Ação Sindical no Vale do São Francisco: Relações de Gênero e Trabalho

July 23, 2017 | Autor: Fernando Souto | Categoria: Sociology of Work, Agricultural Development, Gender studies and agricultural Economics
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IV Seminário de Trabalho e Gênero: Protagonismo, ativismo, questões de gênero revisitadas

ST - Trabalhadoras e militantes: quando as mulheres vão à luta nos espaços sociais

Ação Sindical no Vale do São Francisco: Relações de Gênero e Trabalho José Fernando Souto Júnior1 Camilla de Almeida Silva2 Guilherme José Mota Silva3

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Professor Adjunto III de Sociologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco – [email protected] Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Vale do São Francisco, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) FAPESB/UNIVASF – [email protected] 3 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Vale do São Francisco, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) FAPESB/UNIVASF – [email protected] 2

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RESUMO Este trabalho é fruto de estudos realizados pela pesquisa “Ação Sindical no Vale do São Francisco (1990 – 2008)” com apoio do CNPq e da FACEPE, tendo como objetivo a análise da ação feminina na construção da política sindical no Vale do São Francisco, assim como também apreender o papel desempenhado pelas sindicalistas e trabalhadoras rurais nas diretorias dos sindicatos e a consequente inserção de demandas voltadas a questão de gênero. O Submédio São Francisco, localizado no semiárido nordestino destaca-se pelo seu dinamismo econômico, associado à produção e exportação de frutas. Entretanto, esse desenvolvimento também gera desigualdades evidenciadas principalmente nas condições de trabalho e vida das trabalhadoras rurais da fruticultura. Essas observações tornam-se mais perceptíveis, sobretudo, após a aprovação dos primeiros acordos coletivos de trabalho, iniciados em 1994.

Palavras-chave: Trabalho, Mulher, Sindicatos, Gênero, Direitos.

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1. Introdução

Este trabalho envolve a discussão dos resultados obtidos na pesquisa sobre as organizações sindicais de trabalhadores rurais na região do Vale do São Francisco, desenvolvida desde 2008 com apoio da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE), tendo continuidade, em 2010, com financiamento do CNPq para o projeto “Ação Sindical no Vale do São Francisco (1990 – 2008)”. A análise se deteve na construção das convenções coletivas de trabalho da fruticultura irrigada e nos seus desdobramentos para as relações de gênero, ao mesmo tempo em que se procurou evidenciar que os conflitos entre capital e trabalho permitiram o desenvolvimento de ações que incluíram inúmeros trabalhadores e trabalhadoras ao mundo dos direitos. Foram observados as atuação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais das cidades de Petrolina, Lagoa Grande e de Santa Maria da Boa Vista, ambas em Pernambuco. Foi delimitado o marco temporal entre os anos 1994 até 2008, ano em que inicia as primeiras negociações que resultou na primeira convenção coletiva de trabalho da fruticultura irrigada. Além disso, optou-se pela pesquisa documental em arquivos, onde foram recolhidos documentos nos arquivos dos sindicatos, dos jornais locais, além da realização de várias entrevistas semiestruturadas com dirigentes sindicais. Os argumentos desse trabalho serão desenvolvidos em três partes principais: na primeira, tentaremos demonstrar como se desenvolveu um capitalismo no Vale do São Francisco que integrou um conjunto de trabalhadores e trabalhadoras ao mercado formal de trabalho, principalmente mulheres, entre os anos de 1994 até os dias de hoje, em decorrência de uma atividade sindical que mobilizou os trabalhadores e as trabalhadoras assalariadas da fruticultura irrigada. No segundo argumento, pretende-se demonstrar como nos anos 1990 a ação sindical foi modificada em razão do aparecimento de uma nova categoria de trabalhadores no campo, os assalariados da fruticultura irrigada, e como a inclusão desse grupos significou uma mudança na ação sindical. Em terceiro lugar, tenta-se demonstrar como a participação feminina garantiu uma pauta política que respeitou os direitos das mulheres nas convenções coletivas de trabalho.

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2. O Vale do São Francisco: desenvolvimento regional e ascensão da fruticultura irrigada

O Vale do São Francisco pode ser considerado como uma das regiões agrícolas mais dinâmicas do Nordeste, devido, principalmente, aos investimentos estatais na década de 70, que tinham por objetivo o desenvolvimento de projetos empresariais por meio dos benefícios da irrigação. Além disso, a participação do Estado para o desenvolvimento do capitalismo na Região ainda é intensa, e vai de empresas públicas como mega projetos como a CHESF, a Universidades como a Universidade da Bahia e, mais recentemente, a Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf. Agências de desenvolvimento como Codevasf, empresas de pesquisa como a Embrapa também fazem parte das políticas de estado para a região. O Vale dispõe de condições naturais favoráveis, com sol o ano inteiro e poucas chuvas, permitindo um controle intenso do processo de irrigação das plantas, o que garante mais de duas safras anuais. O destaque recai sobre Petrolina-PE e Juazeiro-BA, dando ênfase na produção de uva e de manga (CAVALCANTI, 1997). Como uma peculiaridade em meio ao sertão nordestino, o Vale vive o dinamismo da agricultura irrigada, destacando-se durante os anos 90 como o maior produtor e exportador de verduras e frutas de alta qualidade no país. Os principais cultivos incluem a manga e a uva, vendidas “frescas” para a Europa e os Estados Unidos, além de outros cultivos que são destinados ao mercado nacional, como a banana, côco, maracujá, e acerola (DAMIANI, 2003). As chamadas “comidas frescas” têm tido cada vez mais destaque com os novos hábitos alimentares, estando associados a novos padrões de consumo, até mesmo como instrumentos da cultura de consumo atrelado a propagandas, a mídia e também ao novo padrão estético dos corpos. Com esta modificação dos padrões alimentares, passou a existir uma maior abertura para a produção e exportação de frutas. A cultura de uva, como destaque da região para exportação é decorrente de uma conjunção de esforços entre os pioneiros da iniciativa privada e das políticas públicas (CAVALCANTI, 2003). O crescimento da agricultura irrigada produziu então, uma variedade de efeitos, dentre os quais a geração de empregos, passando a atrair trabalhadores de todo o Nordeste, transformando a região “numa das poucas áreas do Nordeste onde a taxa de imigração superou a taxa de emigração” (DAMIANI, 2003). De acordo com Damiani,

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no ano de 1996, esse setor empregava quase 40.000 agricultores assalariados, o que corresponde a 30% da mão-de-obra rural da região. Desses 40.000 trabalhadores, a grande maioria (72%), é empregada no cultivo de exportação de manga e uva. Nesse universo apresentado em números por Damiani (2003), as mulheres representavam uma quantidade bastante significativa na força de trabalho empregada na agricultura irrigada. Nas culturas predominantemente de exportação, há uma forte distinção na utilização da força de trabalho entre homens e mulheres; a mão-de-obra preferencial na produção de mangas é masculina, enquanto que a viticultura emprega as mulheres. A “femininização” do trabalho na viticultura se dá pela preferência em empregar as trabalhadoras rurais devido ao caráter artesanal da produção, o que exige mais delicadeza e precisão no cultivo, de acordo com os próprios empregadores. Diante das exigências comerciais do mercado consumidor das frutas do São Francisco, que perpassam inclusive pelo caráter estético, o empresariado local opta por empregar mão de obra feminina utilizando o argumento que imputa às mulheres qualidades tidas como de gênero, como a de ser mais criteriosa e delicada (OLIVEIRA, 1997; BRANCO & VAINSENCHER, 2001 e 2002). Interessada em desenvolver o potencial agrícola do submédio São Francisco, os grupos dominantes locais em aliança com o empresariado nacional e por intermédio do Estado, nos anos 1950, patrocinaram as primeiras iniciativas de pesquisa e de apoio técnico que partiram da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF). Nesse período também ocorreram investimentos públicos que visavam ampliar a infraestrutura de transportes, comunicação e energia. As primeiras iniciativas de produção surgiram no início da década de 1960, com a implantação de duas estações experimentais de áreas de irrigação que viriam a se tornar o Projeto Piloto de Bebedouro e o Perímetro Irrigado de Mandacaru (CORDEIRO NETO & ALVES, 2009). A Sudene cumpriu com o papel de garantir apoio e orientação técnica aos colonos que se propuseram a assumir os primeiros lotes. Também foi responsável pela elaboração do Plano Diretor de Irrigação do Submédio São Francisco e da gestão dos incentivos fiscais. A partir de então a região tornou-se um pólo de atração de investimentos privados que vinham principalmente do Sul e Sudeste do Brasil e encontravam a infraestrutura preparada. A entrada progressiva desses novos atores significou uma ruptura com o passado agrícola da região e desencadeou uma abertura

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para novos empreendimentos utilizando dos recursos naturais do território (SILVA, 2009). Mas, o desenvolvimento da região não se deu sem que se pensasse em instituições que fossem capazes de construir e reproduzir um conhecimento técnicocientífico que garantisse a sua aplicabilidade para esse capitalismo que se colocava como novo e modernizador da região. Além disso, era necessário produzir uma mão de obra especializada para a produção da lavoura e que difundisse os valores de uma agricultura moderna. Foi em dezembro de 1960 que surgiu a Faculdade de Agronomia da UNEB, que cumpriu esse papel. A partir de 1974 com a criação da CODEVASF e tendo como positivas, pela ótica da geração de produção de valor, as experiências nas estações experimentais de irrigação, iniciou-se a implementação dos demais perímetros públicos de irrigação. Em 1975, já havia a compreensão de diversificar a produção do Vale e também a sua base técnica com o intuito de aumentar a intensificação da geração de valor e, ao mesmo tempo, ficar menos dependente de determinadas variedades de mercadorias. Não por acaso, esse ano deu início às atividades da Empresa Brasileira de Agropecuária Embrapa Semiárido, que foi capaz de fornecer o conhecimento técnico-científico para o pioneirismo da fruticultura. Todos esses foram investimentos estatais. Diante disso, a produção original que era principalmente voltada ao cultivo de cebola foi diversificada e substituída por culturas de maior valor comercial, a exemplo da melancia, melão e, principalmente, o tomate. Nesse período ainda eram inexpressivas as áreas com cultivo de manga e uva, que a partir de meados da década de 1980 tornaram-se principal atividade produtiva agrícola do Vale. As transformações na base produtiva, tendo como locomotiva a fruticultura, promoveu um processo de reestruturação da agricultura irrigada no submédio São Francisco. Ao mesmo tempo em que intensificou a substituição dos pequenos produtores pelos grandes empresários fruticultores, da automação da produção, levou a redução dos níveis de emprego e deteriorou as condições de trabalho (CORDEIRO NETO & ALVES, 2009, p.345 apud SILVA, 2001).

3. Sindicalismo rural no vale do São Francisco e as modificações na ação sindical a partir da década de 1990

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A atuação dos sindicatos dos trabalhadores rurais na região do Vale do São Francisco é de um período bem anterior à ascensão da fruticultura irrigada, tendo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolina sido fundado no início da década de 1960. No entanto, foi no momento de ascensão da fruticultura que a ação sindical demonstrou maior vigor, entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990. Antes disso, a política sindical foi essencialmente voltada aos pequenos produtores da agricultura familiar. A partir de 1989, em reuniões nos bairros periféricos da cidade de Petrolina e nos distritos de Vermelhos, Izacolândia e Lagoa Grande, onde residiam grande parte dos trabalhadores assalariados das empresas fruticultoras, que teve início as primeiras tentativas de representar os assalariados da fruticultura. Ali foi possível conhecer o perfil da categoria. Entre os assalariados, a maioria era de mulheres. Segundo Cida Pedrosa, advogada enviada pela FETAPE para iniciar a organização dos trabalhadores e trabalhadoras na época.

Porque nesse processo de conhecimento a gente descobriu quem é que trabalhava, então quem trabalhava? Mulheres! Muitas mulheres. O raleamento de uva é um trabalho muito feito por mulheres, tem uma mão de obra assalariada de mulheres muito grande e é um trabalho delicado, não é o trabalho da cana, é um trabalho de processamento delicado; muitos jovens estudantes, gente muito jovem trabalha lá, e a gente descobriu que o grande cancro era o agrotóxico, além de todos eles, era o agrotóxico, deixava as pessoas doentes e essa coisa dessa mão de obra feminina e jovem e aí a gente põe na convenção coletiva algumas guaridas para as mulheres e pros jovens que foram de muito difícil entendimento 4.

Construindo-se os elos a partir dessas reuniões, os sindicatos de Santa Maria da Boa Vista e de Petrolina decidiram representar os assalariados rurais da fruticultura. A pauta política passou a ser o cumprimento de Direitos. Naquele momento, representar os trabalhadores chamava para sí a bandeira dos direitos e, junto com ela, as instituições que deveriam zelar pelo trabalho formal e aquelas que se preocupavam com um mundo mais justo, como foi o caso de setores da Igreja Católica. Coube ao STR de Petrolina provocar à Delegacia Regional do Trabalho (DRT) para que desenvolvesse seu papel fiscalizando e autuando as empresas que estivesse irregulares. Naquele momento houve uma convergência entre os interesses dos STRs e a política de atuação da DRT em Pernambuco. No plano nacional o Ministério do

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Entrevista de Cida Pedrosa. Recife, 16/12/2011.

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Trabalho assumia a existência de trabalho escravo no Brasil e às DRTs caberia a fiscalização. Assim, com apoio institucional e com o argumento da lei, os sindicatos passaram a entrar nas fazendas com os fiscais da DRT. Constatou-se que havia grande número de trabalhadores informais. Como consequência, a primeira bandeira de luta foi a defesa do trabalho com carteira assinada. Foi somente a partir da orientação política que privilegiava os trabalhadores assalariados da fruticultura que a atividade sindical assumiu maior intensidade e o número de associados cresceu. Até o início da década de 1990 havia poucos associados, sendo estes, em grande parte, pequenos produtores rurais das áreas de sequeiro5. Mas, foi necessário superar conflitos internos para que os dirigentes aceitassem representar e incorporar os trabalhadores assalariados em suas fileiras. A Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (FETAPE) foi a indutora desse processo, levando os sindicatos rurais a organizarem os assalariados em suas bases. Naquele momento, a FETAPE organizava os trabalhadores assalariados da cana de açúcar na Zona da Mata de Pernambuco. Essa experiência foi transposta para o Vale do São Francisco na década de 1990 e teve consequências importantes na formalização das relações de trabalho e no cumprimento de direitos para os trabalhadores, ao introduzir uma pauta cidadã pelos sindicatos rurais de trabalhadores e negociada com os sindicatos patronais. Essas pautas teriam nos anos seguintes desdobramentos importantes na questão de gênero. A partir da construção das primeiras pautas de reivindicações, os STRs conquistaram aos poucos legitimidade junto à categoria. Em outubro de 1993, os sindicatos de Petrolina e Santa Maria da Boa Vista oficiaram legalmente as empresas de e o Sindicato Patronal convocando-os para a mesa de negociações. A Delegacia Regional do Trabalho coube o papel de mediadora nas negociações. O processo de negociação foi bastante complicado, com várias negociações paralelas, durando mais de dois meses, devido, sobretudo, a desorganização sindical do patronato, que estava preparado para exportar frutas, mas não para negociar com os trabalhadores. O empresariado e os médios produtores não tinham uma proposta para negociar. Esse foi, certamente, o motivo de grande parte dos impasses e dificuldades das

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Por área de sequeiro entendemos as áreas não irrigadas e que sofrem mais com a seca.

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negociações entre o patronato e os trabalhadores. O fato de não existir consenso entre os primeiros, acarretou negociações paralelas. Todo esse trabalho, iniciado em 1990, de reuniões de aproximação e reconhecimento junto à base, de fiscalização das empresas e da própria compreensão interna dos sindicatos sobre necessidade da luta junto à categoria, desembocou na assinatura da primeira Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) dos assalariados rurais do Vale do São Francisco, no início do ano de 1994. Desde então, a construção das negociações das Convenções Coletivas de Trabalho têm sido, ano após ano, a principal atividade dos sindicatos junto aos assalariados, e, por consequência, dos patrões.

3.1. Participação das mulheres no movimento sindical dos trabalhadores e trabalhadoras rurais

Historicamente a participação das mulheres no movimento sindical, sobretudo no movimento sindical rural, tem sido em números menor do que a participação masculina. Isso acontece pela ausência de ocupação dos espaços de negociação e dos cargos de liderança pelas mulheres. Essa pequena participação aparece como consequência do pressuposto equivocado de que as atividades provenientes da agricultura são essencialmente masculinas, cabendo à mulher apenas atividades domésticas,

tomadas

nesse

contexto

como

improdutivas,

ou

secundárias

(ABRAMOVAY & SILVA, 2000). A divisão social do trabalho e, por consequência, a divisão sexual do trabalho define o lugar dos indivíduos tarefas distintas a homens e mulheres, dando formas diferenciadas de inserção no mercado de trabalho e na sociedade. Desse modo, a mulher é responsabilizada pela reprodução social de seu grupo familiar, que consiste na execução do trabalho doméstico e nas atividades para reprodução da força de trabalho. Além do mais, essa reprodução implica ainda na responsabilidade com relação à saúde e a educação dos filhos, assim como também na manutenção do lar. Como evidencia Abramovay & Silva (2000), no caso das mulheres de localidades rurais, “elas ainda vão ter um importante papel na produção agrícola que se torna invisível por conta do duplo papel exercido, de produção e reprodução”.

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A Confederação Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (CONTAG) abrange as Federações Estaduais (FETAGs), e tem o seu trabalho estruturado em secretarias, onde uma secretaria geral coordena as ações das demais 11 secretarias – Relações Internacionais, Finanças e Administração, Política agrária, Política Agrícola, Assalariados Rurais, Meio Ambiente, Políticas Sociais, Formação e Organização Sindical, Mulheres Trabalhadoras Rurais, Jovens Trabalhadores e Trabalhadores da Terceira Idade6. Atualmente as trabalhadoras rurais possuem uma secretaria específica para tratar das questões relacionadas ao trabalho. A Secretaria de Mulheres Trabalhadoras Rurais da CONTAG tem como principais objetivos a coordenação e implementação de políticas e estratégias para a superação de todas as formas de discriminação e desigualdades de gênero existentes no meio rural, além de promover ações de capacitação das mulheres trabalhadoras rurais para qualificar sua participação no MSTTR e nos espaços de formulação e implantação de políticas para o desenvolvimento rural7. A Secretaria de Mulheres, através da CONTAG, coordena a Marcha das Margaridas, junto às 27 Federações de Trabalhadores na Agricultura e aos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), assim como também várias organizações de mulheres parceiras. A Marcha das Margaridas é hoje um dos mais expressivos movimentos de mulheres trabalhadoras rurais no país, evidenciando uma articulação entre organizações parceiras no processo massivo de denúncia das condições de vida das mulheres no campo, e na luta por uma sociedade com maior igualdade de gênero. Entretanto, para que hoje as trabalhadoras rurais possam desfrutar uma secretaria voltada exclusivamente para dar suporte às mulheres na Confederação Nacional, a luta foi grande, organizando e envolvendo cada vez mais mulheres, de modo que vem se fortalecendo ao longo do tempo e da atuação das sindicalistas. No começo, dentro da CONTAG, a reivindicação pelo direito à ocupação de cargos nos sindicatos começa a ser atendida timidamente. A partir da década de 80, as mulheres conquistaram visibilidade ao construírem articulações e organização próprias, com uma ampla agenda política voltada para a superação das discriminações e 6 7

Disponível em: http://www.contag.org.br/index.php?modulo=portal&acao=interna&codpag=226&nw=1 Disponível em: http://www.contag.org.br/index.php?modulo=portal&acao=interna&codpag=291&nw=1

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desigualdades, para a afirmação de sua identidade enquanto trabalhadora rural, para os direitos sociais e pleno exercício de sua cidadania. Até o ano de 1985, a resistência em aceitar a presença feminina nos sindicatos era muito grande. Esse foi o principal fator de denúncia no IV Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais, onde foi proposta a sindicalização feminina. Com a oficialização da Comissão Nacional de Mulheres, durante o V Congresso, as mulheres foram colocadas pela primeira vez na suplência da direção. Mesmo assim, numa disparidade de quatro mulheres para dezesseis homens suplentes (ABRAMOVAY & SILVA, 2000). Com o grande aumento na participação e sindicalização das mulheres, surge a necessidade de redemocratizar as relações de gênero dentro da CONTAG. Esse aumento em conseqüência do avanço na ação sindical reflete na criação do cargo de coordenadora da Comissão Nacional de Mulheres, em 19958, no nível das Federações e de alguns Sindicatos de Trabalhadores Rurais (ABRAMOVAY; SILVA, 2000). A criação da Comissão Nacional de Mulheres foi uma conquista de grande importância para o Movimento que estava se firmando para reivindicar demandas específicas da trabalhadora rural e a inserção da mulher nas diretorias sindicais. Em 1997, durante a I Plenária Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais realizada em Brasília, a cota mínima de 30% de mulheres foi adotada em todas as instâncias de direção do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rural, Federações e Sindicatos, já para o VII Congresso da CONTAG, no ano 2000 (ABRAMOVAY; SILVA, 2000). Para Abramovay & Silva (2000), essa cota mínima que garante a participação de 30% de mulheres no Congresso significa a possibilidade de da definição de quem, como e em que circunstância poderia uma chapa vir ou não ganhar eleições – a questão vai além dos 30% de mulheres na chapa, significando a conquista de poder concreto por parte das mulheres (ABRAMOVAY; SILVA, 2000). A conquista das cotas foi, sem dúvidas, grandiosa na ocupação dos espaços por parte das trabalhadoras rurais. Entretanto a luta das mulheres não acaba ao conquistar o direito assegurado pelas cotas na ocupação desses espaços de disputa política, pois estes espaços não necessariamente garantem o poder a este agrupamento.

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A Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (CNMTR/CONTAG) foi criada em 1995. Disponível em: http://www.contag.org.br/imagens/f1390cartilha-cnmtr-contraviolencia022009.pdf.

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3.2. A organização das mulheres nos sindicatos dos trabalhadores rurais do Vale do São Francisco

Nossa análise recai sobre os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais do estado de Pernambuco, abrangendo os STRs de Petrolina, Santa Maria da Boa Vista e Lagoa Grande. Dentre estes, o STR Petrolina é o de maior influencia na ação sindical dessa região, sendo colocado como referência para o sindicalismo rural brasileiro através de sua ação pioneira, na construção da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) da fruticultura irrigada. Esse pioneirismo foi importante para a melhoria nas condições de trabalho do assalariado da fruticultura irrigada, e dentre essas conquistas, o movimento das mulheres trabalhadoras rurais da região alcançou aquela, que sem dúvidas, está intrínseca às discussões de gênero em todas as instâncias: a igualdade salarial9. Ainda na década de 1980 acontece o primeiro encontro de mulheres pela militância da trabalhadora rural, em Petrolina. Foi a partir desse encontro que as mulheres começaram a ter maior aproximação com as políticas sindicais no STR Petrolina, apoiadas por algumas pessoas que representavam a diretoria na época. Com o apoio de alguns, e sob organização das mulheres, a FETAPE levou ao congresso da CONTAG reivindicações para participação das mulheres. Essas primeiras reivindicações eram pela garantia de maior participação nas diretorias dos sindicatos e sindicalização das mulheres. Num âmbito mais geral, a luta se reverte na cota de reserva de 30% dos cargos e diretorias, em todas as instâncias do movimento sindical. Entretanto, é em 2013, quase vinte anos depois da primeira CCT, e com 50% de seus cargos e suplência estarem sob direção feminina, que o STR de Petrolina está se estruturando para anexar às suas secretarias, uma secretaria para as mulheres trabalhadoras rurais. Atualmente, a mobilização e organização das trabalhadoras estão a cabo da Secretaria de Organização e Formação Sindical, Coordenação de Mulheres e Jovens. No Estado de Pernambuco a atuação da FETAPE, através da Coordenação das Mulheres Trabalhadoras Rurais, em parceria com os Sindicatos têm como compromisso, dentre outros, coordenar e encaminhar as lutas específicas da mulher trabalhadora rural; coordenar e implementar atividades sobre relações de gênero, 9

Cláusula 1ª da CCT de 1994 (salário unificado).

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fortalecendo a luta pela eliminação da violência, da discriminação e preconceitos à mulher; e, principalmente, garantir a participação das trabalhadoras rurais, com a quota mínima de 30%, pelo menos, em todas as instâncias do MSTTR, inclusive nas diversas posições dos cargos efetivos e suplentes das chapas concorrentes a pleitos sindicais10. A partir de nossas análises, percebemos que a inserção das mulheres no trabalho assalariado da fruticultura e nas diretorias dos sindicatos garante interferências diretas na construção da política sindical rural do Vale do São Francisco, sobretudo nos momentos de negociações das CCTs, que trazem em diversas cláusulas as demandas das trabalhadoras. Percebemos também uma ampliação nas conquistas das trabalhadoras assalariadas, que deve estar associada tanto ao grande número de mulheres empregadas nas empresas, quanto pela inserção destas nos sindicatos, influenciando diretamente na construção da política sindical. A análise de tais convenções nos permite apontar as cláusulas específicas para as mulheres, de modo que já em 1994, além da igualdade salarial, foi assegurado à trabalhadora gestante a estabilidade de emprego após a comprovação da gravidez, passando a executar um trabalho de acordo com sua condição, recebendo o mesmo salário. Além da estabilidade, a assalariada rural tem direito ao salário-maternidade, conforme o previsto pela constituição federal. À medida que a CCT vai ganhando notoriedade, novas cláusulas específicas vão sendo anexadas, muitas delas relacionadas à saúde da mulher, e aos cuidados com os filhos, como por exemplo, a garantia do direito de visitar a um filho menor de idade internado em hospital, uma vez por semana sem que seu dia seja descontado, mediante apresentação do atestado de visita. A Convenção de 1996 traz ainda outras cláusulas de grande importância para as mulheres trabalhadoras rurais, tais como a viabilização de creche em local de trabalho para as crianças em idade de amamentação, se assim houver na empresa mais de 20 mulheres maiores de 16 anos, facultando o convênio com creches. Entretanto, a exatos 16 anos de vigência e mediante reforço anual a cada CCT, nenhum dos empregadores viabiliza creche nas empresas, de acordo com Rita Rosa, assessora da FETAPE no pólo Petrolina.

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FETAPE – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado de Pernambuco: Coordenação das Mulheres Trabalhadoras Rurais. Disponível em: http://www.fetape.org.br/index.php?secao=menuvmulheres

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Entretanto cláusulas específicas sobre o trabalho assalariado feminino só aparecem na CCT de 1997, com a unificação das convenções entre Bahia e Pernambuco. Essas são as cláusulas 64ª e 65ª: a primeira determina que o Trabalho da mulher seja executado de acordo com suas peculiaridades físicas e fisiológicas. Já pela cláusula seguinte, fica proibido qualquer tipo de discriminação ou esterilização para permanência do emprego, sendo cabíveis de penalidade também aqueles empregados que comprovadamente seja agente de assédio sexual à mulher trabalhadora. Os acordos coletivos na região do Submédio São Francisco foram de essencial importância para a reafirmação da mulher enquanto classe trabalhadora. A inserção no mercado de trabalho produtivo proporciona a essas mulheres, sobretudo, a liberdade individual. Elas adquirem confianças em si mesmas, vivendo um notável e intenso processo de mudança nas estruturas com relação à sua condição de gênero.

4. Considerações finais

A pesquisa sobre as relações de gênero e trabalho na ação sindical do Vale do São Francisco ainda se encontra em fase inicial, entretanto o acúmulo de material coletado em outras etapas da pesquisa nos permite realizar algumas análises, tomando como base a coleta e análise de dados, entrevistas, leituras e discussões, para chegar a algumas considerações acerca de nosso objeto de estudo. Primeiramente devemos perceber a influência da fruticultura irrigada, e de todo o processo de desenvolvimento da região na organização dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais do Vale do São Francisco. Em meados da década de 1980, a ascensão tem se voltado para políticas que asseguram melhorias na qualidade de vida e trabalho dos assalariados rurais. Destaca-se nessa ação o desempenho dos sindicatos dos trabalhadores rurais de maneira conjunta na construção e negociação das Convenções Coletivas de Trabalho. Dentro desse panorama, sobressai a participação da mulher tanto no mercado de trabalho, quanto no movimento sindical, evidenciando as suas influências quando analisada a política sindical, que em grande medida busca assegurar o direito da mulher enquanto trabalhadora rural assalariada.

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Devemos ainda atentar para tal processo de busca e reconhecimento de seus direitos no ambiente de trabalho como espaços de reafirmação da mulher principalmente, enquanto trabalhadora.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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