AA. VV., Catálogo da Exposição «A Força do Andor», Loulé, Câmara Municipal de Loulé, 2015.

June 23, 2017 | Autor: J. Romero Chagas ... | Categoria: Local History, Anthropology of Religion, História Do Algarve
Share Embed


Descrição do Produto

Exposição

A Força do Andor

de Verónica Castro e Helena Inverno

Convento de Santo António - Loulé 28 março a 30 abril 2015

Museu Municipal de Loulé

A força da Mãe Soberana

Loulé vive todos os dias sob a proteção da Mãe Soberana, estendida do alto da sua colina, mas é durante o período da Páscoa que os louletanos, e todos aqueles que se querem juntar a esta manifestação religiosa, vivem momentos de uma força e intensidade indescritíveis. Todos os anos são especiais. Este ano o Município de Loulé intensifica as comemorações convidando Helena Inverno e Verónica Castro a exporem no Convento de Santo António e, assim, nasce a exposição A Força do Andor, resultado de um precioso, intenso e emocionante trabalho iniciado em 2013. Paralelamente, expõem-se os trabalhos dos alunos dos 3.º e 4.º anos do 1.º ciclo da Escola EB 1 Mãe Soberana, produto de um desafio do Museu Municipal.

Estas iniciativas inserem-se no trabalho que o Município de Loulé, através do seu Museu Municipal, e a Paróquia de São Sebastião estão a desenvolver para inscrever no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial a mais importante manifestação religiosa a Sul do Tejo: a Mãe Soberana. Um agradecimento muito especial pelo contributo do olhar de Verónica Castro e Helena Inverno, assim como dos meninos(as) da Escola Mãe Soberana. E uma palavra de muito apreço e gratidão a todos os que dão vida a esta manifestação: Paróquia de São Sebastião, Homens do Andor, Banda Filarmónica Artistas de Minerva e à população louletana, um bem-haja! Viva a Mãe Soberana. Viva Loulé.

O Presidente, Vítor Aleixo, 2015

~ 02 ~

Introdução

Afinação

vídeo loop 12' | Portugal | 2015 Os Homens do Andor ajustam o andor aos seus corpos individuais e ao seu corpo coletivo durante a experimentação anual.

Bem-vindos à exposição A Força do Andor, a primeira exposição de arte contemporânea inspirada pela celebração anual da Mãe Soberana em Loulé. Esta exposição nasceu da nossa dedicação e contínua pesquisa cine antropológica. A nossa documentação e trabalho do campo sobre esta tradição culturalmente rica começou em janeiro 2013. Durante as nossas entrevistas e conversas com os participantes da festa, notámos um fio de experiências em comum. Muitos dos participantes comentaram que, ano após ano,

perdem o sentido do tempo e memória ao subirem o ermo no regresso da imagem ao seu santuário. Esta constatação levou-nos a abordar a construção e perceção do tempo durante a viagem ritualista no grupo de participantes que, literalmente, carrega parte do peso deste ritual histórico nos seus ombros, os Homens do Andor. Informadas pelas disciplinas das artes plásticas e da antropologia, as obras vídeo e audio que criámos para esta exposição exploram a relação entre som e imagem na

~ 03 ~

produção de conhecimento antropológico e artístico. Associámos as obras apresentadas nesta exposição às fases dos rituais, designadas pelo etnógrafo, Arnold van Gennep como Separação, Transição e Integração. A primeira fase corresponde a um momento de preparação para os testes colocados na viagem ritualista, onde o participante abandona ou separa o seu eu do que é familiar, do que é o seu velho eu. A segunda fase, também conhecida como a Entrada, ou a fase Liminal, é quando os limites do eu se reconhecem e as fronteiras do eu são postas à prova ou quebradas. Esta fase também é conhecida como uma fase caótica, pois uma vez iniciada não tem retrocesso. A terceira

fase é o Regresso ou a Integração de/da experiência. Nesta fase, os participantes incorporam a experiência do ritual no seu corpo físico e na sua memória, regressando à sociedade duma forma renovada. Participar nesta tradição antiga e poder partilhá-la convosco é um enorme prazer. Agradecemos a receção calorosa que nos foi feita, a qual nos possibilitou a compreensão de todos os aspetos deste ritual. Agradecemos em especial aos Homens do Andor e às suas familias, por nos acolherem nos seus encontros e abrirem as portas das suas casas, quando chegávamos com as nossas câmaras de filmar, os nossos microfones e as nossas perguntas. Viva a Mãe Soberana!

A Força da Memória

vídeo 2' 23’’ | Portugal | 2015 “Já não há volta a dar”, este é o momento da abaladiça, quando os Homens do Andor e seus amigos vivem os últimos dois minutos antes da marcha triunfal.

Verónica Castro e Helena Inverno, 2015

~ 04 ~

~ 05 ~

A força do Amor

Que a Mãe Soberana tem insondáveis mistérios e desígnios todos os Louletanos o sabem. Já não constitui surpresa. Nem para os mais entendidos e experientes na matéria. O culto louletano a Nossa Senhora da Piedade deve ser olhado como sendo mais do que a soma de todas as devoções individuais dos seus fiéis. Deverá ser visto como uma recordação coletiva. Como um culto da comunidade. Como a consciência de um grupo. Como uma esperança comum. Como o maior denominador comum entre todos os filhos de Loulé. Uma espécie de autobiografia de todo um Povo. Do Povo Louletano. Que, de geração em geração, por força do sangue, aprendeu, por definição, a ser também ele Mãe Soberaneiro. Ou como resumiu, lapidarmente, Aleixo: «Porque a alma desse povo / Vai dentro daquele andor». Alguém tem dúvidas? O culto a Nossa Senhora da Piedade é antigo. Vem, pelo menos, desde 1553, ano em que se pensa ter sido edificada a ermida. A face mais visível do culto são as suas duas Festas anuais. Realizadas por altura da Páscoa. Divididas em dois grandes momentos,

essas festas são, popularmente, designadas por Festa Pequena e por Festa Grande. A Festa Pequena tem lugar na tarde do Domingo de Páscoa, com a condução, em procissão, da Imagem de Nossa Senhora da Piedade, da sua ermida - que dista a dois quilómetros de Loulé -, até à igreja paroquial de São Francisco, sede da paróquia louletana de São Sebastião. A Festa Grande ocorre passados catorze dias, isto é, no terceiro Domingo de Páscoa. Nesse «Dia Maior» para os Louletanos, a Imagem de Nossa Senhora da Piedade é processionada por algumas artérias da cidade, para, depois, ser conduzida, em «marcha triunfal», à sua ermida. A Festa da Mãe Soberana é um caso muito particular de religiosidade popular. Em Loulé é raro ouvir-se alguém dizer: «Vou à procissão da Mãe Soberana». O mais comum é as pessoas dizerem: «Vou à Festa da Mãe Soberana». Porque a Festa tem um pouco daquele «salero» que os andaluzes dedicam às suas «Virgens Guapas», facto que a torna tão única, singular e atrativa. Porque a Mãe Soberana quer-se «passeada» com sentimento, mas, ao mesmo tempo,

~ 06 ~

com arte. E é, justamente, essa arte de saber «passeá-La» um dos fatores que a diferencia das restantes procissões que se celebram no nosso país. Outra das várias singularidades da Festa prende-se com o papel desempenhado pelos Homens do Andor. Assim que a Mãe Soberana transpõe a porta da igreja paroquial a autoridade da Festa passa para eles. Passam a ser eles uma espécie de Oficiantes da Festa. Porque são eles que marcam o passo do cortejo, estipulam o ritmo do andamento e decidem as paragens para descanso. E o «salero»? De onde veio? Quem o introduziu? Ao longo, praticamente, de todo o século XIX, Loulé recebeu várias centenas de imigrantes andaluzes, na sua esmagadora maioria naturais de Villanueva de los Castillejos (região do Andévalo, província de Huelva), que vieram para Loulé trabalhar. Casaram. E por cá ficaram. Ora, foi essa grande e influente comunidade andaluza a residir em Loulé que introduziu um conjunto de características na Festa. Exemplos? O modo elegante e artístico como a Senhora é passeada, ao som

das marchas processionais executadas no momento. Os «Vivas!» gritados à passagem da Imagem. A existência da figura do Tocha. A farda de trabalho dos Homens do Andor. O léxico próprio, composto por um conjunto alargado de modismos, tipismos, expressões e termos técnicos, somente por eles conhecido e falado. Características processionais únicas no nosso país, mas, ao invés, facilmente identificáveis nas principais procissões que se celebram na Andaluzia. Quis o destino que, em 2011, um fotógrafo louletano falasse, pela primeira vez, deste extraordinário culto a duas jovens documentaristas: a Helena Inverno (alentejana e cineasta) e a Verónica Castro (mexicana, antropóloga visual e cineasta). Ficaram curiosas. Em Janeiro de 2013 vêm, pela primeira vez, para Loulé. Conhecer a Mãe Soberana. Foi Amor à primeira vista. Apaixonaram-se intensamente. Pela Imagem. Pelo culto. Pelas suas gentes. Os Louletanos receberam-nas bem. Retribuíram-lhes o seu afeto. E elas por cá ficaram. Era o início de uma bela história de Amor. A Helena e a Verónica vieram para trabalhar.

~ 07 ~

Pesquisaram. Entrevistaram. Filmaram. Problematizaram. Refletiram. Conviveram. Integraram-se. Tornaram-se, por mérito e direito próprio, parte da família, da grande e heterógena família Mãe Soberaneira. A utilização de um olhar antropológico permitiu-lhes compreender alguns mistérios. Perscrutar melhor a realidade. Entender a Festa. Não ficar pela rama. Tentando analisar, retratar e documentar, para memória futura, esta verdadeira História de Amor que os Louletanos têm com a Mãe Soberana há quase cinco séculos. O objetivo, esse, nunca o esconderam: aliar a ciência à arte. A Antropologia ao Cinema. A análise ao documentário. A racionalidade à emoção e ao sentimento. Coisa pouca... A sua enorme perspicácia, inteligência e sentido profissional levou a que os principais Oficiantes da Festa lhes franqueassem as

portas dos seus locais de trabalho e das suas habitações. Conseguiram que eles lhes abrissem os corações. E existirá melhor fala do que aquela que vem do coração? Situação só possível pelo elo de confiança que, entretanto, a Helena e a Verónica souberam plantar, regar e colher, qual orquídea florida, em Dia de Festa Grande, ao pés da Mãe Soberana! Voltaram na Primavera de 2014. Havia que continuar o trabalho. E assim foi. A Mãe Soberana voltava a fazer das suas: conquistando-as, inebriando-as, enfeitiçando-as, trazendo-as para o seu regaço maternal! Como, aliás, não raras vezes acontece com quem d’Ela se aproxima. Sejam locais ou forasteiros. E chega 2015. E cá estão elas outra vez. Bom trabalho! Viva a Mãe Soberana!!!

Contigo

audio 24' 33’’ | Portugal | 2015

João Romero Chagas Aleixo Historiador

~ 08 ~

Os Homens do Andor, a Banda Filarmónica Artistas de Minerva e o povo marcham em conjunto conduzindo a imagem até ao cimo do monte sagrado.

~ 09 ~

Verónica Castro é cineasta e antropóloga visual.

Castro explora a prática artística e a antropológica para tecer relações de encontro e de tensão entre as duas disciplinas. Atualmente é doutoranda na Universidade de Manchester. Anteriormente licenciou-se na University of California, Berkeley e é mestre em Antropologia pela School of Oriental and African Studies, University of London.

Helena Inverno é artista visual e cineasta,

licenciada em Fine Arts Film & Video pelo Central Saint Martin’s College, University of London e é pós-graduada em Cinema pela Univ. Nova Lisboa. Helena recebeu prémios em Cinema, Vídeo Arte, Música e Desenho. Colabora regularmente com artistas de renome internacional nas áreas da Dança e das Artes Performativas.

Castro e Inverno apresentam trabalhos em galerias e museus. A dupla estreou-se nas salas e nos festivais de cinema em 2012, com as obras Jesus por Um Dia, vencedora do Prémio Melhor Longa Metragem Portuguesa no Festival IndieLisboa, e Uma Só Espera, galardoada com Menção Honrosa no Festival Cine Eco.

A Força do Andor

video loop 42’’, audio loop 13’ | Portugal | 2015

Ficha Técnica:

Som: Vasco Pimentel, Rossana Torres e Verónica Castro Imagem: Helena Inverno Entrevistas: Verónica Castro

Agradecimentos:

Homens do Andor e suas famílias e amigos, Vasco Célio, Padre António Freitas, Dália Paulo, Gabriela Soares, Rossana Torres, Vasco Pimentel, Eduardo de Sousa, Ricardo Nascimento,Carlos Barreto, João Chagas, Luís Silva, Cristina Almeida, O Som e a Fúria, O Pescador, Nuno Matos, Susana Matos, Sofia França, Brízida Moita e Elena Standel.

Apoio:

Direção Regional da Cultura do Algarve, Casa da Cultura de Loulé, Entre Imagem, Stills, A Paróquia de São Sebastião, Câmara Municipal de Loulé, Flavour Productions, Junta da Freguesia de São Sebastião e Vila Graciosa.

A calçada do caminho sagrado guarda os sacrifícios e as alegrias de todos os que sobem e descem o Monte da Nossa Senhora da Piedade. Os Homens do Andor descrevem a força presente quando carregam o andor da Mãe Soberana.

~ 10 ~

~ 11 ~

Um grupo de homens, conhecido pelos homens do andor, descreve o intangível, a força que os transporta à emoção intensa e às lágrimas. A Força do Andor é uma exposição composta por quatro obras, Afinação, A Força da Memória, A Força do Andor e Contigo na qual aborda a construção e percepção do tempo durante rituais festivos.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.