com a mãe, processo característico da parentalidade. A possibilidade de conter as angústias, as minhas e as dela, em relação ao risco de violência, permitiu o acompanhamento da interação com sua filha após a alta hospitalar.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Qual pedaço de mim?
 
 
1 – Introdução:
 
Encontrei Ana pela primeira vez quando participei de uma das reuniões de pais[40] dos recém-nascidos prematuros internados em Unidade de Tratamento Intensivo realizado semanalmente pelo Serviço Social do Instituto Fernandes Figueira. O grupo sempre era iniciado com apresentação e explicação de cada um sobre os motivos de sua presença no setor. Sendo assim, minha condição de estudante ligada a pesquisa se tornou conhecida desde o início. Ana era mãe de Mário, seu primeiro filho, nascido a 31 dias antes com trinta e três semanas e três dias de idade gestacional. Ingressara no alojamento conjunto naquela semana sendo que, anteriormente, seu acompanhamento à internação foi realizado através de visitas. Posteriormente, quando começamos a conversar no interior do ambiente de cuidados intensivos, observei sua dificuldade em expressar os sentimentos sobre a experiência de acompanhamento da internação. Entretanto, realizava um rico relato sobre sua vida pessoal. É casada a pouco mais de um ano com Pedro, mora próxima a sua mãe, Jandira e o irmão adolescente, Bruno, trabalha como professora em uma escola estadual e cursa o segundo período do curso de Direito. Teve que trancar sua matrícula durante a gravidez.
Nossas conversas eram marcadas por uma certa formalidade, pontuadas de algumas poucas queixas de sua parte sobre a dificuldade de dormir em alojamento conjunto e, no período próximo à alta hospitalar, relatou seu desagrado em relação à questão da amamentação no interior da unidade, colocada como critério de alta hospitalar pelos médicos. Essa experiência retardava a ida do bebê para casa. Quando a procurei na primeira consulta em ambulatório de follow-up fui surpreendida com seu convite para visitar a família em casa. Lembro-me que Ana sentiu necessidade de me apresentar algum tipo de garantia para que as visitações realmente se realizassem, dizendo que morava em um lugar diferente de onde vivia a maioria das pessoas dali. Compreendi então que se existiu alguma restrição quanto ao nosso relacionamento durante o convívio na instituição seu convite demonstrava que em ambiente doméstico seria diferente. Ana quis manter a relação comigo e, embora não excluísse o fato de reconhecer meus interesses de investigação para uma pesquisa, compartilhou dos mesmos a partir de uma participação mais intensa que somente pôde acontecer em seu "território".
 
Acredito que as experiências presentes nas duas internações durante a gestação seguidas do parto prematuro de Mário contribuíram para inibir inicialmente nossa relação pois de alguma forma mesmo não fazendo parte do staff eu representava a assistência que a instituição oferecia para o risco e urgência implicada na prematuridade. Compreendo que o objetivo da pesquisa, conhecido desde o início de nosso relacionamento, contribuiu para que, posteriormente, suas ansiedades relativas ao cuidado em ambiente doméstico pudessem ser compartilhadas. Acredito que isso foi possível devido à diferença, para Ana, entre estar submetida a estrutura de funcionamento de hospital e possuir liberdade de realizar um vínculo a partir do ambiente doméstico.
Apesar de ter pais hipertensos Ana nunca havia sofrido problemas deste tipo ou realizado qualquer tratamento para controle da pressão arterial[41]. Porém, no mês anterior ao nascimento de seu filho começou a sentir dores lombares, cefaleia intensa, episódios de tonteira acompanhados de turvamento da visão que, ao piorarem, levaram-na ao atendimento ambulatorial no Instituto Fernandes Figueira onde foi iniciado o acompanhamento indicado para gestação de risco. A partir de então, se instalou uma rotina em domicílio de medir a pressão de 12 em 12hs e de utilização de medicação específica para hipertensão. Apesar dos cuidados teve que ser internada duas vezes durante a gestação sendo que, durante a segunda internação é submetida a um parto cesáreo como medida terapêutica indicada para impedir a elevação da pressão. Somada a hipertensão se encontravam também a oligodraminia e o sofrimento fetal crônico[42].
 
As síndromes hipertensivas compreendem duas entidades de etiologia completamente diferentes. Uma é a hipertensão induzida pela gestação ou pré-eclâmpsia que reverte após o parto. A outra é a hipertensão crônica, que coincide com a gestação. A elevação da pressão arterial de Ana era específica da gravidez se situando em relação às síndromes hipertensivas (pré-eclâmpsia, eclâmpsia, hipertensão arterial crônica, hipertensão crônica com pré-eclâmpsia superajuntada e a síndrome de HELLP) como pré-eclâmpsia. A hipertensão induzida pela gestação normalmente ocorre após a vigésima semana de gravidez sendo uma doença inconstante no seu início, variável em sua manifestação, imprevisível na sua progressão e incurável, exceto pela interrupção terapêutica ou espontânea da gravidez. Zugaib (1994) demonstra que uma variedade de problemas que são causados por este quadro clínico, desde transtornos transitórios e insignificantes até morbidade gravíssima, particularmente renal e cerebral que podem inclusive culminar em morte. O comprometimento fetal inclui, dentre outras incidências[43], a prematuridade.
 
Mário nasceu prematuro na trigésima primeira semana de gestação e permaneceu por 44 dias internado pela indicação de doença respiratória pulmonar, traquipnéia transitória, suspeição de sepsis e anemia. A traquipnéia transitória do recém-nascido é, segundo Moreira e Lopes (2004a) a doença respiratória mais comum em bebês nascidos a termo ou próximo do termo. Também denominada "Síndrome da Angústia Respiratória do tipo II" ou "Pulmão Úmido", possui boa evolução clínica. Um de seus fatores predisponentes é o parto prematuro[44]. Nos cuidados geralmente é necessário o uso de oxigênio suplementar por pouco tempo, como foi observado em Mário na assistência respiratória recebida através da qual permaneceu por 2 horas no capacete e por 14 horas o CPAP[45]. Este tratamento implica em suporte mais geral com, dentre outros procedimentos, o da dieta precoce por sonda, até que a frequência respiratória seja normalizada. A sepsis no período neonatal é uma síndrome que apresenta múltiplas manifestações sistêmicas pela invasão e multiplicação bacteriana na corrente sanguínea. É conhecida como um grande desafio para a assistência neonatal (Vieira,2004) pela imaturidade do sistema imunológico no recém-nascido e por sua inespecificidade em características clínicas. Possui fases evolutivas[46] e sua terapêutica é a do uso de antibióticos, uso que pode gerar efeitos colaterais como o da flora bacteriana multiresistente, maior tempo de internação, procedimentos invasivos e, consequentemente, stress aumentado para os familiares. A anemia da prematuridade é caracterizada por queda progressiva da concentração de hemoglobina, substância encarregada de transportar oxigênio desde os pulmões até os tecidos do corpo (Martins, 2004). Mário recebeu por uma vez transfusão sanguínea durante o período da internação e indicação após a alta hospitalar para avaliações no ambulatório de follow-up do ganho de peso, frequência cardíaca e respiratória, realização frequentes de micro hematócrito e avaliação da necessidade de transfusão sanguínea.
 
Durante a internação foi encaminhado para avaliação cardiológica por presença de sopro-sistólico[47] sendo que as duas vezes, com seis meses de diferença entre uma e outra, foi avaliado durante o período de duração desta pesquisa. Os exames não indicaram nenhuma necessidade de tratamento específico. A partir da alta hospitalar, frequentou o setor de fisioterapia, em função do diagnóstico de uma síndrome hipotônica leve realizada através de uma avaliação neurológica pelo follow-up. Esta síndrome foi diagnosticada a partir de sinais apresentados por Mário, ligados aos reflexos de preensão palmar, posição da cabeça e dorso e pelo movimento de rôlo.
 
Os relatos de Ana sobre sua experiência de amamentar no interior da unidade de atendimento intensivo foi, como descrito inicialmente, uma das poucas vezes em que expressou, na relação comigo, algum tipo de experiência afetiva durante o período de internação. A indicação para amamentação com leite materno é normalmente critério e condição para o ingresso da mãe no alojamento conjunto à internação do filho, sendo um aspecto das normas institucionais que contribui para o complexo processo da nutrição do recém-nascido prematuro. A sobrevida, o crescimento e o desenvolvimento dos recém-nascidos prematuros estão estreitamente ligados ao conhecimento sobre suas necessidades nutricionais sobre as quais ainda não existe um consenso (Moreira e Rocha, 2004c). Se é recomendado o fornecimento de nutrientes para o alcance da velocidade de crescimento fetal fora do útero que seja semelhante ao que existiria intra-útero, pouco se conhece ainda sobre a qualidade e a quantidade de nutrientes que os fetos humanos recebem em cada idade gestacional.
 
Outros dois aspectos, relativos a amamentação de um bebê prematuro, são os da imaturidade do trato gastrointestinal, incluindo aqui a competência do esfíncter esofagiano, diretamente ligado ao risco de refluxo gastroesofágico, que restringe a tolerância da alimentação por via enteral[48] e da composição do alimento oferecido. Quanto a este último aspecto, o da composição do alimento oferecido, quando relacionado às necessidades nutricionais do recém-nascido de extremo baixo peso Moreira e Rocha (2004c) referem que o leite humano não possui a quantidade necessária[49] de nutrientes, sendo seu uso inicialmente inadequado para um crescimento ideal de recém-nascidos prematuros. A nutrição parenteral total, NPT, é indicada, portanto em todos os casos de recém-nascidos de extremo baixo peso e iniciada horas após o nascimento, sendo mantida até que o suporte nutricional por via enteral seja possível em quantidades suficientes para promover um crescimento adequado. Assim, quando o prematuro não é capaz de sugar, recebe alimentação por sonda e sua administração é feita por gavagem (bolus) ou por infusão contínua. O leite humano exclusivo na nutrição de recém-nascidos como menos de 1.500grs é associado ao ganho de peso inadequado durante a internação e nutrição por gavagem, estando sua utilização somada ao uso de multicomponentes enriquecedores quando necessário.
 
O peso de Mário, ao nascer, foi o de 1.100grs. o que o remeteu para a categoria de recém-nascido com extremo baixo peso[50] (Carvalho e Gomes, 2005). Após 10 dias do seu nascimento, iniciou o contato com o seio materno associado à utilização de uma complementação. Consta nos relatos do serviço de fonoaudiologia do setor que, quando foi colocado ao seio, "lambia" mas não sugava, apesar de existir reflexo de busca. Quando começou a apresentar sucção, esta possui a freqüência baixa, sendo acompanhada por queda nos índices de saturação (quantidade de oxigênio presente no sangue monitorizada através de oxímetro). Nos relatos estes episódios eram descritos como angustiantes, sendo difícil para ela aceitar que depois de tudo o que ele passou a condição para a alta hospitalar estivesse condicionada a sua capacidade de sucção. Essa exigência representava para ela reexperiementar afetos de angústia. Começou então a idealizar o ingresso de Mário em ambiente doméstico se opondo à amamentação que, por se realizar no interior da unidade, seria mais difícil tanto para ela quanto para o bebê.
 
O critério da amamentação exclusiva no seio materno para a alta hospitalar, geralmente é percebido pelos pais (McCain,2003) de forma problemática não apenas por se referir à rotina de indicações clínicas, mas também porque a habilidade do recém-nascido de fazer a transição da alimentação por gavagem para o seio depende de um desenvolvimento neurológico que se apresenta através da organização do movimento e ritmo de sucção e da regulação cárdiorespiratória. A imaturidade neurológica de um recém-nascido prematuro incide de forma dramática neste período em que a alimentação ao seio materno depende da coordenação dos movimentos de sucção e de deglutição ligados ao ritmo de movimentos dos lábios, língua, palato, faringe, laringe, esôfago, maxilares e da regulação cardiorrespiratória que sendo imatura produz, como consequência, bradicardias e apneias[51]. As descoordenações dos movimentos da língua podem interromper a ação peristáltica dos bolos de leite que adentra pela faringe, colocando o recém-nascido prematuro em risco de fadiga, choque e bradicardia durante a alimentação no seio. Por outro lado, a oferta do seio materno no interior da unidade é marcada frequentemente por um monitoramento do coração e da respiração durante a amamentação.
 
Acredito que, no caso de Ana, os episódios de bradicardia e apneia que acompanharam a amamentação de Mário, foram marcantes no processo de adaptação de seu ingresso em ambiente doméstico. Tais episódios, ao contrário de suas expectativas idealizadas, se repetiram após a alta hospitalar motivando sua reaproximação da instituição de forma peculiar. Como Ana tinha consciência de que minha atividade de pesquisa incluía realizar visitas de observação, criou expectativa de uma espécie de assistência para sua angústia. Pareceu-me que precisava de alguém que a ouvisse.
 
 
 
 
2 – A casa em ritmo de U.T.I., sobre os plantões familiares.
 
 
Acredito que as reações emocionais maternas ligadas à inserção em ambiente doméstico do recém-nascido prematuro egresso da unidade de atendimento intensivo podem ser remetidas a teorias que tratam dos traumatismos e de suas consequências. Justifico esta posição a partir da dinâmica que pude observar e que foi estabelecida na interação desta família com Mário nos primeiros meses após sua alta hospitalar.
 
Ah Manola lá em casa vai ser outra coisa ele vai fazer o ritmo dele, não é igual aqui que tem a hora da dieta, que te acordam para você dar, lá em casa ele vai mamar na hora que quiser o tempo que quiser, não vou ter esses medos que eu tenho de ficar olhando o monitor para ver como está a freqüência cardíaca e a saturação.
 
Nós levamos outro susto na semana passada, nós fomos direto para o IFF, direto para a UTI. Não devia porque eles falam que é para a gente ir no hospital mais próximo. Mas não dá, os dois mais próximos são os V e R e você se lembra do noticiário do jornal em que numa semana houve um acidente e as pessoas não puderam ser atendidas em V porque não tinham material, e se eu chegasse lá e ele não pudesse ter sido atendido? Foi horrível Manola porque estava tudo bem, nós saímos formos ao Centro onde costumamos ir que é aqui na rua, pertinho de casa, era de dia. Quando voltamos ele mamou, deu aquela mamada boa, grande, e eu fui colocar ele no carrinho para eu fazer as coisas, para tomar banho, fazer o almoço. Aí, ele deu um arroto, mas um arroto tão grande que parecia de gente grande. Quando vou colocá-lo no carrinho, ele está branco que nem cera, todo mole, eu chamava por ele e ele ficava todo mole! Eu dei um grito, gritei meu marido, minha mãe, fomos para o hospital, ele foi direto para a U.T.I. A Dra. X já o conhece examinou de cima para baixo. Clinicamente ele não tinha nada, rastrearam fizeram exames e nada. Aí ele foi melhorando a cor, foi voltando, mas o pior, (enche os olhos d'água), é que de lá para cá, eu que estava tão bem, eu saí do hospital zen, conseguia ficar sozinha com ele aqui em casa numa boa, desde esse dia eu não consigo mais ficar com ele sozinha, eu não consigo, (chora).
 
Depois daquele dia nós aqui em casa não estamos dormindo, fizemos um ritmo assim de revezamento, está uma loucura, de cansaço, de medo, (enche os olhos d'água), cada um fica 4 horas acordado por noite para o outro dormir, cada um fica olhando o Mário. Sabre X, aquele bebê que ficou internado um tempão, pois é, ele morreu e estava com 5 meses, igual a idade do Mário agora, eu fico apavorada com isso, ele foi mamar e uma hora depois quando o pai voltou do trabalho o encontrou morto no berço.
 
A teoria psicanalítica propõe uma transposição do conceito de trauma oriundo da medicina, onde se liga a ideia de ferimento e impacto físico em decorrência de uma violência externa, para o plano do funcionamento psíquico. Em relação a este aspecto, de forma geral, o traumatismo é usado para designar o impacto psicológico de uma experiência de separação, perda, acidente ou doença. Mas, em psicanálise o trauma se apresenta como um conceito fundamental que possui formas de abordagem distintas quanto à etiologia e consequências para o funcionamento psíquico. O traumatismo foi inicialmente ligado à teoria da sedução, sedução sexual de crianças realizadas por adultos (Freud, 1895). Num segundo momento, foi interpretada como resultado das fantasias decorrentes da sexualidade infantil presente nos conflitos neuróticos (Freud, 1905) e, em sua fase final (Freud, 1920, 1926, 1934) apresenta-se entrelaçado à visão econômica[52] do funcionamento psíquico, a situações de perda de objetos de amor e a injúria narcísica.
 
 
Podemos ser auxiliados pelo que é apresentado por Bokanowski (2004) sobre a diferença entre trauma, traumatismo e traumático para compreendermos as reações emocionais de Ana por ocasião do ingresso de Mário em ambiente doméstico. O autor considera que o trauma e o traumático são variações sobre o conceito de traumatismo sendo que este é definido como um processo, um modo, uma forma na qual o sujeito se relaciona com os objetos e com a visão que possui do si mesmo[53]. O que é traumático se encontra mais especificamente relacionado ao aspecto do traumatismo em sua relação com o inesperado diante do qual o sujeito não possui um "escudo protetor" o que significa ser invadido por estímulos e excitações que estariam além das possibilidades de elaboração psíquica. Por sua vez, o trauma seria, essencialmente, a ação negativa e disruptiva da operação traumática. Esta ação atacaria as possibilidades de ligação das excitações com representações psíquicas[54] causando uma injúria narcísica ao eu e criando áreas mentais inacessíveis.
 
Se privilegiarmos a compreensão sobre o traumatismo como sendo aquilo que abrange tanto o traumático como o trauma, ou seja, a reação diante do inesperado e suas consequências futuras, podemos utilizar de algumas proposições freudianas para compreendermos a forma como Ana se utiliza dos atendimentos de urgência para Mário. Freud (1920) inicialmente acreditava que os processos mentais possuíam uma tendência que se orientava pela evitação do desprazer. Entretanto, em suas investigações sobre determinada forma de neurose, a neurose traumática[55], observou que experiências do passado que não incluíam possibilidade nenhuma de prazer e, que nunca trouxeram satisfação, poderiam ser repetidas de forma compulsiva. A característica desta compulsão à repetição do desprazer é a da existência e formação de um traço de memória que remete a uma experiência afetiva que permanece a mesma e frequentemente se liga a situações futuras. Nessas, através de uma posição passiva, o sujeito se defronta com a repetição das mesmas fatalidades vividas anteriormente. Desta forma, existiria algo mais primitivo do que o funcionamento mental regido pelo Princípio do Prazer[56] que opera no psiquismo humano de forma a repetir compulsivamente o desprazer ligado a situações denominadas como traumáticas. Tais situações são aquelas diante das quais o sujeito não conta com qualquer possibilidade de proteção e que inundam o psiquismo com grandes quantidades de estímulos ocasionando ruptura, distúrbio em sua capacidade de se proteger e produzindo reações características ligadas ao susto, ao medo e à ansiedade[57].
 
Acredito que Ana reexperimentou em casa a angústia, anteriormente vivida durante a internação, ligada a percepção dos riscos inerentes ao nível de prematuridade de Mário bem como aqueles que especificamente estavam relacionados a sua capacidade de sugar e que lhe fizeram conviver, durante a amamentação, com os episódios de apneia e bradicardia. Foi justamente após uma mamada em casa seguida de um grande arroto, que o primeiro susto, vivido durante o período de internação, se reatualizou estabelecendo uma dinâmica que repetiu de forma compulsiva, o aspecto traumático contido nas situações em que existiu risco de vida para Mário. Elas produziram uma quantidade de estímulos maior do que seria emocionalmente suportável para Ana. Repetiu-se em casa o comportamento dos plantonistas no hospital, agora reproduzido pela família. Não foi possível, durante algum tempo, ligar esta quantidade de estímulos trazida pela situação de risco a representações de uma identidade parental capaz de contê-las, provocando a ação disruptiva do trauma. Foi repetida em casa a situação traumática a partir dos sinais de angústia que arrastavam Ana a um comportamento compulsivo buscando atendimentos de urgência.
 
Não chora, não chora perto dele (marido) Mário, sua mãe está ficando maluca vai para o hospital daqui (o casal mora perto de um hospital psiquiátrico). Eu já falei quando o Mário crescer ele vai ser psiquiatra ou cardiologista para cuidar de mim, (chora), sabe o que parece Manola, parece que agora eu só vejo ele pálido eu fico perguntando para todo mundo qual é a cor dele. Então até o meu irmão, o Bruno, outro dia veio aqui para eu não ficar sozinha com o Mário, porque minha mãe foi trabalhar e ele (marido) estava de plantão, aí nós ficamos acendendo e apagando a luz da televisão, pensando então que podia ser a luz da televisão. O que me deixa mais assim, é que eu estava bem, estava me sentindo equilibrada, e aí aconteceu isso e agora além de ficar esse rodízio para não dormir eu pergunto para todo mundo se ele está pálido, se ele está branco, então (chora) eu já não estou mais como eu estava antes. Vou ficar dependendo dos outros assim para cuidar do meu filho?
 
E é mesmo, por isso que eu digo quando o pessoal fala para eu ter outro filho. Não vou ter, não quero passar por tudo aquilo de novo. Não dá. Eu estou lendo, porque durante a internação, na gestação quando eu fiquei internada fiz um diário, até o parto dá para ler, depois do parto não dá mais, eu não consigo. Depois do parto eu não consigo ler o que escrevi é impressionante!
 
 
Freud (1926) nos apresenta a angústia como sendo um afeto que possui o caráter de desprazer ligado a sensações físicas frequentemente percebidas pelo sujeito através de descargas motoras dos órgãos respiratórios e do coração. Seria uma reação à ameaça diante de um estado de perigo, reproduzida sempre diante do risco de que um episódio desta espécie se repita. Pode surgir de duas maneiras, como inadequada, sendo uma reação imediata à situação de perigo e adequada quando antecipa esta situação de forma a evitá-la, funcionando como um sinal. Tanto de modo automático como enquanto um sinal, angústia é produto do estado de desamparo biológico e mental do sujeito que se origina nas situações de separação. O estado de desamparo estaria ligado as situações de perdas vividas através da percepção subjetiva de separação que o sujeito realiza em relação ao objeto capaz de remover a tensão ocasionada pelo excesso de estímulos. Estariam presentes, segundo o autor, a partir de uma situação prototípica, a do nascimento, onde existe um risco de vida real nas condições fisiológicas de separação do corpo materno, seguindo pela primeira infância através das consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos e, na vida adulta do sujeito, presente na perda do amor do Superego[58], região psíquica que inclui os ideais a serem atingidos pelo sujeito. A perda do objeto constituiria o núcleo da ameaça de desamparo contido na experiência emocional da angústia quando não haveria possibilidade de remoção da tensão produzida pelo acúmulo das excitações trazidas pelo traumatismo.
 
Quando Ana expressa seu desejo sobre as possíveis carreiras profissionais do filho (psiquiatria ou cardiologia), demonstra também como se vê necessitada de auxílio, projetando esta situação na ideia de ser assistida por "Mário-adulto-médico" que então cuidaria de seus medos de enlouquecer e morrer que, neste momento, se entrelaçaram ao enfrentamento da situação de prematuridade. Acredito que sua experiência do afeto de angústia num primeiro momento foram reações automáticas diante da situação traumática ligada ao impacto do parto e da internação em unidade de atendimento intensivo. Mas, posteriormente, com o ingresso de Mário em ambiente doméstico, se relacionou mais proximamente ao trauma, ação do traumatismo, que produziu como uma de suas consequências a internalização de uma situação de perigo, desta vez percepção de um perigo interno, loucura ou morte, funcionando como um sinal de angústia frente aos riscos de novos "sustos".
 
Em cada período da vida, segundo Freud (1926) o sujeito possui um determinante apropriado para a angústia, como visto anteriormente, sendo que os mesmos podem persistir, lado a lado ou agirem conjuntamente, mesmo estando o sujeito na vida adulta. Entretanto, se considerarmos o temor da perda do amor do Super. Ego, compreendendo que os mesmos contêm os ideais investidos narcísicamente pelo sujeito, dentre os quais o da parentalidade, podemos nos aproximar da compreensão do que Ana nos apresenta quando se diz incapaz de perceber a cor de Mário ou de não conseguir ficar sozinha em casa sem que alguém a auxilie na percepção das necessidades do filho. Cramer (1993) acredita que, para o jovem adulto, a possibilidade de fazer construções imaginativas a respeito de como será enquanto pai ou mãe constitui uma espécie de riqueza psíquica. A partir destas projeções no futuro e com o apoio em identificações com seus próprios pais, os jovens elaboram projetos e desejos quanto a sua própria atividade parental. Tais projetos atuam como representações, construídas através do tempo, da imagem deles enquanto pais. A situação de prematuridade freqüentemente traz para os pais uma representação de que a parentalidade é uma tarefa insuperável, sendo o bebê visto como portador de exigências e necessidades tão especiais que os colocam em situação de se avaliarem como incapazes de os satisfazer. O ideal parental então pode mostra-se inatingível. As características presentes na condição real da prematuridade ao se aproximarem das situações de angústia produzidas pelo temor da perda do amor do Super. Ego, por um ideal que não se realizou, colocam para os pais que a abnegação, o sacrifício e a doação de si próprios, exigidos normalmente pela parentalidade serão insuficientes, nesta situação, gerando sentimentos de fracasso e de esgotamento.
 
Desta forma, podemos compreender que a prematuridade exerce um forte impacto sobre o psiquismo materno, sendo um evento crítico para a vida familiar na medida em que exerce efeitos sobre a percepção e a responsividade determinadas pela subjetividade materna em relação as necessidades do bebê. Relacionam-se não somente com o momento crítico da internação e da hospitalização, mas também, com a forma como que são manejadas em ambiente doméstico.
 
 
 
 
 
 
 3 – A autoridade das lembranças.
 
 
Pretendo abordar neste momento a forma como, as necessidades especiais de Mário foram decodificadas por seu grupo familiar. Busquei compreender o uso de recordações ligadas a um repertório de práticas e de cuidados ligados à situação do traumatismo, de forma a permitir sua elaboração. Tais lembranças mostraram-se determinantes na transição entre o comportamento compulsivo de Ana que buscava atendimento de urgência, para o de uma melhor integração e reconhecimento de suas capacidades em manejar as necessidades de Mário no ambiente doméstico. A partir da observação de que tais lembranças eram evocadas nos momentos em que me relatava as dificuldades recorrentes no convívio com o filho em ambiente doméstico, percebi que as mesmas construíam uma ponte entre o presente e o passado, diminuindo sua angústia e possibilitando o discernimento, pela reflexão, sobre as necessidades de Mário.
 
A partir do que propõe Bertaux e Thompson (1992) podemos entender como sendo "transmissão" o que culturalmente permanece. Ela opera sobre tradições, tão antigas quanto a humanidade e, ao mesmo tempo, estreitamente ligada à brevidade da vida humana e aos seus ciclos, dentre os quais se situa a maternidade. O papel da família nos modos de transmissão permanece como uma via privilegiada que possibilita conhecer características particulares sobre como a posição ocupada por seus membros é mantida pela interdependência existente entre o indivíduo sua ancestralidade. O velho e o novo, a história e o indivíduo, estariam ligados pelo ato de transmitir que, quando enfocado através do encontro entre gerações, apontaria para a existência da memória cultural presente em cada grupo familiar (Tonkin, 1993). Segundo Bertaux-Wiame (1993) a narração de uma história de vida realça a importância das relações familiares no processo de socialização[59] dos indivíduos nos papéis a serem desempenhados, situando a memória em um plano social. Privilegio as demandas de Ana dirigidas à sua mãe porque, através das mesmas, as lembranças de sua infância e adolescência trouxeram para o presente, um repertório de cuidados que pertenciam à história deste grupo familiar.
 
A sorte é que eu fui para a casa da minha mãe antes de sair com ele desesperada de novo pela rua, então ela falou com ele, brincou com ele, e aí ele acordou, (risos meu, dela e do marido). Ele só estava dormindo, diz o marido, eu embarquei na dela. É que melhorou, mas ainda é difícil, a minha mãe me compreende e ela falou que é assim mesmo, que comigo também era assim, que eu dormia como uma pedra, que não acordava de jeito nenhum, aí nós nem fomos ao hospital. Mas dormir mesmo eu não consigo ainda, só quando é ela que está vigiando.
 
A minha mãe fala que eu fui assim também, (começa a chorar). Que quando eu era pequena eu tinha convulsão, tinha febre e até hoje tudo que é comigo, uma dor de garganta, um aborrecimento, me dá febre. E minha mãe fala que várias vezes ela pensou que fosse me perder que passou o que eu estou passando agora.
 
Nós já passamos muita coisa juntas, muita dificuldade com a minha mãe. Eu morava com a minha avó mãe do meu pai que morreu e que era a dona desta casa onde a minha mãe está morando agora. Quando meus pais se separaram eu vim morar aqui, dormia até com ela, depois minha mãe casou de novo, então o meu padrasto era muito bom para mim, o pai do Bruno, aí na casa da minha mãe eu tinha o meu quarto. Só queria ficar no meu quarto, sabe quando você é jovem, o aparelho de som, aquela coisa, aí ele começou a beber, arrumou uma outra mulher aí nós viemos para cá, foi assim que nós viemos para cá. O Bruno era novinho, quase que um bebê, então eu cuido dele assim desde aquela época. Meu pai fez um acordo com a minha mãe para ela cuidar da mãe dele, e ela cuidou, a casa ficou para mim e agora estamos aqui.

Ana foi lembrada pela mãe dos cuidados que recebeu enquanto bebê e buscou também nas recordações de como, ainda adolescente, assumiu e aceitou a responsabilidade que lhe era confiada de cuidar do irmão menor. A utilização das lembranças familiares e pessoais contribuiu no processo de estabelecimento de sua identidade enquanto mãe de um bebê prematuro. A transmissão, pelo relato da mãe, da forma como foi cuidada na infância e suas recordações sobre a adolescência, se constituiu enquanto modelo de identificação que aproximou as dificuldades anteriormente vividas das atuais. Ao mesmo tempo em que se utilizava deste passado também relatava a ocupação, pela mãe, no presente do lugar de avó. Neste sentido, na passagem do tempo e assunção de novos papéis, encontramos também o retorno às lembranças de sua avó, bisavó de Mário, que teria compartilhado das funções maternas em relação à sua criação o que demonstrava seu conhecimento, por experiência própria, dos benefícios da união avó-neto na continuidade das relações entre gerações. Podemos compreender as evocações do passado através da força e da presença constantes em seus relatos da avó e da mãe, como uma forma de descrever o reconhecimento da importância desses laços de união e solidariedade para sua formação individual.
 
Nesses rodízios de não dormir que a gente faz, eu tenho certeza que ela fica acordada. Ela sabe o que eu estou passando (chora) e eu tenho certeza que quando ela vigia, nesses turnos que a gente faz, eu sei que ela sente o que eu sinto, eu me acalmo. Eu não sairia daqui, desta casa, deste bairro, da pracinha... penso em fazer carreira (neste período sua faculdade de Direito estava trancada) mas não em sair daqui, perto de onde tenho ajuda, quem vai ficar com o Mário para eu trabalhar? A minha mãe não é?
 
Mário está adorando a casa da minha mãe. Outro dia mesmo, estava ele aqui, ranhetando, assim meio triste, quando eu levei para a casa da minha mãe. Ele abriu um sorriso e também nós duas fomos no IFF na semana passada então eles estão fazendo uns testes lá por causa do braço dele, da forma dele pegar. Porque olha, está vendo a mãozinha dele, fechada, olha, tinha de já estar abrindo ela falou, porque ele tem 4 meses não é, sei que tem de corrigir, que tudo do Mário vai ser mais lento. Sei disso, eu comparo, aí a médica falou para a gente colocar ele no chão, comprar um colchão para ele girar, e aqui na minha casa não tem espaço para isso e lá na casa da minha mãe tem. Minha mãe falou comigo: o que importa é tratar desde o início o que está errado, a gente não tem que ser perfeita vamos consertar. Minha mãe falou comigo e assim foi mais fácil aceitar, eu sei que do jeito que a médica fala mete medo, a gente fica triste, a gente sente quando alguém fala de um filho da gente, é ruim. Mas ao mesmo tempo é melhor fazer alguma coisa do que negar, do que não fazer nada, fui comprei o colchão, ele já está rolando.
 
Cicchelli (2000) observa que não existe oposição, mas sim interdependência entre os processos de construção de indivíduos e o estabelecimento dos laços familiares, devendo ser dimensões tratadas de forma conjunta. Sua proposição é a de que é possível existir "responsabilidade consigo mesmo" e "preocupação com a outra pois maior sensibilidade ao desenvolvimento pessoal não exclui uma demanda de apoio aos que estão próximos. O autor a partir do estudo dos vínculos afetivos, investigou como a identidade individual está implicada em formas de cuidado familiar, solicitados a partir de uma necessidade de reconhecimento pessoal e, fazendo parte de um processo onde a interdependência é compreendida como o que liga e ao mesmo tempo, o que separa os atores sociais do laço de filiação. Assim, as interações familiares possuiriam estas duas dimensões, a da individualização e a do apoio à identidade através do cuidado para com necessidades explicitas ou implícitas no processo de aquisição de autonomia, por parte de seus membros.
 
A partir do lugar afetivo que a avó de Mário ocupa no seio deste grupo familiar podemos compreender como foi transmitida a Ana confiança em sua capacidade de cuidar do filho ao mesmo tempo em que suas necessidades, enquanto mãe de um bebê prematuro, foram atendidas. Assim, a experiência da maternidade ao mesmo tempo em que representa uma conquista, relativa a autonomia pessoal, se constitui através de uma dinâmica de interação familiar na qual circulam práticas de apoio. Desta forma, o nascimento de Mário não implicou na dissolução do vínculo com a família original de Ana, mas sim, na demanda de um tipo de apoio que foi dirigido à sua avó e que nos permitiu compreender que a sustentação da relação indenitária entre os membros deste grupo familiar estava assegurada pela vinculação afetiva. Assim, como nos diz Bott (1976), o desempenho de um papel não pode ser compreendido como sendo todo o comportamento que ocorre entre as pessoas, mas significa um comportamento que se espera de qualquer indivíduo que ocupa uma posição social particular.
 
Quando observamos que esta avó utilizou como exemplo, na compreensão das dificuldades de Mário sua própria experiência nos cuidados da filha quando bebê, encontramos uma forma de apoio e suporte oferecida para aquisição de autonomia do casal evitando, inclusive, a recorrência frequente ao atendimento hospitalar de urgência movida mais pela angústia do que por necessidade clínica. A autonomia, uma necessidade própria dos indivíduos, uma qualidade presente em sua forma de organização das relações imediatas aos projetos em processo, foi decodificada pela experiência da mãe de Ana através de suas intervenções e apoio.
 
Kretchmar (2002) observou 55 avós a partir do nascimento até o sexto mês de vida dos netos nascidos de suas filhas mulheres percebendo que os modelos de relação entre ambas, na idade adulta eram "recriados" na relação destas últimas com seus filhos. A interação avó-neto é contemporaneamente reconhecida como importante fator interveniente nas investigações sobre o desenvolvimento infantil nos vários tipos de configuração familiar[60]. Em relação aos cuidados com a saúde das crianças são comuns, na literatura a respeito da participação dos avós, descrições de práticas diretamente influenciadas por sua proximidade afetiva, como por exemplo a do aleitamento natural, o cuidado pré-natal e pós-natal para a gestante e puérpera, o acompanhamento no momento do parto (Hotimsky,2002), enfim, enquanto coadjuvante importante no cuidado em relação "a quem cuida". Neste sentido, e de uma forma mais específica, quando o ingresso de um bebê prematuro implica em pesado "fardo" físico e emocional, a divisão desta sobrecarga entre os familiares é importante e frequentemente está relacionada à possibilidade de contar com a ajuda de outras mulheres da família[61].
 
 
 



4 – O casal diante da prematuridade.
 
 
Foi depois de algum tempo de observação deste grupo familiar, que pude me aproximar da experiência de Pedro, pai de Mário, com a situação de sua alta hospitalar e ingresso em ambiente doméstico. Inicialmente ficou claro que os cuidados mais diretos com o bebê, a percepção de suas necessidades (alimentação, banho, medicação, vigilância), eram principalmente relegados à mãe e à avó, ao pai cabendo o socorro nas situações de urgência. Entretanto, com o desenrolar das visitas ao domicílio pude observar que sua participação evoluiu, ultrapassando os limites convencionais. Isso possibilitou minha compreensão sobre a influência que a experiência do pai de um bebê prematuro exerce sobre o humor materno e sobre sua potencialidade em resgatar, para o casal, os ideais projetados na parentalidade.
 
Sempre pensei em casar, ter a minha casa meus filhos, minha vida com um homem legal, nós planejamos tudo, o namoro, o casamento, a casa ...não era para ser assim, parece que a gente não pode cuidar dele, não tem capacidade.
 
Assim, nossa vida estava toda arrumada, ele querendo sair do emprego que estava fazendo o estágio, eu a faculdade, o trabalho no emprego público. Foi uma história as coisas terem sido assim, uma pancada, a gente não esperava, estava tudo tão bom. A gravidez foi planejada, ele foi um filho querido... eu e o Pedro não temos assim problemas de casal, sabe?
 
 
O fato de uma pessoa desejar se tornar pai ou mãe não significa que existam garantias do estabelecimento de uma identidade parental segura. Na relação dos pais com um filho podemos encontrar tanto motivações narcísicas como aquelas em que as características da criança em si são melhor percebidas e aceitas. Apesar de, em geral, se estabelecer uma mescla de ambas, existe um consenso sobre a dinâmica que se constrói para o casal, a partir dos ideais presentes na forma e no estilo de cuidados a se realizarem a partir do nascimento de um filho. Lantz e Snyder (1962) referem a respeito desses ideais que, ora podem estar mais próximos de situações nas quais a criança torna-se uma extensão do narcisismo dos pais e ora próximos dos que estariam ligados ao reconhecimento da criança em si. Seriam motivações narcísicas as encontradas em situações nas quais a parentalidade se entrelaça com a imaturidade emocional do casal. Suas manifestações são: solução de se manter uma relação já empobrecida, infeliz e em processo de deterioração; realização pelos filhos de desejos não concretizados pelos pais, busca de sentimentos de segurança que estariam ligados, em fantasia, à suposta habilidade de cuidar de uma criança; ou garantia de ser cuidado na velhice (a criança como um investimento) e, finalmente, a parentalidade como resposta as expectativas sociais a respeito do casal. Mais próximo do relacionamento com a singularidade da criança estariam as motivações em que a parentalidade não é vista como um fim em si mesma, o que permite a criança se sentir livre para crescer e se desenvolver a partir de suas próprias aptidões e desejos, estando ligada de forma secundária à relação marital. Nesse caso o casal possuiria uma "reserva emocional" da qual a criança pode usufruir e que lhe é anterior.
 
Como demonstra Debray (1988), existe um percurso entre o projeto de um filho e a existência do filho real. O projeto de um filho se liga ao encontro de duas histórias de vida iniciadas com a dependência dos pais quando crianças em relação a seus próprios pais, passando pela adolescência face à reação, frequentemente de oposição, aos modelos de paternidade e maternidade recebidos. A concepção de um filho, planejada ou não, é frequentemente descrita como um jogo complexo de impulsos contraditórios que impõe um trabalho psíquico centrado no desejo e no medo pelo desejo de ter um filho. Algumas mulheres têm gravidez fácil e sem problemas e outras enfrentam dificuldades que permeiam a gravidez, podendo se estender também nos primeiros tempos de vida da criança.
 
A experiência da gravidez de risco carrega o peso do que é inesperado, ou seja, se apresenta como um corte no tempo usual e ao investimento necessário em que os pais realizam, de forma gradativa, a transição entre o projeto, aspirações narcísicas e a situação real da paternidade e o reconhecimento das necessidades do bebê. Desta forma, incide de forma opressiva sobre os pais pois o tempo de gestação normal, necessário para que a família se prepare para "criar um espaço para o bebê" (Pincus e Dare, 1981), não existiu. Morsch (1990) nos diz que podemos pensar que o nascimento prematuro introduz um novo membro na família de forma abrupta e em tempo inadequado, o que torna necessária a introdução de novos personagens, que não os pais, para assumir os cuidados básicos com o bebê. Esta situação gerou uma "ferida narcísica"[62] para o casal, influenciando na percepção de sua força para o enfrentamento da situação traumática.
 
 
Gritei eu (marido) falei que o Mário estava passando mal que a gente tinha de ir para o hospital, nessas horas ele não tem assim muita ação. Na hora que ele está passando mal não tenho mesmo mas para dirigir eu consigo dirigir, cada um vai fazendo o que pode, o que dá. Sorte que não tinha trânsito aquele dia e mesmo se tivesse eu ia indo, chamava a polícia, a polícia ia abrindo o caminho para mim e eu ia passando, disse Pedro.
 
Eu não durmo, mesmo quando não é a minha vez de ficar acordada perto dele, não sou de brigar, mas quando desci vi o Mário dormindo de um lado e o Pedro que era para estar acordado, dormindo. Não aguentei, assim não dá, e se acontece alguma coisa?
 
Eu já pensei, se por um acaso o Pedro não aguentar, porque para o homem é sempre mais difícil aguentar, e for embora, eu me separo e fico aqui com a minha mãe e o Mário numa boa, não me caso de novo, mas fico numa boa.
 
 
Conforme demonstram Macey e Harnon, (1987) o nascimento de um bebê prematuro provoca um desencontro em relação as expectativas dos pais sendo que uma de suas consequências mais comuns após a alta hospitalar é a do relato de se sentirem confusos na interpretação dos sinais apresentados pelo bebê visto que estão sempre preocupados com sua sobrevivência. Mães relatam maiores dificuldades que os pais no ajustamento em relação ao bebê nos primeiros meses após a alta hospitalar (Trause e Kramer, 1983) sendo que o estado de humor é o fator que mais influência na percepção das necessidades dos filhos pois percebe-se uma tendência frequente na atenção materna para os aspectos negativos no comportamento do bebê. Os casais que contam com o suporte de uma relação conjugal prazerosa são também aqueles que interagem mais sensivelmente com seus filhos (Belsky, 1981). Entre os casais, pais de bebês prematuros, Leidermans (1973) alto índice de divórcio, quando comparados com pais de bebês nascidos a termo. O casal que enfrenta a situação da prematuridade costuma ser afetado em sua capacidade de comunicação na percepção das necessidades e sentimentos um do outro. Na dificuldade de adaptação ao bebê que demanda cuidados especiais o autor aponta sentimentos de diminuição da autoestima relatados como determinantes para a ausência do suporte esperado para o enfrentamento da situação. Os distúrbios de comunicação somados as expectativas não correspondidas, tanto pelo bebê como pelo parceiro, produzem sentimentos de solidão e, principalmente, de tristeza por se sentirem impotentes e inábeis em relação ao manejo das necessidades do filho.
 
A relação conjugal pode representar um importante papel na forma com as famílias elaboram suas estratégias diante de um nascimento prematuro. Herzog (1979) encontrou problemas em 67% de uma amostra de casais cujos bebês ficaram internados em unidades de assistência intensiva por mais de 3 semanas. Embora vários fatores possam contribuir para tal desfecho, como escolaridade e condição econômica, o autor observou que nestas famílias os maridos eram menos presentes no apoio e suporte para suas esposas durante e após a alta hospitalar. Weller e outros (1999) encontraram uma interação com o bebê mais ativa após a alta hospitalar em mães de bebês prematuros que relataram boa relação conjugal.
 
A experiência da paternidade de um bebê prematuro demonstra ser um aspecto cada vez mais conhecido por pesquisas que sugerem existir diferenças entre as reações emocionais de homens e mulheres, desde o período da internação em unidade de assistência intensiva, passando pelo ingresso do bebê em ambiente doméstico e como fator co-determinante para o desenvolvimento emocional, cognitivo e comportamental de crianças e adolescentes prematuros (Magill-Evans, 1996; Yougman, 1996). Frequentemente tais estudos apresentam esta diferença na experiência do pai de um bebê prematuro através de situações como perceber e expressar os próprios sentimentos diante das condições clínicas do bebê; nos cuidados com o mesmo em ambiente doméstico; na relação com a equipe profissional e no acompanhamento em follow-up. As mães evidenciam preocupações especiais esperando do pai um reassegura mento empático e alívio em relação a sentimento de culpa e responsabilidade pela situação da prematuridade.
 
Durante as observações realizadas com a família de Ana compreendi que a participação de Pedro nos cuidados com o filho era constante, silenciosa e, se no início foi limitada, isto também ocorreu pelo respeito em relação à necessidade da esposa em investir na autoridade da mãe como alguém que a tranquilizava em relação a percepção das necessidades do filho. Ao contrário do que observa Morsch (1990) sobre ser o período do follow-up aquele em que o pai menos participa, Pedro foi, durante o período desta observação, acompanhante de Ana em todas as consultas do filho bem como esteve presente em todas as visitas que realizei [63]. Compreendi então que o casal durante nossos encontros dramatizava uma situação em que pudessem ser vistos sem esfacelamento ou divisões, frente ao traumatismo causado pela prematuridade, de forma que esta observação pudesse espelhar o ideal gradativamente reconquistado de suas competências em relação aos cuidados com o filho. Pedro se aproximava da descrição do pai, utilizada por Morsch (1990), como sendo a do "braço que apóia" a fragilidade física e emocional da mãe. Desta forma, através dos relatos de Ana, soube que ele foi o primeiro a ver o bebê, a conversar com a equipe técnica da unidade de atendimento intensivo e foi quem lhe trouxe as primeiras informações sobre Mário. Assim, a proximidade demonstrada em domicílio já existia antes e de alguma forma se manteve como um "pano de fundo" por trás de toda a situação de traumatismo. Essas vivências me parecem sugerir que o contato entre mãe e pai, na conjugalidade, são tão importantes quanto as realizadas entre pais e bebê no sentido de prevenir os distúrbios do vínculo afetivo, tão comuns em relação a interação com bebês prematuros.
 
 
E ontem eu passei tão mal, de noite eu tive uma dor na barriga, mas uma dor que deixou a minha barriga tão dura, que olha nem aquela ginástica de colocar as pernas dobradas eu consegui fazer, o Pedro queria me levar ao hospital, e se não passasse eu iria mesmo para o hospital porque já não dava mais. Aí me lembrei da médica lá do PAM e pedi para o Pedro comprar o Flagass. Fiquei com medo de ser uma apendicite aguda, que já estivesse estourando. Fiquei com medo de morrer, não é que eu tenho medo de morrer, mas é que depois que a gente tem filho é diferente não é? Peguei um livro que a minha sogra me deu com rezas para todo o tipo de dor, aí vi o capítulo de dor de barriga, rezei, tomei o remédio, e falei com o Pedro: Vou dar meia hora para a dor passar e se ela não passar vou para o hospital. Se não fosse ele aqui comigo eu já teria batido na casa da minha mãe apavorada de novo, só que desta vez, comigo.
 
Ontem o Mário ficou com o Pedro o dia inteiro. Foi comigo para o banco. Olha deu para arrumar a casa fazer faxina, o almoço, ficaram super-bem. Ele dormiu a maior parte do tempo e como eu sei que ele dorme muito mesmo nem me preocupei. Coloquei no banco de trás, na cadeirinha e fomos bem mesmo.
 
 
Frequentemente se descreve que somente uma mulher pode sentir o que significa a dependência e o desamparo de um bebê principalmente em suas primeiras semanas ou meses de vida. Somente a mãe se vê absorvida nos cuidados com o corpo do bebê gostando disso, sabendo exatamente como segurá-lo nos braços, como deitá-lo, como deixá-lo sozinho enfim, somente uma mulher sabe de tudo isso desde menina quando brincava de cuidar das bonecas. E o pai?
 
Winnicott (1975) acreditava que quando a mãe passa a ficar preocupada com o bebê nos últimos meses de gravidez, também ocorre uma mudança no pai. Este seria capaz de se transformar no agente protetor que libera a mãe para que ela se dedique ao bebê. Esta cobertura protetora fornecida pelo pai é necessária quando a mãe está na gestação, no parto e durante a amamentação pois assim ela seria poupada da necessidade de voltar-se para fora, lidar com o mundo que a cerca, em um momento em que é preciso estar "voltada para dentro". Quando não há pai, seria preciso que alguém tomasse para si o papel protetor, que assumisse a função paterna (Winnicott, 1960) pois as doenças puerperais poderiam, até certo ponto, ser provocadas por uma falha dessa cobertura protetora para a mãe, nos primeiros meses de vida do bebê.
 
Gradualmente o pai é inserido nos cuidados com os filhos pela mãe que pode ser responsável pela facilitação, desfiguramento ou impedimento desta relação. Winnicott acredita que será a partir dos cuidados maternos que o pai é apresentado ao bebê assumindo o que já foi construído pela mãe e correspondendo, em uma situação desejável, a sua expectativa de continuidade dos mesmos. Um pai seria valioso na medida em que ajudasse a mãe a relacionar-se com suas competências em relação ao bebê, ao mesmo tempo em que sustentasse a lei e a ordem que a mesma implanta na vida da criança, mantendo a relação entre o casal e sendo aquele que faz a distinção entre quem ele é e os outros homens. Proporcionar à mãe um suporte e ser ele próprio, bem como amar e desfrutar da relação com a mulher seriam fatores que contribuem para um ambiente suficientemente bom[64]. Winnicott esclarece que manter este ambiente, sustentá-lo, constitui-se exatamente no que não pode ser destruído pelo ódio e pela agressão presentes em situações de traumatismo. O apoio do pai então, permite que a mãe cumpra sua função sem precisar ter, em si mesma, simultaneamente características conflitantes (o exercício da função materna e paterna ao mesmo tempo). A sobrevivência do ambiente ao ódio e a agressão possibilita existir o sentimento de segurança refletido pelo pai e pela sociedade.
 
Acredito que a constância do pai de Mário, Pedro, em relação aos problemas trazidos pela situação da prematuridade possibilitou que o casal não se sentisse esgotado pela complexidade das situações e dos afetos vivenciados em relação às necessidades de Mário. Winnicott denominou como sendo "o ambiente indestrutível" aquele em que o pai, enquanto possuidor de certas características valorizadas pela mãe, garanta a sobrevivência do ambiente saudável mesmo em certas circunstâncias especiais. Assim, na base da relação pai e mãe há o vínculo entre o casal e deste com um senso profundo e contínuo de responsabilidade por Mário. Esta dimensão, a do cuidar e se preocupar, pertencia a ambos pois estava ligada a uma necessidade comum e fundamental: a de "tornarem-se pais". A relação com a avó e mesmo com os profissionais ligados ao atendimento das necessidades especiais de Mário estavam ligadas à capacidade destes pais de se relacionarem socialmente. Sua contribuição para a família dependia também da relação de ambos, uma relação aberta para o ambiente social mais amplo.
 
Compreendi que o relacionamento destes pais vem oferecendo a base para sua continuidade enquanto família frente à situação de prematuridade que sobrecarregou a tarefa de integrar Mário ao ambiente. Como diz Winnicott (1967) cada bebê é integrado em uma família a partir, também de sua contribuição, que podemos entender como uma capacidade de responsividade, que se tornou dramática quando a família vivenciou o choque de uma criança doente. Observamos o sofrimento dos pais quando a criança que vêm não corresponde às expectativas, pois eles têm que proporcionar um ambiente familiar e mantê-lo "apesar do fato de não ser ter qualquer ajuda da criança". Ana e Pedro beneficiaram-se da experiência da prematuridade pois foram sensíveis ao que Mário necessitava em termos de confiança e disponibilidade do ambiente. Isto ocorreu pela capacidade de ambos de se identificarem com suas necessidades. Assim, a parentalidade trouxe para este casal o reencontro com suas próprias capacidades, fortalecidas e ampliadas através do que o filho necessitava. Neste ponto podemos retornar a Winnicott quando descreve a situação da união que se estabelece quando o que a família "é" abarca o que a família "faz".
 
 
 
.4 – Conclusão:
 
Procurei enfocar através desta história de vida o estabelecimento da função parental a partir da situação traumática do nascimento prematuro. Evidenciei como a memória familiar o exercício responsável da função paterna auxiliaram a mãe na reconstrução dos ideais ligados ao exercício de suas competências. Compreendi que a dinâmica instalada com o ingresso de Mário em domicílio, após a alta hospitalar, representou um momento em que o significado da internação foi reatualizado a partir da percepção do bebê como um depositário das reações emocionais ligadas à situação de risco. Pude demonstrar que, da reação ao traumatismo, na qual o bebê era percebido como uma fonte inesgotável de culpa projetada no risco iminente das situações de urgência, Ana evoluiu para uma forma de gratificação com os cuidados do filho. Essa mudança se transformou em uma fonte de suporte narcísico que incidiu diretamente sobre seu estado de humor.
 
Compreendi que a tristeza de Ana estava ligada inicialmente à dificuldade de apreender o significado dos sinais emitidos por Mário e que esta dificuldade lhe permitia associar a parentalidade de um bebê prematuro a um nível de exigência em que a possibilidade de cuidar do filho em domicílio lhe seria inatingível. Quando as reivindicações de Mário atingiram um nível de exigência em que seus esforços, sua abnegação e sacrifício foram percebidos como insuficientes, o retorno à mãe, comportamento freqüente das mulheres no pós-parto, foi revestido com uma carga de idealização benéfica. Isso lhe permitiu utilizar dos aspectos de sua história como suporte para o enfrentamento da situação.
 
Em momento posterior, subsequente ao período de participação mais intensa da avó, a presença do pai foi gradativamente sendo percebida em sua função de apoio e suporte através da qual Ana pode se reaproximar dos ideais ligados à constituição de uma família. O passado, as lembranças da infância trazidas por sua mãe, e o futuro, a família que idealizava constituir após o casamento, se integraram através de representações facilitadoras de uma experiência emocional positiva. Os aspectos disruptivos da situação traumática se esvaneceram. A história e os ideais de Ana foram os pilares nos quais o sentimento de confiança se restabeleceu. Sua mãe e seu esposo lhe proporcionaram um ambiente de cuidados que possibilitou regressões e progressões emocionais características do processo de restabelecimento de sua função parental.
 
 
 








DE VOLTA AO COMEÇO..... 
 
1 – Introdução:
 
Conheci Andréa no interior da unidade de atendimento intensivo já no início do trabalho de campo no Instituto Fernandes Figueira. Foi através de uma abordagem individual que conversamos pela primeira vez e neste encontro me chamou atenção a forma como ela arrumava as roupas do bebê. Observei surpresa que as colocava em gavetas na parte inferior da incubadora e mesmo já conhecendo há algum tempo tal modelo nunca havia pensado como era possível para uma mãe "personalizar um equipamento tecnológico". Hoje compreendo que esta primeira impressão era um prenúncio de determinado tipo de internação, as de longa duração. Andréa acompanhou a hospitalização de seu filho por 230 dias (7 meses e 20 dias) e conhecê-la me possibilitou compreender uma realidade ligada a formas de interação com o ambiente de cuidados intensivos bem como sobre a situação da alta, condicionada à assistência médica domiciliar. A duração da internação condicionou o número das visitas a domicílio a quatro vezes. Porém, conduziu a observação sobre a questão do humor materno para uma situação específica, ligada ao cuidado com prematuros portadores de doenças respiratórias, permitindo o aprofundamento do conhecimento sobre o impacto da dependência da oxigenioterapia durante o período da internação e no ingresso em ambiente doméstico.
 
Esta mãe foi encaminhada, após atendimento de emergência no hospital Miguel Couto, para o Instituto Fernandes Figueira apresentando descolamento de placenta, hipertensão arterial e toxemia[65] como indicações para a realização de um parto cesáreo. Seu filho Paulo nasceu prematuro com 30 semanas e 3 dias, pesando 1.230grs.[66] recebendo o diagnóstico e o tratamento terapêutico indicado para a Doença da Membrana Hialina que, configurando uma situação clínica grave, indicou a necessidade de se realizar manobras de reanimação[67] na sala de parto.
 
Como a Doença da Membrana Hialina é uma patologia respiratória[68], os procedimentos de reanimação visavam a assistir à insuficiência no pulmão de Paulo em manter uma troca de gases adequada com o ambiente extrauterino. As trocas gasosas consistem na eliminação de gás carbônico e captação de oxigênio e são realizadas no interior da unidade alveolar dos pulmões e correspondem ao processo biológico da respiração. Este processo depende de uma complexa interação de sistemas fisiológicos coordenados por respostas que se retroalimentam sendo que, em condições patológicas ligadas ao sistema respiratório esta homeostasia fica comprometida. Tal panorama clínico é ricamente ilustrado pela literatura médica especializada em neonatologia pois as patologias respiratórias são as principais responsáveis pela morbidade e mortalidade do período neonatal e também pela maior parte das admissões em Unidades de Tratamento Intensivo (Moreira e col., 2004, Singer 1997, Mello e col., 2005). Quando abordadas em termos de sua incidência, apontam para fatores maternos como os presentes no sumário de admissão de Andréa e que são os da infecção (consta no prontuário uso de antibióticos durante a gravidez) os sinais de sofrimento fetal (que podemos relacionar ao descolamento prévio da placenta) e a idade gestacional. Este último aspecto, o da idade gestacional, compromete a sobrevivência extrauterina pela imaturidade do sistema respiratório sendo que, também, e especialmente, pela dependência para o desenvolvimento das funções pulmonares do líquido aminiótico (Costa e col., 2004). No período neonatal a imaturidade estrutural e funcional do sistema respiratório está associada a predisposições anatômicas que geralmente evoluem para uma melhora com a idade, podendo ser representada como uma corrente formada por elos hierarquicamente dependentes (Carvalho e col.2003) na seguinte sequência: Sistema Nervoso-Coluna Vertebral-Sistema Neuromuscular-Tórax e Pleura-Vias Aéreas Superiores-Sistema Cardiovascular-Vias aéreas inferiores.
 
Desta forma, o nascimento de Paulo com 30 semanas e o diagnóstico de Doença da Membrana Hialina nos remete as patologias respiratórias que possuem uma causa pulmonar estando sua patogênese associada a um comprometimento do desenvolvimento do sistema respiratório característico de determinada idade gestacional. Tal patologia está ligada a interrupção do desenvolvimento pulmonar in útero em um estágio conhecido como sacular[69] sendo que o ingresso na fase seguinte, e última do período gestacional, a alveolar, não se realiza. Esta interrupção significa que as células, pneumócitos II[70], do tecido interno da unidade alveolar ficam comprometidas em sua função de produzir uma substância chamada de surfactante. Esta substância é responsável pela expansão dos alvéolos durante o movimento da respiração ligado à inspiração e o comprometimento de sua produção é a causa primária da Doença da Membrana Hialina implicando, principalmente, na diminuição da complacência pulmonar. A complacência pulmonar se refere às propriedades elásticas do sistema respiratório que correspondem à capacidade das fibras, células epiteliais, endoteliais e cartilagem presentes nos tecidos dos pulmões e do tórax de aumentar em volume conforme a pressão do ar inspirado. Quanto maior a pressão gerada pela musculatura respiratória maior o volume de ar inspirado. Assim, um tecido mais distenível possibilita maior complacência e um tecido mais rígida menor complacência. Portanto, as funções fisiológicas do surfactante estão ligadas à redução da tensão superficial alveolar, com o aumento da complacência do pulmão e a redução do trabalho de expandi-lo a cada respiração, bem como evitar o edema pulmonar[71] mantendo os alvéolos secos. Desta forma, a insuficiência na produção de surfactante apresenta o risco de levar os pulmões a um volume mínimo e conseqüentemente a colabar[72].
 
Prosseguindo com o foco na relação entre prematuridade e patologias pulmonares encontramos, como já descrito acima, que Paulo ao nascer recebeu a terapêutica indicada para seu quadro clínico, o da Doença da Membrana Hialina, ou seja, foi submetido a manobras de reanimação que incluíram a ventilação mecânica mais o tratamento com surfactante pulmonar[73] (no total Paulo recebeu 3 doses de surfactante). Segundo o Ministério da Saúde (1994) a forma de administração do oxigênio varia de acordo com a gravidade do caso e se apresenta basicamente de 3 maneiras: com capacete (Hood), em que o oxigênio se concentra em um espaço em torno da cabeça do recém-nascido. Oxigênio com pressão positiva, Continuous Positive Airway Pressure, CPAP e Ventilação mecânica. Esta última, foi utilizada na sala de parto como parte das manobras de reanimação de Paulo, e consiste em um procedimento reconhecidamente classificado como invasivo (Moreira e Lopes, 2004b) mas que busca otimizar as trocas gasosas. A ventilação exige intubação ou traqueostomia[74] e seu objetivo é o de suportar a respiração até que o paciente possa fazê-lo adequadamente e por si próprio. Pode ser necessária durante o cuidado imediato da criança asfixiada ou apnéica, antes da avaliação e transporte para o berçário ou por períodos prolongados para tratamento de insuficiência respiratória.
 
Paulo, a partir do diagnóstico da Doença da Membrana Hialina e das manobras de reanimação na sala de parto evolui para o desenvolvimento de uma Broncodisplasia. Temos em Taghizadeh e Reynolds (1976) que a Broncodisplasia que se segue a Doença da Membrana Hialina possui como principal fator o trauma mecânico para o pulmão do uso excessivamente alto (maior que 35 cm) da pressão de oxigênio utilizada durante a ventilação mecânica. A utilização do oxigênio apresentaria dois grandes riscos: o da retinopatia da prematuridade[75] e a Broncodisplasia, e, em relação a esta última o oxigênio em grandes concentrações seria tóxico para a árvore brônquica e seu uso prolongado poderia levar à lesão do epitélio com desenvolvimento de inflamação, bronquite e fibrose pulmonar. Desta forma, a Broncodisplasia está ligada a um dano pulmonar crônico secundário ao manejo ventilatório sendo que os casos mais graves poderiam evoluir para uma insuficiência respiratória irreverssível. Este paradoxo, no qual a terapêutica indicada, no caso a ventilação mecânica, se associa a uma condição crônica, a Broncodisplasia, é característico do desenvolvimento tecnológico produzido pela assistência intensiva à prematuridade que por um lado reduziu o índice de mortalidade e por outro produziu novas patologias. Este panorama, o das investigações sobre as seqüelas associadas aos procedimentos intensivos, quando ligado ao quadro clínico da Broncodisplasia, foi inicialmente apresentado a partir da década de sessenta por Northway e col. (1967) com descrições de investigações sobre exames anátomo patológicos, clínicos e radiológicos encontrados em pulmões de recém-nascidos prematuros submetidos a ventilação mecânica.
 
Da classificação inicial da Broncodisplasia proposta por Northway, ligada a uma gradação de severidade, do grau I ao grau IV, pesquisadores iniciaram um processo de avaliações e propostas para sua redefinição nosográfica que leva em conta a dependência de oxigênio em dias e a percentagem de sua pressão inspirada (FiO2). Bancalari e colaboradores (2003) propôs nova definição para a Broncodisplasia justificando que contemporaneamente, com a introdução de esteróides no pré-natal, terapias com surfactante e a inovação tecnológica da ventilação mecânica as formas "clássicas" de sua apresentação seriam menos comuns. Propõe então, o uso deste diagnóstico somente para a descrição de casos mais graves, os de grau IV, conforme a classificação de Nortway. Bhering (2004) nos demonstra que através do consenso realizado pelo National Institute of Child Health and Human Development e pelo National Heart Lung and Blood Institute mantêm-se o nome de Broncodisplasia para diferenciar esta doença de outras doenças pulmonares crônicas que surgem em períodos posteriores ao neonatal e durante a infância. Segue, portanto, sua categorização em leve, moderada e severa conforme a necessidade de oxigênio e fração de oxigênio inspirado, por ocasião da trigésima sexta semana de idade gestacional ou por ocasião da alta hospitalar. Reconhecida como uma patologia que nos últimos 15 anos (Martin, Walsh-Sucks, 1999, Farrel, Fiascone, 1997), para o continente europeu e americano, é a principal causa das doenças pulmonares crônicas, produz alta taxa de reinternação e expressiva taxa de morbidade e mortalidade. Investigações recentes têm indicado uma variedade de fatores de risco pré e pós-natais para seu desenvolvimento sem que exista um total esclarecimento quanto à sua ação, ou seja, se são fatores que possuem uma ação direta ou indireta em sua etiologia[76].
 
No sumário neonatal de Paulo encontramos que a assistência respiratória recebida durante o período de internação medida em horas foi de: Capacete (Hood) 336hs, CPAP nasal, 1.104 hs, Respirador (Ventilação Mecânica) 408 hs e Cateter nasal, 3.696 hs. A alta hospitalar se dá a pedido da família e condicionada à internação domiciliar, indicada especificamente pela necessidade de oxigenioterapia. Quando somos remetidos a internação domiciliar de uma doença que se desenvolveu de forma crônica, como no caso da Broncodisplasia de Paulo, temos a oportunidade de conhecer um processo que se desenvolve em torno da necessidade de uma mudança de paradigma que até então norteou a construção de determinada forma de organização política, econômica, cultural e assistencial na rede pública de assistência. Podemos então nos aproximar de propostas que buscam reorientar os investimentos que prioritariamente eram destinados à instituição hospitalar[77] e o conhecimento sobre as doenças transmissíveis para um panorama, ainda em construção em nosso país, que é o da assistência à doenças crônicas.
 
A Organização Mundial de Saúde (2003) possui uma proposta para o fomento de inovações no cuidado de condições crônicas justificadas pelo reconhecimento de seu vertiginoso aumento na contemporaneidade mas também e, principalmente, porque as mesmas representam um risco de descompasso entre as demandas desta população e a assistência oferecida pelo sistema de saúde [78]. A inovação diz respeito a idéias, métodos e programas para modificar a forma de prevenção e gestão das condições crônicas visando a integração e harmonia dos níveis micro (interação com o paciente e família), meso (dos prestadores e da comunidade) e macro (política de assistência) na reconceituação das condições crônicas. Assim as intervenções seriam dirigidas a família, a qualidade de vida do paciente, seu ambiente doméstico e a comunidade.
 
Perroca (2004) ao investigar sobre a implantação e a organização do Programa de Internação Domiciliar no Brasil nos apresenta uma característica que julgo importante para a compreensão da experiência de Andréa com a internação domiciliar de Paulo. A autora se refere à história deste tipo de assistência em países desenvolvidos que se iniciou através da camada mais envelhecida da população e com cuidados paliativos de pacientes terminais e, de como no Brasil, a mesma está ligada a uma forma particular de abordar a questão sobre a desigualdade no acesso da população ao sistema de saúde. Para a população de baixa renda, frequentemente excluída da assistência institucional (hospitalar), a assistência domiciliar seria uma alternativa dirigida a ampliar as possibilidades de acesso a assistência conforme propõe, desde 1994, o Programa de Saúde da Família. Embora este programa se realize através de visitas domésticas, estas se dão conforme um modelo de prevenção e promoção da saúde não estando ligado a realidade daqueles que necessitam de cuidados especializados como os da dependência e uso de equipamentos de alta tecnologia e serviços de reabilitação em domicílio. A autora se posiciona então a partir da perspectiva de que a internação domiciliar está um estágio incipiente. Neste sentido Sila (2005) ao avaliar a implantação e o funcionamento do Programa de Internação Domiciliar conforme sancionado pela Lei 10.424 pelo Ministério da Saúde (2002) em 3 municípios do estado de São Paulo identificou elementos importantes deste modelo em relação às formas de utilização e organização de tecnologia em ambiente doméstico. Utilizando-se de uma definição sobre a classificação de tecnologia oriunda da obra de Merhy[79] (1997) conclui que nas internações domiciliares investigadas são as tecnologias leves as preponderantemente utilizadas o que reafirma o caráter da otimização do vínculo estabelecido entre cuidador, usuário e equipe, ratificando a qualidade da assistência humanizada, mais do que apresentando possibilidades de se avaliar o impacto da utilização de tecnologias leve-dura, ou dura, neste tipo de assistência.
 
Assim, a internação domiciliar de Paulo está mais próxima de uma forma de assistência fornecida pelo setor público que podemos compreender como sendo a de uma transição entre um modelo de prevenção e promoção da saúde, como o Programa de Saúde da Família e aquele que poderá se desenvolver, adequado ao modelo do Programa de Internação Domiciliar, de forma especializada em relação à assistência de determinado tipo de clientela. Neste sentido, é a especificidade da internação domiciliar de prematuros egressos de unidades de tratamento intensivo que se apresenta como um território a ser progressivamente ocupado. A população de prematuros com problemas pulmonares crônicos após a alta hospitalar e durante a internação domiciliar, apresenta problemas neurológicos, de alimentação, de crescimento e alto índice de rehospitalização (McLean, 2000, A.A.F.F. 1989) sendo, porém, que pouco se conhece sobre o impacto para suas famílias, da dependência em domicílio da oxigenioterapia (Singer, 2003).
 
Se uma das características da internação domiciliar é a de ser uma opção, e não uma imposição à família, pelo fato de que sua realização depende de um processo no qual seus membros participem de forma ativa na função de cuidadores, temos que o manejo e o conhecimento sobre os cuidados inerentes ao uso da tecnologia dura em domicílio podem conter em si, situações de risco ligadas a problemas sociais, culturais, econômicos e emocionais que determinam a forma de adesão a este tipo de assistência. Torna-se claro, portanto que não pode existir uma transferência integral aos cuidadores (WHO, 1998) mas um balanço entre a responsabilidade pública e a familiar na prática deste tipo de assistência. Desta forma, aproximamo-nos de estudos sobre a demanda de apoio e suporte (Kirk, 1998) ao grupo familiar no sentido de se estabelecer também uma melhora da qualidade de vida dos cuidadores evitando focalizar o usuário como o único objeto de intervenção o que reproduziria, em domicílio, a lógica hegemônica do modelo hospitalocêntrico, curativo e individual.
 
Neste sentido, a utilização de equipamentos tecnológicos em domicílio é um fenômeno social (Pascale et al., 2004), primeiro porque, no caso dos cuidadores, há um estímulo, um projeto de participação na utilização e manuseio de equipamentos, segundo pelo fato de que a tecnologia é transferida da instituição hospitalar e introduzida em uma variedade de espaços produzindo formas de interação caracteristicamente associadas a determinadas doenças. Assim, os usos de tecnologia ligada aos cuidados com a saúde implicam não somente a educação e esclarecimento sobre sua utilização, mas é, principalmente, sua integração e uso em diversos espaços privados que são "avaliados" no sentido de se manter e otimizar a recuperação através da internação domiciliar.
 
 

2 – O suporte familiar – Uma mãe não existe sozinha.
 
 
As primeiras impressões que tive sobre a forma de organização familiar de Andréa partiram de iniciativas em relação ao retorno para o Rio pois, desde o casamento, morava em Recife. Ela e o esposo questionavam a existência de recursos no casamento recente (próximo ao modelo de família nuclear[80]), para fazer frente ao acompanhamento da recuperação de Pedro. Foram estas dúvidas elaboradas na relação entre o casal e a família de origem de Andréa, composta principalmente pela linhagem matrilateral (avó viúva, mãe, irmãos, cunhadas, tias e primos), que inicialmente me orientaram em relação à compreensão sobre as fontes de apoio e suporte recebidos por ela, o marido e o filho neste período de tempo em foi realizada a observação.
 
Eu moro em X (capital de um estado do nordeste brasileiro), sou relações públicas e vim para cá em dezembro para visitar meus pais, aí minha pressão subiu, fui a um médico fiquei em repouso, depois a placenta descolou e ele nasceu. Seus pais são daqui do Rio? São e eu fui para X a pouco tempo, um ano, com o casamento, quando eu me lembro que a um ano atrás minha vida estava assim tão diferente, e que agora.
 
Por exemplo semana passada ele já não era mais um recém-nascido de risco, mas foi só o pai voltar para X ele piorou, não quero pensar assim mas parece que nós temos de ficar aqui no Rio.... Meu marido fala que nós temos de ser fortes, segurar a barra, o quê os chefes dele vão pensar porque o bebê está internado e aí ele muda para o Rio, sei que uma transferência não é assim, mas acho que ele está sendo covarde, o chefe dele não sabe o que está acontecendo, ele disse que o Paulo está aqui só para pegar peso, mas não é assim, por isso acho que foi covarde.
Para piorar promoveram a mim e a meu marido, sabe assim, proposta irrecusável, dele vir uma vez por mês ficar uma semana, e para mim ofereceram para eu ocupar o lugar dele lá quando voltarmos o que vai dobrar nossos salários.
 
Meu marido está vindo para o Rio, o chefe dele reconheceu que havia plano para nós no Nordeste, mas que diante da situação ainda falei se quando isso acontecer a gente não podia ficar revezando aqui na UTI, dele ficar um pouco aqui, aí veio toda aquela história de que se ele não sair para trabalhar quem vai pagar as contas.
 
Também agora para ficar com uma tia e minha avó morando comigo, eu sei que não foi também o que eu imaginava para mim, sei lá em termos de privacidade, da minha privacidade, mas nela eu posso confiar, esta minha tia ficava comigo quando eu era criança para minha mãe trabalhar, ela sempre ficou com as crianças da família.
 
 
Bilac (1978) nos diz que a família possui ciclos de vida caracterizados por dinâmicas entrelaçadas a sua inserção na estrutura social e que existiriam dois estágios ordenadores em relação aos quais poderíamos observar seus movimentos de expansão. O primeiro vai do início da vida conjugal até o término da procriação. O segundo, o da dispersão, inicia-se com o casamento dos filhos, sendo marcado pela fragmentação gradativa do núcleo familiar original. Desta forma, Andréa retornava ao convívio direto com a família de origem em uma etapa em que, através de seu casamento e dos de seus irmãos, realizados anteriormente, esta já teria ingressado no ciclo da dispersão. Entretanto, tal retorno ao núcleo de origem não significou reencontrar sua forma de organização original, pois nesta havia uma estrutura de funcionamento próxima ao modelo tradicional[81]. Foi, sim, o estabelecimento de um processo de ampliação, através da incorporação de indivíduos isolados (tia e avó) da unidade original em dispersão. Instaurou-se, portanto, uma forma de funcionamento ampliada que pode ser reconhecida como transitória e que foi necessária para a organização da vida desta família nuclear. As relações sociais internas e externas se diversificaram a partir da criação de soluções para situações problemáticas que envolviam os ciclos de vida de ambos os núcleos, o do grupo original com elementos em dispersão e o da família nuclear composta pelo casal e filho. Comumente se utilizava (Both, 1976) da diferença entre a forma de organização econômica (divisão de trabalho) característica das sociedades industriais urbanas das existentes em sociedades rurais para se caracterizar os relacionamentos das famílias com o meio social imediato. Uma família urbana teria mais liberdade, estaria mais próxima da individuação (separação, distinção e autonomia) e do isolamento do que famílias em sociedades menores, como as rurais. O controle social das famílias urbanas geralmente está fragmentado entre várias agências de forma que nenhuma delas tem o poder do controle contínuo. Observei nesta família entretanto uma oposição à tendência que descreve os grupos familiares urbanos industriais como isolados (Both, 1976) através da compreensão sobre as forças que afetaram a conectividade do núcleo ampliado de Andréa com as redes sociais[82]. Primeiramente percebi que, a partir das relações estabelecidas com o meio social imediato, se estabeleceu uma diferença entre seu modo de funcionamento e o do núcleo familiar original constituído por sua avó. A diferença foi a de que no núcleo familiar original, as relações se realizavam diretamente com a área local[83]. Já no grupo da família nuclear ampliada estas se davam a partir de uma rede maior de relações sociais.
 
 
Estou esperando meu marido e minha tia nós vamos ver uma casa para alugar. Vamos levá-la também porque quero que ela sinta que não é uma empregada, é uma pessoa da família, de confiança que vai me ajudar, vai ficar comigo e com o meu filho. Ela também cuida da minha avó, ela foi a filha que não saiu para trabalhar, ficou cuidando dos aluguéis da minha avó e dela. A história dela é meio triste porque é mãe solteira, o filho dela teve tudo, tudo que você pode imaginar, mas agora, se meteu com esse conflito (entre duas favelas da zona sul do Rio de Janeiro) e está perdido, então vai ser bom para ela, para minha avó e para nós. É um outro ambiente.
 
E teve esse mês o problema de X (favela), minha tia não fala nada com a gente, mas o filho dela deve está matando né. Quando a namorada dele liga ela diz que está muito triste, mas para nós ela não reclama, não diz o que sente. Agora, foi assim questão de um mês a minha família perdeu tudo, impressionante, tudo que nós tínhamos, foi até bom que a minha avó nem soube, meu primo tinha gasto assim uns 20 mil na casa dele, colocou janela, porta, tudo direitinho com acabamento e tudo, e entraram batendo, bateram na cara dele, atiraram no quintal, diziam para os inquilinos não pagarem o aluguel. Eu falei gente podia ser pior, pelo menos todo mundo saiu vivo, a minha avó alugava as casas vivia disso, e agora, sabe o que é perder tudo? Me lembro da minha casa lá, depois os meus pais já tinham comprado um apartamento mais aqui para baixo, mas eu fui criada lá, era uma casa grande, depois minha mãe aumentou, eu estudava assim nesta parte de cima, era muito legal.
 
Meu marido foi ao congresso na semana passada, para homem é mais fácil né, é só levantar e ir, mas eu vou também, preciso ir, falei com a minha mãe que ela não pode ter medo de ficar com o neto, eu quero ir, e a minha tia falou que cuida dele de A a Z. A medicação (ela cita os remédios que ele tomava e que foram suspensos, inclusive os da madrugada) não tem mistério, e a minha casa tem ficado cheia mesmo nos finais de semana, virou o point da família, com tudo isso que aconteceu eles se sentem seguros aqui, é um outro local, vêm meus irmãos, o mais novo que a namorada está grávida, ri, ela também fica com o Paulo para mim. Até meu irmão mais velho, aquele que tem um filho autista, aquele que estava assim com a mulher, se lembra? Veio para cá, conversamos, ele estava assim meio se separando, eu disse que ele podia ficar.
 
 
Esta forma de organização se aproxima de uma estrutura de funcionamento em que a família nuclear está encapsulada na esfera dos assuntos domésticos dentro de uma estrutura de parentesco[84] onde os vínculos interpessoais formam uma rede de relações com o meio social imediato, mantida por uma forma de circulação de trocas e suportes afetivos. Ao observar esta forma de circulação pude compreendê-la como oposta a modos de funcionamento tipicamente descritos como o das famílias urbano-industriais. Nessas os nos membros se individualizam e paradoxalmente se isolam. Há nelas uma reorientação dos investimentos libidinais (Slate, 1974), primeiramente centrados na formação do casal e, em um segundo momento, dirigidos ao grupo familiar mais amplo, e, numa visão utilitarista (Mortensen, 1988) que reduz as diferentes formas de circulação nas redes familiares à economia funcional das necessidades. Compreendi que a família observada se opõe à posição em que a dádiva[85] não se aplica a relações tão íntimas quanto as familiares mas, somente a agentes autônomos e independentes, cabendo à família a noção de partilha (Cheal, 1988).
 
Desta forma, a partir da consideração de que o grupo familiar (Goldbout, 1999) é o lugar básico para a dádiva, o lugar onde ela é vivida com mais intensidade e inclusive o lugar onde se faz o aprendizado dela, pude compreender que nas trocas familiares de Andréa, sua circulação se processava em múltiplos registros. A ampliação de seu núcleo familiar não representava submissão ao controle da família original, mas sim uma reaproximação, necessária para resolução dos problemas ligados a saúde de Paulo, de um sistema de trocas conforme estabelecido pelas dádivas de transmissão. Ao ligar as gerações de sua família de origem o problema de saúde de Paulo sustenta o suporte afetivo necessário ao equilíbrio das relações.
 
O casamento de Andréa era fonte de continuidade para uma tradição transmitida pela avó materna, caracterizada por um forte de vínculo afetivo entre os membros da família e destes com determinada doutrina religiosa. Andréa, como a maior parte da família, era uma Cristã Nova, uma adepta da Religião de Deus.
 
 
O espiritualismo é diferente de espiritismo, porque no espiritismo tem aquela coisa da sessão, da incorporação, no espiritualismo não, é o evangelho. O meu marido tem Zarur no nome foi uma homenagem. Na minha casa foi a minha avó que começou a participar da Legião Brasileira da Boa Vontade, bem no início de sua fundação e hoje ela não vai mais porque está esclerosada então todos lá em casa participam, todo mundo, minha mãe, meu pai, que também era de lá desde solteiro, minhas tias. E aí quando a LBV cresceu, eu fui trabalhar lá, eu trabalhava na rádio da LBV, tinha contato com várias pessoas da imprensa, do governo, de outras entidades, era muito bom. Meu marido também trabalha na LBV, só que ele é pastor, quer dizer realiza os cultos, eu sou do setor de comunicação, a LBV orientou muito a minha família, dando oportunidade de emprego, de trabalho, mas eu como tenho curso superior ocupei assim esse cargo. Lá em casa, ela e a minha tia, fazem almoços comunitários, vão lá para casa, ajudam meu marido com as coisas da igreja, da comunidade que ele tem de cuidar pois estamos em um local novo.
 
Tem agora no final do ano um congresso da LBV em Brasília que eu vou, não quero nem saber, vêm pessoas de todo o mundo, de outros países, vêm assim cientistas mesmo, pessoas que vão falar de forma científica assim sobre a vida depois da morte.
 
Ontem fui a um culto, meu marido foi avisado que o Dr. Bezerra de Menezes ia incorporar um médium em um culto e que todos os interessados poderiam ir, teve dia, hora, tudo marcado para consultas. Foi também um evento coberto pela rádio, pela LBV, com transmissão ao vivo. Chamaram, na nossa vez, ai meu Deus que paz, ele falou, "Deixa que nós vamos cuidar dele". Então tenho certeza de que tudo vai dar certo, não estou com receio de nada, passei o que tinha de passar e ele também, pronto. Encontrei lá as pessoas que trabalhavam comigo na rádio aqui, na época antes d'eu ir para Recife, pude ver como o sobrenome da minha avó, que eu herdei, que é da minha família, vingou e frutificou na LBV. Minha avó catava papel na rua. Foi na LBV que ela pode não se sentir mal com isso, que colocou toda a família no caminho do bem, tem esse meu primo, o que vai se fazer? Mas ele teve orientação. Lembro do meu irmão novinho, ele e eu, a gente ajudando em trabalhos comunitários, em fazer sopa, eu com uma faca sem corte cortando os legumes, ajudando nas obras de caridade.
 
Minha primeira visita foi marcada pela ansiedade natural de ir pela primeira vez em um bairro da região metropolitana do Rio, entretanto é interessante relatar que fui guiada pelas informações de Andréa de que sua casa ficava perto de um Shopping. Mas segundo o motorista de táxi, o mesmo que me acompanhava em todas as visitas domiciliares, na cidade havia 3. Ficamos perdidos durante um tempo perguntando sobre a tal rua, dando voltas o motorista de táxi, já irritado com a minha ignorância resolve perguntar a dois rapazes: – O campeão você sabe onde é a rua X? – Peraí, eu sou daqui, mas o nome das ruas assim eu não sei, deixa eu ver no mapa. Surpreendentemente tirou um mapa do bolso. Rimos muito, o motorista e eu e prometi que esta nossa experiência seria descrita. Encontrada a rua e tive dificuldades pois chegando ao número me vi diante de uma casa de dois andares, fiquei um pouco confusa no início pois achei que se tratava de uma casa só para depois perceber que na parte de cima, no segundo andar, tinha uma entrada independente, porém foi a imagem de Jesus Cristo, a que a LBV divulga como sua marca, que me deu a certeza de que havia chegado. Ao chegar fui recebida por Andréa e começamos a conversar. Fui ao congresso e trouxe essa revista para você, esta foto é a do templo. Paiva Neto, quando o templo foi inaugurado, ao abrir as portas falou, entrai a humanidade foram as crianças as que primeiro entraram porque elas representam a humanidade. Minha avó sempre me levava, eu era uma "Soldadinho de Deus". Essa sala, aponta para uma foto da revista, tem uma espiral você entra na fila e conforme vai andando em espiral seus pecados, seus pesos, vão sendo deixados para trás e depois você fica no centro sob um cristal. Foi o cristal doado, já estava sendo esperado, foi uma premonição divina, e é o maior cristal branco encontrado em todos os tempos, e então a gente fica debaixo dele. Essa outra é a sala egípcia. Porque os egípcios acreditavam na vida depois da morte. O Paiva Neto fala em ecumenismo porque a LBV é aberta à participação de todas as religiões. Você não precisa ser da LBV para participar dos cultos. Fiquei sentada nesta cadeira (foto) meditando, pensando. Também fui, conta o marido, fiquei lá em outro astral. Essa é a fonte de água (foto). Eu trouxe a água para o Paulo que está tomando todos os dias. Essa imagem de Jesus (foto) eles já sabiam que ia ser doada e desta fonte jorra água benta.
 
 
Alziro Zarur foi um radialista que em 1949 começou a realizar um programa religioso na Rádio Globo, "A hora da boa vontade", dedicado às pessoas a quem chamava de "emparedadas" e para as quais procurava dirigir uma palavra de consolo. A Legião da Boa Vontade, LBV, foi fundada em 1950 no Rio de Janeiro, apresentando a proposta de promoção de um diálogo entre as diversas religiões. Essa iniciativa possibilitou, na época, a adesão de várias lideranças, o que foi denominado como sendo "A Cruzada das Religiões Irmanadas". No mesmo ano editou-se também a Revista da Boa Vontade (Netto, 1998). O legionário ou associado, ao se envolver em atividades de caridade, preenchia em sua ficha de inscrição sobre a religião que professava. A entidade era então um espaço de convivência pacífica de pessoas de religiões diferentes, em torno de causas comuns como solidariedade e fraternidade. Em 1958, Zarur abandonou o projeto do Ecumenismo[86] alegando falta de preparo dos participantes para o mesmo. Concentrou a atuação da LBV na promoção da caridade, fomentando a criação, em todo o Brasil de grupos particulares de legionários que, como associados, faziam caridade e obras sociais. Criou um partido político, Partido da Boa Vontade[87], com a intenção de candidatar-se à presidência da República. Pouco a pouco Zarur foi forjando um estilo religioso da LBV, pregando a Bíblia através de seus programas de rádio com interpretações pessoais. Propôs uma doutrina que constituída basicamente pelo espiritismo kardecista[88] e pelo cristianismo, através da ênfase no enfoque bíblico do Apocalipse[89] (Netto, 2005) e o amor fraternal pregado por Jesus. O amor é considerado um roteiro para que a humanidade alcance o patamar no qual possa ser denominada uma sociedade solidária. Os cristões do Novo Mandamento são considerados parte de um só rebanho com um só pastor e soldados da paz de Deus na Terra com a missão de preparar a volta triunfal de Jesus ao planeta conforme a interpretação bíblica realizada por Zarur que acreditava ser a reencarnação de Moisés, Elias, João Batista e Alan Kardec.
 
Foi somente em 1973 que a instituição religiosa, Religião de Deus, foi proclamada por Zarur pois antes sob o nome da LBV se exerciam tanto funções de caráter religioso como filantrópico. Somente em 1983, após a morte de Zarur, Paiva Netto seu assessor durante 23 anos, assumindo o cargo de diretor presidente da LBV, que a mesma foi oficializada. Assim, LBV e Religião de Deus tornam-se duas instituições ecumênicas que se propõem a atender às carências fundamentais da "criatura humana" através da religião do espírito (Religião de Deus) e da dinâmica de ação e reforma humana e social (LBV). Da convergência dessas ideias nasceria uma política de Deus para os homens e para o espírito dos homens fundamentada por uma doutrina baseada nos seguintes pilares: A volta de Jesus ao Planeta Terra; formação de um rebanho único; união consciente entre o mundo material e o mundo espiritual e necessidade de se viver sob a ética da solidariedade. Desta forma então, os Cristãos do Novo Mandamento[90] desfrutariam de uma nova realidade terrestre "um novo céu e uma nova terra" em melhores condições pois o planeta passaria da categoria de "provas e expiações" para ser o planeta da "regeneração". A partir de 1993 as igrejas da religião de Deus deram início ao trabalho de imposição de mãos (passe) começando com a institucionalização desta prática mais frequentemente através de cultos nos quais se mantêm contato com os entidades conhecidas pela religião espírita no Brasil[91].
Contemporaneamente a LBV e a Religião de Deus possuem atividades educacionais, culturais e filantrópicas possuindo reconhecimento da Organização das Nações Unidas desde 1999 como uma Organização Não Governamental, quinta maior do mundo e a maior da América Latina. Desde 1994, possui o status de membro consultivo geral no Conselho Econômico Social desta entidade. Atua em âmbito internacional (Brasil, Portugal, Argentina, Bolívia, Paraguai e Estados Unidos da América) e no Brasil opera através de um complexo sistema de comunicação que integra diversos tipos de tecnologia[92]. Possui campos de atuação divididos em 3 pólos: 1) Educação, Cultura e Espiritualidade; 2) Promoção Social e Humana; 3) Formação da Cidadania Ecumênica.
 
Podemos compreender que a avó de Andréa, uma catadora de papéis, através de sua relação com os primórdios da atuação de um núcleo da LBV na favela onde residia, vivencia uma experiência de interação social que lhe possibilita, de forma estratégica, não ingressar em uma condição de marginalidade estigmatizante por sua situação de extrema pobreza. Para ser aceita como Legionária da Boa Vontade[93], aderiu a obrigações, exigências e deveres que podemos observar reproduzidos por este grupo familiar. Como cristã do novo mandamento estaria sempre disposta a: 1 – Auxiliar seus irmãos de todos os credos religiosos esclarecendo-os na prática de acordo com o Novo Mandamento; 2 – Moralizar seus pensamentos e palavras aprimorando suas ações e compreendendo as fraquezas alheias; 3 – Inscrever pelo menos um de seus melhores amigos como Cristão do Novo Mandamento; 4 – Fazer todo o Bem por amor ao Bem sem esperar recompensa dos homens; 5-Declarar legalmente sua crença; 6 – Estudar a Bíblia Sagrada (Velho e Novo Testamento) principalmente as Diretrizes Espirituais da Revelação de Deus sob o critério altruístico do CEU (Centro Espiritual Universalista); 7 – Manter conduta pessoal inatacável; 8 – Comparecer às reuniões, cruzadas, congressos e integrar, sempre que possível, a caravana da Boa Vontade; 9 – Contribuir mensalmente de forma financeira para a religião; 10 – Fraternalmente, advertir que o desempenho de sua sagrada missão é a da preparação para o final do ciclo apocalíptico.
 
Esta experiência foi transmitida às gerações seguintes estando muito próxima, do que Rabelo (1993) apresenta como sendo a negociação de significados em realidades construídas intersubjetivamente quando se analisam as relações entre as classes populares e a religião. Seguindo esta proposta podemos compreender que o ingresso das gerações seguintes na Religião de Deus foi possibilitada principalmente por uma constante negociação, confirmada no cotidiano familiar, ligada aos projetos de cura[94] presentes no cristianismo e kardecismo, pilares da doutrina na Religião de Deus. Para a autora, a relação entre os símbolos religiosos e a vida social não pode ser definida a priori por significados inerentes aos símbolos, mas como um processo estabelecido no curso de eventos concretos nos quais os indivíduos se apropriam, confrontam e reinterpretam os símbolos, a luz de determinados fins e interesses. A religião então é abordada sob a perspectiva da experiência da religiosidade pela forma nas quais seus símbolos são vivenciados, continuamente, resignificados através de processos interativos concretos.
 
Desta forma, não poderíamos compreender o retorno de Andréa à proximidade de sua família de origem como um modo de funcionamento que sugere uma ligação entre o sistema de parentesco e a religião? Esta ligação não seria encontrada nas trocas e circulação do apoio e suporte familiar ao impacto emocional produzido pelo nascimento prematuro de Paulo para o humor de Andréa?
 
Sua avó se casou de forma tradicional[95] com outro legionário e, para a geração que a sucede ainda são os trabalhos ligados a subempregos a forma de sustentação econômica principal sendo que a relação com as atividades religiosas se davam a partir de suas posições enquanto praticantes. Mas seus netos, no caso Andréa, com melhores condições de acesso à escolarização, realizaram um vínculo com as atividades da religião de outra forma. Sua vida profissional foi iniciada no sistema de comunicação da LBV. Iniciou assim, a faculdade de comunicação social orientando-se para o trabalho nas emissoras de rádio ligadas a Rede Mundial da Boa Vontade. É, portanto, o primeiro membro da família a ingressar em um curso superior e possuir a mesma profissão, de radialista, do fundador, Zarur, e do atual diretor-presidente da LBV, Paiva Netto. Casou com alguém que também possui uma atividade profissional, no braço religioso da organização, ligado às atividades assistenciais e educacionais da entidade.
 
Lévi-Strauss (1979), a partir do trabalho de Franz Boas sobre os Kwakiutl, propôs um conceito novo que busca ampliar o entendimento sobre determinadas formas de organizações sociais antes abordadas somente por definições como a de tribo, aldeia, clã e linhagem. Tanto entre os Kwakiutl como na Europa dos séculos XII e XIII o uso pelos membros de uma mesma família de nomes derivados de suas propriedades tomadas por herança, tanto da parte materna quanto paterna, afirmava o caráter da residência como sendo o centro da ação política. A habitação, a casa nobre, representavam o ponto de cristalização e poderio que dali emanava. Este fato ao ser observado na forma de organização social dos Kwakiutl e na Europa é demonstrado como sendo uma estrutura invariável existente nas sociedades primitivas e que poderia ser encontrada, em suas devidas proporções, em outras formas de organização social.
 
Em todos os planos da realidade social, da família ao Estado, a casa é, portanto, uma criação institucional que permite conciliar forças que, onde quer que seja, parecem não poder aplicar-se senão com exclusão uma da outra, devido às suas orientações contraditórias. Descendência patrilinear e descendência matrilinear, filiação e residência, hipergamia e hipogamia, casamento próximo e casamento afastado, raça e eleição: todas essas noções, que habitualmente servem aos etnólogos para distinguir uns dos outros os vários tipos conhecidos de sociedade, reúnem-se na casa, como se o espírito desta instituição traduzisse, em última análise, um esforço para superar, em todos os domínios da vida coletiva, princípios teoricamente inconciliáveis. A casa realiza uma viragem topológica do interior para o exterior e substitui a dualidade interna por uma unidade externa. O que se aplica também as mulheres, ponto sensível de todo o sistema.
 
Estamos, pois, sem dúvida, em presença de uma única e mesma instituição: pessoa moral, detentora de um domínio composto simultaneamente por bens materiais e imateriais e que se perpetua pela transmissão do nome e da fortuna e dos títulos em linha geral ou fictícia tida como uma condição única desta continuidade poder exprimir-se na linguagem do parentesco ou da aliança e, a mais das vezes, em ambas ao mesmo tempo. (Lévy Strauss, 1979, 154).
 
 
Assim, para o autor a melhor etimologia da palavra família seria a próxima do sânscrito dhaman, casa (Lévi-Strauss, 1974). Ao abordar a questão do dar, receber e retribuir em sociedades primitivas, o autor contempla a questão da obrigação da troca como parte do que as casas possuiriam enquanto propriedade, a res[96] que dela fazem parte. Entretanto considera que a res não deve ter sido originalmente uma coisa bruta, um objeto simples e passível de transação, e então propõe que originalmente a mesma poderia estar contida na palavra sânscrita rah, dádiva, que seria o presente, a coisa agradável, res deveria ter sido então, antes de tudo, o que agradava a uma outra pessoa. Entretanto, mesmo este aspecto imaterial seria marcado com um selo, como sendo a propriedade de uma casa. A partir desta definição podemos compreender que existe uma forma de troca, correspondente a dádiva, entre os membros da casa de Andréa, pautada pela doutrina religiosa esse bem imaterial que permitiu a ascensão e a integração social da família e uma comunicação capaz de abrigar a todos. A coisa recebida, dada e retribuída, por ser uma forma de interação com o sagrado através da Religião de Deus, retornaria através da evolução espiritual almejada por estes Cristões Novos. Desta forma, a riqueza imaterial (simbólica) da solidariedade cuja transmissão e perpetuação se dava pela linguagem de parentesco, pode ser compreendida como uma res,uma propriedade. A relação entre religião e parentesco produziu alianças que se apoiaram no que o autor nos apresenta como sendo a noção de casa. Porém, na observação aqui apresentada, a aproximação pretendida não se realizou a partir da característica na qual existe uma relação entre filiação e residência, mas sim, a da observação de uma relação entre filiação e circulação das formas de apoio e suporte através dos vínculos afetivos.
 
Na visita familiar pude ouvir expressões de outros parentes como a tia de Andréa. Diz ela: Eu também uma vez fiquei internada bastante tempo, foi em 1981, lá no Miguel Couto. Fui ter meu filho lá, parece que eles me fecharam e deixaram uma veia aberta lá dentro deu hemorragia, aí eu fiquei lá – (Pensei na referência deste hospital para a comunidade X e mesmo para a própria Andréa quando do parto de Paulo, associei a isso também a questão de ser a situação de internação prolongada uma realidade já conhecida para esta família) – Na época um sobrinho teve pneumonia e então o pessoal da família que ia visitar, uma parte ia para visitar o sobrinho e outra para me visitar. Meu filho teve alta e eu não. Mas uma prima teve uma filha então meu filho ficou com ela, ela o amamentou porque eu fiquei um bom tempo internada (Penso em sua história como contada por Andréa como a de uma mãe solteira que recebeu o apoio da família para criar o filho). Andréa retoma seu depoimento: Estou trabalhando com jovens, orientação lá na Igreja. Então é legal porque comecei a trabalhar fazendo o meu horário e eu adoro, acho que é melhor ir devagar. Está uma delícia, eu já tinha trabalhado com evangelização, mas agora assim com os jovens é diferente. Tem também os finais de semana sempre com alguma coisa, um almoço comunitário que o meu marido organiza, algo assim que une o que a gente faz durante a semana. Muito bom.
 
 
A relação entre a esfera religiosa e a esfera de parentesco, são também dirigidas ao que Dumont (1985a, 1985b, 1997) define como sendo o "englobamento hierárquico". O autor nos apresenta que a hierarquia não é uma cadeia de ordens superpostas, de seres de dignidade decrescentes, nem uma "árvore taxonômica", mas uma relação que podemos denominar como sendo a de um "englobante-englobado". Este modo de relação pode ser compreendido como o que existe, por exemplo, entre o todo e um elemento deste todo pelo fato de que o elemento apesar de ser parte do todo se opõe de forma dialética ao mesmo, o que seria denominado como sendo o englobamento do contrário.
 
Podemos compreender que a família de Andréa ao formar uma unidade com a LBV e a Religião de Deus corresponde ao que o autor denomina como sendo uma estrutura, uma casa que possui como res a solidariedade como proposto anteriormente. Porém a oposição a esta unidade, inerente à dialética presente no englobamento do contrário, se dá a partir da interação com o mundo social diverso ao da convivência com outros cristãos. É aqui que podemos perceber que as interações a partir da solidariedade mantêm a unidade englobante-englobado. Mas, as características de relação com o "não religioso" no círculo íntimo das trocas de apoio e suporte afetivo nos permitem também observar que ao mesmo tempo em que a unidade se mantêm através da solidariedade há uma oposição a ela através da hierarquia das formas de circulação e trocas características dos vínculos afetivos. A hierarquia presente na relação entre a família com o mundo social introduz uma multiplicidade de níveis que caracterizam a dialética presente na relação entre englobante-englobados.
 
 
Mais uma vez, (ri), eu produzi um programa sobre a primavera, e era inverno. Eu namorava um menino de X (região do subúrbio do Rio), sabe quando você não se dá conta? Fiz o programa sobre primavera, sobre flores, moda primavera essas coisas. Na véspera do programa, quando já estava tudo arrumado, trabalhei até tarde na véspera. Aí no dia do programa cheguei assim já perto da hora, então vêm uma pessoa dizendo que o diretor queria falar comigo. Me puseram para fora da produção, colocaram outra pessoa no meu lugar. Passei mal, foi a única vez na minha vida que passei mal do mesmo jeito que estou passando aqui de vez em quando: minha pressão subiu, tive alergias. Aí fui para atender os ouvintes, eu gostava, me envolvia um pouco nos problemas deles mas gostava. Minha mãe falava que não era o namorado para mim, eu dizia que eu é que tinha de ver, ele não era da LBV. Mas agora eu vejo que não ia mesmo dar certo, foi coisa assim de adolescência.
 
 
Desta forma, as relações entre religião e parentesco apoiadas em concepções teóricas como as de casa e englobamento hierárquico nos possibilita a compreensão de fronteiras ligadas as condições de pertença e acesso a este grupo familiar nas quais se produziu a rede de apoio recebida por Andréa nesta unidade de tempo relativa à sua história de vida. Esta força relacional imersa na complexidade da relação do grupo familiar com a esfera religiosa exerceu uma forte influência na recuperação de Paulo, na medida em que representou para Andréa a possibilidade de interpretar sua experiência de maternidade a partir das experiências de seu grupo familiar.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 – Mães e máquinas: sobre a interação entre humanos e não humanos.
 
Durante o período de internação hospitalar e o da visitação em ambiente doméstico pude observar um tipo de relação que se estabeleceu entre Andréa e o uso da tecnologia característica do atendimento às necessidades especiais de Paulo. Andréa interagiu com máquinas. Esta relação é a que encontramos definida por Latour (1988, 1999) como a que se estabelece entre humanos e não humanos e também aquela que nos remete para uma questão muito específica: quais são as condições sob as quais a tecnologia se desenvolve? O autor nos propõe uma alternativa ao que é produzido pelas duas principais correntes da Filosofia da Tecnologia. Tais linhas de pensamento[97] são as do determinismo sociológico, na qual a tecnologia é pensada como sendo fortemente determinada por fatores sociais (interesses militares, políticas econômicas, e.t.c.). E a do determinismo tecnológico, materialista, na qual a idéia é a de que a tecnologia seria autodeterminada pela eficácia. Seguindo as ideias contidas no pensamento de Latour, Barron (2003) propõem existir uma alternativa para a dicotomia sujeito-objeto contida em ambas anteriores nas quais estaria implícito que através de princípios universais de racionalidade o conhecimento possuiria alguma experiência de realidade[98]. O autor nos apresenta que a noção de realidade não seria unívoca e que, particularmente e recentemente, tem sido relativizada através de uma assunção comum de que existiriam esferas independentes de cognição e de realidade natural.
 
Em Pandora's Hope, Latour (1999) nos propõe que a dicotomia sujeito-objeto reduz a concepção de artefato tecnológico ao caracterizar uma forma de relação através da qual impõe aos objetos "ordem e eficiência". Esta redução existiria porque os mesmos seriam ou "atuados "por humanos ou "atuariam "sobre os humanos, o que reproduz e caracteriza a dicotomia encontrada nas posições do determinismo sociológico e tecnológico. Seria preciso "libertar" os artefatos da passividade que esta dicotomia produz, bem como oferecer uma visão da tecnologia que revelaria determinadas características do humano como sendo híbridas, apontando para a instabilidade contida nas distinções sujeito/objeto, mente/mundo, natureza/cultura. Não significaria, entretanto, estender subjetividade às coisas ou tratar humanos como objetos, ou máquinas como atores sociais, mas evitar usar a distinção sujeito-objeto para a compreensão da totalidade do encontro entre humanos e não humanos. Pressupõe uma relação entre agentes humanos e artefatos tecnológicos enfatizando a maneira como humanos e actants[99], não humanos, atuam entre si, através de mediações[100], bem como a forma como são atuados por outras entidades. A relação entre humanos e não humanos é apresentada então como uma alternativa à dicotomia sujeito-objeto, fazendo retornar a questão da "coisa" para a filosofia e a sociologia de forma a não reduzi-la, em sua composição, a "matéria de fato"[101] mas aproximando-a de uma forma de compreensão ligada ao "estado de conjuntura". Latour considera o não humano como uma forma de pensar sobre como o sujeito é influenciado pela tecnologia. Segundo o autor não existiria uma maneira de entender toda a sorte de influência do não humano sobre os sujeitos através do determinismo e da objetividade. Também não poderíamos confundir o não humano com a natureza pois não existiria somente o mundo social e a natureza mas sim "coisas" de espécies diferentes a serem pensadas por uma pragmatogonia[102]. Desta forma, Latour se propõe a oferecer uma alternativa para compreendermos a capacidade psicológica dos humanos em se fixar a técnica sem entender como as mesmas foram criadas e nem como sempre foram usadas, pois o que é verdadeiro para o sujeito é verdadeiro para o objeto tornando-se uma "coisa só".
 
 
Encontro Andréa amamentando o bebê envolto em fios, ela olha para mim e diz: Agora ele não é mais rato de laboratório. Eu não pensei que ele pudesse assim mamar com todos esses aparelhos, mas fiquei com medo, fico sempre olhando a saturação do oxigênio, fico de olho ali ó (aponta para os números indicados pela máquina), porque fiquei com medo, ele mamou e a saturação caiu, eu sei que ia cair mesmo, depois não, agora tudo bem, sei que vai cair mesmo então só quando chega no limite do perigo é que faço alguma coisa, agora não paro de dar o mamá (ria, falava, e segurava o bebê nos braços manuseando bem todos os fios e manipulando o saturímetro quando este "apitava")
 
Ontem ele ficou 30 min. sem oxigênio, mas aí voltou, a médica disse "Andréa vou desligar o oxigênio se apitar me avisa". Depois ela saiu eu fiquei calma, tentei fazer ele dormir porque dormindo ele esstressava menos, mas aí ele ficou agitado e teve de voltar.
Ontem à tarde foi o maior desespero, a saturação dele caiu, foi para menos de 80 e eu fiquei apavorada, pensei: tudo de novo não! A médica veio e disse olha se ele não melhorar eu vou colocar no CEPAP está? O que eu posso fazer? Estamos aí. Fico com muito medo, depois da melhora dele voltar para o CEPAP! A minha mãe tinha vindo, tinha trazido um bolinho para festejar os 5 meses, outras avós também trouxeram, aí ela veio e a saturação dele caindo e o telefone ainda toca e era o meu marido, queria falar e eu dizendo que a saturação estava caindo.
 
Quando chego a U.T.I. vejo Paulo envolvido em uma manta no colo da enfermeira X que está sorridente. Suponho então que Andréa tenho ido "dormir fora", pois, o dia anterior foi o do aniversário do marido. Depois de alguns minutos percebo sua entrada na unidade de forma abrupta, cumprimenta a todos sorridente e agitada, observo de longe como ela se aproxima do filho que chorava muito, parece que fica difícil acalmá-lo, me aproximo em silêncio dos dois e continuo a observa-los. Andréa diz para Paulo: "Não adianta, não adianta que eu não vou me sentir culpada, não vou mesmo "Neste momento se instala um clima de preocupação pois o índice de saturação de oxigênio de Paulo cai, primeiro para 80, depois para 75 e, na medida que isto acontece, as enfermeiras se olham, Andréa começa a falar mais rapidamente com ele, e eu me esforço para permanecer calada e no meu lugar. O monitor já teria "apitado", uma médica residente se aproxima e também fica observando, um médico, também se aproxima o residente que seria o responsável pelo caso. Se estabelece um clima de apreensão e todos ficam em silêncio diante da visão dos índices. Quando a saturação se estabiliza (79/82/85) os dois médicos se distanciam, Andréa por vezes ligava o oxigênio e colocava a mangueira no nariz dele, depois de uns 10 min. Paulo adormece.
 
 
A interação de Andréa se deu principalmente com aparelhos que foram utilizados durante o período da dependência prolongada de Paulo em relação à oxigenioterapia mas, também, de forma menos direta, com todo o aparato de artefatos tecnológicos existentes em uma unidade de tratamento intensivo[103], como aqueles para os quais houve encaminhamento para exames ou procedimentos externos a unidade. A partir do entendimento de que o uso da tecnologia característica dos cuidados intensivos exerce um forte impacto emocional sobre as mães, minhas observações apresentaram a oportunidade de conhecer as reações de Andréa ligadas aos benefícios e inconvenientes, as vantagens e desvantagens, características dos lugares (hospital e domicílio) onde a mesma foi utilizada. Percebi que a compreensão deste período de sua história de vida me aproximou da perspectiva teórica orientada pela sociologia da tecnologia em seu estado de "prática" (Timmermans and Berg, 2003). Esta perspectiva, a do estudo sociológico da Tecnologia em Prática [104], se originou do conhecimento sobre a Sociologia da Saúde e da Doença mas focaliza a utilização da tecnologia médica a partir de uma visão dialética existente entre os artefatos tecnológicos e a experiência de seus usuários. O objetivo geral é o da avaliação realizada pelo usuário do que a tecnologia de saúde faz; do que cuida, como cuida, ou das alternativas aos objetivos que se propõe a alcançar a partir do pressuposto de que seu desenvolvimento depende da experiência vivida pelo usuário.
 
Desta forma, a sociologia da tecnologia em seu estado de prática, se liga a observação de como os indivíduos e grupos interagem com os artefatos da tecnologia médica a partir da experiência de estar doente e dependente da tecnologia, o que produz, consequentemente questões que não podem ser avaliadas somente sob a perspectiva da funcionalidade do equipamento utilizado. Ao investigar a utilização dos artefatos tecnológicos esta linha de investigação em saúde reforça a necessidade de um aprofundamento sobre como as necessidades dos usuários podem ser incorporadas ao planejamento estratégico no setor da internação domiciliar, contribuindo para a validação de suas formas de sua utilização (Elston, 1997).
 
 
Diz Andréa: Ontem aconteceu um "piripaque" comigo, a aparelhagem do Paulo foi trocada, ele tinha uma que tinha uma tela, um visor que apitava de um jeito diferente e media o coração e a respiração dele, eu sei que ele já está melhor que muitos que estão entrando aqui. Sei também que já não está como estava quando entrou e que tem gente aqui precisando mais e isso aqui, já reparou como está cheio? (A unidade estava passando por um período em que com o berçário intermediário temporariamente desativado havia uma "mistura de populações de bebês" e um aumento de seu número). Pois é saí para almoçar ontem, mas saí pensando que o aparelho novo, que na verdade é um modelo antigo daquele que ele utilizava antes, o moderno, que o aparelho novo não ia fazer o barulho do outro, e, se fizesse, de onde o Paulo está, não seria ouvido. Foi uma intuição, eu não queria ir almoçar mas têm horário, se eu não sair para comer depois não tem mais. Mas não consegui. Quando estava sentando me deu uma coisa, uma intuição e eu voltei correndo para cá e aí? O oxigênio tinha sido retirado pelo próprio Paulo e a saturação estava em 53. Fiquei apavorada, e se eu não tivesse chegado! Saí por aí gritando você precisava ver. Eu sei que a minha reação foi desproporcional, mas eu mexi nele e ele estava parado pensei que estivesse morto, depois me falaram se eu não queria ir para a casa da minha mãe, que eu estava nervosa, estou até com medo deles começarem a me tratar mal, alguma coisa assim. Mas depois de tudo que aconteceu, tanto esforço deles mesmos, do Paulo e meu, tudo ir por água abaixo por causa de um barulho de máquina.
Uma coisa eu sei agora, não imaginava antes, agora eu sei dos limites da medicina, que tudo, todo esse avanço da medicina tem limites, ele precisa do oxigênio, vai precisar até o pulmão dele terminar de se desenvolver. Tudo bem, não tem nada assim de mais, pior se tivesse que usar o oxigênio para sempre. Mas a médica X veio aqui falar comigo, perguntar se eu tinha convênio, algum convênio particular porque uma opção é a dele ir para casa com o oxigênio, ficar com o que eles têm aqui em casa. Eu disse: Convênio eu não tenho, mas tenho uma família grande que se ajuda e todo mundo pode ajudar, mas na verdade eu queria sair daqui com ele bom porque eu já vi casos de bebês que saem daqui e nem vão para o Berçário Intermediário, vão direto para casa. E também, se der alguma coisa, como é que eu vou fazer em casa, a minha casa fica em X, é uma reta para cá eu vindo pela Avenida Brasil, mas demora.
 
 
A dra. X diz para ele ir para casa, fala de alta e eu já sei quando é que ele precisa de oxigênio, sei como está a situação dele, tenho perfeitas condições de estar com ele em casa porque aqui não dá mais, sinceramente. Aí chega o Dr. X e diz que para sair o índice de saturação dele não pode ser abaixo de tanto. E eu me lembro daquela doutora, da outra, falando que a gente tinha que tolerar, ver qual é o índice dele, eu entendo que uma decisão tão séria assim, a dele ir para casa é duro, mas hoje me vejo assim tendo que passar por isso pela última vez sabe? (Ri). Acho que ir para casa não é fácil. Mas se me perguntassem isso, de como seria a algum tempo atrás, não é que eu não tenha condições agora, mas eu gostaria de ir com ele sem nada, assim bom, inteiramente bom. Sei das reações das pessoas lá da minha família, elas pensam que depois desse tempo todo ele vai chegar bom. Sei que não vão entender ele chegando com essas máquinas. Já te falei são dois balões, um grande e um pequeno, mais o aparelho que mede (chora). Mas também isso não importa!
 
 
Quando nos aproximamos da compreensão sobre as condições por sobre as quais a assistência a prematuridade se desenvolve, através da tendência de se transpor para o ambiente doméstico a tecnologia característica da internação hospitalar, somos remetidos à interação de Andréa com os artefatos tecnológicos através de suas experiências no interior do ambiente de cuidados intensivos e durante a internação domiciliar. Durante o período de acompanhamento da internação podemos observar que sua passividade inicial deu lugar a uma participação ativa através do manuseio, leitura, e conhecimento sobre as máquinas no interior do ambiente intensivo, possibilitada por determinada aprendizagem informal realizada no interior do próprio ambiente intensivo. Houve reconhecimento por parte dela dos benefícios trazidos pelo controle tecnológico em relação à rapidez no diagnóstico, administração de medicações e indicações de terapêuticas utilizadas. Entretanto, paralelamente ela também percebeu os limites da medicina bem como a realidade de que tais equipamentos não substituem o trabalho dos profissionais. Podem inclusive causar prejuízo por seu uso inadequado o que produziu em Andréa um estado de vigilância e controle sobre o funcionamento dos mesmos (Hurst, 2001).
 
O período de transição do hospital para casa exigiu de Andréa habilidade no manuseio dos artefatos tecnológicos sem a ajuda de profissionais especializados com os quais pode contar durante a internação. A expectativa de uma interação solitária com os mesmos, em ambiente doméstico, trouxe a necessidade de auto avaliações em relação a sua capacidade de realizar o monitoramento dos aparelhos, a adaptação do ambiente doméstico aos mesmos e, principalmente, sua aceitação do estado de dependência de Paulo em relação a assistência tecnológica, condição para a alta hospitalar. Sua nova situação implicou no que Lehoux (2004) chama de mudança de percepção entre "ter uma doença" tratada em hospital e "ser um doente" crônico em casa.
 
Em comparação com outros tipos de tecnologias, a oxigenioterapia é o mais simples dispositivo para se aprender a usar em domicílio. O oxigênio faz sua entrada no corpo do bebê através dos orifícios nasais sendo que os tubos são facilmente conectados ou fixados em cilindros. Os responsáveis por sua manutenção têm de limpar e mudar os filtros, deixando um cilindro de emergência em casa, bem como cilindros portáteis recarregáveis. Há necessidade de mudanças cognitivas no sentido de serem realizadas adaptações ao ambiente como, por exemplo, as da movimentação humana com diferentes tipos de cilindros, e não fumar, pelo risco de incêndio e pelo prejuízo ao portador de doença pulmonar crônica.
 
 
Fui procurar o programa que tem aqui no hospital que acompanha crianças que ainda precisam de ajuda mesmo quando estão em casa depois da alta. Fui procurar a pessoa lá, ela disse que agora não tem vaga, mas o meu marido foi na Prefeitura, fazer a inscrição porque através do Ministério Público a defensora lhe dá um papel e você vai até a Prefeitura e eles providenciam o equipamento. E também estou gostando de ver minha família toda mobilizada procurando saber, ligando para a White Martins para de algum jeito agilizar a alta.
 
Agora parece que é a gente que não quer sair daqui. Veio uma enfermeira dizer que ele estava bom era para ir para a pediatria. Isso é porque não é o filho dela que está internado. Aí vêm a assistente social que vai ter de novo uma reunião com o pessoal daquele programa que eu te falei, aquele que a aparelhagem é daqui, para saber quando o aparelho vai voltar do concerto, porque um dia tem que voltar né? Na Defensoria a gente estava dependendo do laudo que a médica deu na quinta-feira. Então meu marido vai lá hoje pegar a senha, porque a gente também quer dar uma garantia para o programa daqui, que não vamos ficar com o aparelho por muito tempo, que eles não vão ter que emprestar para sempre.
 
Não sei se ele vai ter alta. Está o maior frisson com essa história. Mas os aparelhos ainda não chegaram e eu não estou com pressa. Se fosse em outra época, eu estaria preocupada, mas agora não porque eu sei que ele vai sair mesmo. A assistente foi conversar com o pessoal do programa, mas até agora nada. Mas na Defensoria Pública foi do outro mundo, foi a melhor coisa, parecia que era pessoa certa no lugar certo, eles pediram urgência, uma das promotoras já teve filho internado em U.T.I., então disse que só quem já teve o filho em U.T.I. sabe como é. Aí pediu para acelerar. Então deram 3 dias, então deve chegar lá em casa amanhã, mas eu acho que chega antes porque ela falou que se demorasse poderia processar a prefeitura.
 
Diz a médica: Você veio na semana retrasada não foi? Foi. Alguma intercorrência de lá para cá? -Não (. Neste momento entra uma residente começa a fazer a mudança de entrada do oxigênio do cilindro portátil para o cilindro maior, do hospital, olhando para o oxímetro o observando o índice registrado no visor, a médica pergunta: Quanto está? 83. – (A médica se vira para Andréa) Você está com o oxímetro[105] em casa? Não, eu vou aproveitar agora e até falar com a dra. X, dar uma chorada, sabe se a dra. X está lá na U.T.I? Está sim. Você acha que vai conseguir? Queria tentar dar uma chorada. A médica diz: Não tem nem para as crianças internadas (ar de indignação e suspiro).
 
 
Podemos observar a interdependência entre as várias instâncias sociais (econômicas, jurídicas, políticas, ideológicas) como sendo a chave para o entendimento das limitações na prática de se substituir o cuidado hospitalar pela internação domiciliar e também para a compreensão sobre as formas de inserção da utilização, em domicílio, do modelo de tecnologia necessário para a assistência. Será através de experiências como a de "falar sobre", interpretar a situação, "dar uma chorada", como nos diz Andréa, que a participação familiar se torna parte de um processo no qual suas necessidades são reconhecidas, definidas e incorporadas como inscrições sobre formas de utilização desejável deste tipo de tecnologia (Bury, 1982, Willians, 1984). Assim, existe um consenso sobre a impossibilidade de se manter uma visão na qual os usuários da tecnologia em saúde são grupos passivos pois contemporaneamente, possuem relevância social, reivindicando acesso, equidade, designs dos artefatos mais próximos da realidade domiciliar, dirigindo às diversas instâncias sociais reivindicações que modificam o significado desta nascente tecnologia adaptada ao ambiente doméstico (Blume, 1992). A interação dos artefatos tecnológicos com grupos que não são somente os reconhecidos como usuários finais promove de forma direta ou indireta, questionamentos sobre sua operacionalidade.
 
Podemos então compreender que a internação domiciliar de Paulo está ligada às possibilidades de assistência fornecidas pelo setor público[106] à prematuridade no Brasil que ainda se encontra distante de um modelo padronizado de prática e de utilização da tecnologia. Pela dificuldade de encontrar referências nacionais em bibliografia específica sobre internação domiciliar de bebês prematuros com doenças pulmonares crônicas utilizei os trabalhos de pesquisas realizadas nos países desenvolvidos (Estados Unidos, Canadá e Europa) que foram iniciadas em função de objetivos programáticos ligados ao estabelecimento da alta hospitalar precoce. Entretanto, esta literatura me permitiu encontrar o que considero ser um ponto em comum tanto na situação de alta precoce, nos países desenvolvidos, como na ausência de um programa de saúde pública ligado a assistência domiciliar específico à prematuridade, como no caso de Andréa. A característica em comum é a de que a continuidade da assistência domiciliar nos apresenta, como no caso da dependência de oxigenioterapia, uma nova questão que é a do manuseio de determinadas formas de tecnologia não se relacionar mais exclusivamente com a educação profissional especializada. Os familiares são incentivados a se tornarem, apesar de não serem os beneficiários diretos, usuários ativos (Oudshoorn and Pinch, 2003) dos artefatos tecnológicos, o que implica em uma exploração de suas habilidades pessoais, condições financeiras e emocionais, formação cultural e condição social (Lawton, 2003, Pierret, 2003). O uso familiar da tecnologia em saúde se liga a suas formas de circulação por entre diferentes ambientes e grupos sociais que podem impedir ou facilitar a utilização esperada.
 
Neste sentido, frequentemente são relatadas experiências que revelam construções de parentalidade modeladas pela natureza do cuidado com o dependente e pela transformação do ambiente doméstico pelo equipamento tecnológico (Kirk et al., 2004). Os pais se retratam como tendo dois papéis a conciliar, sendo que um deles inclui a dimensão do cuidado que um enfermeiro realizaria, o que exerce forte impacto emocional em sua relação com o filho dependente de tecnologia. Pesquisas sugerem experiências de isolamento social (Cohen, 1999), privação de sono, raiva, stress e depressão (Leonard et al., 1993) sendo reconhecida como fonte de ansiedade específica, a natureza do cuidado que pode não ser somente potencialmente perigoso como também, em alguns casos, envolver parentes em procedimentos dolorosos para os dependentes da tecnologia (Wilson et al., 1998). Mães de bebês prematuros dependentes de oxigênio, quando comparadas com mães de prematuros não dependentes, apresentam níveis mais baixos de saúde mental e vitalidade, limitados ao período de tempo em que o uso de tal tecnologia foi necessário (Macela et al., 2000).
 
 
Olha, já saímos duas vezes, fomos uma vez no shopping, (diz isso enquanto encaixa a borracha no aparelho que produz oxigênio) e você precisa ver como é, as crianças não têm problema, elas olham mesmo, são naturais, não têm maldade, olham porque é diferente mesmo. Neste dia eu percebi que são os adultos que ficam mais constrangidos, assim, quando as crianças olham eles puxam as crianças, como se fosse para não olhar, como se não pudessem olhar. Eu sei que não tenho um filho assim normal, mas eu sei também que o problema dele é só esse. Por isso me deu muita raiva o exame neurológico no follow-up, eu sei que o João Pedro é superesperto, não têm problema neurológico nenhum, ele me olha, nossa quando ele me vê, já levanta o pescoço. Mas da maneira como elas falavam na hora de levantar o ombro eu sei que ele não levanta porque ele precisa da musculatura secundária para respirar. Ele não pode assim relaxar, como eu ou você, porque senão ele não consegue respirar então ele precisa desta musculatura, e aí ela falou, não levanta o ombro nesta idade. E se ela estivesse falando com outra pessoa? Uma pessoa sem instrução, que não se informou, aí eu respondi "Mas vai melhorar" aí ela se tocou, ficou melhor assim, sacou a mancada. (Neste momento Paulo começa a chorar)
 
Como eu já te falei, na rua as pessoas olharam assim, mas depois quando eu saí para ficar mais tempo fora com ele fui na Igreja que é aqui, é bem pertinho, meu marido prega lá, então eu fui com ele e foi o único lugar até hoje que ninguém olhou para ele de um jeito diferente. Cheguei, sentei, eles olharam, mas depois continuaram a fazer o que estavam fazendo. Eu fui lá domingo na hora da catequese, eu já fui professora na catequese, ele ficou lá, primeiro dormiu, depois acordou e participou da reunião, ficou lá prestando atenção.
 
Nossa Manola vou te contar, esse ano vou te contar, eu estava aqui em casa e fui no quarto ver a minha avó e eu falei para a minha tia a vó não tá legal. E eu sei, o que eu vi na U.T.I. me ajudou, então eu sei, a minha avó estava cianótica, com as extremidades (começa a descrever as características que certamente ela observava ou foi orientada a observar no Paulo ou mesmo em outras bebês). Agora aconteceu uma coisa que eu nunca pensei, eu tirei o oxigênio do Paulo (olha para a observadora com atenção)-Tirei(fala com determinação), tirei e expliquei para ele que ela estava precisando, ela já não respondia mais. O coração já estava disparado, uns 200 batimentos por minuto, mas eu senti que quando coloquei o oxigênio nela, ela melhorou, ficou aliviada, agora eu não tive coragem de deixar ela ir com o oxigênio e o Paulo ficar sem aqui, mas quando ela chegou no hospital já estava morta.
 
Nossa menina estou detestando aquele follow-up, detestando. Eu já tinha sido prevenida por mães que eu acho que você não acompanha,X,Z,Y, a gente conversa pelo telefone essas já tinham me prevenido, mas aquela médica, ela é tudo de autoritário, não é legal, não é como o pessoal da U.T.I. Lá elas desprezam as residentes, não tratam assim com respeitos.Ë como se as residentes não soubessem de nada e não é assim, as residentes sabem sim! Tá certo que tem um staff, em todo o lugar é assim, tem um staff, mas as residentes são boas também. E, eu acho também que ela não tem experiência para cuidar assim de criança dependente de oxigênio, você precisa ver como ela ficou apavorada, fica toda hora querendo saber como está a saturação. E Dr. X já me falou, Andréa nós vamos tentar uma vez por semana deixar o Paulo sem o oxigênio para ver como ele reage. O índice de saturação dele é tanto, é individualizado, é o dele que é assim e pronto. Então você precisa ver como ela fica com medo, quer toda hora saber como ele está, sem o oxigênio. O Dr. X falou, olha se ele saturar assim, X, está bom para mim, aí, sabe o que vou fazer? O saturímetro vai chegar semana que vêm aqui em casa e eu vou tirar sozinha, por minha conta, do meu jeito, porque se depender dela, não vai dar.
 
Fomos ao IFF ontem, nossa ninguém merece! Mas também pensei em uma outra coisa, que é a de que parece que elas tem de ser duronas. Elas falam daquele jeito como se fosse para mostrar para as residentes quem é que manda ali, porque no fundo elas não acreditam mais que uma pessoa, mesmo que não estiver dentro de um modelo normal, pode estar bem. Parece que elas esquecem que ele ficou 7 meses internado e para quem ficou 7 meses internado o que ele está fazendo é muita coisa e de novo eu tenho a impressão de que ela não tem experiência com crianças dependentes de oxigênio. Ela tirou o oxigênio lá e ele estava agitado, quando ele está agitado. Quando ele está agitado eu sei que a saturação cai, que é normal. Ela ficou apavorada dizendo que naquele índice ele não podia ficar, e apavorou dizendo que se não fosse oxigênio para o cérebro ele poderia ter uma lesão. Você precisava ver! Eu falei, a doutora eu sei que, quando dá aquele chiadinho, aquilo é que é perigoso. Não é isso não. Parece que ela não está acostumada, sei lá, e eu acho essa história, para quem ficou 7 meses internado ele está muito bem. Ela disse que eu sou mandigueira (ri) porque faço macumba, coisas que ela não conhece e o Paulo fica bem.
 
 
Podemos observar que a transferência da tecnologia em saúde do ambiente hospitalar para o doméstico implica sua utilização e transporte em diversos lugares que vão, desde os cômodos da casa até a circulação em espaço público. A autonomia e a mobilidade, contidas na ideia da liberdade que seria proporcionada pela alta hospitalar tornam-se problemáticas, na medida em que tais espaços e lugares sofrem o impacto da inovação trazida por este tipo de assistência o que, por sua vez, exerce influência sobre os familiares. Desta forma, a aceitação da dependência, a experiência de estigmatização social e o reconhecimento da perda, mesmo que temporária, de uma capacidade física demonstram que a relação de interação com a tecnologia em saúde não é somente a estabelecida com os artefatos em si, mas, com e também, com toda uma série de limitações sociais que envolvem barreiras físicas, interação com outras tecnologias e ajustes aos espaços e locais fora da esfera privada. Como fenômeno social (Oliver, 1998) a discriminação em relação às doenças diminuiu nos últimos 20 anos, principalmente em relação às doenças crônicas, entretanto, a visão de artefatos que sustentam "um corpo que não pode se manter sozinho" implica em um outro tipo de percepção pública que não é objeto deste modelo pedagógico de prevenção da discriminação. Desta forma, a utilização deste tipo de tecnologia é frequentemente constrangedora (Berg, 1997) impondo uma necessidade de reflexão sobre o fato de que uma vez introduzidos em domicílio, iniciam uma série de relações heterogêneas determinadas por uma dinâmica sócio-política onde o paciente, os cuidadores, e os artefatos interagem de forma interdependente.
 
Finalizando minhas considerações sobre a interação de Andréa com a tecnologia em saúde retorno ao que foi apresentado por Latour (1999) como sendo o aspecto psicológico contido na mesma e presente em sua afirmação: o verdadeiro para o humano também o é para o não humano tornando-os uma "coisa só". Compreendo que uma das formas de reação emocional contida na interação de Andréa com os artefatos tecnológicos foi a da ansiedade produzida por experiências de passividade diante das situações de risco para a vida de seu filho. Nestas situações, eram os profissionais imbuídos da autoridade técnica, na interpretação das condições clínicas de Paulo, que prescreviam a utilização dos equipamentos, os procedimentos de intervenção bem como o tempo de sua utilização. Podemos compreender que na interação com a tecnologia dura[107] se inclui também a relação estabelecida com os profissionais que administram sua utilização, caracterizada como sendo a de condutas totalmente normatizadas. Esta característica esteve relacionada ao surgimento de determinada forma de identificação com as figuras de autoridade que administravam tais condutas e, em relação às quais Andréa sentia reações de ansiedade. Esse sentimento se devia a posição de passividade requerida pelos procedimentos realizados no ambiente de cuidados intensivos. A partir deste processo de identificação surgiu uma defesa emocional cujo objetivo era o de evitar a ansiedade produzida pela experiência de passividade. Podemos observar a construção deste processo defensivo como dependente da evolução para melhora de Paulo no interior da unidade de atendimento intensivo. Informalmente, Andréa foi convidada a ter um papel mais ativo em relação aos cuidados e à observação do funcionamento das "máquinas", e também, principalmente, na oportunidade de manusear, de forma solitária, os artefatos tecnológicos em ambiente doméstico. Em relação a este último aspecto, podemos observar na situação de socorro à avó e em suas assertivas sobre o "desmame do oxigênio", no período do follow-up que, os aspectos traumáticos anteriormente vividos de forma passiva, neste segundo momento são reinterpretados de forma ativa.
 
Encontramos em Freud (1968) a definição de determinado tipo de identificação, a Identificação com o Agressor, que julgo poder auxiliar na compreensão do que foi observado como sendo a forma como Andréa lidou neste período com sua ansiedade. O eu, para Anna Freud, combina dois de seus mecanismos de funcionamento, o da projeção e o da introjeção[108], para lidar com objetos (pessoas ou situações) externos que provocam ansiedade, assimilando, justamente, suas características que provocam temor. Seria um dos modos mais naturais e comuns de comportamento onde a imitação, real ou fantasiada, de um antagonista representa a assimilação de uma experiência composta de ansiedade. Há uma introjeção de determinadas características do objeto causador de ansiedade como uma forma de assimilar a experiência em que a mesma foi sofrida de forma passiva. Ao personificar o agressor,[109] o sujeito transforma-se de pessoa ameaçada em pessoa que ameaça, assimilando assim a experiência traumática. Apesar de se ligar a mecanismos de funcionamento inconscientes [110], existentes no próprio eu, a autora julga impressionante que neste processo a ansiedade não está necessariamente ligada a eventos do passado infantil mas também se relaciona com alguma coisa que pode ser esperada no futuro. No caso de Andréa estava ligada à expectativa em relação a sua performance enquanto mãe cuidadora de um bebê com necessidades especiais, pois, como no caso do período de atendimento no follow-up, a agressividade era dirigida a pessoa de quem ela esperava a agressão através do julgamento em relação a sua capacidade de cuidar e à avaliação das condições clínicas de seu filho. Neste tipo de identificação se internalizam as críticas de outras pessoas ao próprio comportamento. Desta forma, cria-se um processo defensivo, sucedido por determinadas formas de agressividade, dirigidas a objetos externos na medida em que se evita a ansiedade produzida pela expectativa crítica. No momento em que a crítica é internalizada, de forma inconsciente, a ofensa é externalizada. Isso significa que a Identificação com o Agressor é suplementada pelo mecanismo da projeção da culpa. Significa que a intolerância em relação a outras pessoas é posterior à severidade do sujeito para consigo mesmo. Desta forma, o mecanismo da Identificação com o Agressor é uma combinação particular dos processos defensivos da introjeção e da projeção, considerada como um processo comum quando utilizada pelo eu em seu conflito com as figuras de autoridade, isto é, com objetos de ansiedade.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 – O tempo que nunca acaba.
 
Conhecer Andréa trouxe, além da possibilidade de visitação em ambiente doméstico, um pouco da realidade de mães que acompanham por um longo período a internação de seus filhos no interior do ambiente de cuidados intensivos. Julgo que este aspecto de minhas observações é pertinente à pesquisa na medida em que possibilitou o conhecimento das formas de interação de Andréa com seu filho[111], com a equipe técnica, com sua família e também com a situação de ser mãe de um bebê prematuro com Broncodisplasia. Foi um percurso durante o qual frequentemente pude também observar reações emocionais muito características e, através deste prisma, pretendo propor formas de compreensão para sua experiência.
 
 
Porque isso aqui é pirante, aqui dentro você perde os limites de tempo e espaço, perde mesmo, eu sei que não posso controlar as coisas, mas sinto falta de tudo, sinto falta do marido porque ele está lá e eu aqui, do meu trabalho, da faculdade que eu parei quando engravidei.
 
Sei lá o que eu senti, estava cansada, fui para casa, não estava aguentando mais aqui, mas não adianta, parece que a gente vai para casa para se aborrecer, não sei se é melhor lá ou aqui. Eu penso que vou descansar mas parece que aqui na UTI é melhor apesar de tudo que a gente vê e passa aqui. Sei lá, lá fora vejo a vida seguindo, as pessoas fazendo as coisas, a vida continuando.
 
Encontro Paulo em um bercinho de ferro típico da enfermaria pediátrica, Andréa fez o "seu cantinho" que estava todo enfeitado com quadros, com o protetor de berço, quando me vê diz: Olha o berço! É agora ele está aqui, veio ontem, a X (enfermeira) arrumou, nossa eu fiquei tão nervosa porque fiquei com medo dele bater com a cabeça, quebrar a cabeça, alguma coisa assim, mas agora está bem melhor.
 
As unidades de assistência intensiva foram criadas a partir da necessidade de concentração de recursos materiais e humanos para o atendimento de pacientes graves, em estado crítico ou terminal, mas também para pacientes recuperáveis, possuindo uma estrutura de funcionamento ligada a cuidados nos quais há necessidade de uma observação constante e assistência contínua (Vila e Rossi, 2002). Em neonatologia possui uma história peculiar[112] que enfocada sob o prisma da humanização da assistência, em sua face voltada para o trabalho com familiares, apresenta o período de hospitalização como objeto de investigações, principalmente pelo fato de que pesquisas demonstram ser o bebê prematuro, por ocasião da alta hospitalar, sujeito a diversos tipos de negligência e patologias características[113]. Assim, a presença materna no interior das unidades de atendimento intensivo ligou-se a pesquisas que evidenciavam seus efeitos benéficos para o recém-nascido internado como, por exemplo, na diminuição do tempo de internação, na resistência a infecções, nos benefícios da indicação do aleitamento natural no interior da unidade, bem como, enquanto medida de prevenção de situações de violência em ambiente doméstico.
 
A partir de então, tornou-se conhecida a experiência emocional materna no acompanhamento deste tipo de internação hospitalar o que possibilitou a identificação dos fatores estressores[114] para a família presentes no ambiente da unidade de atendimento intensivo. Pesquisas demonstram que os mesmos são vividamente recordados pelas mães até 3 anos após a internação (Murray, 1999). A partir da década de 70 dos estudos sobre distúrbios no estabelecimento do vínculo afetivo na relação da mãe com o bebê prematuro somos remetidos à sua promoção a partir das ações de humanização promovidas durante a hospitalização. Este processo, o do estabelecimento de um vínculo, (Bowlby, 1958), implica no abandono das expectativas infantis através do cuidado e do amor com o bebê na realidade presente. A internação hospitalar após o nascimento é reconhecida como um trauma real que interfere neste processo.
 
Assim, podemos perceber uma direção que do debilitaes vitae é orientada para investigações sobre a qualidade de vida após a alta hospitalar. Tais pesquisas são sustentadas por práticas de humanização no interior dessas unidades, implicando o próprio ambiente de cuidados intensivos enquanto fator de suporte ou de desorganização para o estado de humor materno. Conforme exposto anteriormente, através do estabelecimento da identidade parental e de sua especificidade quanto à duração dos processos emocionais que lhe são característicos, podemos considerar que o stress ligado à internação em ambiente de cuidados intensivos incide sobre o humor materno de forma a funcionar como um catalizador da experiência vivida durante o período do acompanhamento da internação.
 
Podemos encontrar no conteúdo das observações descritas acima que num primeiro momento, o ambiente de cuidados intensivos se apresentou como desorganizador quando Andréa relata sobre sua percepção de perda da "noção de tempo e espaço". Progressivamente, porém, ela construiu um ambiente familiar e organizador através da arrumação do "cantinho", do "bercinho", de um lugar personalizado para Paulo. Latour (2001) considera que durante o período de acompanhamento da internação as mães utilizam estratégias transitórias de relacionamento sob stress que se modificam e se complexificam em diferentes momentos. Acredito que esta mudança de percepção do ambiente de cuidados intensivos, de ambiente stressor para ambiente familiar, foi possível pela utilização das estratégias mencionadas pelo autor, em um contexto que conjugou o tempo de duração da internação e a participação de Andréa nos cuidados diários, observação dos procedimentos e proximidade com a equipe multidisciplinar. Mas foi também possibilitada pela garantia em forma de lei[115] do acompanhamento da internação de seu filho na instituição hospitalar, conjugada a ações de promoção do vínculo mãe bebê no interior da unidade.
 
Tais ações, como expostas por Braga e Morsch (2004), são realizadas a partir de visita ao leito da puérpera após o parto e, de preferência, antes de sua primeira visão do filho na unidade de atendimento intensivo. Para o profissional envolvido é indispensável ter informações a respeito do quadro clínico do bebê no sentido de se construir com a mãe uma imagem do que está "acontecendo" e de como é o funcionamento da assistência no interior da unidade. O interior da mesma se torna os lócus das ações de humanização ligadas à promoção do vínculo mãe-bebê prematuro. Será na UTI neonatal, local onde ocorrem as relações tanto do bebê com a mãe como de ambos com a equipe técnica, que as principais intervenções se realizam. Num primeiro momento se indica a mãe que assuma a postura de observação que, dependendo das circunstâncias, pode ser acompanhada por intervenções como, por exemplo, a da atribuição de significado aos gestos dos bebês e aos dos pais, objetivando uma espécie de comunicação entre ambos. Outro exemplo é o de eventualmente (evitando-se uma situação de sobrecarga de estímulos), conversar com o bebê na presença dos pais bem como apoiar a participação dos mesmos no sentido de esclarecer a importância de seus cuidados. Essa atitude reconhece a competência das figuras parentais facilitando a formação do vínculo com o bebê no interior da unidade. Aspecto importante é o da relação com o tempo. Por isso nestas intervenções de apoio se prioriza o esclarecimento de que a internação é uma "passagem" na vida do bebê.
 
Braga e Morsch (2004) propõem também atividades normatizadas de rotina para o apoio da família do bebê internado, como reunião em grupo de pais (encontro semanal com pais de bebês internados) acompanhamento e monitoramento da visita dos avós (visita dos avós no interior da UTI) e a visita dos irmãos. Neste último caso, deseja-se a participação dos filhos mais velhos na trajetória da internação. Com propostas atividades lúdicas como desenhos e principalmente conversas que esclareçam suas dúvidas a respeito do que está acontecendo com este membro ainda separado do grupo familiar.
 
Acredito que Andréa se beneficiou de ações como as descritas acima podendo então estabelecer relações sob o stress característico deste tipo de acompanhamento. Foi-lhe oferecido suporte necessário para o enfrentamento dos conflitos, dilemas e impasses ocorridos durante os sete meses de internação, bem como orientações para, progressivamente perceber a unidade de atendimento intensivo como um lugar acolhedor neste período de sua vida, mesmo sabendo que no mundo lá fora, a vida seguia em um outro ritmo.
 
 
(Choro) dá para eu ter as minhas coisas, para eu me acomodar, mas daí tem outras mães, mães com outros bebês (chora) parece que o hospital não tem lugar para a gente, não compreende. Aí elas perguntam: cadê o seu?
 
Minha mãe traz umas roupas grandes e eu falo que meu filho é um rato, não é deste tamanho das roupas, mas ela diz que é para pensar positivo, não é agora mas vai ser depois.
 
Minha mãe achava muita coisa, mas ela via e não falava nada, ela achava que ele tinha Síndrome de Down quando nasceu. Agora ela diz que ele tem cara de gente, que antes tinha cara de bicho. Eu também pensei que ele tinha síndrome de Down, por isso não perguntava, só fui perguntar depois, não gosto de perguntar, sei lá posso ouvir o que não quero. Quando eu vi ele aqui eu estava com medo de não ter dedo, de ter alguma parte faltando sabe?
 
 
A aparência do bebê prematuro internado produz importantes repercussões sobre o estado emocional dos pais. Meltzer (1988) denomina como estando na origem de um "conflito estético"a perda, com o nascimento prematuro, da imagem de beleza esperada pela mãe. Esta é uma experiência de grande importância quando relacionada a pesquisas sobre o desenvolvimento de bebês prematuros na medida em que a diferença entre a criança bela e com peso e a realidade das condições físicas do bebê prematuro pode "tantalizar", congelar, a percepção materna, não permitindo existir o desejo de conhecer as "qualidades de dentro". Broussard e Martner (1970) confirmaram a relação entre este tipo de rigidez encontrado na percepção materna ligando-o ao que seriam interferências próprias da prematuridade e do ambiente de cuidados intensivos como: a permanência na incubadora, a utilização de equipamentos e procedimentos invasivos, a dificuldade da amamentação natural ou mesmo sua impossibilidade nos primeiros tempos, o pouco peso, as características maternas como idade e condição sócio econômica, enfim fatores que impediriam a "experiência estética gratificante".
 
Podemos observar como o nascimento prematuro traz fantasias a respeito de malformações e doenças percebidas como incuráveis, como as genéticas, o que nos indica a existência de reações emocionais muito intensas que podem produzir ambivalência em relação a percepção da realidade clínica do bebê internado. Estariam embutidas nas mesmas superstições, crendices e até mesmo raízes culturais de uma época que estes bebês eram objeto da curiosidade popular. Outra questão, em relação as fantasias familiares em sobre o aspecto físico e as possíveis condições de irreversibilidade do nascimento prematuro, é a da responsabilidade das informações contidas na comunicação médico-paciente (Klaus-Kennell, 1976) pelo fato de que as palavras utilizadas nas informações sobre os problemas de o bebê afetar o processo inicial do apego que estrutura a formação do vínculo afetivo.
 
Esta forma de compreensão também nos permite partilhar de um dos pressupostos da teoria da crise, segundo o qual, a mudança de identidade materna após o parto integra uma forma de organização emocional que se estabelece a partir da presença concreta do bebê. Assim, o puerpério é o período em que se impõe à puérpera a necessidade do estabelecimento de uma relação com o recém-nascido real em detrimento do bebê que durante a gravidez foi "construído" em fantasia. A partir do reconhecimento dos efeitos da presença concreta do bebê sobre uma forma de organização psíquica característica do puerpério (Winnicott,1988, Cramer, 1993) pesquisas demonstram comprometimentos de seu desenvolvimento emocional ligados a esta rigidez de percepção materna ocorrida no período de internação. Outra questão é a da dificuldade de se conviver em alojamento conjunto com mães de bebês nascidos a termo que amamentam seus filhos saudáveis o que produz uma consciência sobre a necessidade de uma especialização ou seja, uma diferenciação espacial na instituição que acolha a especificidade da experiência de separação produzida pela internação do recém-nascido prematuro.
 
Indo né, foi só o meu marido voltar de X que o Paulo voltou para o respirador, é impressionante como isso acontece e eu não sei, não estamos sabendo como resolver a situação, parece que eu estou querendo sentir por todo mundo, por mim, por meu marido, por Paulo, assim eu piro não é, eu fico querendo organizar, por exemplo eu sei que ele vai sair, mas agora que ele voltou para o respirador não sei, estou confusa, mas já dei um prazo. Estou dando um prazo para isso, estou dando 15 dias para ele sair do respirador (ri). Eu sou assim, tenho minhas fantasias, me agarro nelas senão eu não consigo ficar aqui. Eles dizem que ele vai sair daqui, que ele vai crescer, que com o crescimento isso vai diminuir, mas até quando eu vou ficar aqui? Até ele fazer 1 ano, 2 anos, porque isso passa pela minha cabeça, porque ele já está com 4 meses (eleva o tom de voz).
 
É difícil ver as pessoas fazendo as coisas, mas eu sei que é só eu que posso estar aqui, que meu marido não pode, que minha mãe não pode, é muito difícil, e aí eu fico aqui, já não me assusto mais com os barulhos, com outros bebês morrendo, com as coisas que a gente vê que são difíceis, que eu nunca pensei que fosse aguentar ver, mas lá fora parece que não é mais a única realidade.
 

A primeira experiência de parentalidade para um casal, como Andréa e o marido, que possuíam um acordo mútuo em relação ao desejo de constituir uma família, traz para o bebê a responsabilidade de dar aos pais a oportunidade de realizar o sonho deles, o que em termos de desenvolvimento para os mesmos significa "ter uma outra oportunidade de vida" (Brazelton, 1981). A hospitalização nunca faz parte do planejamento familiar e o nascimento de um bebê prematuro com uma doença grave como a da Membrana Hialina implica na experiência de emoções que são confrontadas com rotinas e condutas hospitalares, que frequentemente lhes desautorizam a expressão espontânea de suas emoções e os submete a normas ligadas ao cuidado intensivo. Outra característica é a da vivência de algum tipo de privação, de ser a única pessoa que pode realizar, "suportar" este tipo de tensão. Como nos indica Brazelton (1988) existem estágios pelos quais os pais passam para aceitar a internação do filho. Eles vão de um relacionamento com o bebê, que se realiza exclusivamente através das informações que recebem sobre sua doença, passam pela observação do bebê na incubadora (visão como "algo que está se transformando em uma pessoa), até o início real de uma visão de si mesmos como pais do bebê internado. Quando atingem este último estágio, já conseguem cuidar do bebê estabelecendo vínculo afetivo definitivo.
 
Outro fator importante deste processo, é também a diferença de resposta à esta experiência entre pais e mães e, também na percepção da condição clínica do filho internado (Shields-Poe, 1997). Frequentemente as mães que realizam o acompanhamento, apresentam um nível de ansiedade maior que a observada nos pais. Para a dupla parental, porém, a condição e o diagnóstico clínico do bebê, que implica na existência de um risco grave, os coloca por algum tempo na posição de expectadores mais passivos do que participantes (Morsch, 1990). Isso lhes produz a sensação de impotência e fracasso pois nem os pais podem cuidar dos bebês e nem os bebês, nestas condições, podem ser cuidados pelos pais.
 
 
Eu queria uma solução com dia e hora marcados, mas já sei que não dá, estou mal, não estou mais aguentando. Não é emocional, é físico, porque eu estou fraca, tenho vontade de dormir por 24hs, ou melhor, dormir até quando ele sair daqui. Então sei lá acho melhor me cuidar, parar um pouco porque até a minha pressão que é alta agora está baixa, não posso tomar remédio para pressão. Está difícil vir aqui porque parece que vou ter um ataque de pânico, meu coração pode disparar e aí fico com medo de acontecer uma coisa comigo dentro do ônibus quando eu venho para o hospital. Então é horrível e me pergunto: será que estou ajudando aqui, será que a minha presença é necessária aqui? Minha licença do trabalho está acabando e eu não sei se gosto de ficar aqui porque também gosto muito de trabalhar.
 
Agora eu tenho de me cuidar, eu estava sentindo que meu marido não estava bem, na quinta-feira eu percebi que ele não estava bem aí, a X (enfermeira) mediu a glicose dele e levou para um endócrino, mediu aqui mesmo com a aparelhagem dos bebês e aí ele foi lá para o Instituto de Diabetes, agora o Paulo está bem, está melhor do que eu e o pai juntos, porque agora o pai ficou diabético!
 
Ontem eu estava passando mal demais, aponta para a barriga, é uma dor, eu fiquei a noite toda no hospital, fui parar no Miguel Couto, àquela hora que você veio e foi no quarto me ver eu tinha tomado um remédio para cólica, mas não passou, é aqui (aponta para a barriga), aí telefonei para a minha mãe coitada ela veio às 11 horas e eu fiquei no hospital até as 4hs da manhã. Eles falaram que pode ser úlcera, me encaminharam para o gastro mas fiquei lá tomando Buscopan e Dipirona.
 
 
Ao observar tais reações em Andréa podemos perceber o que é descrito sobre as experiências emocionais maternas enquanto reações traumáticas (Kaplan, 1960) onde frequentemente são descritas sensações de pânico e ansiedade durante o alojamento conjunto enquanto características de uma vivência emocional depressiva (Tracey e col. (2000), Reid (2000), Keren, (2000), Powell (2000) e Van Riper (2001)). Os autores descrevem estados afetivos maternos ligados a sentimentos de culpa, medo de não se sentirem ligados ao bebê, de não os amar, de desvalorização diante de outras mães sendo comuns os comportamentos de prostração e de reações fóbicas em relação às visitas que, frequentemente, são confundidas pela equipe da unidade intensiva como abandono do recém-nascido. A ansiedade antecipatória pode aparecer de forma difusa ou, mais frequentemente, como antecipação pela expectativa de morte, ambiguous loss[116], do recém-nascido internado, sendo comum em narrativas de mães cujos bebês apresentavam risco de vida por dependência de oxigenioterapia. São comuns também os estados confusionais e o medo de enlouquecer pela vivência de sentimentos ambivalentes em relação ao bebê. Desta forma, sempre é muito difícil para os pais distinguir de forma adequada quando a ansiedade está ligada à sua própria experiência pessoal e quando se relaciona à situação de risco iminente de morte do bebê. Quando vinculados à própria experiência pessoal trazem tais sentimentos um tipo de medo ligado à expectativa de "morte iminente". Esse temor é investido pela dupla parental por meio de significações ligadas à ideia de sua própria morte, morte de suas partes infantis ainda fusionadas com o bebê e pelo sentimento de culpa e responsabilidade em relação ao seu estado clínico. Tais sentimentos que, em extratos mais profundos da mente também representam a experiência de quase-morte dos próprios pais, podem se encontrar presentes nos distúrbios psicossomáticos ocorridos neste período.
 
Os distúrbios psicossomáticos ligados a reações emocionais presentes em algum tipo de sofrimento físico, são observáveis também através de lesões anatômicas e alterações de funções fisiológicas, que não possuem ainda uma qualidade simbólica[117] para serem percebidas enquanto dor mental. Diferentemente da histeria e da hipocondria, o fenômeno psicossomático implica em reações não relacionadas à capacidade de o sujeito simbolizar psiquicamente. Sua origem parece estar na indiscriminada região "entre" o corpo e a mente, cujo referencial conceitual é fundamentalmente ligado à economia dos processos psíquicos. Esta economia se caracteriza pela relação material entre os acontecimentos trágicos da vida e impossibilidade do sujeito de integrá-los totalmente através de operações psíquicas de natureza simbólica como o trabalho do luto ou a formação de um sintoma mental como fobia, por exemplo (Santos, 2002). O referencial é a intensidade da dor e, dada a impossibilidade de sua absorção pelos sistemas e dispositivos simbólicos do sujeito, mantêm-se no corpo como desequilíbrio físico, que, associado a pré-condições genéticas e ambientais, culminaram no surgimento do diabetes de Rodrigo, pai de Paulo, e na intensificação da hipertensão arterial e aparecimento da úlcera de Andréa.
 
Neste momento o Dr. X se aproxima na ronda com os residentes, é visível a emoção de Andréa, ele lhe cumprimenta e se dirige para os residentes. Ah, esse é o broncodisplásico (uma residente com uns papéis na mão começa a fazer uma leitura em voz alta da descrição dos índices de gasometria [118], do quadro clínico sendo observada por Andréa que começa a chorar na frente de todos) O médico diz: Vamos ver o RX. Se distanciando com o grupo para examinar a radiografia – (Andréa) Vê se eu posso com isso (chora) é assim, e eu sei que o que o Dr. X fala é lei, ele é Deus aqui, o que ele fala todo mundo obedece.
 
Outro dia aconteceu que eu fiquei mais tempo longe dele, saí às 18hs só voltei meia-noite. Depois no dia seguinte saí as 6hs da manhã e também fiquei longe, mas foi porque escutei uma coisa que não tinha idéia que iria escutar de uma pessoa que considerava tanto, uma enfermeira daqui eu fiquei tão magoada, que não voltei mais. Ela virou para mim e falou: você não tem cara de mãe, essa aí não tem cara de mãe. Aquilo me deixou tão magoada (chora) que fui para o quarto e não consegui voltar. Fiquei pensando se fiz alguma coisa errada, eu me esforço tanto para fazer as coisas certas, fiquei pensando se é porque eu rio, fiquei olhando os rostos das outras mães para ver se elas "tinham cara de mãe" fiquei me perguntando.
 
Teve uma auxiliar nova, novinha, parece que ela estava aprendendo, como ele já está bom eles mandam quem está aprendendo porque não têm mais assim aquele risco, mas ontem, se não fosse eu, se eu não soubesse direitinho o horário das medicações, a dosagem, se eu fosse como a maioria das mães daqui, sem condições de entender, era para dar X (cita a dosagem) de uma vez só ela ia dar 3X. Pegou a medicação sem lavar as mãos. Eu sei que técnicamente não era mais para ele estar aqui, era para o BI (berçário intermediário) mas não dá, olha eu e ele ficamos tão tensos que só quando o plantão dela acabou nós fomos dormir, aí caímos de sono.
 
Nós estamos indo para o BI (berçário intermediário), ah é uma enfermeira aí que tem dinheiro, veio aqui, falou que ele estava bem para ir para a pediatria (enfermaria pediátrica) e eu acho que deve ser porque o filho dela não está internado aqui ou se estivesse ela teria dinheiro para levar ele para casa (se refere a possibilidade de hospitalização domiciliar). A auxiliar de enfermagem retorna empurrando o bercinho- (Andréa) ué, voltou? – (Auxiliar) Ih Andréa, deixa para lá, não esquenta não, nem tenta entender, mas ele não ia ficar lá? - (Auxiliar) aqui isso é o que mais tem.
 
Encontro Paulo sentado em uma cadeira tipo bebê conforto, o aspecto dele é bem melhor do que aquele em que somente é visto no interior da incubadora, cresceu, porém, continua com o CEPAP. Andréa diz: Quando X está aqui ela coloca na cadeirinha, ela é interessada então chama ele de filho, vira mãe dele, aí ela fala com a fisioterapeuta, pede as instruções e ele fica sentado.
 
A importância da interação realizada entre a mãe e a equipe técnica diz respeito ao acesso a informações sobre as condições clínicas de seus filhos internados sendo que os profissionais atuam como um fator co-determinante para condição de bem-estar psicológico das mães necessária à qualidade do acompanhamento do bebê durante o período de internação. As informações dizem respeito a diagnósticos, necessidades implicadas no tratamento, prognóstico e ambiente da unidade de atendimento intensivo. Este tipo de informação é necessário para que as mães realizem suas próprias avaliações e estejam alertas para situações que possam significar algum risco, uma vez que para as mesmas ajudam, facilitando o acesso aos profissionais e a compreensão dos procedimentos realizados. São frequentes as dificuldades na obtenção de informações no interior dessas unidades por questões apresentadas como sendo as de um modelo de funcionamento voltado para "salvar vidas" (Morsch,1990) onde a urgência e prioridade é a da assistência ao bebê em risco. Os profissionais comumente se sentem divididos entre dar muito, pouco ou nenhuma informação. Há uma rotatividade de técnicos em várias disciplinas fornecendo fragmentos de informação, o que gera descontinuidade. Existe também a constante mudança das condições clínicas dos bebês o que caracteriza uma recuperação em ritmo diferente do comumente conhecido em outras formas de assistência.
 
Frequentemente há conflitos neste tipo de relação. Se por parte dos pais, mecanismos defensivos[119] são criados na avaliação dos cuidados recebidos por seus filhos, os profissionais também reagem à presença dos mesmos no interior da unidade. Trata-se, portanto, de um encontro marcado por conflitos e problemas de comunicação. Videla (1987) nos sugere que o trabalho numa unidade de atendimento intensivo, pelo tipo de sofisticação necessária, coloca também os profissionais envolvidos em uma situação de risco. Morsch (1990) apresenta que as tarefas a serem desenvolvidas por um neonatologista no interior destas unidades são marcadas pela situação crítica em que se encontra o bebê, pela impossibilidade de uma previsão segura, pelo risco de seqüelas ou morte e pela tentativa familiar de negar e projetar na equipe, a depressão e a ambivalência afetiva da situação. São comuns reações de ensimesmamento, conduta distante da família, preconceito em relação ao nível de escolaridade dos pais, julgando que eles não entenderiam as informações técnicas.
 
O crescimento do número de pesquisas sobre a experiência materna no interior destas unidades evidencia incertezas e desencontros entre enfermeiras e mães, principalmente sobre a questão de qual é o papel das mães na U.T.I. As mães descrevem que em suas participações existem reações de conflito em relação às instruções: discrepâncias entre a informação teórica recebida e a prática observada na rotina de cuidados da unidade (Kenner, 1990, Hurst et.al., 1995) e intimidação. Algumas mães encontram uma "parceira "no corpo da enfermagem outras não conseguem satisfação em nenhum nível de participação antes da alta hospitalar (Affleck,1991, Able-Boone, 1989). É frequente o sentimento de apreensão pela consciência de que a vida de seus filhos depende do conhecimento especializado e constante da enfermagem, particularmente do grupo responsável pela rotina da unidade. Quando estas profissionais são bem avaliadas o sentimento é o de que seus filhos estarão seguros. Podemos observar no relato de Andréa um certo ressentimento de que, para o corpo técnico o que realmente importa é a percepção da competência dos médicos e das enfermeiras no cuidado com os filhos (Affleck, 1990). É muito comum que, ao obter familiaridade com a rotina da assistência no ambiente intensivo, as mães vigiem os procedimentos e atividades ali realizados, tendo a preocupação de que o bebê esteja seguro, fisicamente seguro. Neste sentido, podemos encontrar um repertório de ações características como: negociações com o profissional de saúde (de forma discreta as mães lidam com mudanças nas propostas de autoridade institucional); uso de conhecimento do poder institucional na avaliação da autoridade técnica dos profissionais; diferenciação entre a autoridade burocrática e a autoridade da competência prática; procura por uma "autoridade mais alta" e construção de uma rede de relações "de suporte" com outras mães que também acompanham a internação de seus filhos. Progressivamente as preocupações se ramificam, abarcando desde os efeitos de sua participação para a equipe técnica até as condições da estrutura de funcionamento da unidade. Porém, em relação à estrutura de funcionamento da unidade repetem-se as mesmas preocupações que as mães têm com a competência técnica de equipe profissional. Sua questão fundamental é ter conhecimento se alguma circunstância do ambiente pode representar perigo ou ruptura na continuidade do tratamento. Esta vigilância sobre a possibilidade de descontinuidade no cuidado se refere às observações de variações, contradições e omissões nas rotinas com seus filhos o que poderia representar um perigo em potencial. São comuns queixas sobre uma explicação que não foi concluída, sobre a ausência de um reasseguramento sobre alguma indicação (clínica ou de alocação), ou sobre contradição direta a experiência de observação das mães sobre a rotina de cuidados.
 
Existe uma consciência aguda sobre a diferença de poder entre a autoridade dos pais e a autoridade da instituição representada pelos profissionais da unidade: A autoridade institucional é definida como a habilidade ou a capacidade de exercer influência e controle e atuar com poder (Pickett, 2000) outorgado pelo conhecimento especializado da tecnologia utilizada e dos procedimentos prescritos. Uma mudança de valor fundamental para as mães é a do aumento de sua posição de autoridade relativa quando o acompanhamento e a participação são reconhecidos como importantes para a evolução do estado clínico do bebê. Hurst (2001) adverte que, para se garantir uma otimização na diminuição destes conflitos entre as mães e a equipe técnica, tem que existir cuidados que vão de encontro tanto com as necessidades dos bebês prematuros de suas famílias. Os profissionais podem se beneficiar das percepções, das expectativas e das necessidades dos familiares no desenvolvimento e implementação de unidades de atendimento intensivo integradas, conforme já vem sendo apontado na literatura pertinente.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 









CONCLUSÃO.
 
 
Durante este período no qual compartilhei das experiências de Andréa em relação ao nascimento prematuro de seu filho pude compreender importantes questões sobre nascimento com baixo peso associado ao tratamento da Doença da Membrana Hialina. Percebi que as avaliações pessoais dessa mãe sobre o acompanhamento da internação de Paulo e o estabelecimento dos cuidados relativos à dependência da oxigenioterapia em domícílio trazem para a saúde pública, reflexões cruciais sobre as consequências sociais das sequelas produzidas pelo desenvolvimento do quadro clínico da Broncodisplasia. Tais consequências incidem sobre o processo de desenvolvimento do recém-nascido, sobre as políticas de assistência pública à saúde perinatal, mas também, (o que considero ter sido observado com profundidade nesta investigação), sobre a reorganização da dinâmica do grupo familiar em relação aos cuidados de um bebê com necessidades especiais.
 
Construímos conhecimento a respeito dos efeitos deletérios sobre as habilidades perceptuais, sobre o desenvolvimento cognitivo, motor e retardo na aquisição da fala (Hughes et al., 1999). Cerca de 50% de crianças broncodisplásicas acabam precisando de algum tipo de educação especial, mesmo quando se exclui a possibilidade de comprometimento neurológico. Uma forte ligação se estabelece entre a necessidade de educação especial e a incidência para estas crianças do diagnóstico de hiperatividade, Déficit Hyperactivity Disorder, (Giacoia, 1997). As complicações médicas conjugadas com fatores de risco socioeconômicos apontam para problemas de aprendizagem e comportamento que se aliam a dificuldades psicossociais.
A experiência de Andréa nos confronta com a necessidade de avaliações das Bases Programáticas da Assistência Neonatal no setor público. Segundo Gomes (2004) esta possui uma história inciada a partir dos anos 70 com a implantação dos Programa de Saúde Materno Infantil (PSMI) que se desdobrou nos Programas de Atenção à Saúde da Criança (Paisc) e o Programa de Atenção a Saúde da Mulher (Paism). Neste último se destaca a organização da assistência médica normatizada para a gestação e o nascimento. Nos anos 90, o Programa de Assistência Perinatal[120] foi elaborado pelo Ministério da Saúde definindo, pela primeira vez, a perinatologia como área programática de atenção à saúde. Entretanto não encontramos a realidade da hospitalização a domicílio inserida enquanto parte deste planejamento através de recursos humanos ou tecnológicos, dirigidos especificamente à prematuridade. Desta forma, enquanto política de assistência, ainda é a instituição hospitalar (hospitais terciários nas regiões metropolitanas) a única referência em relação a qual soluções intermediárias, como as encontradas para a alta hospitalar de Paulo.
A reorganização na dinâmica desta família primeiramente se ligou ao tempo de internação que implicou numa situação comumente observada: a de um de seus membros, frequentemente a mãe como exemplificado por esta história de vida, altere sua vida profissional e se afaste do ambiente doméstico, convivendo mais intensamente com o ambiente de atendimento intensivo. Em um segundo momento foi o estabelecimento da internação domiciliar, que, neste caso, ao depender do setor público para obtenção e utilização da tecnologia em domicílio, esclareceu-nos que não se pode aplicar o modelo existente em países desenvolvidos, das seguradoras na assistência privada. Neste sentido, fica claro que par o setor público há uma necessidade específica de educação, monitoramento e visitas domiciliares às famílias que manuseiam equipamentos tecnológicos frequentemente existentes na situação de internação. Muitas das reações emocionais perante a utilização destas tecnologias em domicílio são previsíveis e, enquanto objeto de intervenção, constituem-se como possibilidade d reforçar o estabelecimento da possibilidade de reforçar o estabelecimento da "parceria de cuidados" tão cara a ideia de divisão das responsabilidades entre família, hospital e paciente nas situações de tratamento das doenças crônicas.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ANA E MÁRIO: UNIÃO PELA FÉ
 
 
 
 
 
 
 
 
Encontrei Ana pela primeira vez quando participei de uma das reuniões de pais[121] dos recém-nascido prematuros internados em U.T.I., realizadas semanalmente pelo Serviço Social do Instituto Fernandes Figueira. O grupo sempre era iniciado com a apresentação e explicação de cada um sobre os motivos de sua presença no setor. Sendo assim, minha condição de estudante ligada a pesquisa se tornou conhecida desde o início. Ana era mãe de Mário, seu primeiro filho, nascido trinta e um dia antes, com trinta e três semanas e três dias de idade gestacional. Ingressara no alojamento conjunto naquela semana sendo que, anteriormente, se acompanhamento à internação foi realizado através de visitas. Posteriormente quando começamos a conversar no interior do ambiente de cuidados intensivos, observei sua dificuldade em expressar os sentimentos sobre a experiência de acompanhamento da internação. Entretanto, oferecia um rico relato sobre sua vida pessoal. É cada há pouco mais de um ano com Pedro, mora próxima a sua mãe, Jandira e, o irmão adolescente, Bruno. Ana trabalha como professora numa escola estadual cursa o segundo período do curso de Direito. Trancou sua matrícula durante a gravidez.
Nossas conversas eram marcadas por uma certa formalidade, pontuadas de algumas poucas queixas de sua parte sobre a dificuldade de dormir em alojamento conjunto e, no período próximo a alta hospitalar, relatou seu desagrado em relação a questão da amamentação no interior da unidade, colocada como critério de alta hospitalar pelos médicos. Essa experiência retardava a dia do bebê para casa. Quando a procurei na primeira consulta em ambulatório de follow-up fui surpreendida com seu convite para visitar a família em casa. Lembro-me que Ana sentiu necessidade de me apresentar algum tipo de garantia para que as visitações realmente se realizassem, dizendo que morava em um lugar diferente de onde vivia a maioria das pessoas dali. Compreendi então que, se existiu alguma restrição quanto ao nosso relacionamento durante o convívio na instituição, se convite demonstrava que em ambiente doméstico seria diferente. Ana quis manter a relação comigo e, embora não excluísse o fato de reconhecer meus interesses de investigação para uma pesquisa, compartilhou dos mesmos a partir de uma participação mais intensa que somente pode acontecer em seu território.
Acredito que as experiências vividas nas duas intenções durante a gestação seguidas do parto prematuro de Mário contribuíram para inibir inicialmente nossa relação pois, de alguma forma, mesmo não fazendo parte do staff eu representava a assistência que a instituição oferecia para o risco e urgência implicados na prematuridade. Compreendo que o objetivo da pesquisa, conhecido desde o início do nosso relacionamento, contribuiu para que, posteriormente suas ansiedades relativas ao cuidado em ambiente doméstico pudessem se compartilhadas. Acredito que isso foi possível devido a diferença, para Ana, entre estar submetida a estrutura de funcionamento do hospital e possuir liberdade de realizar um vínculo a partir do ambiente doméstico.
Apesar de ter pais hipertensos Ana nunca havia sofrido problemas desse tipo dou realizado qualquer tratamento para controle da pressão arterial[122]. Porém, no mês anterior ao nascimento de seu filho começou a sentir dores lombares, cefaleia intensa, episódios de tonteira acompanhados de turvamento da visão que, ao piorarem, levaram-na ao atendimento ambulatorial no Instituto Fernandes Figueira onde foi iniciado o acompanhamento indicado para gestação de risco. A partir de então, ela instalou uma rotina em domicílio, de média a pressão de 12 em 12hs. E de utilização de medicação específica para hipertensão. Apesar dos cuidados, Ana teve que ser internada duas vezes durante a gestação sendo que, durante a segunda, foi submetida a um parto cesáreo como medida terapêutica indicada para impedir a elevação da pressão. Somada a hipertensão havia o diagnóstico de oligodraminia e de sofrimento fetal crônico[123].
As síndromes hipertensivas compreendem duas entidades de etiologia completamente diferentes. Uma é a hipertensão induzida pela gestação ou pré-eclâmpsia que reverte após o parto. A outra é a hipertensão crônica, que coincide com a gestação. A elevação da pressão arterial de Ana e específica da gravidez, situando-se em relação as síndromes hipertensivas (pré-eclâmpsia, eclampsia, hipertensão arterial crônica, hipertensão crônica com pré-eclâmpsia superajuntada a síndrome de Hellp) como pré-eclâmpsia. A hipertensão induzida pela gestação normalmente ocorre após a vigésima semana de gravidez, sendo uma doença inconstante se no início, variável em sua manifestação, imprevisível na sua progressão e incurável, exceto pela interrupção terapêutica ou espontânea da gravidez. Zugaib (1994) demonstra que uma variedade de problemas que são causados por este quadro clínico, desde transtornos transitórios e insignificantes até morbidade gravíssima, particularmente real e cerebral podem inclusive culminar em morte.
Mário nasceu prematuro na trigésima primeira semana de gestação e permaneceu por 44 dias internado pela indicação de doença respiratória pulmonar, traquipnéia transitória, suspeição de sepses e anemia. A traquipnéia transitória do recém-nascido e, segundo Moreira e Lopes (2004ª) a doença respiratória mais comum em bebês nascidos a termo ou próximos do termo. Também denominada como "Síndrome da Angústia Respiratória do tipo II" ou "Pulmão Úmido", possui boa evolução clínica. Um dos fatores predisponentes é o parto prematuro[124] Nos cuidados, geralmente é necessário o uso de oxigênio suplementar por pouco tempo, como foi observado em Mário na assistência respira ´tria recebida através da qual permaneceu por duas horas no capacete e por quatorze horas no CPAP[125]. Esse tratamento implica em suporte mais geral com, dentre outros procedimentos o da dieta precoce por sonda, até que a frequência respiratória seja normalizada. A sepsie no período neonatal é uma síndrome que apresenta múltiplas manifestações sistêmicas pela invasão e multiplicação bacteriana na corrente sanguínea. É conhecida como um grande desafio para a assistência neonatal (Vieira,2004), pela imaturidade do sistema imunológico no recém-nascido e por sua inespecificidade em caraterísticas clínicas. Possui fases evolutivas[126] e sua terapêutica é a do uso de antibióticos, uso que pode gerar efeitos colaterais como o da flora bacteriana multirresistente, maior tempo de internação, procedimentos invasivos e, consequentemente, stress aumentado para os familiares. A anemia da prematuridade é caracterizada por queda progressiva da concentração de hemoglobina, substância encarregada de transportar oxigênio desde os pulmões até os tecidos do corpo (Martins, 2004). Mário recebeu, por uma vez, transfusão sanguínea durante o período da intenção e indicação após a alta hospitalar para avaliações no ambulatório de follow-up do ganho de peso, frequência cardíaca e respiratória, realização frequente de micro-hemtócrito e avaliação na necessidade de transfusão sanguínea.
Durante a internação foi encaminhado para avaliação cardiológica por presença de sopro-sistólico[127] sendo que as duas vezes, com seis meses de diferença entre uma e outra, foi avaliado durante o período de duração desta pesquisa. Os exames não indicaram nenhuma necessidade de tratamento específico. A partir da alta hospitalar, frequentou o setor de fisioterapia, em função do diagnóstico de uma síndrome hipotônica leve realizada através de uma avaliação neurológica pelo follow-up. Esta síndrome foi diagnosticada a partir de sinais apresentados por Mário, ligados aos reflexos de preensão palmar, posição da cabeça e dorso e pelo movimento de rôlo.
Os relatos de Ana sobre sua experiência de amamentar no interior da unidade de atendimento intensivo foi, como descrito inicialmente, uma das poucas vezes em que expressou, na relação comigo, algum tipo de experiência afetiva durante o período de internação. A indicação para amamentação com leite materno é, normalmente, critério de condição para o ingresso da mãe no alojamento conjunto à internação do filho, sendo um aspecto das normas institucionais que contribui para o complexo processo da nutrição do recém-nascido prematuro. A sobrevida, o crescimento e o desenvolvimento dos recém-nascidos prematuros estão estreitamente ligados ao conhecimento sobre suas necessidades nutricionais sobre as quais ainda não existe um consenso (Moreira e Rocha, 2004c). Se é recomendado o fornecimento de nutrientes para o alcance da velocidade de crescimento fetal fora do útero semelhante ao que existiria intra-útero, mas pouco se conhece ainda sobre a qualidade e a quantidade de nutrientes que os fetos recebem em cada idade gestacional.
Outros aspectos, relativos a amamentação de um bebê prematuro, são os da imaturidade do trato gastrointestinal, (incluindo-se aqui a competência do esfíncter esofagiano, diretamente ligado ao risco de refluxo gastroesofágico, que restringe a tolerância da alimentação por via enteral[128]) e o da composição do alimento oferecido. Quanto a este último aspecto, quando relacionado às necessidades nutricionais do recém-nascido de extremo baixo peso Moreira e Rocha (2004c) referem que o leite humano não possui a quantidade necessária de nutrientes sendo o seu uso inadequado para um crescimento ideal de recém-nascido prematuros. A nutrição parenteral total, NPT, é indicada, portanto em todos os casos de recém-nascidos de extremo baixo peso e iniciada horas após o nascimento, sendo mantida até que o suporte nutricional por via enteral seja possível em quantidades suficientes para promover um crescimento adequado. Assim, quando o prematuro não é capaz de sugar, recebe alimentação por sonda e sua administração é feita por gavagem (bolus) ou por infusão contínua. O leite humano exclusivo na nutrição de recém-nascidos com menos de 1.500grs., é associado ao ganho de peso inadequado durante a internação e nutrição por gavagem, estando sua utilização somada ao uso de multicomponentes enriquecedores, quando necessário. O peso de Mário, ao nascer, foi o de 1.100grs. o que lhe remeteu para a categoria de recém-nascido de extremo baixo peso[129] (Carvalho e Gomes,2005). Após 10 dias do seu nascimento, iniciou o contato com o seio materno associado a utilização de uma complementação. Consta nos relatos do serviço de fonoaudiologia do setor que, quando foi colocado ao seio, lambia, mas não sugava, apesar de existir reflexo de busca. Quando começou a apresentar sucção, esta possui frequência baixa, sendo acompanhada por queda nos índices de saturação (quantidade de oxigênio no sangue monitorizada através de oxímetro). Nos relatos de Ana, estes episódios eram descritos como angustiantes, sendo difícil para ela aceitar que "depois de tudo o que ele passou" a condição para a alta hospitalar estivesse condicionada a sua capacidade de sucção. Tal exigência representava para ela, reexperimentar afetos de angústia. Começou então a idealizar o ingresso de Mário em ambiente doméstico se opondo a amamentação que, por se realizar no interior da unidade, seria mais difícil tanto para ela quanto para o bebê.
O critério da amamentação exclusiva no seio materno para a alta hospitalar, geralmente é percebido pelos pais (McCain,2003) de forma problemática não apenas por se referir à rotina de indicações clínicas, mas também porque a habilidade do recém-nascido de fazer a transição da alimentação por gavagem para o seio depende de seu desenvolvimento neurológico que se apresenta através da organização do movimento e ritmo de sucção e da regulação cardiorrespiratória. A imaturidade neurológica de um recém-nascido prematuro incide de forma dramática neste período em que a alimentação ao seio materno depende da coordenação dos movimentos de sucção e de deglutição ligados ao ritmo de movimentos dos lábios, língua, palato, faringe, laringe, esôfago, maxilares e da regulação cardiorrespiratória que, sendo imatura produz, como consequência, bradicardias e apnéias[130]. As descoordenações dos movimentos da língua podem interromper a ação peristáltica do bolus de leite que adentra pela faringe, colocando o recém-nascido prematuro em risco de fadiga, choque e bradicardia durante a alimentação no seio. Por outro lado, a oferta do seio materno no interior da unidade é marcada frequentemente por um monitoramento do coração e da respiração durante a amamentação.
Acredito que, no caso de Ana, os episódios de bradicardia e apnéia que acompanharam a amamentação de Mário, foram marcantes no processo de adaptação de seu ingresso em ambiente doméstico. Tais episódios, ao contrário de suas expectativas idealizadas, se repetiram após a alta hospitalar, motivando sua reaproximação da instituição, de forma peculiar. Como Ana tinha consciência de que minha atividade de pesquisa incluía realizar visitas de observação criou a expectativa de uma espécie de assistência para sua angústia. Pareceu-me que precisava de alguém que a ouvisse.
 
 

























2- A casa em ritmo de U.T.I.: sobre os plantões familiares.
 
 
Acredito que as reações emocionais maternas ligadas a inserção em ambiente doméstico do recém-nascido prematuro egresso da unidade de atendimento intensivo podem ser remetidas a teorias que tratam dos traumatismos e de suas consequências. Justifico esta posição a partir da dinâmica que pude observar e que foi estabelecida na interação desta família com Mário nos primeiros meses após sua alta hospitalar. Dizia Ana:
 
...lá em casa vaia ser outra coisa. Ele vai fazer o ritmo dele, não é igual aqui que tem a hora da dieta, que te acordam para você dar, lá em casa ele vai mamar na hora que quiser o tempo que quiser. Não vou ter esses medos que eu tenho de ficar olhando o monitor para ver como está a frequência cardíaca e a saturação.......nós levamos outro susto na semana passada, nós fomos direto para o IFF, direto para a U.T.I. Não devia, porque eles falam que é para a gente ir para o hospital mais próximo. Mas não dá,os dois mais próximos são os X e Y e você se lembra dos noticiários do jorna em que numa semana houve um acidente e as pessoas não a puderam ser atendidas em V porque não tinham material. E se eu chegasse lá e ele não pudesse ter sido atendido...foi horrível porque estava tudo bem, nós saímos fomos ao Centro onde costumamos ir que é aqui na rua, pertinho de casa, era de dia quando voltamos ele mamou, deu aquela mamada boa, grande, e fui colocar ele no carinho para eu fazer as coisas, para tomar banho, fazer almoço. Aí, ele deu um arroto, mas um arroto tão grande que parecia de gente grande. Quando vou colocá-lo no carrinho, ele está branco que nem cera, todo mole, eu chamava por ele e ele ficava todo mole! Eu dei um grito, gritei meu marido, minha mãe e fomos para o hospital, ele foi direto para a U.T.I.A Dra. X já o
Conhece e o examinou de cima para baixo. Clinicamente lê não tinha nada, estrearam fizeram exames e nada. Aí ele foi melhorando a cor, foi voltando, mas o pior (enche os olhos d'água) é que de lá para cá, eu que estava tão bem, eu si do hospital zen, conseguia ficar sozinha com ele aqui em casa numa boa, desde esse dia eu não consigo mais ficar com mele sozinha, eu não consigo (chora)
 
 
Depois daquele dia nós aqui em casa não estamos dormindo, fizemos um termo assim de revezamento, está uma loucura, de cansaço, de medo (chora), cada um fica 4 horas acordado por noite para ao outro dormir, cada um fica olhando o Mário. Sabe x, aquele bebê que ficou internado um tempão, pois é, ele morreu e estava com 5 meses, igual a idade do Mário agora, eu fico apavorada com isso. Ele foi mama e uma hora depois quando o pai voltou do trabalho encontrou ele morto no berço. 
 
 
A teoria psicanalítica propõe uma transposição do conceito de trauma oriundo da medicina, onde se liga a ideia de ferimento e impacto físico em decorrência de uma violência externa, para o plano do funcionamento psíquico. Em relação a este aspecto, de forma geral, o traumatismo é usado para designar o impacto psicológico de uma experiência de separação, perda, acidente ou doença. Mas, em psicanálise o trauma se apresenta como um conceito fundamental que possui formas de abordagem distintas quanto a etiologia e consequências para o funcionamento psíquico. O traumatismo foi inicialmente ligado a teoria da sedução, sedução sexual de crianças realizadas por adultos (Freud,1895). Num segundo momento, foi interpretada como resultado das fantasias decorrentes da sexualidade infantil presente nos conflitos neuróticos (Freud,1905) e, em sua fase final (Freud, 1920,1926), apresenta-se entrelaçado a visão econômica do funcionamento psíquico[131], a situações de perda de objetos de amor e a injúria narcísica.

Bokanowski (2004) comenta sobre a diferença entre trauma, traumatismo e traumático que pode ser aplicado às reações emocionais de Ana por ocasião do ingresso de Mário em ambiente doméstico. O autor considera que o trauma e o traumático são variações sobre o conceito de traumatismo sendo que este é definido como um processo, um modo, uma forma na qual o sujeito se relaciona com os objetos e com a visão que possui de si mesmo[132]. O que é traumático se encontra mais especificamente relacionado ao aspecto do traumatismo em sua relação com o inesperado diante do qual o sujeito não possui um "escudo protetor" o que significa ser invadido por estímulos e excitações que estariam além das possibilidades de elaboração psíquica. Por sua vez, o trauma seria, essencialmente, a ação negativa e destrutiva da operação traumática. Esta ação atacaria as possibilidades de ligação das excitações com representações psíquicas[133] causando uma injúria narcísica ao eu e criando áreas mentais inacessíveis.
 
Se privilegiarmos a compreensão sobre o traumatismo como sendo aquilo que abrange tanto o traumático como o trauma, ou seja, a reação diante do inesperado e suas consequências futuras, podemos utilizar algumas proposições freudianas para compreendermos a forma como Ana se utiliza dos atendimentos de urgência para Mário. Freud (1920) inicialmente acreditava que os processos mentais possuíam uma tendência que se orientava pela evitação do desprazer.
 
Entretanto, em suas investigações sobre determinada forma de neurose, a neurose traumática[134] observou que experiências do passado que não incluíam possibilidade nenhuma de prazer e, que nunca trouxeram satisfação, poderiam ser repetidas de foram compulsiva. A característica desta compulsão à repetição do desprazer é a existência e formação de um traço de memória que remete a uma experiência afetiva que permanece a mesma e frequentemente se liga a situações futuras. Nessas, através de uma posição passiva, o sujeito se defronta com a repetição das mesmas fatalidades vividas anteriormente. Desta fora, existiria algo mais primitivo do que o funcionamento regido pelo princípio do prazer que opera no psiquismo humano, de forma a repetir compulsivamente o desprazer ligado a situações denominadas como traumáticas tias situações são aquelas diante das quais o sujeito não conta com qualquer possibilidade de proteção e que inundam o psiquismo com grandes quantidades de estímulos ocasionando ruptura, distúrbio em sua capacidade de se proteger e produzindo reações características ligadas ao medo e a ansiedade.
 
Acredito que Ana reexperimentou em casa a angústia, anteriormente vivida durante a internação, ligada a percepção dos riscos inerentes ao nível de prematuridade de Mário, principalmente as situações relacionadas a sua capacidade de sugar e que lhe fizeram convier, durante a amamentação, com os episódios de apneia e bradicardia. Foi justamente após uma mamada em casa seguida de um grande arroto, que o primeiro uso, vivido durante o período de internação se reatualizou estabelecendo uma dinâmica que repetiu de forma compulsiva, o aspecto traumático contido nas situações em que existiu risco de vida para Mário. Elas produziram uma quantidade de estímulos maior do que seria emocionalmente suportável para Ana. Repetiu-se em casa o comportamento dos plantonistas no hospital, agora reproduzido pela família. Não foi possível, durante algum tempo, ligar esta quantidade de estímulos trazida pela situação de risco a representações de uma identidade parental capaz de contê-las, provocando a ação irruptiva do trauma. Foi repetida em casa a situação traumática a partir dos sinais de angústia que arrastavam Ana à um comportamento compulsivo, buscando atendimentos de urgência.
 
Não chora, não chora perto dele (marido). Mário, sua mãe está ficando maluca vai para o hospital daqui (o casal mora próxima de um hospital psiquiátrico). Eu já falei quando o Mário crescer ele vai ser psiquiatra ou cardiologista para cuidar de mim(chora). Parece que agora eu só vejo ele pálido e eu fico perguntando para todo mundo qual é a cor dele. Então até meu irmão, Bruno, outro dia veio aqui para eu não ficar sozinha com ele porque minha mãe foi trabalhar e meu marido também. Aí nós ficamos apagando e acendendo a luz da televisão, pensando então que poderia ser a luz da televisão, pensando então que ...o que me deixa assim, é que eu estava bem, estava me sentindo equilibrada, e aí aconteceu isso e agora além de ficar esse rodízio. Para não dormir eu pergunto para todo mundo se ele está pálido, se ele está branco, então (chora) eu já não estou mais como eu estava antes. Vou ficar dependendo dos outros assim para cuidar do meu filho...E é mesmo, por isso que eu digo quando o pessoal fala para eu ter outro filho. Não vou ter, não quero passar por tudo aquilo de novo. Não dá. Eu estou lendo, porque durante a internação, na gestação quando eu fiquei internada fiz um diário até o parto dá para ler, depois do parto não dá mais, eu não consigo. Depois do parto eu não consigo ler o que escrevi. É impressionante!
 
Freud (1926) apresenta a angústia como sendo um afeto que possui o caráter de desprazer ligado a sensações físicas frequentemente percebidas pelo sujeito através de descargas motoras dos órgãos respiratórios e do coração. Consiste numa reação à ameaça diante de um estado de perigo, reproduzida sempre diante do risco de que um episódio desta espécie se repita. Pode surgir de duas maneiras. Como inadequada, sendo uma reação imediata a situação de perito e adequada quando antecipa esta situação deforma a evita-la, funcionando como um sinal. Tanto de modo automático como enquanto um sinal, angústia é produto do estado de desamparo biológico emana do sujeito e se origina nas situações de separação. O estado de desamparo estaria ligado a situações de perdas vividas através da percepção subjetiva de separação que sujeito realiza em relação ao objeto capaz de remover a tensão ocasionada pelo excesso de estímulos. Tais sensações estariam presentes, segundo o autor, a partir de uma situação prototípica, a do nascimento, onde existe um risco de vida real nas condições fisiológicas de separação do corpo materno. As situações de perda seguem pela primeira infância através das consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos e, na vida adulta do sujeito, presente na perda de amor do Superego, região psíquica que inclui as ideias a serem atingidos pelo sujeito. A perda do objeto constituiria o núcleo da ameaça de desamparo contido na experiência emocional da angústia quando não haveria possibilidade de remoção da tensão produzida pelo acúmulo das excitações trazidas pelo traumatismo.

Quando Ana expressa seu desejo sobre as possíveis carreiras profissionais de seu filho (psiquiatra ou cardiologia), demonstra também como se vê necessitada de auxílio, projetando esta situação na ideia de ser assistida por "Mário-adulto-médico" que então a cuidaria de seus medos de enlouquecer e morrer que, neste momento, se entrelaçaram ao enfrentamento da situação de prematuridade. Acredito que sua experiência do afeto de angústia, num primeiro momento, foram reações automáticas diante da situação traumática ligada ao impacto do parto e da internação em unidade de atendimento intensivo. Mas, posteriormente, com o ingresso de Mário em ambiente doméstico, se relacionou mais proximamente ao trauma, ação do traumatismo, que produziu, como uma de suas consequências, a internalização de uma situação de perigo, desta vez percepção de um pedido interno, loucura ou morte, funcionando como um sinal de angústia frente aos riscos de novos sustos.
Em cada período da vida, segundo Freud (1926) o sujeito possui um determinante apropriado para a angústia, sendo que esse pode me persistir, dado a dado ou agirem conjuntamente, mesmo estando o sujeito na vida adulta. Entretanto, se considerarmos o temor da perda do amor do Superego, compreendo que os mesmos contêm os ideais investidos narcísicamente pelo sujeito, dentre os quais o da parentalidade, podemos nos aproximar da compreensão do que Ana apresenta quando se fiz incapaz de perceber a cor de Mário ou de não conseguir ficar sozinha em casa sem que alguém a auxilie na percepção das necessidades do filho. Cramer (1993) acredita que, para o jovem adulto, a possibilidade de fazer construções imaginativas a respeito do como será enquanto pai ou mãe constitui uma espécie de riqueza psíquica. A partir destas projeções no futuro e com o apoie em identificações com seus próprios pais, os jovens elaboram projetos e desejos quanto a sua própria atividade parental. Tais projetos atuam como representações, construídas através do tempo, da imagem deles enquanto pais. A situação de prematuridade frequentemente traz para os pais uma representação de que a parentalidade é uma tarefa insuperável, sendo o bebê visto como portador de exigências e necessidades tão especiais que os colocam em situação de se avaliarem como incapazes de os satisfazer. O ideal parental então pode mostrar-se inatingível. As características presentes na condição real da prematuridade ao se aproximarem das situações de angústia pelo temor da perda do amor do Superego, por um ideal que não se realizou, colocam para os pais que a abnegação, o sacrifício e a doação de si próprios, exigidos normalmente pela parentalidade, serão insuficientes nesta situação, gerando sentimentos de fracasso e de esgotamento.
Desta forma, podemos compreender que a prematuridade exerce um forte impacto sobre o psiquismo materno, sendo um evento crítico para a vida familiar, na média em que exerce efeitos sobre a percepção e a responsividade determinados pela subjetividade materna em relação as necessidades do bebê. Relacionam-se não somente com o momento crítico da internação e da hospitalização, mas também com a forma como são manejadas em ambiente doméstico.
 
 
 
3- A autoridade das lembranças.
 
Pretendo abordar neste momento a forma como as necessidades especiais de Mário foram decodificadas por seu grupo familiar. Busquei compreender o uso de recordações ligadas a um repertório de práticas e de cuidados frente a situação do traumatismo, de forma a permitir sua elaboração. Tais lembranças mostraram-se determinantes na transição de forma a permitir sua elaboração. Tais lembranças mostraram-se determinantes na transição entre o comportamento compulsivo de Ana que buscava atendimento de urgência para o de uma melhor integração e reconhecimento de suas capacidades em manejar as necessidades do filho no ambiente doméstico. A partir da observação de que tais lembranças eram evocadas nos momentos em que me relatava as dificuldades recorrentes no convívio com o filho em ambiente doméstico, percebi que elas construíam uma ponte entre o presente e o passado, diminuindo sua angústia e possibilitando o discernimento pela reflexão sobre as necessidades de Mário.
A partir do que propõe Bertaux e Thompson (1992) podemos entender como sendo transmissão o que culturalmente permanece. Ela opera sobre tradições tão antigas quanto a humanidade e, ao mesmo tempo, estreitamente ligada a brevidade da vida humana e aos seus ciclos, dentre os quis se situa a maternidade. O papel da família nos modos de transmissão permanece como uma via privilegiada que possibilita conhecer características particulares sobre como a posição ocupada por seus membros é mantida pela interdependência existente entre o indivíduo e sua ancestralidade. O velho e o novo, a história e o indivíduo, estariam ligados pelo ato de transmitir que, quando enfocado através do encontro entre gerações, apontaria para a existência da memória cultural presente em cada grupo familiar (Tonkin, 1993). Segundo Bertaux-Wiame(1993) a narração de uma história de vida realça a importância das relações familiares no processo de socialização [135] dos indivíduos nos papéis a serem desempenhados, situando a memória em um plano social. Privilegio as demandas de Ana dirigidas à sua mãe porque, através das mesmas, as lembranças de sua infância e adolescência trouxeram para o presente um repertório de cuidados que pertence a história deste grupo familiar.
 
 
A sorte é que eu fui para a casa da minha mãe antes de sair com ele, desesperada de novo pela rua, então ela falou com ele, brincou com ele e aí ele acordou (risos meu, dela e do marido). Ele só estava dormindo, diz o marido eu embarquei na dela. É que melhorou, mas ainda é difícil, a minha mãe me compreende e ela falou que é assim mesmo, que comigo também era assim. Que eu dormia como uma pedra, que não acordava de jeito nenhum, aí nós nem fomos ao hospital. Mas dormir mesmo eu não consigo ainda, só quando é ela, a minha mãe, quem está vigiando.
 
 
 
A minha mãe fala que eu fui assim também (começa a chorar). Que quando eu era pequena eu tinha convulsão, tinha febre e até hoje tudo que é comigo, uma dor de garganta, um aborrecimento me dá febre. E minha mãe fala que várias vezes ela pensou que fosse me perder que passou o que eu estou passando agora...
 
 
 
Nós já passamos muita coisa juntas, muita dificuldade com a minha mãe. Eu morava com minha avó mãe do meu pai que morreu e que era a dona desta casa onde a minha mãe está morando agora. Quando meus pais se separaram eu vim morar aqui, dormia até om ela, depois minha mãe casou de novo. Então meu padrasto era muito bom para mim, o pai do Bruno, aí na casa da minha mãe eu tinha o meu quarto. Só queria ficar no meu quanto, sabe como é quando você é jovem, o aparelho de som, aquela coisa, aí ele começou a beber, arrumou outra mulher aí nós viemos para cá. Foi assim que nós viemos para cá. O Bruno era novinho, quase um bebê, então eu cuido dele assim desde aquela época. Meu pai fez um acordo com a minha mãe para ela cuidar da mãe dele e ela cuidou, a casa ficou para mim e agora estamos aqui...
 
 
Ana foi lembrada pela mãe dos cuidados que recebeu enquanto bebê e buscou também nas recordações de como, ainda adolescente, assumiu e aceitou a reponsabilidade que lhe era confiada de cuidar do irmão menor. A utilização das lembranças familiares e pessoais contribuiu no processo de estabelecimento de sua identidade enquanto mãe de um bebê prematuro. A transmissão, pelo relato da mãe, da forma como foi cuidada na infância e as recordações sobre a adolescência, se constitui enquanto modelo de identificação que aproximou as dificuldades anteriormente vividas das atuais. Ao mesmo tempo em que se utilizava deste passado também relatava a ocupação pela mãe, no presente, do lugar de avó. Neste sentido, na passagem do tempo e assunção de novos papéis, encontramos também o retorno às lembranças de sua avó, bisavó de Mário, que teria compartilhado das funções maternas em relação a sua criação o que demonstrava seu conhecimento por experiência própria dos benefícios da união avó-neto na continuidade das relações entre gerações. Podemos compreender as evocações do passado através da força e da presença constantes em seus relatos da avó e da mãe, como uma forma de descrever o reconhecimento da importância desses laços de união e solidariedade para sua formação individual.
 
 
Nesses rodízios de não dormir que a gente faz, eu tenho certeza que ela fica acordada, ela sabe o que eu estou passando (chora) e eu tenho certeza que quando ela vigia, nesses turnos que a gente faz, eu sei que ela sente o que eu sinto, eu me acalmo. Eu não sairia daqui, desta casa, deste bairro, da pracinha...penso em fazer carreira (neste período sua faculdade de direito estava trancada) mas não em sair daqui, perto de onde tenho ajuda, quem vai ficar com o Mário par eu trabalhar...a minha mãe não é.
 
 
...Mário está adorando a casa da minha mãe. Outro dia mesmo, estava ele aqui, ranhetando, assim meio triste, quando eu o levei para a casa da minha mãe, ele abriu um sorriso e também nos duas formos ao IFF na semana passada. Então eles estão fazendo uns testes lá por causa do braço dele, da forma dele pegar. Porque olha, está vendo a mãozinha dele, fechada, olha, tinha de já estar abrindo ela falou porque ele tem 4 meses. Sei que tem de corrigir, que tudo do Mário vai ser mais lento. Aí a médica falou para a gente colocar ele no chão, comprar um colchão para ele girar, e aqui na minha casa não tem espaço para isso e lá na casa da minha mãe tem. Minha mãe falou comigo: o que importa é tratar desde o início o que está errado, a gente não tem que ser perfeita, vamos consertar. Minha mãe falou comigo e assim foi mais fácil aceitar. Eu sei que do jeito que a médica fala mete medo, a gente fica triste, a gente sente quando alguém fala de um filho da gente, é ruim. Mas ao mesmo tempo é melhor fazer alguma coisa do que negar, do que não fazer nada, fui comprei o colchão, ele já está rolando...


Micheli (2000) observa que não existe oposição, mas sim interdependência entre os processos de construção de indivíduos e o estabelecimento dos laços familiares, devendo ser dimensões tratadas de forma conjunta. Sua proposição é a de que é possível existir responsabilidade consigo mesmo e preocupação com a outra pois maior sensibilidade ao desenvolvimento pessoal não exclui uma demanda de apoio aos que estão próximos. O autor, a partir do estudo dos vínculos afetivos, investigou com o a identidade individual está implicada em formas de duvido familiar, solicitados a partir de uma necessidade de reconhecimento pessoal e, fazendo parte de um processo e interdependência. Assim, as interações familiares possuiriam estas duas dimensões, a da individualização e a do apoio a identidade através do cuidado com necessidades explícitas e implícitas de aquisição de autonomia, por parte de seus membros.
 
A partir do lugar afetivo que a avó de Mário ocupa no seio deste grupo familiar pude compreender como foi transmitida a Ana confiança em sua capacidade de cuidar do filho, ao mesmo tempo em que suas necessidades, enquanto mãe de um bebê prematuro, foram atendidas. Assim, a experiência da maternidade ao mesmo tempo em que representa uma conquista relativa a autonomia pessoal, se constitui através de uma dinâmica de interação familiar da qual circulam práticas de apoio. Desta forma, o nascimento de Mário não implicou na dissolução do vínculo com a família original de Ana mas sim, na demanda de um tipo de apoie que foi dirigido à sua avó isso permite compreender que a sustentação da relação identitária entre os membros deste grupo familiar estava assegurada pela vinculação afetiva. Assim, como diz Bott (1976), o desempenho de um papel não pode ser compreendido como sendo todo o comportamento das pessoas. Significa um comportamento espera de qualquer indivíduo que ocupa uma posição social particular.
A avó utilizou como exemplo, na compreensão das dificuldades de Mário sua própria experiência nos cuidados da filha quando bebê. Encontramos assim uma forma de apoio e suporte oferecida pela tradição evitando, inclusive, a recorrência frequente ao atendimento hospitalar de urgência movida mais pela angústia de Ana do que pela necessidade clínica de Mário.
Kretchmar (2002) observou 55 avós a partir do nascimento até o sexto mês de vida dos netos nascidos de suas filhas mulheres, percebendo que os modelos de relação entre ambas na díade adulta eram recriados na relação destas últimas com seus filhos. A interação avó-neto é contemporaneamente reconhecia com como fator importante fator interveniente nas investigações sobre o desenvolvimento infantil nos vários tipos de configuração familiar. Em relação aos cuidados com a saúde das crianças são comuns, na literatura a respeito da participação dos avós, descrições de práticas diretamente influenciadas por sua proximidade afetiva. É o caso, por exemplo do aleitamento natural, do cuidado pré-natal e pós-natal para a gestante e puérpera e do acompanhamento na hora do parto. De uma forma mais específica, quando o ingresso de um bebê prematuro implica em pesado fardo físico e emocional, a divisão desta sobrecarga entre os familiares é importante e frequentemente está relacionada a possibilidade de contar com a ajuda de outras mulheres da família[136].
 



4- O casal diante da prematuridade
 

Foi depois de algum tempo de observação deste grupo familiar, que pude me aproximar da experiência de Pedro, pai de Mário, com a situação de sua alga hospitalar e intr3sso em ambiente doméstico. Inicialmente ficou claro que os cuidados mais diretos com o bebê, a percepção de suas necessidades (alimentação, banho, medicação, vigilância), eram principalmente relegados à mãe e a avó d, ao pai cabendo o socorro nas situações de urgência. Entretanto, com o desenrolar das visitas ao domicílio pude observar que sua participação evoluiu, ultrapassando o limite convencionais. Isso possibilitou minha compreensão sobre a influência que a experiência do pais de um bebê prematuro exerce sobre o humor materno e sobre sua potencialidade em resgatar, para o casal, os ideais projetados na parentalidade.
 
Sempre pensei em casar, ter a minha casa meus filhos, minha vida com um homem legal, nós planejamos tudo, o namoro, o casamento, a casa...não era para ser assim, parece que a gente não pode cuidar dele, não capacidade...
 
…assim, nossa vida estava toda arrumada, ele querendo sair do emprego que estava fazendo o estágio e eu a faculdade, o trabalho no emprego público. Foi uma história as coisas terem sido assim, uma pancada, a gente não esperava, estava tudo tão bom. A gravidez foi planejada, ele foi um filho querido...eu e o Pedro não temos assim problemas de casal sabe...
 
 
 
O fato de uma pessoa desejar se tornar pai ou mãe não significa que existam garantias de uma identidade parental segura. Na relação dos pais com um filho podemos encontrar tanto motivações narcísicas como aquelas em que as características da criança em si são melhor percebidas e aceitas. Apesar de, em geral, se estabelecer uma mescla de ambas, existe um consenso sobre a dinâmica que o casal constrói, a partir dos ideais presentes na forma e no estilo de cuidados a partir do nascimento de um filho. Ideias que, ora podem estar mais próximos de situações nas quais a criança se torna uma extensão do narcisismo dos pais e ora próximos do reconhecimento da criança em si. Seriam motivações narcísicas as encontradas em situações nas quais a parental idade se entrelaça com a imaturidade emocional do casal. Suas manifestações são: solução de manter uma relação ojá empobrecida, infeliz e em processo de deterioração; realização pelos folhos de desejos não concretizados pelos pais, nessa busca de sentimentos de segurança ligados, em fantasia a suposta habilidade de cuidar de uma criança, garantia de ser cuidado na velhice (a criança como investimento) e, finalmente, a parental como resposta as expectativas sociais a respeito do casal. Mais próximo do relacionamento com a singularidade da criança estariam as motivações em que a penalidade não é vista como um fim em sim mesmo, o que permite a criança se sentir livre para crescer e se desenvolver a partir de suas próprias aptidões e desejos, estando ligada de forma secundária a relação marital. Nesse caso o casal possuir um reserva emocional da qual a criança pode usufruir e que é anterior.
Como demonstra Debray (1998) existe um percurso entre o projeto de um filho e a existência do filho real. O projeto de um filho se liga ao encontro de duas histórias de vida iniciadas com a dependência dos pais quando crianças em relação a seus próprios pais. Passando pela adolescência face à reação, frequentemente de oposição. Aos modelos de paternidade e maternidade. A concepção de um filho, planejada ou não, é frequentemente descrita como um jogo complexo de impulsos contraditórios que impõe um trabalho psíquico centrado no desejo e no medo pelo desejo. Algumas mulheres têm gravidez fácil e sem problemas e outras enfrentam dificuldades na gravidez, podendo se estender também nos primeiros tempos de vida da criança.
A experiência da gravidez de risco carrega o peso do que é inesperado, apresenta-se como um corte no tempo usual e a um investimento adicional necessário em que os pais realizam, de forma gradativa, a transição entre o projeto, aspirações narcísicas e situação real da paternidade e do reconhecimento das necessidades do bebê. Desta forma, incide de forma opressiva sobre os pais pois o tempo de gestação normal, necessário para que a família se prepare para criar um espaço para o bebê (Picuns e Dare, 1981), não existe Morsch (1990) diz que o nascimento prematuro introduz um novo membro da família de forma abrupta e em tempo inadequado, o ela torna necessária a introdução de novos personagens, que não os pais, para assumir os cuidados básicos com o bebê. Esta situação gerou uma ferida narcísica[137] em Ana e Mário, influenciando na percepção de sua força para o enfrentamento da situação traumática.
 
 
Gritei eu (marido) falei que o Mário estava passando mal que a gente tinha de ir para o hospital. Nessas horas ele não tem assim muita ação. Na hora que ele está passando mal eu não consigo dirigir, cada um vai fazendo o que pode, o que dá. Sorte que não tinha trânsito aquele dia mesmo se tivesse e ia indo, eu chamava a polícia, a polícia ia abrindo o caminho para mim e eu ia passando, disse Pedro.
 
 
Eu não durmo, mesmo quando não é a minha vez de ficar acordada perto dele, não sou de brigar, mas quando desci vi o Mário dormindo de um lado e o Pedro que era para estar acordado, dormindo. Não aguentei, assim não dá, e se acontecesse alguma coisa...
 
Eu já pensei, se por um acaso o Pedro não aguentar, porque para o homem é sempre mais difícil aguentar, e for embora, eu me separo e fico aqui com a minha mãe e o Mário numa boa, não me caso de novo, mas fico numa boa...
 
 
 
Conforme demonstram Macey e Harnon, (1987) o nascimento de um bebê prematuro provoca um desencontro em relação as expectativas dos pais sendo que uma de suas consequências mais comuns após a alta hospitalar é a de se sentirem confusos na interpretação dos sinais apresentados pelo bebê visto que estão sempre preocupados com sua sobrevivência. Mães relatam maiores dificuldades que os pais no ajustamento em relação ao bebê nos primeiros meses após a alta hospitalar (Trause e Kramer, 1983) sendo que o estado de humor é o fator que mais influência na percepção das necessidades dos filhos há uma tendência frequente na atenção materna para os aspectos negativos do comportamento do bebê. Os casais que contam com o suporte de uma relação conjugal prazerosa são também aqueles que interagem mais sensivelmente com seus filhos. Entre casais, pais de bebês prematuros, Leidermans (1974) observou alto índice de divórcio, quando comparados com pais de bebês nascidos a termo. O casal que enfrenta a situação da prematuridade costuma ser afetado em sua capacidade de comunicação e de percepção das necessidades e sentimento um do outro. O autor aponta sentimentos de diminuição da autoestima relatados como determinantes para a ausência do suporte esperado para o enfrentamento da situação. Os distúrbios de comunicação somados as expectativas não correspondidas, tanto pelo bebê como pelo parceiro, produzem sentimentos de solidão e, principalmente de tristeza, impotência e inabilidade em relação ao manejo das necessidades do filho.
A relação conjugal pode representar um importante papel na forma como as famílias elaboram suas estratégias diante de um nascimento prematuro. Herzog (1979) encontrou problemas em 67% de uma amostra de casais cujos bebês ficaram internados em unidades de assistência intensiva por mais de 3 semanas. Embora vários fatores possam contribuir para tal desfecho, como escolaridade e condição econômica, o autor observou que nestas famílias os maridos eram menos presentes no apoio e suporte a suas esposas durante a após a alta hospitalar. Weller e outros (1999) encontram uma interação com o bebê mais ativa após a alta hospitalar em mães de bebês prematuros que relataram boa relação conjugal.
A experiência de paternidade de um bebê prematuro demonstra se um aspecto cada vez mais conhecido por pesquisas que sugerem existir diferenças entre as reações emocionais de homens e mulheres, desde o período da internação em unidade de assistência intensiva, passando pelo ingresso do bebê e ambiente doméstico e como fator co-determinante para o desenvolvimento emocional, cognitivo e comportamental de crianças e adolescente prematuros (Magill-Evans, 1996; Yougman, 1996). Frequentemente tais estudos assinalam esta diferença na experiência do pai de um bebê prematuro. Isso se revela com perceber e expressar os próprios sentimentos diante das condições clínicas do bebê, nos cuidados com o mesmo em ambiente doméstico, na relação com a equipe profissional e no acompanhamento em follow-up. As mães evidenciam preocupações especiais esperando do pai um reasseguramento empático e alívio em relação a sentimentos de culpa e responsabilidade pela situação de prematuridade.
Durante as observações realizadas com a família de Ana compreendi que a participação de Pero nos cuidados com o filho era constante, silenciosa e, se no início foi limitada. Isto também ocorreu pela dificuldade de compreender a situação e pelo respeito ao papel da esposa e sua autoridade de mãe. Ao contrário do que observa Morsch (1990) sobre ser o período do follow-up aquele em que o pai menos participa, Pedro foi, acompanhante de Ana em todas as consultas do filho e esteve presente em todas as visitas que realizei.
Compreendi então que o casal durante nossos encontros dramatizava uma situação em que pudessem ser vistos sem esfacelamento u divisões, frente ao traumatismo causado pela prematuridade de forma que esta observação pudesse espelhar o ideal gradativamente reconquistado de suas competências em relação aos cuidados com o filho. Pedro se aproximava da descrição, "o braço que apoia" a fragilidade física e emocional da mãe. Desta forma, através dos relatos de Ana, soube que ele foi o primeiro a ver o bebê, a conversar com a equipe técnica da unidade de atendimento intensivo e foi quem lhe trouxe as primeiras informações sobre Mário. Assim, a proximidade demonstrada em domicílio já existia antes e de alguma forma se manteve como um pano de fundo por trás de toda a situação de traumatismo. Essas vivências me parecem sugerir que o contato entre mãe e pai, na conjugalidade, são tão importantes quanto as realizadas entre pais e bebê no sentido de prevenir os distúrbios do vínculo afetivo, tão comum em relação a interação com bebê prematura.
 
 
E ontem eu passei tão mal, de noite, eu tive uma dor na barriga mas uma dor que deixou a minha barriga tão dura, que olha nem aquela ginástica de colocar as pernas dobradas eu consegui fazer. O Pedro queria me levar ao hospital e se não passasse eu iria mesmo para o hospital porque já não dava mais. Aí me lembrei da médica lá do PAM e pedi para o Pedro compra o Flagass. Fiquei com medo de ser uma apendicite aguda, que já estivesse estourando. Fiquei com medo de morrer, não é que eu tenho medo de morrer, mas é que depois que a gente tem filho é diferente não...peguei um livro que a minha sogra me deu com rezas para todo o tipo de dor, aí vi o capítulo de dor de barriga, rezei, tomei o remedio, e falei com o Pedro: Vou dar meia hora para a dor passar e se ele não passar vou para o hospital. Se não fosse ele aqui comigo eu já teria batido na casa da minha mãe apavorada de novo, só que desta vez comigo.
 
 
...ontem o Mário ficou com o Pedro o dia inteiro. Foi comigo para o banco. Olha deu para arrumar a casa fazer faxina, o almoço, ficaram superem. Ele dormiu a maior parte do tempo e com eu sei que ele dorme muito mesmo nem me preocupei. Coloquei no banco de trás, na cadeirinha e fomos bem mesmo.
 
 
 
Frequentemente se descreve que somente uma mulher pode sentir o que significa a dependência e o desamparo de um bebê em suas primeiras semanas ou meses de vida. Somente a mãe se vê absorvida nos cuidados com o corpo do bebê gostando disso, sabendo exatamente como segura-lo nos braços, como deitá-lo, como deixa-lo sozinho. Somente uma mulher sabe de tudo isso desde menina quando brincava de cuidar das bonecas. E o pai...
Winnicott (1975) acredita que quando a mãe passa ficar preocupada com o bebê nos últimos meses de gravidez, também ocorre uma mudança no pai. Este seria capaz de se transformar no agente protetor que libera a mãe para ela se dedique ao bebê. Tal cobertura protetora fornecida pelo pai é necessária quando a mãe está na gestação, no parto e durante a amamentação pois assim ela seria poupada da necessidade de voltar-se para fora, ligar com o mundo que a cerca, num momento em que é preciso estar voltada para dentro. Quando não há pai, seria preciso que alguém tomasse para si o papel protetor, que assumisse a função paterna (Winnicott, 1960) pois as doenças puerperais poderiam, até certo ponto, ser provocadas por uma falha dessa cobertura protetora para a mãe nos primeiros meses de vida do bebê.
Gradualmente o pai é inserido nos cuidados com os filhos pela mãe que pode ser responsável pela facilitação, desfiguramento ou impedimento desta relação. Winnicott acredita que é a partir dos cuidados maternos que o pai é apresentado ao bebê assumindo o que já foi construído pela e correspondendo, em uma situação desejável, a sua expectativa de continuidade dos mesmos. Um pai é valioso na medida em que ajuda a mãe a relacionar-se com suas competências em relação ao bebê, ao mesmo tempo em que sustenta a lei e a ordem que deve ser implantada na vida da criança, mantendo a relação entre o casal e sendo aquele que faz a distinção entre quem ele é o os outros homens. Proporcionar à mãe um suporte e ser ele próprio, bem como amar e desfrutar da relação com mulher são fatores que contribuem para um ambiente suficientemente bom. Winnicott esclarece que manter este ambiente, sustentá-lo, constitui-se exatamente no que não pode ser destruído pelo ódio e pela agressão presentes em situações de traumatismo. O apoio dos pais então permite que a mãe cumpra sua função sem precisar ter, em si mesma, simultaneamente características conflitantes. A sobrevivência do ambiente ao ódio e a agressão possibilita existir o sentimento de segurança refletido pelo pai e pela sociedade.
Acredito que a constância de Pedro, em relação aos problemas trazidos pela situação da prematuridade possibilitou que o casal não se sentisse esgotado pela complexidade das situações e dos afetos vivenciados em relação as necessidades de Mário. Winnicott denominou o ambiente indestrutível aquele em que o pai, enquanto possuidor de certas características valorizadas pela mãe, garante a sobrevivência de uma situação saudável, mesmo em certas circunstâncias especiais. Assim, na base da relação pai e mãe há o vínculo entre o casal e deste com um sendo profundo e contínuo de reponsabilidade por Mário. Esta dimensão, a do cuidar e se preocupar, passou a pertencer a ambos os pais e estava ligada a uma necessidade comum: a de se tronarem pais. A relação com a avó e mesmo com os profissionais que realizavam o atendimento das necessidades especiais de Mário estava ligadas a capacidade destes pais de se relacionarem socialmente. Sua contribuição para a família dependia também da relação de ambos, uma relação aberta para o ambiente social mais amplo.
Compreendi que o relacionamento desses pais vem oferecendo a base para sua continuidade enquanto família frente a situação de prematuridade que sobrecarregou a tarefa de integrar Mário ao ambiente. Como diz Winnicott (1967) cada bebê é integrado em uma família a parti também de sua contribuição, que podemos entender como sua capacidade de expansividade, que se tornou dramática quando a família vivenciou o choque de receber uma criança doente. Observei o sofrimento desses pais pelo fato dessa criança não corresponde as expectativas. Apesar dos imensos obstáculos, porém, Ana e Pedro beneficiaram-se da experiência da prematuridade pois foram sensíveis ao que Mário necessitava em termos de confiança e disponibilidade do ambiente. Insto ocorreu pela capacidade de ambos de se identificarem mutuamente com suas necessidades. Assim, a parental idade trouxe para este casal o reencontro com suas próprias capacidades, fortalecidas e ampliadas através do que o filho necessitava. Neste ponto podemos retornar a Winicott quando descreve a situação da união que se estabelece quando o que a família é abarca o que a família faz.
 






5- Conclusão
 

Evidenciei como a memória familiar e o exercício responsável da função paterna auxiliaram a mãe na reconstrução dos ideais e do exercício de suas competências. Compreendi que a dinâmica instalada com o ingresso de Mário em domicílio, após a alta hospitalar, representou um momento em que o significado da internação foi reatualizado a partir da percepção do bebê como um depositário das reações emocionais ligadas a situação de risco. Pude demonstrar que, da reação ao traumatismo, na qual o bebê era percebido como uma fonte inesgotável de culpa projetada no risco iminente das situações de urgência, Ana evoluiu para uma forma de gratificação com os cuidados do filho. Essa mudança se transformou em fonte de suporte narcísico, incluindo diretamente sobre seu estado de humor.
Compreendi que a tristeza de Ana estava ligada inicialmente a dificuldade de apreender o significado dos sinais emitidos por Mário e que esta dificuldade se associou a um nível muito alto de exigência em que a possibilidade de cuidar do filho em domicílio lhe seria inatingível. Quando as reivindicações de Mário atingiram um nível de exigência em que s esforços, sua abnegação e sacrifício foram percebidos como insuficientes, o retorno à mãe, comportamento frequentemente das mulheres no pós-parto, constitui-se como uma atitude benéfica. Assim, Ana utilizou o aspecto positivos de sua história como suporte par o enfrentamento da situação.
Em momento posterior, a presença do pai foi gradativamente sendo percebida em sua função de apoio e suporte através da qual Ana pode se reaproximar dos ideais ligados à constituição de uma família. O passado, as lembranças da infância trazidas por sua mãe, e o futuro a família que idealizava constituir após o casamente, se integraram através de representações facilitadoras de uma experiência emocional positiva. Os aspectos disruptivos da situação traumática se esvaneceram. A história e os ideais de Ana foram os pilares nos quais o sentimento de confiança se restabeleceu. Sua mãe e seus esposos lhe proporcionaram um ambiente de cuidados que possibilitou regressões e progressões emocionais características do processo de restabelecimento de sua função parental.
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CONCLUSÃO
 
Neste momento reencontro minhas hipóteses, anteriormente construídas e relacionadas as quatro histórias de vida aqui apresentadas, mas também tenho a oportunidade de posicionar suas análises em relação a um contexto mais amplo que é o a saúde perinatal. Assim, acredito ter demonstrado que será o humor materno fator a ser considerado como objeto em intervenções relativas a prevenção e promoção da saúde dirigidas a unidade mãe-bebê prematuro. Enquanto objeto de ações relativas a saúde perinatal se realizaria através da política de humanização da assistência a gestação de risco, parto prematuro, puerpério no alojamento conjunto a internação em UTI e continuidade do atendimento as necessidades especiais de bebês prematuros em domicílio. Em relação a este último aspecto, no qual se encontra a continuidade da recuperação do bebê prematuro em domicílio, as ações relativas as humanizações da assistência implicariam em intervenções encorajadoras do envolvimento de gestores, trabalhadores e usuários do sistema público de saúde com a questão da subjetividade, o humor materno, contribuindo assim para a complementação ao invés da fragmentação de ações instituídas pela assistência hospitalar.
Conforme a Política Nacional de Humanização da Assistência do Sistema Único de Saúde, o SUS, (Brasil, 2004) dentre os problemas que persistem[138] nos quinze anos desde sua implantação está o do despreparo dos gestores e trabalhadores em saúde em lidar com a questão subjetiva presente na prática da assistência. Será a partir deste aspecto, o da capacitação dos gestores e trabalhadores para lidar com a subjetividade dos usuários, que podemos nos aproximar das diretrizes gerais de implementação da política nacional de humanização que reforça o conceito de clínica ampliada[139] presentes por exemplo nas ações hospitalares ligadas a intervenções específicas dirigidas a população de familiares dos recém nascidos internados e de sua rede social. A prática da clínica ampliada supõe a valorização da dimensão subjetiva presente nas relações entre o paciente e seu grupo social respeitando assim as especificidades características de cada família.
 
Os estudos sobre a saúde perinatal encontram-se historicamente implicados com análises sobre os índices de óbito e mortalidade no período neonatal[140], sendo que é então primeiramente pelo viés epidemiológico que a saúde da população de bebês prematuros adquire visibilidade. Estes estudos demonstram que no decorrer do séc. existiu uma transição a nível mundial, ainda que de forma desigual entre os continentes (Gomes, 2004), dos índices de nascidos vivos, óbitos neonatal e mortalidade neonatal demonstrando que hoje os bebês prematuros apresentam maiores chances de sobrevivência do que no século passado, situação que é então nomeada como sendo a de transição entre o debilitaes vitae para a qualidade de vida. Sobrevivência e qualidade de vida norteiam as reflexões oriundas da prática contemporânea do tratamento em unidade de atendimento intensivo. O aspecto da qualidade de vida quando associado a situação de um recém-nascido que possui necessidades especiais pode implicar na convivência do grupo familiar com seqüelas incapacitantes ou moderadas e, mesmo com a ausência das mesmas, com a necessidade de um acompanhamento em follow-up através do qual o desenvolvimento das capacidades fisiológicas (ligadas as grandes funções), emocionais, cognitivas, motoras, auditivas, visuais e comportamentais são avaliadas. Neste sentido, a capacidade do grupo familiar de se reorganizar em função da continuidade desta assistência pode ser encontrada nas ações, como as descritas anteriormente, da humanização da assistência dirigidas especificamente ao acompanhamento de familiares pela necessidade da participação dos mesmos nas ações de criação dos mecanismos de desospitalização que visam as práticas alternativas as hospitalares bem como as de incentivo dos cuidados domiciliares.
 
Por outro lado, se faz necessário reconhecer que o caminho percorrido me permitiu enquanto pesquisadora desenvolver uma percepção diferenciada daquela que, enquanto profissional, havia coordenado um projeto especificamente voltado para a humanização da assistência ao recém-nascido prematuro. A diferença se estabeleceu na medida em que, se os aportes teóricos específicos estavam ligados a reflexões oriundas do exercício profissional a prática da pesquisa permitiu que as observações não se reduzissem ao que a priori havia sido construído como hipóteses o que julgo ter ampliado e complexificado a investigação sobre o humor materno a partir da situação inteiramente nova para mim que foi a de observar o ingresso do bebê prematuro em ambiente doméstico.
 
Desta forma, pude observar que grupos familiares e instituições de assistência à saúde se influenciaram mutuamente a ponto de fazer emergir um roteiro de estratégias para os primeiros ligadas a reinvenção do papel e da função materna nos cuidados para com um bebê com necessidades especiais. Neste sentido, a problemática do alojamento conjunto a internação do recém-nascido esteve ligada as relações estabelecidas entre as mães com a equipe técnica no interior da unidade nos aproximando do conhecimento sobre os processos instituídos de humanização da assistência em sua interface com a saúde perinatal. Esta situação nos é demonstrada de forma complexa nestas quatro histórias de vida quando podemos perceber um estado de fragmentação e distância entre as diretrizes e normas programáticas da humanização e a realidade de sua implantação nos serviços públicos de saúde nos quais a situação de risco para o bebê e mãe se impõe o que nos parece sugerir que existe uma especificidade a ser considerada na implantação desta política em situações onde a assistência requer intervenções médicas de maior complexidade. Ao acompanhar as mães após a alta hospitalar observando a ação de interação com os bebês em domicílio pude ser testemunha do significado por elas atribuído ao projeto de humanização da assistência a maternidade onde a gravidez de risco e o acompanhamento da internação do recém-nascido em Unidade de Tratamento Intensivo se ajustaram de forma mais integrada se complementando e fazendo parte permanente de suas vidas, como se constituíssem enquanto uma "nova camada", em suas estruturas biográficas.
 
Assim, observei a permanência de certos fatos ligados ao humor materno face a situação do nascimento prematuro que determinaram as características que foram comuns as reações emocionais destas quatro mães e relativas a situação da gestação de risco. A gestação de risco[141], nestas quatro histórias de vida determinou ou a internação anterior ao parto, com o objetivo de se evitar o nascimento prematuro, ou o atendimento obstétrico de urgência. Em três mães se relacionou com a questão da síndrome hipertensiva sendo que este fator, enquanto etiologia do parto prematuro se relaciona com uma situação mais ampla que é a de ser o de ser responsável por cerca de 10 a 15% das mortes maternas no período perinatal. Seus quatro grupos de classificação são: hipertensão crônica, pré-eclâmpsia, pré-eclâmpsia superajuntada à hipertensão crônica e hipertensão lábil[142]. Este problema possui uma relevância indiscutível para a área da saúde perinatal e em particular para a pesquisa sobre o humor materno em mães de bebês prematuros pois implica em condutas diferentes daquelas adotadas para as pacientes hipertensas não grávidas, tendo em vista a necessidade não só de preservar o bem-estar materno, mas também de minimizar os efeitos nocivos da hipertensão sobre o feto. Tal necessidade torna muitas vezes difícil a adoção de medidas que possam satisfazer estes dois aspectos e, assim, torna-se uma questão problemática específica para a mulher pelo risco e medo da morte.
 
Pude perceber através do relato destas mães suas vivências de ambivalência e medo durante a gestação e nesse contexto observei uma relação contraditória entre satisfação por gerar um filho e o risco de frustração, pela possibilidade tanto da própria morte quanto da morte ou nascimento com sequelas para o bebê. Esta também foi a situação de uma delas cuja a situação do risco não envolveu a síndrome hipertensiva, mas a má formação uterina. Assim, a percepção do risco pela internação durante a gestação foi um fator que se apresentou de forma homogênea à compreensão do humor materno depressivo como uma vivência que podemos observar já desde a gestação de bebês prematuros.
 
Nos direcionando para a singularidade contida nas reações emocionais maternas presentes nas estratégias de enfrentamento produzidas por estas quatro mães por ocasião da alta e ingresso do bebê prematuro em ambiente doméstico, podemos nos aproximar das formas como, para cada uma delas, a questão do humor possibilitou a identificação com as necessidades do bebê estabelecendo assim os processos ligados a identidade parental. Acredito que ao avaliar minhas hipóteses procurei situar este processo, o do estabelecimento da identidade parental, ao contexto histórico, social e relacional de cada uma das mães que foi contextualizado pela lógica interna dos grupos familiares nos quais a relação mãe-bebê estava inserida ampliando assim o que anteriormente foi suposto.
 
Em minha primeira história a oportunidade de investigação sobre a violência na relação mãe-bebê prematuro se aproximou de duas das hipóteses propostas que julguei possibilitar a compreensão sobre a especificidade desta relação com o humor materno. A primeira hipótese foi a de existir uma ruptura do vínculo mãe-bebê característica da prematuridade que influenciaria o processo da maternagem. A ruptura do vínculo mãe-bebê característica da prematuridade esteve, conforme as observações realizadas, atrelada a uma situação mais próxima da questão da transmissão psíquica, própria da relação entre a mãe com a filha mulher, do que a com aquela que poderia ser causada pela prematuridade em si. A questão do humor, portanto, estava referida a possibilidade de que Constança se identificasse com as necessidades da filha a partir de um processo de individualização em relação aos aspectos simbióticos contidos em sua relação com a mãe. Assim, a ausência, durante determinado período, do suporte emocional necessário a identificação, através da regressão, com sua filha, se ligava a conflitos próprios desta relação e não com a situação de separação mãe-bebê produzida pela internação em unidade de tratamento intensivo após parto prematuro.
 
Minha escolha ao abordar a ruptura do vínculo mãe-bebê característica da prematuridade recai sobre a concepção da interação fantasística ligada a psicanálise e representada pelo não ingresso da mãe no estado de preocupação materna primária (Winnicott, 1958). Portanto, se opõe a idéia de que a separação mãe-bebê produzida pela internação em unidade de tratamento intensivo produz de forma irreversível uma ruptura, como proposto pela corrente interacionista o que, a meu ver, carrega uma influência muito próxima dos estudos de etologia ligados ao imprinting e, portanto, distantes de uma possibilidade de integração possível e a posteriori. Acredito que a teoria sobre a relação mãe-bebê, conforme apresentada por Winnicott, demonstra uma possibilidade de integração da experiência traumática. A forma como o autor trata o tema da regressão demonstra que uma experiência de ruptura de vínculo pode permanecer no desenvolvimento emocional em um estado latente, "aguardando" que uma provisão ambiental especializada (de cuidado) permita ao sujeito (criança, adolescente, adulto) regredir à fase de fracasso ambiental. Desta forma, o fracasso que seria relativo ao não ingresso da mãe no estado de preocupação materna primária, se refere a uma situação que potencialmente pode ser reexperimentada, ou seja, não é imutável.
 
A concepção de desenvolvimento emocional em Winnicott está ligada à importância do acontecimento. O sujeito se constitui permanentemente através de acontecimentos que se referem sempre a um encontro com o outro, com o ambiente. A regressão situação de fracasso ambiental supõe, não somente, a possibilidade do sujeito de "voltar atrás", mas também a plasticidade do ambiente em poder prover a correção da situação de fracasso original. Daí sua concepção de depressão como um estado que apresenta a possibilidade de ser integrado ao desenvolvimento. Tal aporte teórico complexifica o entendimento sobre a ruptura do vínculo mãe-bebê prematuro que pode ser então observada em suas características que não reduzem sua compreensão a psicopatologia da interação.
 
Em relação a hipótese que se refere a distância compreensiva entre as prescrições do hospital e as situações concretas vividas pelas mães e seus bebês em ambiente doméstico, ficou evidente a fragmentação entre a realidade da assistência a nível terciário em uma instituição especializada e localizada em uma grande metrópole, como a do Rio de Janeiro, daquela que a nível local e em região distante da do grande centro urbano viabiliza o atendimento aos egressos da unidade de tratamento intensivo. A inadequação, a falta de preparo profissional no atendimento desta população em ambulatórios e emergências demonstra a necessidade de uma assistência adequada e, como nos diz Moreira (2002), baseada em evidências científicas. A fragmentação entre a assistência hospitalar durante o período da internação e a recebida após a alta pode ser abordada por ações relativas a humanização da assistência quando referida ao eixo da atenção que propõe o incentivo do protagonismo dos sujeitos. Julgo que a situação da alta hospitalar por se assentar sobre indicadores específicos, capacidade do sistema extra-hospitalar de absorver as necessidades especiais de tal clientela e, as condições da família em manter a continuidade dos cuidados com a recuperação pressupõe, como demonstrado pela proposta da cartilha para alta (Fonseca, 2004), a importância da educação a partir de uma relação solidária entre os profissionais de saúde e as necessidades de aprendizagem dos pais a respeito da situação clínica dos filhos internados. Na vivência de Constança estes aspectos ligados a realidade da assistência à saúde perinatal influenciaram seu estado de humor pois o sentimento de desamparo por ocasião do atendimento de urgência local foi um dos exemplos dos tipos de obstáculos que enfrentou no processo de aproximação e identificação com as necessidades da filha.
 
Na segunda história de vida, a de Wanda, a questão do humor materno após a alta hospitalar de sua filha foi investigada a partir da hipótese sobre o processo de humanização da assistência intensiva não levar em conta a especificidade da experiência singular de cada mãe. Compreendi tal singularidade como sendo a de suas experiências relativas a maternidade que foram anteriores a do parto prematuro e que estavam ligadas a situações de óbitos no período perinatal e nascimento de uma filha com microcefalia. Em relação a saúde perinatal, pelo viés das ações ligadas a política de humanização da assistência, a implementação de mecanismos de escuta por equipes multidisciplinares se faz necessário à compreensão do significado atribuído pelas mães ao acompanhamento da internação de seus filhos em unidade de tratamento intensivo. A necessidade de uma atitude de compreensão solidária muitas vezes é dificultada (Wainer, 1993) pela qualidade da comunicação estabelecida entre a equipe técnica e parentes de pacientes que apresentam alto risco, como a situação de hipertensão de Wanda e a do extremo baixo peso ao nascer de sua filha. Atitudes negativas dos profissionais em relação aos familiares podem então se relacionar com a gravidade da situação clínica como foi demonstrado na forma em que as informações sobre o risco eram transmitidas para Wanda e seu esposo. Desta forma, o suporte de um comitê de ética que possua ligações com agências externas a instituição e que ao mesmo tempo participe localmente de decisões críticas relacionadas a assistência em unidade de tratamento intensivo em situações como a da informação sobre o risco de vida é uma experiência que já possui resultados em países como no Reino Unido (Campbell, 1988), Japão (Nishida, 1987) e Holanda (Sauer, 1992). Mesmo que não possamos comparar os estudos relativos as atitudes entre equipe técnica e parentes de bebês internados em unidade de tratamento intensivo de países desenvolvidos com as que se dão em países em desenvolvimento, nos quais as diferenças socioeconômicas são mais profundamente acentuadas, podemos nos dirigir a política de humanização da assistência em seu eixo da gestão que indica o acompanhamento e avaliação sistemáticos das ações realizadas bem como o do estímulo a pesquisa relacionada para então, a partir desta perspectiva, situar a questão da qualidade desta relação no interior de uma atitude profissional mediada pela ética e pautada no reconhecimento da diferença.
 
O suporte que existe de forma potencial e que pode ser oferecido por uma boa relação entre a equipe técnica e os familiares do recém-nascido internado cria um ambiente facilitador para a regressão materna necessária a identificação e reconhecimento das necessidades do bebê. Neste sentido, pude avaliar as que as reações emocionais de Wanda se ligavam a uma atitude competitiva em relação a equipe técnica que se estabeleceu a partir da comunicação de seu possível óbito, como o de sua filha.
 
Por outro lado, suas experiências com os óbitos no período perinatal e o comprometimento neurológico de sua filha não se constituíram enquanto objeto de intervenção no sentido de existirem intervenções facilitadoras de sua elaboração que pudessem efetuar uma melhor integração das mesmas ao momento atual facilitando a diminuição da ansiedade em relação a nova gravidez e seus riscos. Novamente nos deparamos com a necessidade de uma ampliação da assistência em saúde mental na situação específica da gravidez de risco, óbito perinatal e gravidez subsequente. As necessidades de Wanda estavam ligadas ao reconhecimento pela equipe técnica de como suas experiências anteriores com a maternidade poderiam influenciar a percepção da estrutura de funcionamento da UTI bem como a continuidade na recuperação das necessidades especiais de sua filha em domicílio. Desta forma, podemos ressaltar a importância e a necessidade de aprofundamento de investigações que se dirijam para a especificidade da experiência emocional no acompanhamento da internação hospitalar com o objetivo de conhecer através da percepção materna, os fatores estressores presentes no ambiente da unidade intensivista que, como relatados por Wanda diziam respeito a: visão dos procedimentos intensivos; de óbitos ; das reações emocionais de outros pais; da melhora e da piora de recém-nascidos internados; da aparência do recém-nascido; da diferença entre o suporte emocional recebido e o esperado da equipe técnica; da dependência do recém-nascido do equipamento tecnológico intensivista (respirador, incubadora, e.t.c.) e da incerteza sobre a evolução clínica do filho internado. Pesquisas demonstram que esses efeitos stressores são vividamente recordados até 3 anos após a internação (Miles, Wereszczack, 1997) o que levanta a necessidade de reavaliar e redimensionar de que forma a presença materna no interior das unidades se apresentaria como um objeto a ser incluído nas práticas de intervenção da equipe de assistência intensiva. Essas distinções permitem expandir os conhecimentos sobre as práticas de humanização no interior dessas unidades, implicando o próprio ambiente intensivista enquanto fator de suporte ou de desorganização para o estado de humor materno.
 
Com Andréa, na terceira história, a internação prolongada, sete meses, em função do diagnóstico de Broncodisplasia de seu filho possibilitou estabelecer uma relação com a hipótese sobre a influência da experiência de acompanhamento materno da internação e a relação mãe-bebê prematuro após a alta hospitalar. Conforme exposto anteriormente, as investigações sobre a duração do estado depressivo após o parto demonstram que os mesmos exercem uma influência sobre o desenvolvimento do bebê que pode se estender até o segundo ano de vida. Em relação a especificidade do humor depressivo após parto prematuro pude considerar, através desta história de vida, que o estado de humor característico da internação em ambiente de tratamento intensivo e sua ligação com a situação de alta e ingresso do bebê em ambiente doméstico pode nos trazer elementos que ligados ao tipo de assistência recebida pelo bebê nestes dois momentos, produz diferentes vivências emocionais.
 
Assim, nesta história de vida, temos a convivência de Andréa com a Broncodisplasia enquanto sequela do tratamento da Doença da Membrana Hialina de seu filho. No contexto histórico da assistência à prematuridade a natureza e as causas dos distúrbios respiratórios são fortemente ressaltados como uma das principais causas dos óbitos relacionadas ao nascimento prematuro. Nos últimos 30 anos podemos perceber (Avery, 1992) os progressos dos estudos sobre a maturação pulmonar bem como seu manejo clínico em unidade de tratamento intensivo[143]. Pude observar que Andréa tinha plena consciência do nível de sofisticação tecnológica existente na prática da assistência da qual seu filho necessitava e que este reconhecimento produziu reações emocionais intensas e características da vivência de sentimentos ambivalentes. Esta vivência de sentimentos ambivalentes foi observada no interior do ambiente intensivo quando havia uma oscilação entre momentos em que a assistência era valorizada, a ponto de ocorrer uma identificação com a linguagem médica e seus termos técnicos, com outras ocasiões em que sua percepção, como parte da estrutura de funcionamento da unidade de tratamento intensivo, se mesclava com a do estado clínico de seu filho produzindo sentimentos de ansiedade com os quais lidava através de uma atitude de vigilância e policiamento das intervenções.
 
A oscilação de humor no período próximo da alta hospitalar, graças as relações familiares e a posição de Andréa no interior das mesmas, deu lugar a preocupações ligadas a viabilização da continuidade do tratamento em domicílio. Assim, no momento de transição para o ambiente doméstico, as preocupações quanto a impossibilidade de financiar tal assistência e organizar a recepção da tecnologia relativa ao uso da oxigenioterapia foram exemplos dentre outros de ações concretas que possibilitaram o convívio com o filho após a alta hospitalar possuir uma qualidade, devido a diminuição da ambivalência em relação a assistência, que anteriormente não pode foi observada. Assim, em relação a hipótese sobre a relação entre a influência da experiência de acompanhamento materno da internação e a relação mãe-bebê prematuro após a alta hospitalar esta história de vida demonstra que a internação domiciliar[144] exerceu uma influência direta por sobre o humor de Andréa, diminuindo a vivência dos sentimentos de ambivalência e com isso os estados de ansiedade, produzindo de certa forma, uma ruptura, uma não continuidade entre a vivência emocional durante a experiência de acompanhamento materno da internação e aquela vivenciada a partir da relação com o filho em ambiente doméstico. Esta observação, a de que o estado de humor durante o acompanhamento materno da internação pode não se relacionar com aquele que se estabelece em domicílio, nos demonstra um caminho a ser percorrido no desenvolvimento da assistência à prematuridade que ressalta a importância da internação domiciliar. Seus benefícios, demonstrados por esta história de vida, aponta para a possibilidade de que através de um modelo de assistência específico exista a possibilidade de ser construído, de forma transversalizada, um espaço de atuação comum para políticas e programas de saúde ligados ao acompanhamento do grupo familiar.
 
Na última história, a de Ana, reencontrei a hipótese da influência entre a experiência de acompanhamento materno da internação e a relação mãe-bebê prematuro após a alta hospitalar. Este reencontro na verdade demonstrou a diferença a ser reconhecida entre as várias formas de reações emocionais maternas que podem se apresentar por ocasião do ingresso do bebê prematuro em ambiente doméstico. Se, como descrito anteriormente, a alta hospitalar do bebê prematuro pode ser experenciada pela mãe e pelo grupo familiar como condição para diminuição dos sentimentos de ambivalência e, conseqüentemente, dos estados de ansiedade, nesta história de vida são as experiências emocionais características de reações traumáticas que demonstram ter existido uma continuidade entre o estado de humor durante o acompanhamento da internação em UTI e aquele encontrado por ocasião da interação mãe-bebê prematuro durante os primeiros meses após a alta hospitalar.
 
Desta forma, apesar de Ana não ter expressado com clareza durante nossos encontros seus sentimentos em relação ao acompanhamento da internação do filho se limitando a realizar comentários sobre a estrutura de funcionamento da unidade de tratamento intensivo, sabemos que as características das respostas emocionais maternas durante o alojamento conjunto são as de uma vivência emocional depressiva (Tracey, 2000, Reid, 2000, Van Riper, 2001). São comuns sentimentos de culpa[145], comportamentos de prostração da mãe, reações fóbicas em relação as visitas bem como a antecipação da morte, ambiguous loss[146]. São freqüentes também, segundo os autores, estados confusionais e o medo de enlouquecer pela vivência de sentimentos ambivalentes em relação ao bebê. Compreendi que as reações de Ana em relação ao ingresso de seu filho em ambiente doméstico apresentou a propriedade de funcionar como um catalizador da experiência materna vivida durante o acompanhamento da internação de seu filho trazendo para a relação entre ambos os efeitos da separação precoce acrescidos da exposição a estrutura de funcionamento da unidade intensiva . Desta forma, acredito que esta história de vida confirmou a hipótese de que existe uma influência entre a experiência de acompanhamento materno da internação e a relação mãe-bebê prematuro após a alta hospitalar nos aproximando tanto da crítica proposta pela teoria da parentalidade ao conhecimento médico-psiquiátrico sobre a duração do estado depressivo após o parto, como do campo da psicopatologia do infans através dos quadros nosográficos característicos dos distúrbios da interação mãe-bebê prematuro.
 
Ao final da jornada, apresento este trabalho de forma a contribuir com os estudos ligados ao desenvolvimento da medicina perinatal procurando ampliar o conhecimento sobre a importância do vínculo e envolvimento do grupo familiar nos cuidados com o recém-nascido prematuro através da questão sobre o humor materno. Acredito ter demonstrado sua importância da forma a posicioná-lo enquanto um fator diretamente relacionado com a questão de sua qualidade de vida. Este estágio de desenvolvimento da assistência perinatal nos permite realizar propostas no sentido de posicionar a prematuridade como uma questão da saúde pública e, portanto, articulada a política de humanização da assistência, ao programa de saúde da família e a desespiralização através da internação domiciliar. Neste sentido, pude construir a partir destas histórias de vida algumas sugestões que poderiam ser articuladas de forma transversal as ações programáticas dos diversos tipos de assistência contidos nos modelos dos programas acima citados:
– O acompanhamento a nível doméstico, por equipe multidisciplinar, das condições do grupo familiar em fazer frente às necessidades da assistência ao recém-nascido prematuro.
– A educação permanente dos profissionais da rede primária de assistência em relação a assistência da população de egressos da unidade de tratamento intensivo, garantindo a otimização dos sistemas de referência e contra referência institucional.
– Sensibilização a nível do acompanhamento da saúde familiar em relação a medidas de prevenção do nascimento prematuro e acompanhamento das situações de gravidez de risco com encaminhamento para a rede ambulatorial especializada.
– Internação domiciliar especializada em assistir recém-nascidos prematuros bem como o acompanhamento de seus familiares respeitando as especificidades de seu contexto sócio cultural e focalizando, a partir dos mesmos, as necessidades maternas.
– Grupos de apoio aos familiares em ambiente hospitalar que se relacionem com associações de pais de recém-nascidos de bebês prematuros com o objetivo de se construir uma rede de relações e trocas de experiências bem como de estimular o protagonismo dos mesmos em relação a prática da assistência institucional e ambulatorial.
– Participação dos comitês de ética/bioética, nas instituições que assistem à população de bebês prematuros em unidades de tratamento intensivo, dos dilemas implicados neste tipo de assistência.
 






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[1] - Foi confeccionado um vídeo intitulado "RN ESPECIAL", com a participação de profissionais diretamente ligados a assistência nesta unidade e depoimento de usuários (mães) do mesmo. Foi criado o "Grupo de apoio para parentes de recém-nascidos prematuros" cuja dinâmica incluía 30 min. De visitação uma vez por semana do círculo familiar mais próximo ao bebê no interior da U.T.I.
[2] -Conforme a Lei Número 8.069 do artigo 12 do Estatuto da Criança e do adolescente.
[3] - Autores como Kreisler (1985), Crammer (1993), Stern (1997) localizam tais desorganizações psicossomáticas não mais como parte do psiquismo embrionário do bebê e inerentes ao desenvolvimento do mesmo, mas como resultantes de uma neoformação, ou seja, de uma forma particular de funcionamento psíquico que se relaciona com a situação da identidade parental. Sob esta perspectiva o processo de somatização inerente ao desenvolvimento do recém-nascido é enfocado a partir de um outro estado ligado ao meio ambiente que é o estado de parentalidade.
[4] -Como por exemplo poderíamos entender que antes do nascimento não existiria a psicopatologia do apego pelo fato de que de que esta é desencadeada pela presença do bebê de carne e osso. Esta abordagem escapa tanto de uma teorização ortodoxa psiquiátrica como psicanalítica.
[5] -Evidentemente existem influências psicobiológicas, especialmente hormonais que preparam a mãe para esta experiência.
[6] -Em relação a maternidade na cultura ocidental contemporânea encontramos: um grande valor que é dado para a sobrevivência e a qualidade de vida dos bebês; o ideal do bebê desejado(planejado); grande valor ao papel maternal, sendo a mãe avaliada por sua participação e sucesso no mesmo; a responsabilidade básica dos cuidados com o bebê recai sobre a mãe; é esperado que a mãe ame o bebê; é esperado que o pai e outros proporcionem um contexto apoiador em que a mãe possa desempenhar seu papel maternal(por um período inicial); constatação de que a família e a cultura não proporcionam para a nova mãe a experiência, o treinamento ou o apoio adequado para que ela execute bem, ou, facilmente seu papel.
[7] -Mesmo entre os quadros psicóticos, a prevalência maior será a de síndromes depressivas e maníacas, sendo bem mais raros o delirium, a esquizofrenia e os transtornos psicóticos agudos e transitórios (Brockington e col., Davidson, 1985).
[8] -Características sintomáticas: labilidade emocional nas primeiras duas semanas após o parto.
[9] -Características sintomáticas: tristeza, choro incontrolável, sentimentos de abandono, ansiedade e ataques de pânico, autoacusações e culpa, preocupações desproporcionais sobre a saúde do bebê, perda de energia e sentimentos de exaustão, lentidão da fala e dos movimentos, agitação e sentimentos de hiperatividade perda de interesse em atividades, sentimento de solidão, irritação, distúrbios do apetite, redução da concentração e da habilidade de tomar decisões, distúrbios do sono, estados confusionais e episódios frequentes de esquecimento, sentimentos de inadequação e pessimismo constante e pensamentos de morte e suicídio.
[10] - Características sintomáticas- severos distúrbios de humor e comportamento oque apresentam estados confessionais acompanhados de agitação psicomotora, alucinações e extrema desorganização requerendo desorganização.
[11] - Em Ungerer (1999) temos um panorama do momento histórico que propiciou a Budin, médico francês, colocar em prática seu interesse pelos problemas do recém-nascido demonstrando a possibilidade de que a prematuridade pudesse ser assistida em espaço físico diferenciado no interior do hospital. Foi na maternidade de Boulevard Port Royal que a primeira intervenção médico-hospitalar foi oferecida para os recém-nascidos prematuros. Budin incluía as mães, que possuíam uma participação ativa na assistência (controle da temperatura da água nas incubadoras, aleitamento, cuidados com higiene dos recém-nascidos) e permaneciam durante messes no hospital.
[12] -Como contraponto ao período em que a assistência hospitalar preconizava o isolamento do recém-nascido.
[13] -A relação entre depressão e parto prematuro nos é apresentada por Zucchi (1999) sendo justificada pelo fato de que os fatores etiológicos da gravidez de risco respondem somente a 30% dos nascimentos prematuros.
[14] – Atividade semanal em que os pais são abordados em grupo para orientação quanto a estrutura de funcionamento da instituição.
[15] – Além do posto de pronto socorro geral há seis centros de saúde (unidades básicas), suas clínicas especializadas (ambulatório de especialidades), cinco policlínicas, cinco postos de saúde, suas unidades de vigilância sanitária, duas unidades de vigilância epidemiológica e quatro consultórios que oferecem assistência pública. Há dois hospitais cuja a administração não pertence a esfera pública, um é infantil com atendimento de urgência e clínico ambulatorial e o outro que possui serviço de emergência para atendimento clínico e cirúrgico e controle e acompanhamento de gestações de baixo risco.
[16] – A sepses aqui é referida à neonatal precoce, aquela que se manifesta até o quarto dia de vida por ação de agentes etiológicos adquiridos do trato urogenital materno durante o parto. Este tipo de infecção se sobressai entre as infecções por gerar altas taxas de mortalidade e complicações. O desconforto respiratório precoce outrora denominado como Síndrome da Angústia Respiratória ou Pulmão de Choque se refere ao não desenvolvimento da função, a imaturidade da função, dos alvéolos pulmonares (estruturas que no pulmão são responsáveis pela oxigenação do sangue e eliminação do gás carbônico) resultando em oxigenação insuficiente e alteração da mecânica pulmonar.
[17]– A hipoglicemia é a redução da taxa de glicose no sangue. Recém-nascidos prematuros possuem uma tendência especial a oscilações, tanto a aumentos como a reduções, da correlação de glicose no sangue. Hipotermia se refere a temperatura corpórea anormalmente baixa que pode causar hipoglicemia pelo fato de que o organismo utiliza a energia rapidamente em uma tentativa de se manter quente. Outra questão relativa a hipotermia é a do lactante necessitar de mais oxigênio quando ele esfria e por esta razão a hipotermia poder tornar insuficiente o suprimento de oxigênio nos tecidos. A icterícia se refere a duas condições ausentes na prematuridade que são a função intestinal para se excretar a bilirrubina (um pigmento amarelo resultante da destruição normal dos eritrócitos, células componentes do sangue humano) e a função hepática. Após a elevação da concentração no sangue de bilirrubina. Esta elevação de bilirrubina pode causar o kernicterus que é um tipo de lesão cerebral.
[18] – Apnéia são episódios geralmente definidos como períodos durante os quais há cessação da respiração pelo menos por entre 10 e 15 segundos, freqüentemente complicados por uma cianose, palidez, hipotonia e bradicardia (frequência cardíaca diminuída, ritmo excessivamente lento, que em neonatos possui uma frequência inferior a 100 batimentos por minuto. Quando acontece se segue imediatamente depois um episódio de apneia. Segundo especialistas as bradicardias estão presentes nas mortes súbitas dos lactentes). Pode estar relacionada a vários problemas clínicos (sepse, meningite, desordens do Sistema Nervoso Central, termoregulação instável, distúrbios metabólicos, anemia, hipóxia, alterações hemodinâmicas, refluxo gastroesofágico, obstrução das vias aéreas, hipóxia) mas também pode resultar apenas da regulação imatura da respiração ou fadiga muscular.
[19] – Bradicardia é a medida dos batimentos cardíacos inferiores a 100 por minuto e a apneia é a cessação da respiração por mais de 20 segundos.
[20] – De forma resumida: -Tópicos gerais: cuidados físicos, segurança infantil, ressuscitação cardiopulmonar, acompanhamento do desenvolvimento, estado de saúde atual e indicadores de problemas, seguimento de informações sobre maternidade/paternidade, números de telefones importantes (assistência primária, UTI, emergência local, entre outros).
-Tópicos específicos: processo doença/sequela, habilidades na avaliação envolvendo sinais vitais, mudança de apetite e de comportamento, administração de medicamentos, tratamentos e procedimentos como fisioterapia respiratória, sucção, oxigenioterapia, cuidados com a traqueostomia, terapia de inalação, mecanismo ventilatório, cuidados com a colostomia, gavagem, alimentação por gastrostomia, uso e manutenção de equipamentos, segurança relativa ao uso de oxigênio, monitores, armazenamento de medicações, seguimento envolvendo a avaliação do desenvolvimento, orientação antecipatória sobre as necessidades emocionais e sociais da família, rehospitalizações e alternativas de cuidado domiciliar.
[21] – A teoria do desenvolvimento emocional para o autor enfatiza o ambiente e sua influência sobre a saúde emocional do bebê. O primeiro ambiente que se constitui para o bebê é a mãe, sendo que no princípio ambos estão fundidos em uma estrutura ambiente-indivíduo. O ambiente não pode ser totalmente responsabilizado pelo que sucede ao bebê em termos de sua saúde mental; ele pode tão somente fornecer um espectro da experiência a ser considerada: pode ser facilitador ou danoso. O ambiente facilitador possibilita ao indivíduo a chance e crescer, frequentemente em direção à saúde, enquanto que o ambiente que falha, principalmente no início, mais provavelmente leva à instabilidade e à doença.
[22] – A fonte deste percurso é o processo maturacional inato no indivíduo, que pode ser facilitado pelo ambiente. O ambiente facilitador é necessário, e, se não for bom o suficiente o processo maturacional se enfraquece ou se interrompe.
[23] – Segundo Abram (2000) Winnicott nos apresenta a realidade da dependência do bebê de seu ambiente como o fator mais importante e determinante do desenvolvimento emocional. Através dos dois primeiros e consecutivos estados, os da dependência absoluta e relativa, seria alcançado o estágio de maturidade. No estado de dependência absoluta o bebê não possui meios para perceber os cuidados maternos, não tem qualquer controle sobre o que é bem ou malfeito, mas está em posição de obter algum proveito ou de sofrer algum distúrbio. Na dependência relativa o bebê sente necessidade de alguns fatores do cuidado materno, pode de forma crescente relaciona-los ao impulso pessoal. Na trajetória rumo a independência o bebê desenvolve meios de se articular sem cuidados reais, graças ao acúmulo de lembranças de cuidados, da projeção de necessidades pessoais e da introjeção de fatores de cuidado, com o desenvolvimento da confiança no ambiente.
[24] – No processo de desenvolvimento emocional do bebê o período anterior é o da fusão com a mãe, sendo que a mãe no período de dependência absoluta do bebê é o ambiente. O processo de desfusão da mãe-ambiente é paralelo ao do estabelecimento do self.
[25] – Estando, portanto, na origem dos processos de luto.
[26] – Como impurezas da depressão Winnicott cita 7 elementos: 1) os fracassos da organização do eu onde existe ameaça de desintegração implicando que uma certa organização do eu é mantida apesar da ameaça de desintegração; 2)indivíduos que mantêm uma estrutura de eu que torna possível a depressão porém possuem delírios persecutórios que indicam a utilização de fatores externos ou uso de memória dos traumas para obter alívio das perseguições internas que são encobertas pelo humor depressivo; 3) indivíduos que obtêm alívio das tensões internas através da hipocondria ou doenças somáticas; 4) a defesa maníaca onde existe depressão mas ela é negada; 5) oscilação maníaco-depressiva; 6) medo esquizóde; 7) melancolia e mau-humor.
[27] – Cramer e Espasa (1993) usam o termo "neoformação" psíquica o que implica na compreensão de que existe uma forma particular de funcionamento psíquico e de psicopatologia correspondente.
[28] – Após a Segunda Grande Guerra uma "nova população" demanda atendimento psicoterápico. A psicanálise, que antes era restrita ao atendimento de adultos necessita expandir sua assistência para traumatizados de guerra, crianças, delinqüentes adolescentes, famílias e pacientes psicóticos. O forte impacto emocional que advêm do atendimento à esta população exigiria um treinamento específico que não era oferecido por instituições de formação psicanalítica. Esther Bick propõe através da Tavistock Clinic (Londres, 1948) uma prática de observação em domicílio da relação mãe-bebê. A premissa é a de que não "carregando" para a observação conceitos teóricos o estudante poderia, no contato com a dinâmica familiar, na qual mãe e bebê se encontram, observar seus próprios sentimentos. Desta forma, desenvolveria determinado tipo de sensibilidade relativo ao impacto emocional característico de sua identificação tanto com o humor materno inerente ao puerpério como com o estado de dependência do bebê, que seria semelhante ao impacto no atendimento de psicóticos, crianças, delinquentes e traumatizados de guerra. O observador aprenderia, a partir do significado emocional da experiência a verificar como sua capacidade de perceber e observar depende também de sua capacidade de conter e refletir sobre suas emoções. Ao observar, sem realizar qualquer tipo de intervenção (o que poderia dar vazão à ansiedade que este tipo de observação frequentemente desperta) o estudante desenvolveria uma capacidade de percepção de modos particulares de comunicação existentes na interação mãe-bebê e da forma como a mãe produz respostas as necessidades do bebê.
[29] – Segundo Correa (1998) a questão da transmissão psíquica nos remete a representação de um começo e de um fim irreversíveis, espaço de repetição de uma vicissitude que escapa. Encontramos, segundo a autora, dois modos de transmissão psíquica que são a transmissão intergeracional e a transgeracional. A transmissão intergeracional inclui um espaço de metabolização do material psíquico transmitido pela geração mais próxima e que, transformado, passará à seguinte, já a transmissão transgeracional está referida a um material psíquico da herança genealógica não-transformada e não simbolizada que apresenta lacunas e vazios na transmissão, o significado aponta ao fato psíquico que atravessa diversas gerações. Assim a transmissão transgeracional ocorrre entre gerações à distância, sem contato direto no sentido descendente principalmente através das vias de linguagem correspondendo a uma reconstrução a posteriori. A transmissão intergeracional aconteceria entre as gerações em contato, principalmente entre pais e crianças, e nos dois sentidos, ascendente e descendente, utilizando das vias de comunicação verbal e não verbal se apresentando a observação direta. Neste trabalho utilizarei, de forma a abarcar a complexidade de tais processos que julgo simultâneos, o termo transgeracional para me referir tanto a transmissão psíquica que é reconstruída através da história familiar como para me referir aos processos característicos da transmissão através que pode ser observado diretamente na interação entre gerações.
[30] – Diferente da depressão ligada a integração da agressividade, reconhecimento de si mesmo e do outro, possibilitadora de ingresso em um estado de preocupação este tipo de depressão é denominado por Winnicott (1963) como "depressão não pura" pois estaria ligada as patologias como somatizações, paranóia e hipocondrias.
[31] – Simbólico aqui entendido no sentido psicanalítico que pressupõe uma transformação da coisa em si em símbolo, evitando o surgimento de um estado de angústia a ser descarregada através das vias motoras (comportamento). A simbolização neste sentido é, portanto, compreendida enquanto condição para o estabelecimento de pensamentos, de ligações e associações entre as representações mentais, e da linguagem.
[32] – Herança da categoria de família herdada da cultura romana. O direito de família, referendado pelo direito romano e a doutrina cristã, presidiram uma "cruzada" de naturalização e sacralização deste modelo.
[33] – A respeito de uma amostra significativa sobre a cidade de Belo Horizonte na década de 70 foram encontrados 1/6 dos domicílios chefiados por mulheres, sendo que 41% destes estavam no nível da pobreza, ao passo que nos domicílios chefiados por homens este nível era encontrado em 27% dos casos.
[34] – Sabe-se como o modelo concentrador de renda tem aumentado as disparidades entra e inter-regionais.
[35] – A autora cita Buvinic e Youssef (1978) em relação a uma pesquisa em que a consciência das mulheres solteiras na população de baixa renda de serem as únicas responsáveis pelos seus filhos era responsável por sentimentos de aguda depressão e desespero.
[36] – A autonomia das mulheres das classes populares se daria mais através de atividades autônomas do que assalariadas, colocando-as à margem do esquema de organização familiar burguês.
[37] – Linguagem, regras matrimoniais, relações econômicas, arte, ciência, religião.
[38] – Apresentada anteriormente a partir da noção de Pessoa em Duarte.
[39] – Segundo Friedrich e col. (1978) seriam 4 as condições necessárias para que uma criança fosse abusada: pais especiais, criança especial, uma situação de crise e a tolerância cultural para punições físicas.
[40] – Durante o período do trabalho de campo realizado no setor, onde funciona a unidade de atendimento intensivo em neonatologia do Instituto Fernandes Figueira, participei destes encontros que contavam com a presença de mães e pais de bebês internados, com a Assistente Social e uma psicóloga em trabalho voluntário.
[41] – Consta em seu prontuário no Instituto Fernandes Figueiras informações a respeito de asma durante a infância e atendimento psicológico em grupo durante a adolescência.
[42] – A oligodraminia é relativo a escassez de líquido amniótico sendo seu diagnóstico realizado por exame ultrassonográfico e o sofrimento fetal implica em fatores relativos a frequência cardíaca fetal, presença do mecônio no líquido amniótico sendo as alterações bioquímicas evidenciadas pelo eletrocardiograma exame ultrassonográfico.
[43] – Crescimento retardado, descolamento prematuro da placenta, hipóxia e morte perinatal.
[44] – Os demais são cesarianos eletiva (sem trabalho de parto), sedação materna, diabetes materno, sexo masculino e asfixia.
[45] – Capacete ou campânula é a forma mais simples de oferecer um ambiente enriquecido de oxigênio para o neonato que respira espontaneamente. CPAP (Pressão Positiva Contínua na Vias Aéreas) é uma aplicação da pressão nas vias aéreas durante todo o ciclo respiratório, sendo a respiração espontânea mantida na qual uma pressão contínua nas vias aéreas. Sua aplicação se dá através de dispositivos nasais não invasivos. O CPAP nasal é uma tecnologia recentemente introduzida no cuidado neonatal.
[46] – Bacteremia (multiplicação bacteriana no sangue), sepse (bacteremia mais sinais inflamatórios), síndrome séptica (sepse acompanhada de sinais de má perfusão sanguínea), choque séptico (hipotensão arterial que pode ser revertida ou não) e falência múltipla de órgãos (disfunção do SNC e falência renal).
[47] – Os sopros cardíacos são vibrações de duração longa que ocorrem devido ao turbilhonamento do fluxo sanguíneo. Podem ser classificados como sistólicos e distólicos conforme sua posição durante o ciclo cardíaco.
[48] – Nutrição parenteral é aquela que se realiza pela administração de alimentos utilizando-se o acesso venoso, nutrição enteral ao contrário é a que se realiza pelo acesso por via oral.
[49] – Quantidade necessária de proteínas, gordura, sódio, cálcio e fósforo.
[50] – Que varia de 401 a 1.500grs.
[51] – Bradicardia é a medida dos batimentos cardíacos inferiores a 100 por minuto e a apneia é a cessação da respiração por mais de 20 segundos.
[52] – O termo econômico na teoria psicanalítica se refere a hipótese de que os processos psíquicos consistem na circulação e repartição de uma energia quantificável susceptível de aumento, diminuição e equivalências.
[53] – Para a compreensão sobre o objeto em psicanálise o sentido utilizado aqui é aquele que se refere ao mesmo enquanto correlativo do amor (ou do ódio) sendo a relação em causa a da pessoa total com um objeto visado também como totalidade (pessoa, entidade, ideal, e.t.c.) O self já se refere a percepção do si mesmo pelo sujeito.
[54] – Representações psíquicas é uma expressão utilizada por Freud para designar a expressão psíquica das excitações endossomáticas.
[55] – Neste tipo de neurose o aparecimento dos sintomas é consecutivo a um choque emotivo e, para a psicanálise o traumatismo em si é a parte determinante no conteúdo dos sintomas apresentados posteriormente (ruminação do acontecimento traumático, pesadelo repetitivo, perturbações do sono, e.t.c.).
[56] – A atividade psíquica teria como objetivo evitar o desprazer e proporcionar o prazer, estando o desprazer ligado ao aumento de excitação e o prazer a sua redução.
[57] – Poderíamos a grosso modo caracterizar a ansiedade como sendo a espera e o preparo para o perigo, desconhecido, o medo como um objeto definido diante do qual se têm temor, e o susto a reação automática de se encontrar em perigo sem estar preparado para ele.
[58] – Uma das instâncias da personalidade tal como Freud (1923) descreveu que possui um papel assimilável ao de um juiz ou um censor em relação ao eu do sujeito. As funções do Superego são a da consciência moral presente na auto-observação, na formação de ideais.
[59] – A família possuiria 3 funções básicas: procriação, afetividade e socialização. A função de socialização da família se refere ao processo de aprendizado que possibilita a criança adquirir conhecimento, valores e papéis dirigidos as expectativas da sociedade.
[60] – Famílias reconstituídas, nas situações de custódia e guarda, na orfandade, abandono, perda de pátrio poder. Avós que criam os netos na ausência dos pais é um fenômeno crescente que demonstra uma forma típica de organização do grupo familiar.
[61] – Nas classes populares esta é a realidade mais comum sendo que outras possibilidades também podem existir em realidades sociais diferentes como o acesso diferenciado a tecnologias domésticas e a serviços fora do lar (babás e creches).
[62] – Que podemos entender como a de uma situação que vai polarizar os sentimentos de baixa estima.
[63] – Como parte do contrato para a pesquisa sempre deixei claro para todas as mães que o horário e o dia das mesmas seriam escolhidos e marcados por elas conforme suas possibilidades e conveniência em me receber. Todas as visitas à esta família foram marcadas com Pedro ou Ana por telefone e agendadas em um horário em que certamente era combinado entre o casal e que incluiu a presença de ambos.
[64] -A teoria do desenvolvimento emocional de Winnicott enfatiza o ambiente e sua influência sobre a saúde emocional, o primeiro ambiente que se constitui para o bebê é a mãe. O ambiente não pode ser totalmente responsabilizado pelo que ocorre em termos de saúde mental, podendo tão somente fornecer um espectro da experiência a ser considerada podendo ser tanto facilitador como danoso. O ambiente facilitador possibilita o indivíduo a chance de crescer, frequentemente em direção a saúde, enquanto que o ambiente que falha, principalmente no início, mais provavelmente levará a instabilidade e a doença.
[65] – O quadro clínico da hipertensão se apresenta sempre que houver pressão alta, ou seja, níveis de pressão maiores que 140/90. Quando a hipertensão estiver associada a perda de proteínas pela urina (proteinúria) o que caracteriza um quadro chamado pré-eclâmpsia ou toxemia gravídica.
[66] – Este peso, inferior ao de 1.500grs., é caracterizado como o de nascimento com muito baixo peso.
[67] – A assistência adequada ao recém-nascido na sala de parto é fundamental para prevenir o aparecimento das lesões asfixiais que podem gerar sequelas incapacitantes ou levar ao óbito neonatal. Dentre as intervenções para se diminuir o óbito até os 5 anos de idade a reanimação ao nascer possui destaque. A proposta do Comitê Internacional de Reanimação Neonatal é a de uma forma sequencial de abordagem nos minutos críticos após o parto. No Brasil o Programa de Reanimação Neonatal foi iniciado em 1994 pela Sociedade Brasileira de Pediatria focalizando metodologia ligada aos passos iniciais da reanimação: a ventilação com balão e máscara, a massagem cardíaca, a intubação traqueal na ventilação mecânica e o uso da medicação na sala de parto.
[68] – As patologias pulmonares estão divididas entre aquelas que possuem causas pulmonares, causas não pulmonares e causas cirúrgicas.
[69] – Apesar de existir a possibilidade de troca gasosa, será nesta fase que ocorre a formação da terceira geração sacular e formação de ductos alveolares transitórios. Significando também que não houve tempo de maturação para o ingresso na fase seguinte e última do período gestacional, a alveolar.
[70] – Células epiteliais alveolares especializadas também chamadas de pneumáticos granulares do tipo II que se desenvolvem por volta da vigésima quarta semana de gestação.
[71] – Acúmulo anormal de líquido nos espaços intercelulares dos tecidos ou em diferentes cavidades corporais.
[72] – A otimização das trocas gasosas se realiza através da regulação de seis fatores que se baseiam nos princípios fisiológicos da mecânica pulmonar que são: o fluxo que promove a saída de gases e regula a pressão desejada, a fração inspirada de oxigênio, FiO2, a frequência da respiração por minuto, o tempo inspiratório, o pico da pressão expiratória que promove a expansão toráxica e a pressão positiva final das vias aéreas ligada a complacência e oxigenação arterial.
[73] – Moreira e Lopes (2004a) estabelecem como terapêutica o estabelecimento de trocas gasosas adequadas, CPAP nasal, ventilação mecânica e surfactante exógeno. Em relação a este último preconizam que o uso precoce, nas primeiras 6 horas de vida, como sendo terapeuticamente melhor.
[74] – Traqueostomia é um procedimento cirúrgico no qual se produz um orifício na região anterior do pescoço para permitir a entrada de ar na traquéia.
[75] – Doença fibrovascular, vasopoliferativa, bilateral da retina periférica dos RNs que pode levar a cegueira ou à baixa visão, classificada em 5 estágios de acordo com a gravidade.
[76] – Como os de infecções intrauterinas no pré-natal, infecção por aspiração de mecômio, sepsis, deficiências de vitaminas anti-oxidantes, barotrauma, persistência do canal arterial e edema pulmonar (Bhering, 2004).
[77] – Ora através da criação de leitos hospitalares ora em intervenções nas situações clínicas agudas ou episódicas
[78] – Propõe então um processo de aprimoramento que se constitui por elementos característicos: mudança de paradigma, dos casos agudos e episódicos para os crônicos, do hospital para a comunidade, contato regular e extenso durante o tratamento, conhecimento das necessidades distintas destes pacientes redirecionamento dos recursos e serviços com o intuito de se abordar as condições crônicas, gerenciamento do ambiente político através do intercâmbio de informações, integração do sistema de saúde, alinhamento das políticas de saúde, melhor aproveitamento dos recursos humanos através de novos modelos de equipe e desenvolvimento de capacitação para o trato com pacientes crônicos.
[79] – O autor propõe a seguinte classificação: Tecnologias leves: envolvem as relações entre sujeitos, implicando o vínculo, acolhimento e gestão. Tecnologia leve-dura: se referem aos saberes estruturados que operam o processo de trabalho, tais como conhecimento da epidemiologia, da comunicação social etc. Tecnologia dura: envolvem a utilização de máquinas, normas e estruturas organizacionais.
[80] – A família nuclear isolada apresenta-se como um novo sistema que se opõe ao modelo de família tradicional, em que se observa a perda de importância do parentesco extenso, independência econômica dos filhos e consequente redução da autoridade paterna, participação da assimetria de status entre marido e mulher, natalidade planejada, reduzida e racionalização das relações conjugais através da legalização jurídica do matrimônio.
[81] – Baixa mobilidade social e geográfica, alta fertilidade, extrema autoridade dos pais sobre os filhos, assimetria de status entre marido e mulher, acentuada estabilidade conjugal e, principalmente, manutenção de laços de parentesco com colaterais e ascendentes altamente significativos, comumente ligados a partilha da mesma residência. Este modelo também é caracterizado como sendo o da "família extensa", multifuncional.
[82] – Conceitualmente a rede se situa entre a família e o meio social total. Será a variabilidade do meio social total que permite escolhas no campo dos relacionamentos sociais externos, a escolha, entretanto é afetada tanto pelos fatores situacionais como pelas personalidades de seus membros.
[83] – A comunidade, a "vila", como ela descrevia o local da favela onde foi criada e onde a avó construiu suas casas.
[84] – Termo que remonta da pesquisa antropológica em que determinados sistemas de nomenclatura permitem determinar o círculo de parentes e dos aliados dividindo-o em categorias de conjugais idades possíveis e interditadas. Quando denominada enquanto estruturas elementares se referem aos casamentos preferenciais ao passo que quando relativa a estrutura complexa se refere a proibição do incesto.
[85] – Termo aqui utilizado que se refere ao que nos é apresentado por Maus (1974) e que grosseiramente corresponde a algo como "receber é ser recebido" ou seja, a dádiva se refere a presentes, regalos, ofertas generosas que, quando oferecidas são recebidas e obrigatoriamente retribuídas. O autor no estudo de sociedades do tipo arcaicas, primitivas, observou tais fenômenos sociais que faria parte da proto-história das sociedades complexas. A dádiva, por ser um fato social total, expressaria ao mesmo tempo, e de uma vez, toda espécie de instituições, religiosa, jurídica, econômica, moral (estas políticas e familiais ao mesmo tempo); econômicas supondo formas familiares de produção e consumo, ou antes, de prestação e distribuição. O autor propõe então uma arqueologia sobre a natureza das transações humanas nas sociedades que nos cercam e nas precedentes.
[86] – Do grego oikoumenikós (toda a terra habitada), é um termo que se refere a união de todas as religiões, num espírito de tolerância e respeito com vista a união de todos os povos indicando a união de diversas religiões em um mesmo conjunto. Surgiu na conferência missionária Mundial em Edimburgo em 1910 alegando-se que o objetivo desta união seria obter a paz mundial tendo em vista que muitos conflitos teriam participação das religiões.
[87] – PBV (Partido da Boa Vontade) é cassado, juntamente com outros partidos, pelo golpe militar em 1965.
[88] – Doutrina, pois se refere a um conjunto de princípios, baseada na filosofia, ciência e religião que propõe uma relação entre o mundo visível (percebido pelos sentidos) e o mundo invisível (o mundo dos espíritos). Estabelece uma doutrina dos espíritos, ou espiritismo cristão, sendo seu decodificador Alan Kardec.
[89] – Termo criado por Lucke em 1832 para referir-se ao livro Revelação do Novo Testamento (Apocalipse de São João). Um apocalipse na terminologia do judaísmo e cristianismo é a revelação divina de coisas que a é então permaneciam secretas, a um profeta escolhido por Deus. Possui considerável importância na história da tradição judaica cristã ao veicular crenças como a ressurreição dos mortos, o dia do Juízo Final (dia do julgamento final é o dia em que o mundo irá acabar segundo a Bíblia), o céu e o inferno.
[90] – O novo mandamento é a forma em que a Religião de Deus professa o mandamento: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei" que é a base de todas as ações sociais e espirituais que são pautadas no amor incondicional.
[91] – Como por exemplo com o de Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcante, médico, primeiro presidente da Confederação Espírita Brasileira.
[92] – Uma emissora de tevê (Rede Mundial de Televisão que possui sua própria geradora nacional em sinal aberto, canal 11, cidade de São José dos Campos), uma editora (Elevação), 22 emissoras de rádio AM (Super. Rede Boa Vontade de Rádio), uma gravadora (Som Records) e uma empresa de informática (IS, INTELISYS, Soluções em Informática).
[93] – Uma Cristã do Novo Mandamento, Soldado da Paz de Deus na Terra.
[94] – Neste sentido, a interpretação do cristianismo com ênfase no Apocalipse e a busca da relação do mundo visível e invisível e o reconhecimento da reencarnação segundo o kardecismo seriam os aspectos encontrados no que Rabelo (1994) sistematiza como uma visão de mundo ligada a uma oposição entre bem e mal entendidos como universais e contínuos em uma escala evolutiva, uma relação com o sobrenatural onde o acesso ao poder sagrado se dá através de um processo de desenvolvimento pessoal, via auxílio de espíritos desenvolvidos, e uma relação social marcada pela satisfação de demandas individuais a partir de uma reorientação do comportamento segundo a ética da caridade. Existiria uma proposta implícita de se agir sobre o meio via promoção do desenvolvimento pessoal através da assistência (caridade) e educação.
[95] – Casamento civil e religioso.
[96] – O autor aborda a questão da propriedade familiar como foi tratada pelo direito romano. A família romana compreenderia as res e não somente as pessoas que dela fazem parte estariam ligadas as coisas da casa (escravos, cavalos, mulas, asnos) do gado, as coisas preciosas, res mancipi, não alienáveis, e as coisas não preciosas, res mec mancipi.
[97] – Khong (2003) nos apresenta que ambas são ligadas ao determinismo. O cientista parte geralmente do pressuposto de que todo fenômeno tem uma causa, é o que se denomina princípio da causalidade, ou seja, determinada causa produz sempre determinado efeito. Essa correspondência necessária chama-se determinismo científico. O determinismo científico favoreceu o desenvolvimento da ciência nos últimos 3 séculos. A partir da teoria da relatividade com Albert Einstein somadas as descobertas da física quântica, as cientistas passaram a trabalhar com uma certeza restrita, não absoluta, ou seja, com previsões prováveis. O determinismo científico originou no séc. XIX o determinismo absoluto com graves consequências para as ciências humanas em geral e para a filosofia em particular. O determinismo absoluto estendeu às ciências humanas o mesmo princípio aplicado às ciências naturais. Assim, os fatos de nossa vida e da história passam a ser decorrentes de um complexo sistema de causas e efeitos inevitáveis e independentes da nossa vontade. O determinismo absoluto leva ao mecanicismo segundo o qual o homem é previsível e controlável como uma máquina e, portanto, sem autodeterminação e liberdade.
[98] – O autor se refere os gregos que usaram a episteme para definir as formas da razão e do conhecimento científico ligando-as a um modelo, uma "maneira de fazer", técnica, metis que se encontra na definição dos fatos científicos, na genealogia dos artefatos técnicos e consequentemente na ação técnica temos. O objetivo da epistemologia tem sido construir princípios de racionalidade que permitem ao conhecimento possuir alguma experiência de realidade. Desta forma, os fatos científicos se articulariam a ação técnica através da noção de "eficiência sobre a matéria".
[99] -Actor, Actant são definições próprias de Bruno Latour (1999) apresentadas em Pandora's Hope e que se referem ao interesse do estudo das ciências que é o de oferecer através de sua prática de laboratório, em muitos casos, a emergência de um ator. Ao invés de começar com entidades que são componentes prontos do mundo, os estudos científicos focalizam sobre o complexa e a controversa natureza de como um ator vêm a existir. A chave para definir o ator são suas performances sob o julgamento do laboratório. Mais tarde esta competência fará parte de uma instituição. Na Inglaterra a palavra ator é frequentemente limitada a humanos, entretanto a palavra actant, próxima da semiótica inclui o não-humano em sua definição.
[100] – A mediação significa um evento ou um actor que não pode ser definido pelas causas, pois a mediação sempre excede esta condição.
[101] – O autor aqui considera tal relação como próxima as proposições encontradas na corrente filosófica do empirismo, porém considera duas formas diferentes de empirismo: a que possui propósitos políticos, particularmente no século dezessete através de Locke, que Latour denomina como a de "assuntos do fato" e outra que é usada de forma importante antes de Locke, no período pré-moderno, que considera importante que é a do "estado de conjuntura".
[102] – Um neologismo inventado por Michel Seres análogo a cosmogonia para significar a genealogia mítica dos objetos. Seria uma mitologia sobre a origem das coisas no modelo das cosmogonias do passado.
[103] -Segundo Almeida e col. (1990) em seu trabalho de pesquisa sobre a utilização de tecnologias na U.T.I. do Instituto Fernandes Figueira descreve 53 tipos os procedimentos selecionados por critérios ligados a importância dos mesmos na atenção neonatal e sua representatividade em relação a procedimentos, testes de diagnóstico, equipamentos e monitoração sendo que destes 22 correspondiam ao diagnóstico e 29 a terapias. A relação das 53 tecnologias são: Aquecimento, Punção Vascular, Micro-Hematócrito, Dextrostix, Hidratação Venosa, Raio X, Hemograma, Urodensímetro, Nutrição Gavage, Ionograma, Bilirrubinômetro, Penicilina, Leucograma, Gentamicina, Amicacina, Hemocultura, monitor de Freqüência Cardíaca, Fototerapia, Oxigenoterapia, G. Sang. RH T. Coombs, Gasometria, Bil. Total e Fração, Aspiração, Culturas, Vitamina, Antibiograma, Análise de Líquor, Monitor Transcutâneo, Ventilação Mecânica, Anticonvulsivo, Transfusão de Hemácia, Transfusão Sanguínea, Bicarbonato, Diurético, Nistatina, Cataterismo, Nutrição Oral, Uréia/Creatinina, Cefoxitina, Chupeta, Cardiogênico, Adrenalina, Nutrição Prenteral, Punção Drenag. Pleural, Glicose, Exsanguíneo Transf., Transfusão Leucomácias, Curare, Colírio Garamicina, corticóide.
[104] -Durante os anos 90 a sociologia médica tem sido utilizada de forma interdisciplinar no campo da pesquisa em ciência e tecnologia abarcando de forma mais dinâmica as análises sobre tecnologia médica. A linha comum nessas aproximações é a de que a tecnologia médica está localizada etnográficamente e historicamente na sua prática, no seu uso. Fortemente influenciada por Bruno Latour, a linha de conhecimento reconhecida como sendo a do estudo sociológico da Tecnologia em Prática nos remete para o fato de que a tecnologia pode "fazer"coisas, ou seja, é um ator entre muitas mudanças de configurações técnicas e sociais. Na área da saúde nos conduz para elementos que variam desde a sofisticação dos artefatos tecnológicos até o instrumental que o paciente relata como parte de seu tratamento.
[105] – O sofrimento respiratório que implica em uso de oxigenioterapia deve ser monitorizado (Moreira e Lopes,2004) seno o aparelho denominado como oxímetro um exemplo de artefato tecnológico para esta monitorização. É um exemplo de monitorização não invasiva da sturação de oxigênio e da freqüência de pulso, pode ser utilizado no hospital, transporte do paciente ou em casa. Funciona aplicando-se um sensor com fonte luminosa e um fotodector a um leito vascular (dedo ou orelha). Os ossos, tecidos e vasos venosos absorvem a quantidade constante de luz que é convertida em uma medida de saturação funcional.
[106] – O fato de não ter encontrado vaga no programa de acompanhamento da internação a domicílio, a ausência do oxímetro, a obtenção da tecnologia necessária para a alta hospitalar através do comportamento ativo deste grupo familiar na obtenção do auxílio previsto no fornecimento dos recursos necessários à oxigenioterapia em domicílio, nos remete a compreensão de que esta forma de internação domiciliar é uma transição para determinado modelo de assistência em que a acessibilidade e a equidade estejam articuladas de forma a garantir uma especialização no sentido programático da assistência à prematuridade.
[107] – Conforme a abordagem aqui utilizada, a que busca o significado para o usuário em oposição ao uso da informação para a avaliação exclusiva da funcionalidade temos que a tecnologia não é confundida com o equipamento mas com a miríade de saberes que permitem, em um processo de trabalho específico, operar recursos na realização de sua produção que, desta forma, estão implicados em processos de intervenção.
[108] – A introjeção é um processo evidenciado pela teoria psicanalítica como sendo o do sujeito fazer "passar"o que está de "fora"para "dentro" (objetos e qualidades inerentes a estes objetos) estando estreitamente relacionada com a identificação. Projeção designa a operação pela qual um fato psicológico se deslocar do interior para o exterior, quer passando do centro para a periferia, quer do sujeito para o objeto é a operação pela qual o indivíduo expulsa de si e localiza no outro, pessoa, coisa, qualidades, sentimentos, desejos e mesmo "objetos" que ele desdenha ou recusa, tratando-se de uma defesa muito arcaica.
[109] – Este tipo de identificação não está necessariamente ligado com a pessoa do agressor, mas também pode se ligar com o que foi percebido como sendo sua própria agressão.
[110] – Os mecanismos inconscientes são aqueles desenvolvidos pela teoria psicanalítica na apresentação de um modelo de funcionamento mental no qual existe uma divisão entre processos conscientes (disponíveis através da atenção), pré-consciente (que estão temporariamente inconscientes pois possuem vínculos com a consciência) e os inconscientes (que não estão acessíveis a consciência).
[111] – Que se desenvolveu no interior desta unidade até os 7 meses de idade.
[112] – Sua origem data do séc. XIX (1880) quando Tarnier, obstetra francês ao visitar um zoológico observa determinada técnica de aclimatação para pássaros onde havia aquecimento o que lhe inspira a construção da primeira incubadora. Seu discípulo,Couney, começa a utilizá-la com fins comerciais expondo-a com bebês em eventos públicos como feiras agrícolas, em 1900 na França Budin (primeiro neonatologista da era moderna) publica Lê Nourisson et Higiene Enfants Dëbiles-Enfants nés a terme criando pela primeira em um hospital, Maternidade de Boulevard Port Royal, uma enfermaria para o atendimento de recém-nascidos "debilitados", reconheceu o valor da presença materna na prática desta assistência encarregando a mãe da higiene e amamentação dos filhos e observando desde então a rejeição dos familiares ao bebê por ocasião da alta. Em 1914 Julius Hess inaugura os primeiros berçários nos EUA e com a intenção de proteger as crianças adota a prática de proibir a visitação de familiares. Deste período até a década de 20 os cuidados obstétricos e neonatais foram se diferenciando e as técnicas de cuidado se aperfeiçoando existindo a construção de lugares especiais e estas unidades passaram a ser um local de funcionamento especializado a partir da utilização de uma tecnologia característica. Os anos 50 são conhecidos como a década dos desastres terapêuticos pela introdução de tratamentos não testados (uso indiscriminado de oxigênio produzindo a cegueira, drogas como benzil-álcooll que causaram problemas neurológicos), em 1975 a neonatologia torna-se uma subespecialidade da pediatria. A partir dos anos 70 o recém-nascido prematuro torna-se objeto de pesquisas que relacionam o físico com o emocional (hemorragias intracranianas, isquemias cardíacas atribuídas ao stress) e inicia-se um processo, possibilitado pela eficácia no controle de infecções, que se propõe a conjugar tecnologia a humanização produzindo uma mudança no paradigma do funcionamento destas unidades resultando no retorno da família para o interior das mesmas.
[113] – Exemplos que se relacionam a esta assertiva podem ser encontrados através de pesquisas sobre: relação entre o baixo peso ao nascer e a síndrome da criança espancada, battered child syndrome, (Klein e Stern 1971); abuso sexual de crianças nascidas prematuramente (Holman e Kanwar, 1975 e Sills e col.1977); o abandono (Leifer e col.1972) e desorganizações psicossomáticas do primeiro ano de vida; distúrbios das grandes funções e os mais especificamente somáticos (eczema, asma, infecção otorrinolaringológica de repetição, distúrbios digestivos) Krisler (1981), Crammer (1993), Stern (1977).
[114] – Segundo (Raeside, 1997) visão dos procedimentos intensivos; do óbito; das reações emocionais de outros pais; da melhora e da piora de recém-nascidos internados; da aparência do recém-nascido; da diferença entre o suporte emocional recebido e o esperado da equipe técnica; da dependência do recém-nascido do equipamento tecnológico intensivista (respirador, incubadora, e.t.c.) e a incerteza sobre a evolução clínica do filho internado.
[115] – No Brasil os programas pioneiros datam da década de 70 (Cypriano, 1990), do que nos é apresentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) e do que foi apresentado pela Sociedade de Pediatria ao CONANDA (Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados) que foi aprovado e se transformou na resolução n. 41, de 17 de outubro de 1995, reconhecendo entre outros o direito de ser acompanhado por mãe, pai ou responsável, durante o período de sua hospitalização bem como o direito de receber visitas (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2002).
[116] – Ambiguous Loss – Powell (2000) faz alusões sobre o trabalho de Boss (1999) quando o mesmo estudou viúvas de pilotos desaparecidos em missões especiais no Vietnam. Essas mulheres viviam uma situação ambígua em relação a não informação e não confirmação por investigação oficial que confirmasse a morte dos maridos. A autora relacionou tal estudo com os sentimentos de perda após um parto e internação do recém-nascido em U.T.I. Existe um bebê vivo que é percebido subjetivamente como "perdido".
[117] – Modo de representação mental indireta, figurada, de um conflito ou desejo inconsciente, para a psicanálise a formação simbólica estaria ligada a qualquer formação substitutiva. Em um sentido mais restrito seria um modo de representação que se distingue principalmente pela constância de relação entre o símbolo e o que é simbolizado e que jaz inconsciente. Em relação a este último aspecto se reconhece a função simbólica como presente na formação dos sintomas neuróticos (fobias, conversões, pensamentos obsessivos) e nos sonhos. Assim, designa uma relação que une o conteúdo manifesto, consciente, de um comportamento, pensamento, ao seu sentido latente, inconsciente. A capacidade de simbolizar está ligada a saúde mental e sua insuficiência a quadros patológicos ligados as psicose e doenças psicossomáticas.
[118] – Gasometria arterial é a aferição de gases arteriais que permite avaliar a oxigenação a ventilação (o movimento de CO2 do sangue para o alvéolo)
[119] – Também denominadas como defesas psicológicas são processos emocionais ligados a evitação da irrupção de ansiedade ou angústia.
[120] – Segundo o Ministério da Saúde a assistência perinatal quando abordada sob o enfoque do rico implica em sistemas Hierarquizados e Organizados para todos os níveis de assistência.
[121] - Durante o período do trabalho de campo realizado no setor, onde funciona a unidade de atendimento intensivo em neonatologia do Instituto Fernandes Figueira, participei destes encontros que contavam com as presenças de mães e pais de bebês internados, com a Assistente Social do setor e de uma psicóloga que fazia trabalho voluntário.
[122] -Consta em seu prontuário no Instituto Fernandes Figueiras informações a respeito de asma durante a infância e atendimento psicológico em grupo durante a adolescência.
[123] - A oligodraminia é relativa a escassez de líquido amniótico sendo seu diagnóstico realizado por exame ultrassonográfico e o sofrimento fetal implica em fatores relativos a frequência cardíaca fetal, presença do mecônio no líquido amniótico sendo as alterações bioquímicas evidenciadas pelo eletrocardiograma exame ultrassonográfico.
[124] - Os demais são: cerasariana eletiva sem trabalho de parto, sedação materna, diabetes materno, sexo masculino e asfixia.
[125] -Capacete ou campânula é a forma mais simples de oferecer um ambiente enriquecido de oxigênio par o neonato que respira espontaneamente. CPAP (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas) é uma aplicação da pressão nas vias aéreas durante todo o ciclo respiratório. Sua aplicação se dá através de dispositivos nasais não invasivos. O CPAP nasal e uma tecnologia recentemente introduzida no cuidado neonatal.
[126] - Bacteremia (multiplicação bacteriana no sangue), sepse (bacteremia mais sinais inflamatórios), síndrome séptica (sepse acompanhada de sinais de má perfusão sanguínea), choque séptico (hipotensão arterial que pode ser revertida ou não) e falência múltipla de órgãos (disfunção do SNC e falência renal).
[127] -Os sopros cardíacos são vibrações de duração longa que ocorrem devido ao turbilhonamento do fluxo sanguíneo. Podem ser classificados como sistólicos e diastólicos conforme sua posição durante o ciclo cardíaco.
[128] -
[129] -Que varia de 401 a 1.500grs.
[130] -Bradicardia é a medida dos batimentos cardíacos inferiores a 100 por minuto e a apneia é a cessação de respiração por mais de 20 segundos.
[131] - O termo econômico na teoria psicanalítica se refere a hipótese de que os processos psíquicos consistem na circulação e repartição de uma energia quantificável susceptível de aumento, diminuição e equivalências.
[132]- Para a compreensão sobre o objeto em psicanálise o sentido utilizado aqui é aquele que se refere ao mesmo enquanto correlativo do amor ou do ódio, sendo a relação em causa a da pessoa total com um objeto visado também como totalidade (pessoa, entidade, ideal, etc.). O self já se refere a percepção do si mesmo pelo sujeito.
[133] - Representações psíquicas é uma expressão utilizada por Freud para designar a expressão psíquica das excitações endossomáticas.
[134] - Neste tipo de neurose o aparecimento dos sintomas é consecutivo a um choque emotivo, para a psicanálise o traumatismo em si é a parte determinante no conteúdo dos sintomas apresentados posteriormente (ruminação d o acontecimento traumático, pesadelo repetitivo, perturbações do sono, etc.)
[135]- A família possuiria 3 funções básicas: procriação, afetividade e socialização. A função de socialização da família se refere ao processo de aprendizado que possibilita a criança adquirir conhecimento, valores e papéis dirigidos as expectativas da sociedade.
[136] - Nas classes populares esta é a realidade mais comum sendo que outras possibilidades também podem existir em realidades sociais diferentes como o acesso diferenciado a tecnologias domésticas e a serviços fora do lar (babás e creches)
[137] - Que podemos entender como a de uma situação que vai polarizar o sentimento de baixa estima.
[138] – Devido a desigualdade das condições socioeconômicas da população brasileira persistem problemas relativos ao acesso e aos bens de saúde onde podemos encontrar os da desvalorização dos trabalhadores de saúde, precarização das relações de trabalho, baixo investimento no processo de educação permanente, pouca participação na gestão dos serviços e vínculo frágil entre trabalhadores em saúde e usuários.
[139] – Compromisso com o sujeito e seu coletivo, o estímulo a diferentes práticas terapêuticas e corresponsabilidade de gestores e usuários no processo de promoção de saúde.
[140] – Aqueles que ocorrem com menos de 28 dias após o nascimento.
[141] – A visão adotada pelo Ministério da Saúde (2000) como sendo o do Enfoque de Risco que se fundamenta em uma visão do processo saúde-doença fundamentado no fato de que nem todos os indivíduos têm a mesma probabilidade de adoecer ou morrer, sendo tal probabilidade maior para uns e menor para outros. Essa diferença se traduz em processos de identificação de grupos com alto risco que requerem necessidades de assistência técnica mais especializada. Desta forma, apesar de toda a gestação trazer em si mesmo risco para mãe e para o feto as gestações de alto risco são aquelas nas quais a vida ou a saúde da mãe e do feto ou recém-nascido têm maiores chances de serem atingidas do que as da média da população.
 
[142] – A hipertensão em suas diversas formas representa uma complicação frequente durante a gestação, a pré-eclâmpsia ou doença hipertensiva específica da gravidez se constitui na síndrome hipertensiva mais frequente durante o período gravídico, ocorrendo em torno de 70% dos casos. A hipertensão arterial crônica é a etiologia nos restantes 30%. Neste último grupo são a doença hipertensiva vascular crônica, antigamente chamada de hipertensão arterial essencial e a hipertensão arterial secundária às doenças renais, colagenoses, diabetes com envolvimento vascular, a ofeocromotitoma e grupo que represnta as outras causas menos freqüentes. Neste contexto as síndromes hipertensivas na gestação podem ser diferenciadas em dois grandes grupos: pacientes hipertensas que engravidam e pacientes grávidas que se tornam hipertensas (Leme, 1998).
[143] – Através por exemplo da ventilação assistida e, desde 1990 do licenciamento do uso do surfactante pulmonar como terapia de reposição. Apesar de ser uma prática referido ao atendimento pré-natal não podemos deixar de destacar a importância do emprego de corticóides.
[144] – Como alternativa terapêutica à assistência ao recém-nascido prematuro que apresenta o quadro clínico da Broncodisplasia.
[145] – Freqüentemente expresso por idéias como medo das mães de não se sentirem ligados ao bebê, de não os amar, de desvalorização diante de outras mães (sentimentos de insuficiência), receio que o bebê não "conheça" seus pais, ou que a internação em U.T.I traga consequências emocionais ou sequelas físicas para o bebê.
[146] – Ambiguous Loss– Powell (2000) faz alusões sobre o trabalho de Boss (1999) quando o mesmo estudou viúvas de pilotos desaparecidos em missões especiais no Vietnam. Essas mulheres viviam uma situação ambígua em relação a não informação e não confirmação por investigação oficial que confirmasse a morte dos maridos. A autora relacionou tal estudo com os sentimentos de perda após um parto e internação do recém-nascido em U.T.I. Existe um bebê vivo que é percebido subjetivamente como "perdido".


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