“Abandono Zero”: boas práticas no combate ao abandono escolar no concelho de Sesimbra

May 27, 2017 | Autor: Paulo Nossa | Categoria: Sucesso escolar
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Territórios, Comunidades Educadoras e Desenvolvimento Sustentável Departamento de Geografia - Faculdade de Letras / CEIS 20 – Centro de Estudos Interdisciplinades do Século XX Universidade de Coimbra, Portugal In CORDEIRO, A. M. Rochette; ALCOFORADO, Luís; FERREIRA, A. Gomes (Coords.) Territórios, Comunidades Educadoras e Desenvolvimento Sustentável, Coimbra: DG-FLUC. ISBN 978-989-96810-6-4

“Abandono Zero”: boas práticas no combate ao abandono escolar no concelho de Sesimbra Paulo N. Nossa; FLUC - UC/CECS/[email protected] Daniel B. Rijo; FPCE - UC/CINEIC [email protected] Luiza N. Lima; FPCE - UC/[email protected] Resumo: Em Portugal a taxa de retenção e desistência no ensino básico é elevada, reconhecendo a literatura a existência de associação entre qualificação, empregabilidade e exclusão social.Com responsabilidades no EB, a C. M. de Sesimbra, desafiou investigadores e a Associação EPIS a desenharem uma estratégia de base local para combate ao abandono escolar: 2.º;3.ºciclo. Objetivos: Identificar fatores territorialmente potenciadores de abandono escolar; compreender os motivos de abandono; desenhar estratégias de resgate para contexto formativo envolvendo a escola, a família e atores locais. Metodologia: 1ª Fase, localização dos abandonantes, caracterização das famílias e identificação de fatores individuais de abandono; 2.º Fase; Desenhou-se um programa motivacional envolvendo famílias e recursos comunitários; 3.ª Fase; Execução de um programa de formação individualizado com objetivos de certificação de competências e posterior follow-up de inserção na vida ativa. Resultados: Abandonantes efectivos:59. A taxa de sucesso do projeto 58,6%: 17 sujeitos concluíram um nível de certificação educativa no 1º ano de frequência, permanecendo 9 alunos em conclusão no ano letivo 2012/2013 e 2 em ensino regular. Dois alunos, após certificação de competências, iniciaram estágio apoiado para inserção na vida ativa. Conclusões: A metodologia aplicada em estreita colaboração com a autarquia permitiu colocar no terreno um dispositivo de sinalização de abandono em tempo real, partilhando mecanismos de remediação entre a escola e autarquia. Foi possível contrariar crenças demonstrando que é exequível formular, com base local, uma 2ª oportunidade para jovens abandonantes, mesmo em faixas etárias mais avançadas. Palavras-chave: abandono escolar; boas práticas; base local 1. Abandono escolar: caracterização e denominação do fenómeno em Portugal Na literatura que aborda a questão do abandono escolar, as definições que se encontram parecem rígidas e pouco consensuais. Enquanto alguns autores (Morow, 1989inJanosz&LeBlanc, 2000) tomam como critério uma ausência contínua e não justificada da escola de, pelo menos, 3 semanas, outros (Rumberger, 1987) determinam como critério de inclusão na classe dos abandonantes os alunos que não estão envolvidos a tempo inteiro em nenhum sistema de ensino. Em Portugal, para o Ministério da Educação (ME-GEPE, 2010), abandono escolar constitui a situação em que o aluno, no final do ano letivo, não se poderá inscrever no ano de escolaridade seguinte por não ter frequentado até ao final o ano de escolaridade em que se encontrava. Autores como Justino e Rosa (2007) explicitaram o conceito de abandono escolar como sendo a saída do sistema de ensino antes da conclusão da escolaridade obrigatória, dentro dos limites etários previstos na lei, podendo a medida ser alcançada através do cálculo de uma taxa que envolve o total de indivíduos (no momento censitário), com 10 – 15 anos que não concluíram o 3º ciclo do Ensino Básico e não se encontram a frequentar a escola. Presentemente, por via da alteração legislativa consagrada na Lei 85/2009, o intervalo etário de obrigatoriedade de ensino alarga-se até aos 18 anos de idade, limite máximo adotado para fazer cessar a obrigatoriedade do ensino (12.º ano), devendo a taxa atrás referenciada incluir todos os indivíduos que até esta idade não concluíram o ensino secundário e não se encontram a frequentar a escola, por cada 100 indivíduos do mesmo grupo etário. A maioria dos documentos europeus até 2011, no domínio da educação, adotou o conceito de Saída Escolar Precoce (Early School Leavers; ESL) para descrever este problema. Embora este conceito não esteja isento de críticas, também devido à variabilidade da idade limite para escolaridade obrigatória (Ex. Finlândia, 16 anos, Espanha, 16 anos; Portugal 18 anos), regra geral entende-se como sendo a

Territórios, Comunidades Educadoras e Desenvolvimento Sustentável Departamento de Geografia - Faculdade de Letras / CEIS 20 – Centro de Estudos Interdisciplinades do Século XX Universidade de Coimbra, Portugal In CORDEIRO, A. M. Rochette; ALCOFORADO, Luís; FERREIRA, A. Gomes (Coords.) Territórios, Comunidades Educadoras e Desenvolvimento Sustentável, Coimbra: DG-FLUC. ISBN 978-989-96810-6-4

percentagem da população da classe etária 18 – 24 anos que não concluíram o ensino secundário e não se encontram a frequentar a escola. Figura –1 Taxa de abandono escolar em Portugal, 2010 Portugal

1,58

Continente

1,54

Norte

1,45

Centro

1,40

Lisboa

1,68

Alentejo

1,67

Alagarve

1,96

Reg. Aut. Açores

2,36

Reg. Aut. Madeira

2,24 0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

2,50

Fonte: INE, Censos 2011 Mais recentemente e na sequência da documentação de suporte produzida no âmbito da Estratégia 2020 (UE), parece ter-se fixado a designação - Abandono Precoce de Educação e Formação1, reconhecendo e sublinhando por esta via a múltipla dimensão formativa do capital humano, privilegiando a escola como veículo formador por excelência, mas não desqualificando outras formas de propagar conhecimento e treinar competências. No caso português (Fig. 2), podemos observar para o indicador Saída Escolar Precoce uma variação de 47.5 pontos percentuais na última década (2001-2011), atingindo um valor mínimo de 19.2% em 2013 o que, apesar de constituir significativa contração, quase duplica o valor de referência para a União Europeia (27) 12%, devendo, todavia, ter em conta que muitos dos países já há muito estabeleceram 11 ou mais anos de escolaridade como mínimo obrigatório2. Por outro lado, as diferenças de género observadas em Portugal, mais penalizadoras para os rapazes, não são exclusivas da realidade portuguesa, podendo refletira pertinência dos diferentes papéis sociais esperados para cada um dos sexos, com consequências no nível aspiracional dos indivíduos e das suas famílias, na maior pressão seletiva exercida pelo mercado de trabalho, proporcionado oportunidades de inserção precoce para atividades menos qualificadas e tradicionalmente mais masculinizadas, para além de uma maior resiliência feminina no processo de escolarização (Justino e Rosa, 2007; Canavarro, 2006). Figura 2 – Evolução da taxa de abandono escolar precoce de educação e formação UE e Portugal (%)

Abandono Precoce de Educação e Formação: (Pop. residente com idade 18 – 24 anos, que completou o 3.º ciclo de escolaridade ou não e que não está a estudar / Pop. residente com idade 18 – 24 anos) *100 2 Ver: Eurydice Information Network on Education in Europe: www.eurydice.org 1

Territórios, Comunidades Educadoras e Desenvolvimento Sustentável Departamento de Geografia - Faculdade de Letras / CEIS 20 – Centro de Estudos Interdisciplinades do Século XX Universidade de Coimbra, Portugal In CORDEIRO, A. M. Rochette; ALCOFORADO, Luís; FERREIRA, A. Gomes (Coords.) Territórios, Comunidades Educadoras e Desenvolvimento Sustentável, Coimbra: DG-FLUC. ISBN 978-989-96810-6-4

50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 UE 27

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 17,6 17,2

17

16,5

16

15,8 15,5 15,1 14,9 14,4 14,1 13,5 12,8

12

Euro área (17) 19,7 19,1 18,9 18,4 17,8 17,7 17,4 16,8 16,5 15,9 15,6 14,7

Portugal

43,6 44,2

45

41,2 39,4 38,8 39,1 36,9 35,4 31,2 28,7 23,2 20,8 19,2

Fonte: Eurostat

As diversas definições que se encontram sobre o abandono escolar, parecem estar focadas sobre o derradeiro momento em que o aluno torna definitivo o seu afastamento face à escola, afastamento este validado por um espaço de tempo que parece tornar irremediável a reversão da sua situação, levando a crer que esta é uma problemática de tudo ou nada e que, assim sendo, bastaria ao aluno frequentar as aulas para que a situação voltasse a estar normalizada e o mesmo não pudesse ser considerado “em abandono”. Ao restringir a operacionalização do abandono escolar à rutura do aluno com a escola, correm-se vários riscos. O primeiro consiste em entender o estado de abandono como o início de um problema e não como o resultado de um percurso de desvinculação que, progressivamente, os jovens vão fazendo face à escola e que culmina com a desistência. Outro risco prende-se com a sinalização tendencialmente tardia destes casos, o que dificulta uma intervenção verdadeiramente eficaz e pode tornar impeditiva uma reintegração dos jovens no sistema escolar. A isto acresce a incapacidade de muitas das escolas para saberem, com precisão e celeridade, se por exemplo um aluno se encontra em qualquer outro estabelecimento de ensino ou formato de formação alternativo ao ensino regular. A investigação científica tem produzido indícios de que a rutura dos alunos com a escola, constitui o corolário de um processo de uma desvinculação progressiva que, na maioria dos casos, inicia-se com as primeiras experiências de insucesso escolar. Ao tornar-se repetida, a experiência do insucesso escolar debilita a noção que o aluno tem do seu próprio valor, reduz as expectativas de ser bemsucedido, reduz a sua tolerância à frustração, o que redunda num autoconceito pobre e numa insatisfação e desconforto permanentes relativamente às aprendizagens. Neste cenário, o ambiente de sala de aula torna-se um espaço hostil, do qual o aluno malsucedido precisa de se defender, abstraindo-se e/ou hostilizando os outros. Ao instalar-se uma relação de hostilidade entre o aluno e o ambiente de sala de aula, as dificuldades na aprendizagem tendem a aumentar, o percurso escolar pode atrasar-se e o desinvestimento face às tarefas letivas é potencialmente maior. Iniciado um processo de desinvestimento, uma atitude negativa face à escola generaliza-se, o aluno começa a faltar às aulas, a ausentar-se da própria escola, a ela retornando de forma intermitente, até que desiste por completo e a abandona. Nalguns casos, este processo de alienação face à escola parece cingir-se apenas às atividades letivas, mantendo o aluno um vínculo com os colegas e a escola, que frequenta mais ou menos assiduamente, enquanto se recusa a entrar nas salas de aula cumprindo aquilo a que poderemos designar por abandono de sala de aula, i.e., comparece diariamente ou quase diariamente no espaço escolar, participa num conjunto de atividades por si selecionadas, porque são gratificantes para o sujeito, mas não cumpre, por absentismo, a maioria ou a quase totalidade das tarefas curriculares previstas. Uma definição rigorosa de abandono escolar deveria contemplar os indicadores que tornam previsível a rutura definitiva face à escola - insucessos repetidos, desistência do estudo,

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comportamentos desafiantes, abandono da sala de aula - permitindo uma intervenção precoce face a sinais de risco de abandono. A não atenção a este processo e aos vários sinais que os alunos vão emitindo, não promove uma sinalização atempada nem uma intervenção adequada, que permitam, com maior probabilidade de sucesso, manter o aluno na escola e motivado para investir nas atividades letivas. Em síntese, não deve ser necessário que o aluno tome a decisão de abandonar a escola para que o sistema escolar o identifique como sendo um aluno em risco. 2. Projeto investigação ação: Abandono Zero no concelho de Sesimbra O compromisso da autarquia de Sesimbra no combate ao insucesso escolar, entre outras medidas, tinha sido materializado em 2009/10 através da assinatura do protocolo com a “Rede de Mediadores para o Sucesso Escolar” implementada pela Associação EPIS-Empresários pela Inclusão Social3, desenvolvendo e aplicando estratégias concertadas de sinalização, intervenção e seguimento de alunos com histórico de fracasso escolar, ou que evidenciavam sinais de risco de insucesso escolar no 3.º ciclo do ensino básico. Reforçando política e operacionalmente as preocupações neste domínio, o Projeto Educativo local estabeleceu 6 linhas prioritárias de atuação, que incluíam a promoção do sucesso educativo e a prevenção e combate ao abandono escolar e à exclusão social (Projeto Educativo Concelhio – Sesimbra, 2010). De modo a concretizar as metas definidas, a autarquia desafiou a Associação EPIS e um conjunto de peritos a desenvolverem localmente um projeto-piloto denominado por “Abandono Zero” com quatro objetivos a concretizar em dois anos letivos (2010 - 2012): 1. Conhecer a real dimensão do abandono escolar (ensino básico) no concelho; 2. Identificar localmente os fatores geradores/potenciadores de abandono escolar, 3. Mobilizar um conjunto de recursos de base local orientados para a redução do abandono escolar; 4. Desenhar e internalizar uma metodologia de intervenção capaz de combater o abandono escolar e, simultaneamente, resgatar para contexto formativo o maior número de sujeitos em abandono escolar residentes no concelho. Assumindo-se a autarquia como parceiro privilegiado, em estreita colaboração com os agrupamentos escolares do concelho e partilhando o know-how reunido pela equipa metodológico-científica, estava lançado o desafio e esclarecida a meta. O projeto foi designado por Abandono Zero, sublinhando a necessidade de envolvermos todos os responsáveis numa filosofia de tolerância zero ao abandono escolar. 2.1. Abandono Zero – as fases do projeto Constituiu-se uma equipa de projeto ajustada às necessidades e dimensão do fenómeno. A autarquia disponibilizou 2 técnicas superiores com formação na área da intervenção social e 1 técnica coordenadora (que acumula funções com a coordenação do projeto Rede de Mediadores para o Sucesso Escolar, permitindo assim uma correta articulação entre as duas problemáticas que, no caso dos alunos que abandonam, são concomitantes). Estes recursos foram suportados metodologicamente por 3 investigadores com competências de intervenção na área da exclusão social e mediação escolar. Foram calendarizadas3 fases distintas para a implementação do projeto: 1. Diagnóstico e recenseamento de jovens em abandono; 2. Abordagem motivacional e preparação para a mudança: Reinserção em percurso de educação/formação;

3

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Tabela 1 – Fases de implementação do projecto-piloto “Abandono Zero” Fase 1

1.1 Recolha de informação e construção de base de dados socioterritorial

Fase 2

2.1 Abordagem ao abandonante/fam ília; Entrevistamotivac ional

Fase 3

3.1 Identificação de oferta educativa formativa de proximidade

1.2 Análise de informação e localização do abondonante e agregado familiar 2.2 Elaboração de diagnóstico individual e familiar

1.3 Estratégia(s) de resgate personalizado

1.4 Construção da “carteira de intervenção”

1.5Levantamento da oferta educativa/formativa no Concelho e concelhos vizinhos

2.3 Definição dos planos de intervenção

2.4 Aplicação de técnicas individuais e em grupo

2.5 Trabalho individual com pais e abandonantes; encaminhamento para a rede social (saúde, apoio social…)

3.2 Follow-up

Cada fase envolveu um conjunto de procedimentos e de técnicas, cujo detalhe não cabe aqui ser abordado pelo que os autores limitar-se-ão a focar aspetos ou metodologias tidas como fundamentais em cada fase. 2.2. 1ª Fase – Diagnóstico e recenseamento de jovens em abandono; Não sendo conhecida a real dimensão do abandono escolar no concelho, o projeto iniciou a sua atuação recolhendo informação necessária à construção de uma base de dados. Foi feito um levantamento de todos os alunos no universo do 3º ciclo do ensino básico que no ano letivo 2010/11 pudessem estar em situação de abandono ou em elevado risco de abandonarem o sistema de ensino, ao qual se adicionou informação referente à conclusão e abandono no ano letivo anterior. Considerando o intervalo 2009-2011, estabeleceram-se as seguintes premissas para a presente etapa de diagnóstico e recenseamento:  Estarem sinalizados como abandonantes pela escola e/ou CPCJ e terem
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