ABORTO – UMA ANÁLISE DA APROVAÇÃO DA PL 5.069/13 POR PARTE DA CCJ

June 19, 2017 | Autor: Eduardo Vianna | Categoria: Direito, Direito Penal, Câmara dos Deputados, Legislação, Aborto, Estupro, Eduardo Cunha, Estupro, Eduardo Cunha
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ABORTO – UMA ANÁLISE DA APROVAÇÃO DA PL 5.069/13 POR PARTE DA CCJ
Por Eduardo Vianna.

Nas últimas décadas, cada vez mais, o aborto tem sido uma questão presente nos debates dos mais diversos círculos sociais. Dia vinte e um de outubro de dois mil e quinze, quarta-feira, o prenúncio de uma mudança no rumo destes debates e, principalmente, na forma como esse assunto será tratado na prática, chamou a atenção da mídia. Muitos dos mais destacados sites de notícias (CCJ..., 2015a; 2015b; 2015c) noticiaram a aprovação, por parte da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, do projeto de lei que, entre outras providências, prevê punição a quem:

Anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto, induzir ou instigar gestante a usar substância ou objeto abortivo, instruir ou orientar gestante sobre como praticar aborto, ou prestar-lhe qualquer auxílio para que o pratique, ainda que sob o pretexto de redução de danos (BRASIL, 2013b, p. 1).

Em primeiro lugar é importante diferenciar o projeto de lei criado por Eduardo Cunha do texto aprovado nesta quarta-feira. Entender esse tipo de diferença é fundamental para que o povo brasileiro não caia nunca mais no erro em que muitos caíram no caso da "cura gay" (YOUTUBE, 2015). O projeto de Cunha sugeria apenas criminalizar qualquer atitude que influencie uma pessoa a abortar. O projeto de Cunha nem ao menos contem a palavra "estupro", a expressão "violência sexual", ou a maioria das alterações na legislação aprovadas nesta quarta-feira.
O texto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, redigido pelo relator Evandro Gussi (BRASIL, 2013c), acrescenta a isso uma segunda alteração no Código Penal, justamente na lei que permite o aborto em caso de estupro. Até agora, para que uma gravidez resultante de um estupro seja interrompida, é necessário apenas o consentimento da vítima (BRASIL, 1940). Com essa nova lei, será necessário também "exame de corpo de delito" e comunicação "à autoridade policial".
Além dessas alterações, que serão feitas no Código Penal, o texto aprovado prevê alterações à lei que "dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual" (BRASIL, 2013a). Essa lei entrou em vigor cinco meses após a apresentação do projeto de Cunha em 2013. Curiosamente, o projeto dessa lei havia sido apresentado por uma deputada federal de São Paulo, a petista Iara Bernardi, em 1999, apenas vinte e três dias após tomar posse do seu primeiro mandato (BRASIL, 1999; CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2015).
O projeto como foi aprovado pela comissão ataca diretamente o grande relativismo encontrado na referida lei. Essa lei obriga os hospitais a tratarem os "agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual". O projeto propõe a substituição de "agravos físicos e psíquicos" por "lesões físicas" e "transtornos psíquicos". A lei também é ridiculamente relativa ao considerar como "violência sexual [...] qualquer forma de atividade sexual não consentida". Para outros fins, podemos concordar com essa afirmação, mas "para os efeitos desta Lei" é imprescindível uma maior precisão. O texto aprovado nesta quarta propõe que isso seja resolvido substituindo essa definição por uma definição que já se encontra no Código Penal desde 2009, e que poderia ter sido considerado, portanto, quando a lei em questão entrou em vigor.
Além disso, essa alteração do projeto de lei exige o encaminhamento da vítima à delegacia para prestação de queixa, enquanto a lei em vigor prevê uma "facilitação do registro da ocorrência", que é quase a mesma coisa que nada. Por fim, o projeto proíbe procedimentos abortivos no inciso da lei que garante a prevenção da gravidez após o estupro, ainda que não especifique o que é ou não abortivo, delegando essa definição à consciência dos profissionais envolvidos.
Este projeto é notoriamente um avanço na luta contra a prática do aborto, na vanguarda do que se encontram os conservadores. Conforme anunciado pela mídia, à frente daqueles que lutam pela legalização do aborto estão os socialistas, o que se verifica na identificação dos partidos dos deputados que se posicionaram contra o projeto – PT, PCdoB, PSOL, PSD e PTB –, que somaram apenas quatorze votos, contra trinta e quatro a favor. A autoria e a relatoria do projeto por parte de deputados membros de partidos neutros – PMDB e PV – é um indício da inexpressividade do conservadorismo no sistema político brasileiro, ainda que esta corrente de pensamento tenha ampla expressão entre a população do país (IBOPE..., 2014.).
É inevitável confrontar o contexto do projeto com as polêmicas nas quais está envolvido Eduardo Cunha, presidente da Câmara. É inclusive curiosa a coincidência com que estes fatos – a votação de um projeto de lei de autoria de Eduardo Cunha, apresentado há cerca de dois anos e meio, e as acusações de corrupção contra o mesmo – estão sendo tão amplamente divulgados pela mídia. Através da falácia do ad hominem, os governistas podem usar as acusações contra o deputado para tentar invalidar o projeto, enquanto Cunha pode tentar ganhar entre os conservadores alguma popularidade limpe um pouco a sua imagem.
Apesar de eu questionar severamente a autoridade do Estado e defender a soberania familiar sobre a propriedade, questões como essa que envolvem vida e morte sempre merecem análise mais apurada. Tudo isso toca em uma das "meninas dos olhos" do movimento pró-aborto. Até agora, teoricamente, qualquer menina pode dizer que foi estuprada, alegando qualquer ato que ela considere sexual e que ela diga que não tenha sido consentido e, com isso, pedir o aborto. Em seguida, ela pode inclusive escapar de ter que prestar queixa. Como argumentou Evandro Gussi no debate, "há profissionais que se aproveitam da brecha legal para promover o aborto fora dos casos permitidos". Ou seja, enquanto o aborto não é abertamente legalizado no Brasil, essa lei permite que mulheres se utilizem das suas brechas para interromper casos de simples gravidez não planejada.
Esse projeto visa acabar com a brecha na lei que permite que pessoas irresponsáveis, através de falso testemunho e interpretações relativistas, assassinem seus próprios filhos. Portanto, é legítimo.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL, Câmara dos Deputados, Projeto de Lei nº 60, de 24 de fevereiro de 1999. Dispõe sobre o atendimento às vítimas de violência sexual. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=3111DDC8262B7E5D1D94F60B47CC4717.proposicoesWeb2?codteor=1062248&filename=PL+60/1999. Acesso em: 23 out. 2015.
BRASIL, Presidência da República, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 23 out. 2015.
BRASIL, Presidência da República, Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013a. Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12845.htm. Acesso em: 23 out. 2015.
BRASIL, Câmara dos Deputados, Projeto de Lei nº 5.069, de 27 de fevereiro de 2013b. Acrescenta o art. 127-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=66970A01851871A52422113D0FA00CC8.proposicoesWeb2?codteor=1061163&filename=PL+5069/2013. Acesso em: 21 out. 2015. Texto Original.
BRASIL, Câmara dos Deputados, Projeto de Lei nº 5.069, de 27 de fevereiro de 2013c. Parecer com Complementação de Voto, Dep. Evandro Gussi (PV-SP), pela constitucionalidade, juridicidade, técnica legislatva e, no mérito, pela aprovação, com Substitutivo. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=66970A01851871A52422113D0FA00CC8.proposicoesWeb2?codteor=1402444&filename=Parecer-CCJC-21-10-2015. Acesso em: 23 out. 2015. Texto Original.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Conheça os Deputados. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=74780&tipo=1. Acesso em: 23 out. 2015.
CCJ aprova projeto que proíbe venda e promoção de abortivos. Exame, 21 out. 2015a. Disponível em: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/ccj-aprova-projeto-que-proibe-venda-e-promocao-de-abortivos. Acesso em: 21 out. 2015.
CCJ da Câmara aprova projeto que criminaliza venda de meios abortivos. Catraca Livre, 21 out. 2015b. Disponível em: https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/ccj-da-camara-aprova-projeto-que-criminaliza-venda-de-meios-abortivos/. Acesso em: 21 out. 2015.
CCJ da Câmara aprova projeto que torna crime ajudar mulher a abortar. G1, 21 out. 2015c. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/10/ccj-da-camara-aprova-lei-que-proibe-venda-da-pilula-do-dia-seguinte.html. Acesso em: 21 out. 2015.
IBOPE: Quase 80% são contra legalizar maconha e aborto. Estadão, 4 set. 2014. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ibope-quase-80-sao-contra-legalizar-maconha-e-aborto,1554665. Acesso em 22 out. 2015.
YOUTUBE. Marco Feliciano Fala Tudo Da Cura Gay. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LcClBBNeczc. Acesso em: 23 out. 2015.

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