ABRAÃO COMO EXEMPLO DIDÁTICO PARA A EXPLICAÇÃO PAULINA DA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ

Share Embed


Descrição do Produto

FACULDADE TEOLÓGICA BATISTA DO PARANÁ

Programa de Bacharelado em Teologia

ABRAÃO COMO EXEMPLO DIDÁTICO PARA A EXPLICAÇÃO PAULINA DA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ

por

NATALINO DAS NEVES

Monografia apresentada como requisito parcial para a colação de grau em Bacharel em Teologia na Faculdade Teológica Batista do Paraná. Professor Gusso

Doutor:

Antônio

Renato

CURITIBA Nov/2005

i

EPÍGRAFE

O conteúdo do evangelho da morte e ressurreição de Cristo pode ser definido como a revelação da justiça de Deus para todo o que crê. Herman Ridderbos

ii

FACULDADE TEOLÓGICA BATISTA DO PARANÁ

ABRAÃO COMO EXEMPLO DIDÁTICO PARA A EXPLICAÇÃO PAULINA DA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ

por

NATALINO DAS NEVES

Monografia de bacharelado apresentada aos Senhores:

Prof. Dr. Antônio Renato Gusso

Prof. Dr. Jaziel Guerreiro Martins

Prof. Dr. Hilmar Fürstenau

Vista e permitida a impressão. Curitiba, ___/___/___.

iii

RESUMO A doutrina da justificação pela fé é um assunto difícil para se explicar, principalmente aos judeus e aos judeus convertidos ao cristianismo, e o apóstolo Paulo precisava de um recurso didático para demonstrar com eficácia esse ensinamento e, de preferência, que fosse algo conhecido e aceito por eles. A intenção deste estudo é mostrar como a figura de Abraão, respeitando a limitação desse recurso, foi bem adequada para que o apóstolo pudesse explicar a doutrina da justificação pela fé, essencial ao cristianismo, aos destinatários da Epístola de Romanos, de forma inquestionável.

PALAVRAS-CHAVE Justificação, Fé, Graça, Obras, Circuncisão, Lei, Justiça.

iv

SUMÁRIO EPÍGRAFE ............................................................................................................................................... ii RESUMO ................................................................................................................................................. iv PALAVRAS-CHAVE ................................................................................................................................ iv SUMÁRIO ................................................................................................................................................. v 1.

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................1

2.

REFERENCIAL TEÓRICO ..............................................................................................................3 2.1 O pensamento paulino e a doutrina da justificação pela fé ..................................3 2.1.1

O desenvolvimento do pensamento paulino.....................................................4

2.1.2

A doutrina da justificação pela fé ......................................................................6

2.1.3

A doutrina da justificação pela fé e a reforma protestante ............................ 12

2.1.4

A doutrina da justificação pela fé sob o aspecto forense .............................. 13

2.1.5

Jesus e a justificação pela fé ......................................................................... 16

2.2

Utilização e limitação de figuras ......................................................................... 18

2.3

O contexto da Epístola aos Romanos ................................................................ 21

2.3.1

O Império Romano ......................................................................................... 21

2.3.2

A Comunidade judaica em Roma .................................................................. 23

2.3.3

A comunidade cristã em Roma ...................................................................... 24

2.3.4

O propósito da Epístola aos Romanos .......................................................... 26

2.3.5

Uma visão panorâmica dos cinco primeiros capítulos de Romanos ............. 26

3. O EXEMPLO DE ABRAÃO DEMONSTRA QUE A JUSTIFICAÇÃO É PELA FÉ E MEDIANTE A GRAÇA DE DEUS – V 1-16 .................................................................................................................. 29 3.1 A justificação de Abraão não foi por obras meritórias – v. 1-3 ........................... 30 3.2

A justificação de Abraão foi um presente divino – v. 4-8 ................................... 33

3.3

A Justificação de Abraão não foi por meio de ritual externo - v. 9-12............... 38

3.4

A justificação de Abraão não foi por meio da lei – v.13-16 ................................ 43

4. O EXEMPLO DE ABRAÃO DEMONSTRA QUE A JUSTIFICAÇÃO É PARA TODOS E SOMENTE POR MEIO DE CRISTO - v. 17-25 ..................................................................................... 49 4.1 A Justificação é para todos - v. 17-22a .............................................................. 50 4.2

A justificação é possível somente por meio de Cristo – v. 22b-25..................... 52

5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 56

6.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E CONSULTADAS ............................................................. 59

v

1. INTRODUÇÃO Neste trabalho de conclusão de curso será

abordado o tema da

justificação pela fé descrita na Epístola de Romanos, mais especificamente no capítulo 4, onde o apóstolo Paulo utiliza a figura de Abraão como exemplo para auxiliar a compreensão do argumento utilizado no capítulo anterior (Rm 3.21-31). Este trabalho de pesquisa se justifica principalmente pela necessidade do entendimento da justificação pela fé no processo da salvação e como a fé de Abraão antecedeu o conceito da fé cristã antes da encarnação de Cristo e a aparente contradição entre a fé demonstrada por Abraão e a fé do Novo Testamento. Este tema suscita interesse devido à abordagem que o apóstolo Paulo faz da justificação de Abraão no Antigo Testamento, sem que este viesse a conhecer pessoalmente a Jesus, mas que demonstrou uma confiança incondicional em Deus e em sua promessa. A literatura que será utilizada tem as mais diversas interpretações, não tendo como objetivo a definição de uma linha de pensamento, mas uma pesquisa isenta de dogmas, priorizando o tema em detrimento de opiniões pré-concebidas. A bibliografia indicada neste estudo será utilizada na fundamentação teórica e posteriormente na apresentação de conceitos, estudos e conclusões. A principal questão que esta pesquisa procurará elucidar é o motivo pelo qual o exemplo de Abraão se tornou tão adequado para a explicação paulina da doutrina da justificação pela fé aos destinatários da Epístola aos Romanos. Para isto, serão abordadas outras questões secundárias como por exemplo: se Abraão foi justificado pela fé, ele de algum modo antecedeu a fé cristã. Mas de que forma ele se identificou com ela? Até que ponto o apóstolo Paulo pôde constatar a fé cristã antes de Cristo e como resolveu esta aparente contradição? Para desenvolver a argumentação serão avaliadas algumas hipóteses possíveis como a afirmação de que a justificação pela fé no Antigo Testamento, mais especificamente no caso de Abraão, dava-se pela convicção incondicional de que Deus pode operar o impossível, enquanto no Novo Testamento, a única forma de justificação é a fé em Cristo e sua ressurreição; de que o exemplo da fé de Abraão se opõe a própria concepção judaica diante da citação do apóstolo Paulo de vários 1

exemplos de fé no Antigo Testamento, comparando-os com Abraão e colocando este em um nível muito mais elevado; que Abraão foi justificado antes da circuncisão e da instituição da lei, portanto não foi mediante a lei que recebeu a promessa, inclusive, não é exclusiva para a nação de Israel, mas para todas as nações e pessoas. Para a apresentação e compreensão do tema, este trabalho está dividido em seis capítulos, incluindo esta introdução. O arcabouço teórico emprega uma descrição da doutrina da justificação pela fé que é de suma importância para a compreensão do tema proposto; da utilização e a limitação de figura para uma interpretação adequada deste recurso; do motivo da escolha de Abraão pelo apóstolo para exemplificar a doutrina da justificação pela fé; e a apresentação do contexto dos cincos primeiros capítulos da Epístola aos Romanos para auxiliar na compreensão dos capítulos posteriores. Os dois capítulos seguintes abordarão argumentações de que o exemplo de Abraão demonstra que a justificação pela fé é independente de obras meritórias e é imputada gratuitamente por Deus; de que independe de rituais e da religião, pois se deu antes de vários rituais do judaísmo, bem como da própria instituição da lei para o povo de Israel; que a promessa feita a Abraão não era exclusiva para os seus descendentes físicos, mas sim a todos àqueles que crêem em Jesus e sua ressurreição, o único meio de salvação. Por fim, esta pesquisa apresentará as conclusões extraídas destas argumentações com a finalidade de comprovar as hipóteses levantadas nos parágrafos anteriores. O material bibliográfico empregado na elaboração da monografia encontra-se relacionado no último capítulo. Nesta pesquisa, quando mencionado os termos apóstolo ou Paulo, entenda-se sempre que a referência é ao apóstolo Paulo. A metodologia de referência de citação que será utilizada é do sistema numérico no rodapé da página e será utilizada a tradução da Bíblia NVI – Nova Tradução Internacional - nas citações de textos bíblicos. O sistema de transliteração adotado será de Stelio Rega para os termos gregos e Edson de Faria Francisco para os termos hebraicos.

2

2. REFERENCIAL TEÓRICO Paulo foi o primeiro e o maior teólogo de todos os tempos. Ele, mais do que ninguém, contribuiu para que o cristianismo se tornasse internacionalmente conhecido e intelectualmente coerente. Seus escritos moldaram o cristianismo mais do que qualquer outro e desde a primeira vez em que foram recebidos obtiveram o reconhecimento da igreja como uma norma oficial de fé e vida1. Como esta pesquisa tem com base o capítulo quatro da Epístola de Paulo aos Romanos, que é uma epístola de certa forma tardia do apóstolo, é necessário analisar a evolução do pensamento paulino desde sua conversão bem como a influência de conhecimentos adquiridos anteriormente, além dos fundamentos defendidos ao longo do tempo sobre a doutrina da justificação pela fé, elemento essencial para esta pesquisa. As cartas do apóstolo Paulo são altamente pessoais e tratam de assuntos fundamentais, às vezes de vida ou morte, para seus leitores. Isto torna praticamente impossível compreender sua teologia, sem antes fazer uma avaliação teológica dos argumentos que apresenta e das opiniões que expressa2. Para isso, neste capítulo serão apresentados alguns pontos que auxiliarão na análise e compreensão dos demais capítulos.

2.1 O pensamento paulino e a doutrina da justificação pela fé Para Kümmel, o pensamento teológico de Paulo ocupa o centro do Novo Testamento sob o ponto de vista cronológico e determina a evolução do pensamento cristão primitivo3. Paulo foi inicialmente um fariseu convicto, discípulo de um importante rabino de Jerusalém, ao mesmo tempo fora um judeu da diáspora em contato com não-judeus e naturalmente com sua cultura. Torna-se importante avaliar até que ponto o conceito judaico-palestino, judaico-helenisto como também gentílico-

1

DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003, p. 25-27. Ibidem, p. 33. 3 KÜMMEL, Werner Georg. Síntese teológica do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003, p. 178. 2

3

helenista influenciaram o pensamento do apóstolo4. Quando se pensa em justificação pela fé, Paulo é o autor que logo vem à mente. Mas será que ele foi o primeiro a falar sobre este assunto? Ele sempre pensou da mesma maneira como se havia recebido de uma vez a teologia pronta e acabada? O que os Judeus, Jesus, demais apóstolos e as gerações após a igreja primitiva pensavam sobre isso? Esses questionamentos precisam de uma resposta significativa para se entender qual foi a intenção de Paulo ao utilizar o exemplo didático de Abraão para explicar esta que é uma das mais comentadas doutrinas bíblicas, a justificação pela fé.

2.1.1

O desenvolvimento do pensamento paulino Schnelle defende que o apóstolo Paulo não recebeu a doutrina que

apresenta no Novo Testamento de uma vez5. A diversidade de exegeses sobre a teologia paulina, em especial a partir do século XIX, suscitou a interpretação de que fica evidente nos seus escritos que houve um desenvolvimento gradual da teologia e que foi motivada pelas necessidades da missão entre os gentios6. Dunn também concorda ao afirmar que a teologia de Paulo logo após a experiência da cristofania não era a mesma da consulta de Jerusalém, do incidente na Antioquia, da que ensinou após ouvir as notícias da Galácia e durante seus intercâmbios com a igreja de Corinto e assim por diante7. Schnelle aborda que as próprias epístolas escritas por Paulo são testemunhas de que o seu pensamento se caracteriza por transformações significativas e não representam um compêndio de sua doutrina. Mas argumenta que a “disparidade do material acolhido” pelo apóstolo, aliada à mudança substancial do tema central de seus escritos, deve ser considerada na avaliação do seu pensamento8.

4 5

p. 9.

Ibidem, p. 180. SCHNELLE, Udo. A evolução do pensamento paulino. São Paulo: Edições Loyola, 1999,

6

Ibidem, p. 9-10. DUNN, James D. G. Op. cit., p. 55. 8 SCHNELLE, Udo. Op. cit., p. 11-4. 7

4

A teologia paulina não se estabelece completamente em sua experiência de Damasco. Nem o fato de reconhecer Jesus como seu senhor no caminho, nem a conseqüente colisão com a lei judaica o tornou em um antinomista, mas lhe trouxe uma nova compreensão da lei. Entretanto, esta experiência foi significativa para a convicção de seu chamado. Vale ressaltar que ele recorre a esta fase de sua vida somente quando argumenta em defesa de seu apostolado e não no desenvolver de sua teologia9. Jeremias afirma que, depois de Damasco, os olhos do apóstolo foram abertos para a ilusão de que o homem poderia gloriar-se diante de Deus pelos seus méritos e passa a se opor à tese dos judaizantes de que a lei seja o caminho da salvação10. Porém, não afirma que ele recebera a doutrina da justificação pela fé plenamente fundamentada como apresenta nas epístolas aos Gálatas e aos Romanos. Schnelle apresenta a possível cronologia da escrita das epístolas paulinas para justificar sua argumentação do desenvolvimento gradual do pensamento paulino com relação à sua compreensão da doutrina da justificação pela fé e com a finalidade da lei judaica. Demonstra que a doutrina da justificação pela fé começa a ser defendida de forma mais veemente na epístola aos Gálatas que serve de “fio condutor” para o pensamento apresentado na epístola aos Romanos11. Dunn concorda com a evolução do pensamento Paulino, em especial sobre o exemplo mais comumente citado pelos teólogos que é a escatologia. Entretanto, comenta que não é plenamente seguro recorrer à cronologia das cartas para afirmar o desenvolvimento entre elas, por não se ter conhecimentos suficientes das circunstâncias de cada carta para poder diferenciar se houve influência das circunstâncias ou evolução da teologia de Paulo12. Kümmel também faz uma afirmação semelhante após comentar sobre as dificuldades de afirmar a autoria e a data da escrita de algumas epístolas consideradas como paulinas, aliado ao fato de sua chamada ter ocorrido 18 anos

9

SCHNELLE, Udo. Op. cit., p. 17-24. JEREMIAS, Joaquim. A mensagem central do Novo Testamento. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2005, p. 72-3. 11 SCHNELLE, Udo. Op. cit., p. 24-84. 12 DUNN, James D. G. Op. cit., p. 48-9. 10

5

antes das epístolas mais antigas conservadas, não sendo possível uma visão segura da formação do pensamento paulino e nem de eventuais evoluções posteriores de sua teologia13. Jeremias argumenta que a doutrina da justificação pela fé não aparece na maioria das epístolas paulinas. Não é citada nas epístolas aos Tessanolicenses e aparece pela primeira vez na epístola aos Gálatas, que vem, segundo ele, cronologicamente logo depois. Ressalta que nas duas epístolas aos Coríntios,

dikaiosu,ne (dikaiosyne) tem o sentido de “salvação”, mas em nenhuma das duas aparece a fórmula completa da justificação pela fé. Nas demais epístolas posteriores às enviadas aos Gálatas e Romanos somente na epístola aos Filipenses aparece novamente esta doutrina bem definida14. Segundo Jeremias esta doutrina aparentemente só aparece quando o apóstolo entra em debate com o judaísmo15 e Schnelle afirma que a doutrina da justificação, “do ponto de vista histórico é uma forma tardia da teologia paulina, fortemente condicionada por uma situação”16. Com isso não se quer afirmar que a doutrina da justificação surgiu a partir do apóstolo Paulo, mas como será apresentada no próximo capítulo, já havia sido defendida antes de o apóstolo fundamentá-la em seus escritos.

2.1.2

A doutrina da justificação pela fé Dunn afirma que o objeto principal da pesquisa deve ser o centro

organizacional da teologia de Paulo17. Surge, a partir desta afirmação, o questionamento se a doutrina da justificação pela fé é o cerne da teologia paulina, porém não há unanimidade em relação a este assunto. Ainda, segundo Dunn, no século XX não há dúvida que a justificação pela fé ocupou o centro da teologia paulina, principalmente pela influência dos dois mais importantes especialistas protestantes do Novo Testamento: Bultmann, fornecendo base teológica para o seu programa de demitologização e Ernst Käsemann, que considerava a justificação o

13

KÜMMEL, Werner Georg. Op. cit., p. 182. JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 75. 15 Ibidem, p. 72. 16 SCHNELLE, Udo. Op. cit., p. 101. 17 DUNN, James D. G. Op. cit., p. 47. 14

6

“cânon dentro do cânon”18. Schnelle defende que a doutrina da justificação não é o centro do pensamento paulino, mas que é utilizada por ele somente quando em confronto direto com o ensino judaico ou dos judeu-cristãos, além de ser uma forma tardia apresentada pelo apóstolo, sendo que na epístola de Romanos já se apresenta de forma evoluída19, conforme tratado na seção anterior. Outro defensor dessa idéia é Jeremias que cita Wrede e Schweitzer, sendo que ambos afirmam que a justificação pela fé não ocupa o centro da teologia de Paulo, mas um lugar secundário20. Kümmel não concorda com a afirmação anterior e argumenta que pode ser facilmente constatado que a doutrina da justificação é a forma fundamental e mais pessoal com que Paulo expressa a mensagem do agir de Deus para a salvação escatológica de Deus. Porém, concorda que a doutrina ensinada pelo apóstolo entra em confronto com a doutrina judaica da Salvação, mas nem por isso a torna como meramente uma doutrina de luta21. Segundo Dunn, juntamente com a justificação pela fé (tendo como convictos defensores Bultmann e Ernest Käseman), existem vários temas que são apontados como principais nos ensinamentos do apóstolo Paulo como a tensão entre o cristianismo judaico e o cristianismo gentílico; justificação pela fé; misticismo de Cristo ou teologia da cruz; e a antropologia paulina22. Porém não aponta a doutrina da justificação pela fé como um ponto central da teologia do apóstolo Paulo. Diferente de Dunn, Goppelt afirma que a doutrina da justificação tem ocupado o centro das atenções da teologia neotestamentária23. MacArthur acrescenta que ela é a mais importante da teologia evangélica. Cita Lutero para defender que a doutrina da justificação é o princípio fundamental da reforma e que é o que define se uma igreja está em pé ou caindo. Afirma, ainda, que a denominação que não preserva este princípio tende ao liberalismo e a apostasia da fé, ao desvio da doutrina bíblica central. Cita Rm 10.3 para afirmar que o abandono desta doutrina

18

Ibidem, p. 389. SCHNELLE, Udo. Op. cit., p. 10-1. 20 JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 73. 21 KÜMMEL, Werner Georg. Op. cit.,. p. 244. 22 DUNN, James D. G. Op. cit., p. 47. 23 a GOPPELT, Leonard. Teologia do Novo Testamento. 3 Edição, São Paulo: Teológica, 2003, p. 379. 19

7

era a base da apostasia de Israel24. Ridderbos concorda com a afirmação de Goppelt, mas questiona se esta ordem não deve ser mudada. Ao seu ver a prioridade deve ser dada ao tema “reconciliação” argumentando ser mais abrangente, pois o campo de visão desse tema é a criação como um todo, enquanto a da justificação envolve somente o relacionamento do homem com Deus25. Vai mais além, quando afirma que a doutrina da justificação não é nova em si, e que conforme a realização do plano divino de redenção foi se revelando o seu mistério e o conhecimento se aprofundando26. Jeremias descreve que ultimamente tem-se afirmado que os textos de Qumran demonstram que os essênios já tinham este conceito da justificação pela fé, especialmente o último salmo do Manual de Disciplina (I QS 11.1ss) que tem uma surpreendente semelhança com os escritos paulinos a respeito da doutrina da justificação27. Segue o texto citado: Mas, quanto a mim, minha justificação (mispati) pertence a Deus. E em sua mão está a inocência do meu comportamento, juntamente com a retidão de coração, e em sua justiça minha transgressão será apagada (I QS 11.2s). Da fonte de sua justiça vem minha justificação (mispati), uma luz em meu coração vindo de seus mistérios maravilhosos (11.5). Se tropeço por causa da carne pecadora, minha justificação (mispati) permanecerá eternamente por causa da justiça de Deus (11.12). Por sua misericórdia ele me deixou aproximar e de sua graciosa manifestação veio minha e justificação (mispati); pela justiça de sua verdade ele me justificou (s phatani) e na sua grande bondade ele restaurará todos os meus pecados e por sua justiça me lavará de 28 toda mancha humana (11.13s) .

Porém, Jeremias discorda da tradução de mispati como justificação, argumentando que tanto no Novo Testamento como no judaísmo tardio jamais significaria a justificação do ímpio, “mas antes a predestinação à via de paciente obediência à torá” 29. Fürstenau discorda da afirmação de Jeremias e defende que a

24

MACARTHUR JR., John et all. Justificação pela fé somente: a marca da vitalidade espiritual da igreja. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2005, p. 11. 25 RIDDERBOS, Herman. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o pensamento do apóstolo dos gentios. Editora Cultura Cristã, 2004, p.183. 26 RIDDERBOS, Op. cit., p. 182. 27 JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 84. 28 Ibidem, p. 85. 29 JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 86-7. 8

tradução de mispati por justificação é apropriada30. Segundo Kirst, a tradução de

fP;v.mi (mispat) é “direito a”, “conformidade” e “justiça”31. Portanto, é aceitável a tradução de fP;v.mi (mispat) como justificação. Jeremias apresenta outra contradição da interpretação de Qumran (I Qp Hab), do texto de Hab 2.4, de que Deus salvará aquele que cumpre a lei, seguindo lealmente a Torá, ao contrário de Paulo que entende que o texto ensina que Deus concede a vida ao ímpio que não confia em sua própria obra e crê em Jesus32. Kümmel também afirma que o conceito de “justiça de Deus” já estava presente no judaísmo “apocalíptico” dos últimos séculos antes de Cristo para designar a fidelidade de Deus que preserva benignamente a sua aliança, mas concorda com Jeremias de que o entendimento não é o mesmo apresentado pelo apóstolo Paulo: (...) Mas o fato de que em tais círculos se encontram afirmações semelhantes (“Por tua bondade somente é justificado o homem” (Cânticos de Louvor 13.16, vide J. Maier, p. 109) não nos deve iludir de que, embora o judaísmo do tempo do Novo Testamento conheça muito bem a idéia pressupõe a necessidade da obediência radical, e não conhece como Paulo o agir salvífico escatológico de Deus, que na verdade cria primeiramente as 33 possibilidades da salvação do homem .

Jeremias afirma que os textos de Qumran não antecipam a doutrina paulina da justificação, mas o próprio ensinamento de Jesus que disse que Deus não quer tratar com o justo mas com o pecador. Mensagem presente em diversas parábolas do mestre dos mestres e na sua conduta como a refeição com “publicanos e pecadores”. Paulo apresenta uma compreensão da mensagem de Jesus maior do que outro autor do Novo Testamento, “ele foi o intérprete fiel de Jesus, e isto vale particularmente para

doutrina da justificação”34. Mesmo que a doutrina da

justificação pela fé não seja oriunda de Qumran, fica evidente que não surgiu do apóstolo Paulo. Stuhlmacher também defende que os textos pré-cristãos de Qumran

30

Aula ministrada na Faculdade Teológica Batista do Paraná em 27/10/2005, disciplina de Teologia do Antigo Testamento. 31 KIRST, Nelson et all. Dicionário hebraico-português & aramaico-português. São Leopoldo – RS: Editora Sinodal, 1987, p. 146. 32 JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 86-7. 33 KÜMMEL, Werner Georg. Op. cit., p. 245. 34 JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 88-9. 9

demonstram que os essênios entendiam que a justificação dependia da misericórdia de Deus e não dos méritos humanos: “(...) De acordo com os essênios de Qumran, os piedosos não conseguem obter imunidade do julgamento pela própria perfeição, seja agora, seja no futuro. Pelo contrário, dependem da misericórdia do Deus onipotente” 35. Os argumentos apresentados pelos autores de que a doutrina da justificação pela fé não estava presente nos textos de Qumran, especialmente o último salmo do Manual de Disciplina (I QS 11.1ss), não é suficiente. Entretanto fica evidente que a doutrina da justificação ainda não estava bem sistematizada, o que acontece nos escritos de Paulo, como a epístola de Romanos. Segundo Jeremias, a doutrina da justificação não pode ser entendida sem a antítese entre achar a graça de Deus pela fé e pelas obras meritórias do homem. Paulo utiliza essa antítese para combater o judaísmo e o cristianismo judaizante, que defendiam que o homem encontra a graça de Deus quando cumpre a vontade divina por meio da lei judaica36. “Em lugar das obras da lei humana, Paulo exige a fé do homem como realização prévia para que Deus o declare justo” 37. MacArthur afirma que quem procura estabelecer sua própria justiça ou mistura a fé com as obras não alcança a justificação, que é alcançada somente por aqueles que confiam na obra de Jesus para a justificação somente pela fé. Comenta, ainda, que alguns tendem a outro extremo ao declarar que a obediência à lei moral de Deus é facultativa e, com isso, procuram mudar a graça de Deus em libertinagem38. Segundo Jeremias, para Paulo o significado de dikaiw (dikaiô) no ativo significa “conceder a graça a favor”, e no passivo dikaiw,stai (dikaiôsthai), “achar a graça ou favor”39. Enquanto que dikaiosu,ne/dikaiosyne deve-se traduzir por

“a salvação de Deus” e dikaiw,stai (dikaiôsthai) por “achar a graça de Deus”. Portanto, a justificação provém de Deus e demonstra um “transbordar da

35

STUHLMACHER, Peter. Lei e graça em Paulo: uma reafirmação da doutrina da justificação. São Paulo: Vida Nova, 2002, p. 80. 36 JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 72-3. 37 KÜMMEL, Werner Georg. Op. cit., p. 245. 38 MACARTHUR JR. John et all. Op. cit., p. 11-2. 39 JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 70. 10

graça” de Deus40. Calvino afirma que “o homem encontra sua justificação única e exclusivamente na misericórdia de Deus, em Cristo, ao ser ela oferecida no evangelho e recebida pela fé” e que o homem em seu estado natural não consegue se despertar em busca desta justiça se não for “ferroado”

pelo temor do juízo

41

divino . Segundo Jeremias Deus concede sua misericórdia com base numa façanha. Mas complementa que esta façanha não é do próprio homem e sim de Cristo na Cruz, que a mesma não é uma simples façanha, “mas a mão que apanha a obra de Cristo e a dirige para Deus. A fé diz: eis a façanha – O Cristo morreu por mim na cruz (Gl 2.20)”42. O erro dos Gálatas foi desprezar este sacrifício e misturar a justificação com a santificação confiando nas obras de justiça (Gl 1.6,9), o que Paulo chama de outro evangelho. Segundo MacArthur, nos últimos dias têm-se levantado apologistas católicos que defendem que a doutrina da justificação pela fé não é bíblica, mas invenção de Lutero e dos reformadores43. Esta controvérsia entre católicos e reformadores será tratada em seção específica. Segundo Jeremias, Martinho Lutero foi criticado pelo acréscimo de “somente” em sua tradução de Rm 3.28 que ficou assim: “Pois reputamos que o homem é justificado pela fé somente”. Mas defende que, do ponto de vista lingüístico, Lutero tinha razão de traduzir assim por ser uma característica da língua semítica o fato da palavra “somente” e “só” ser omitida44. Com isso, enfatiza que não há outra forma de justificação a não ser por meio da fé. Afirma que Paulo, ao utilizar o termo “justificado” ou “ser justificado”, vai muito além da esfera jurídica, mesmo quando o aspecto forense não está ausente. Defende que o que comanda o discurso de Paulo da justificação é a conotação soteriológica e, fazendo citação de Rm 4.2, 5.1 e 5.9, afirma que “a justificação que provém de Deus é um transbordar de graça que extravasa largamente à esfera

40

JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 70-1. a CALVINO, João. ROMANOS. 2 Edição. São Paulo: Edições Parakletos, 2001, p.24. 42 JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 73. 43 MACARTHUR JR. John et all. Op. cit., p. 12-3. 44 JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 72. 41

11

jurídica”45. Para ele a justificação pela fé é um perdão no sentido mais pleno. Acompanha de um novo começo, da transformação em uma nova vida, uma nova criação pelo dom do Espírito Santo. “Enquanto penhor da salvação final de Deus, a justificação se volta para o futuro”46. Sendo justificado tem-se a garantia da

concessão da salvação final. “Não é um mero esquecimento do passado, mas como penhor, um dom antecipado da salvação total; é uma nova criação pelo Espírito de Deus; e o Cristo tomando posse da vida desde agora e já aqui” 47. Diante destes argumentos fica evidenciado que a justificação pela fé é uma doutrina bíblica que acertadamente exclui a necessidade de obras meritórias para a salvação do ser humano, porém não abre possibilidade para o outro extremo, do antinomismo, mas a justificação produz outro processo que é o da santificação.

2.1.3

A doutrina da justificação pela fé e a reforma protestante A redescoberta da justificação pela fé por Lutero trouxe conseqüências

significativas em várias áreas além da teologia, como sociais, políticas, literárias e culturais48. A doutrina da justificação foi a força propulsora para a reforma protestante49. Lutero frustrou-se quando a igreja não quis falar sobre o assunto, pois derrubaria automaticamente as vendas de indulgências e demais práticas absurdas impostas pelo clero. Entretanto a igreja não pôde fugir do debate por muito tempo, uma vez que os reformadores propagaram esta doutrina e a igreja católica foi obrigada a tratar do assunto no Concílio de Trento, ocorrido no século XVI50. Os Cânones e Decretos de Trento definiram que as obras são essenciais para a justificação e representam a posição oficial da igreja católica até os dias

45

Ibidem, p. 70-1. Ibidem, p. 83. 47 Ibidem, p. 77-84. 48 DUNN, James D. G. Op. cit., p. 389. 49 MACARTHUR JR. John et all. Op. cit., p. 15. 50 Ibidem, p. 15-6. 46

12

atuais. Defendem que a justificação compreende todo o processo de santificação e dura para a vida toda, inclusive após a morte, por meio do purgatório. Além de afirmar que a causa da justificação não é a fé, mas o sacramento do batismo51. Jeremias faz um comentário parecido com esta afirmação, ao defender que Paulo faz uma relação da justificação pela fé com o batismo, que era o ato decisivo que demonstrava tanto para judeus como gentios convertidos ao cristianismo que a pessoa havia decidido por Jesus. Argumenta, ainda, que Deus salva pelo batismo: “O laço da justificação com o batismo é tão claro para Paulo, que absolutamente não acha necessário dizer que é pelo batismo que Deus salva aquele que crê em Jesus Cristo” , pois afirma que “é justamente esta formulação da graça batismal que Paulo criou no seu conflito com o judaísmo”. Complementa que a doutrina da justificação não poderia ser compreendida se não relacionada ao conjunto dos ensinamentos sobre o batismo52. Segundo o Concílio de Trento, se não forem acrescidas obras à fé a justificação não é alcançada e complementa amaldiçoando todos que pensarem diferente à condenação eterna. MacArthur refuta esta afirmação afirmando que a Bíblia ensina “que a justificação é um ato declarativo de Deus, e não um processo”, pois Jesus garante a salvação imediata (Jo 5.24). Apresenta a salvação como resultado e a justificação pela fé como único caminho para alcançá-la53. Para auxiliar no entendimento desta afirmação do ato declarativo de Deus e como se desenvolve, na próxima seção será apresentado o ambiente em que se dá o processo da justificação pela fé.

2.1.4

A doutrina da justificação pela fé sob o aspecto forense O termo forense está relacionado a assuntos do sistema e práticas judiciais

como também com o falar em público, oriundas dos chamados “eventos forenses” que são conferências e debates formais promovidos por escolas e universidades . No que se refere à justificação pela fé, tem a ver com o conceito de declaração

51

Ibidem, p. 16-7. JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 76-8. 53 MACARTHUR JR. John et all Op. cit., p. 17-20. 52

13

judicial e envolve não um tribunal comum, mas o supremo tribunal de Deus54. Como poderia um pecador, um ser humano decaído e miserável, sobreviver diante do tribunal de um Deus absolutamente santo e justo, sendo que não possui nenhuma possibilidade de reparar seu erro? Não há outra alternativa a não ser a justificação vinda do próprio Deus. Porém fica um questionamento se o homem é declarado justo ou feito justo por meio da justificação divina. Esta controvérsia, a partir do advento da reforma, acompanha a história da igreja por meio da diferença de posicionamento dos protestantes e católicos55. Kümmel afirma que não há dúvidas de que o verbo empregado por Paulo designa “declarar justo, justificar”. Portanto, significa o agir salvífico de Deus que declara justo e recria o homem pecador como novo homem, desde que a ação divina seja relacionada com Jesus e tendo a fé como condicional56. Ridderbos também defende que se trata de um termo legal e complementa que tem o sentido escatológico onde aponta o que é necessário para o ser humano ser libertado do julgamento divino. Afirma que a justiça é a antítese de condenação e o verbo justificar o oposto de condenação divina. Aquele que inicialmente estava condenado pela ira de Deus, com a justificação é retirada a sentença divina como uma dádiva redentora de Deus, concedida pelo evangelho de Cristo a todo que crê57. Segundo Hodge, comentando a Confissão de Fé de Westminster, a justificação é um ato judicial onde declara aquele que aceita o sacrifício de Cristo tornando-o conformado às exigências da lei e lançando em favor o crédito da justiça de “seu grande Representante e Fiador, Jesus Cristo” . Portanto, um ato declarativo de que a pessoa está de acordo com as exigências da lei, mas não significa que este ato a torna santa (Gl 2.16; 3.11). Justificação e santificação são apresentadas como graças distintas, porém inseparáveis58. Para Gospelt não tem como contestar de que justificação é um ato forense, pois Deus coloca o homem na relação correta consigo mesmo. Mas adverte que ela

54

SPROUL, R. C. in MACARTHUR JR., John et all. Justificação pela fé somente: a marca da vitalidade espiritual da igreja. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2005, p. 27. 55 Ibidem, p. 28. 56 KÜMMEL, Werner Georg. Op. cit., p. 247. 57 RIDDERBOS, Herman. Op. cit., p. 185. 58 a HODGE, A. A. Confissão da fé Westminster comentada por A. A. Hodge. 2 Edição, São Paulo: 1999, p. 245-8. 14

é condicional, ou seja, é válida enquanto se está a serviço da justiça, no lugar em que Deus indica59. Segundo Sproul, a visão protestante é de que o homem é declarado justo na justificação e feito justo por meio da santificação e glorificação. Afirma que pode se distinguir a doutrina bíblica dos conceitos bíblicos da justificação, porém não separá-los60. Para Sproul, a visão católica é contraditória devido à tradução do verbo justificar do latim, que distorce o significado do texto original do hebraico, considerando a justiça como inerente do homem e não imputada a ele por Deus. Esta diferença de compreensão foi importantíssima para o surgimento da reforma, conforme mencionado na seção anterior, e para o conceito da doutrina da justificação forense61. A visão católica é de que a fé é essencial, mas não a causa principal e única. Portanto, a justificação não se dá pela fé somente, sendo secundária da “causa instrumental que é o Batismo inicialmente e o sacramento da Penitência depois para quem precisa de um segundo esteio da justificação” 62. Sproul cita o famoso dito de Lutero “ao mesmo tempo justo e pecador” para reforçar o argumento do pecador ser judicialmente considerado justo por meio da imputação da justiça de Cristo, enquanto permanece ainda um pecador, porém justificado. A intenção não é afirmar que a pessoa não foi transformada e que não há um processo de santificação, mas que aqueles que possuem a fé salvadora imediatamente começam a produzir frutos oriundos da obediência; contudo, a base da justificação continua sendo a justiça imputada de Cristo e somente por esta justiça que não é do homem é que pode ser declarado justo63. Para os reformadores a única base da justificação é a justiça imputada de Cristo e não uma que seja inerente do homem, sendo, portanto, a imputação da justiça de Cristo para o pecador que crê o cerne da justificação forense. A obra de Cristo satisfaz a necessidade da justiça de Deus pelos nossos pecados, pois

59

GOPPELT, Leonard. Op. cit., p. 380. SPROUL, R. C. in MACARTHUR JR., Op. cit., p. 30. 61 Ibidem, p. 30-1. 62 Ibidem, p. 32-3. 63 Ibidem, p. 33-4. 60

15

recebeu em si a penalidade que nos estava proposta e conquistou o direito da justiça perfeita64 que é atribuída a todo o que crê e aceita o sacrifício vicário de Cristo. A justiça inerente do homem é insuficiente para a justificação, considerada como “trapos imundos”, sendo necessário uma justiça superior que está fora do homem e que lhe seja atribuída. Deus imputa a própria justiça de Cristo em nosso favor para nossa justificação forense. “O termo justificação se refere mesmo ao ato judicial declarativo de Deus e não à pessoa que recebe o benefício desse ato declarativo e que dizemos estar justificada” 65, a declaração forense de Deus. A essência da justificação é de que o homem é perdoado com justiça, mas a justiça alcançada por Cristo por sua perfeita obediência e sacrifício de si mesmo que é atribuída ao “crente”. Essa justificação traz como efeito o perdão, a paz com Deus e a certeza da salvação. As boas obras não são consideradas como base, mas como conseqüências da justificação66. O fato de a justiça de Cristo ser a base da justificação acentua amplamente a graça de Deus e “a cruz de Cristo é o centro para o qual os mais intensos raios como os da divina graça e justiça se convergem, nos quais eles são perfeitamente reconciliados”. Antes da justificação, “Deus é um juiz irado” que mantém a condenação da lei, mas após a justificação inocenta e trata o pecador como filho67.

2.1.5

Jesus e a justificação pela fé A doutrina da justificação pela fé está presente na mensagem propagada

por Jesus, como pode ser percebida em diversas parábolas e também no seu próprio estilo de vida como o fato de participar de refeições com “publicanos e pecadores”, que eram discriminados pelos judeus. O apóstolo Paulo apresenta uma compreensão da mensagem de Jesus maior do que qualquer outro autor do Novo Testamento, “ele foi o intérprete fiel de Jesus, e isto vale particularmente para a

64

Ibidem, p. 35-7. Ibidem, p. 38-41. 66 HODGE, A. A. Op. cit., p. 249-53. 67 Ibidem, p. 254-6. 65

16

doutrina da justificação” 68. Um ensinamento tão crucial como a doutrina da justificação não poderia estar ausente nos ensinamentos do “Mestre dos mestres”, o senhor Jesus Cristo. Não é apresentada de uma forma sistemática como pelo apóstolo Paulo, mas os conceitos permeavam toda sua pregação do evangelho. Embora nunca tenha discursado diretamente sobre o assunto, pode ser percebido no seu ministério evangelístico69. Um dos exemplos clássicos é o relato do encontro de Jesus com o ladrão que estava ao seu lado na cruz. Por meio de sua fé em Cristo, recebeu a promessa de que estaria com ele no paraíso (Lc 23.43), sem exigir nenhum sacramento, obra ou ritual para que alcançasse a justificação. MacArthur sugere um bom exemplo que demonstra claramente o ensino da justificação pela fé por Jesus, a parábola do fariseu e do publicano, descrita em Lc 18.9-1470. A figura do fariseu na parábola que confiava em sim mesmo e se considerava justo representava os ouvintes de Jesus, que receberam com um grande impacto o ensinamento. Eles observavam os mais rigorosos padrões legalistas com jejuns, orações, esmolas e outros rituais que excediam a leis cerimoniais mosaicas. Esta atitude se repetiu em várias situações, como por exemplo quando disse que para entrar no reino de Deus era necessário que a justiça excedesse a justiça dos escribas e fariseus71. Como poderia ser possível? A resposta Jesus apresenta por meio da parábola que certamente pasmou ainda mais os ouvintes ao “colocar um cobrador de impostos detestáveis em melhor posição quanto à espiritualidade do que um fariseu que orava. A lição de Jesus é clara. Estava ensinando que a justificação é pela fé somente”. A justificação do cobrador de impostos foi instantânea, não foi um processo, mas voltou justificado para casa, não por obras meritórias e sim por algo que foi feito a seu favor72. O

publicano reconhecia sua falta de capacidade e que sua dívida era

muito alta e não tinha condições de pagá-la, única coisa que poderia fazer era rogar

68

JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 88-9. MACARTHUR JR. Op. cit., p. 21. 70 Ibidem, p. 21-2. 71 Ibidem, p. 22 72 Ibidem, p. 22-3. 69

17

pela misericórdia de Deus. Não recorreu a obras que havia realizado, nem ofereceu fazer nada por Deus, simplesmente rogou que Deus fizesse por ele o que ele próprio não podia fazer, só com base na fé. “Essa é a natureza da penitência que Jesus pedia” 73. Por outro lado, o fariseu demonstrou arrogância, confiando que os jejuns realizados, dízimos e outras obras consideradas justas o tornariam aceito por Deus. Porém Jesus afirma que este não foi justificado. Como um cobrador de impostos, considerado traidor dos judeus poderia ser justificado? “A única resposta possível é que recebeu uma justiça que não era dele próprio (cf. Fp 3.9). A justiça lhe foi atribuída mediante a fé (Rm 4.9-11)”. De quem era essa justiça? Só podia ser de alguém com capacidade de apresentar uma justiça perfeita para sofrer a penalidade da ira de Deus sobre o pecado, Jesus 74. Portanto, fica evidenciado que a doutrina da justificação pela fé, mesmo que não ensinada diretamente por Jesus estava presente em seus ensinamentos e no seu explícito estilo de vida.

2.2 Utilização e limitação de figuras Gusso alerta do perigo em não conhecer as diferenças entre a grande quantidade de tipos literários na realização da interpretação de um texto bíblico. A interpretação deve ter como objetivo principal chegar a realidade mais próxima possível do que o autor quis dizer. Enfatiza que apesar dos tipos serem diferentes, não existe diferença de valor, ou seja, os tipos literários têm o mesmo valor como palavra de Deus75. Alguns intérpretes têm atitudes extremadas ao analisar todas as partes da escritura do mesmo modo. Ainda que sejam boas as intenções podem prejudicar, e muito, a interpretação do texto. Gusso utiliza o texto de Lc 19.40 para demonstrar que há uma “tendência de se pensar que aquilo que é figurado também é uma alegoria”. Afirma que o texto citado geralmente é utilizado como uma alegoria para a

73

Ibidem, p. 22. Ibidem, p. 24. 75 GUSSO, Antônio Renato. Como entender a Bíblia? Curitiba: Editora A. D. Santos, 1998, 74

p. 41-2. 18

evangelização, mas que a intenção do texto é demonstrar que era “impossível” fazer os discípulos calarem depois de presenciarem os milagres realizados por Jesus, assim como fazer as pedras clamarem76. Portanto, além de conhecer e identificar corretamente os tipos literários, também é necessário respeitar as suas limitações. Berkhof afirma que é de suma importância ter o conceito claro das “coisas” nas quais as figuras estão baseadas, devendo essas coisas ser entendidas para que se tenha uma interpretação segura das figuras derivadas dela. Que o objetivo do intérprete é descobrir a idéia principal sem dar ênfase demasiada nos detalhes, mesmo que sejam encontrados mais pontos de correspondência, deve se limitar aos pretendidos pelo autor77. Diante disso, será analisado na próxima seção o motivo pelo qual o apóstolo Paulo escolheu a figura de Abraão para explicar que a justificação não se dá por meio de obras ou rituais religiosos, como também não é exclusiva para uma nação. Além de provar que a justificação pela fé não é uma novidade paulina, pois estava presente também na escritura aceita e ensinada pelos judeus, não deixando assim meios para que os judeu-cristãos pudessem exigir o cumprimento da lei como requisito necessário de salvação para a comunidade cristã em Roma e em nenhum outro lugar do mundo. Portanto, deve ser observada a limitação da figura, ou seja, que a figura de Abraão não pode ser usada como um modelo ideal que responda a todas as definições da doutrina da justificação pela fé, mas somente naqueles pontos em que o autor quis evidenciar. Para demonstrar para os judeus a validade da doutrina da justificação pela fé, Paulo não poderia enfocar somente o seu momento presente, mas apresentar sua profundidade histórico-salvífica. Recorre ao exemplo de Abraão, não como faz o autor de Hebreus que usa seu exemplo dentre muitos de forma aleatória, mas como um exemplo impossível de repetir78. Paulo precisava buscar no Antigo Testamento um exemplo que servisse de precedente para demonstrar que a doutrina da justificação que ele ensinava não era

76

GUSSO, Antônio Renato. Op. cit., p. 53-60. a BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação bíblica. 2 Edição, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 66-7. 78 POHL, Adolf. Carta aos romanos. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1999, p. 79. 77

19

nenhuma novidade, mas estava presente na mesma escritura que era venerada pelos judeus. Além de reforçar aos gentios o privilégio que haviam alcançado por meio da fé em Jesus. Portanto, por meio do exemplo de Abraão, poderia demonstrar que a justificação pela fé é o único meio da salvação tanto na antiga aliança (Antigo Testamento) como na nova aliança (Novo Testamento)79. O apóstolo Paulo coloca Abraão acima de todas as figuras dominantes para o povo judeu e dedica todo o capítulo quatro da epístola para falar sobre ele e como serve de modelo para a explicação didática da justificação pela fé por meio da observação do seu modelo de fé e obediência. Abraão é apresentado como superior ao próprio rei Davi, figura do rei-messias, que é de muito respeito entre o povo judeu e é utilizado para atender a norma rabínica que exige duas testemunhas para qualquer questão controvertida, que no caso foi a explicação cristã para Gn 15.6 – “Abraão creu no SENHOR, e isso lhe foi creditado como justiça” – porém, Abraão ocupa a função da testemunha principal80. O apóstolo concentra em Gn 15.6, citando 03 vezes no capítulo quatro, um texto-chave que conecta firmemente “fé” e “justiça”, que são conceitos centrais da doutrina da justificação pela fé. Paulo não poderia utilizar outro exemplo para combater a doutrina da justificação pelas obras, pois Abraão era considerado para o judaísmo como paradigma original de virtude. “Supunha-se que nada de maligno tinha poder sobre ele, todos os dias de sua vida ele viveu como ‘o mais íntegro entre os íntegros’ na obediência perfeita” 81. Stott apresenta duas razões pela escolha de Abraão como figura para explicar a justificação pela fé. A primeira é que ele era o primeiro pai da nação israelita, o favorecido pela recepção da aliança e promessas de Deus. A segunda é semelhante à afirmação de Pohl, em que Stott afirma que, “sem dúvida”, aos olhos dos rabinos, Abraão era considerado a síntese da justiça e amigo especial de Deus. Com isso, consideravam que ele havia sido justificado pelas suas obras. Os rabinos citavam as escrituras para argumentar que Deus prometera abençoar Abraão pela sua obediência, sem observar que a promessa havia sido dada após a sua

79 80

131.

81

STOTT, John. Romanos. São Paulo: ABU editora, 2000, p. 140. a KASEMANN, Ernest. Perspectivas paulinas. 2 edição. São Paulo: Teológica, 2003, p. POHL, Adolf. Op. cit., p. 79. 20

justificação82. Antítese bem explorada pelo apóstolo no capítulo quatro de Romanos. Portanto Abraão era o único que possuía todas as características que o credenciava para ser o modelo ideal a ser usado pelo apóstolo Paulo para explicar que o ser humano é justificado somente por meio da fé em Cristo e na sua Ressurreição.

2.3 O contexto da Epístola aos Romanos Como mencionado anteriormente, as cartas do apóstolo Paulo são altamente pessoais e tratam de assuntos fundamentais para seus leitores, sendo necessária uma avaliação teológica dos argumentos e das opiniões expressas pelo apóstolo, mas isso não é suficiente. Também é necessário avaliar quais eram os fatores religiosos e as características sociais de seus destinatários83. Dunn afirma que os argumentos e exortações do apóstolo freqüentemente focalizavam as situações de seus ouvintes, no caso específico os cristãos de Roma, e as opiniões daqueles que discordavam de sua teologia, no caso específico os judeus (grifo do autor)84. Por teologia do apóstolo deve ser entendido o que está por trás de suas cartas, que “algo como as seções de um iceberg acima da superfície da água”, formando um elo entre o texto e seu contexto histórico85. Portanto serão apresentadas a seguir informações relevantes para a compreensão do objetivo e de afirmações paulinas no texto em estudo.

2.3.1

O Império Romano Para Roma afluíam pessoas de toda espécie e de todas partes do império

romano por meio de um moderno sistema de estradas, as vias Flamínia, Aurélia, Triunfo, Labiana, Pinciana e Ápia, a Estrada Alta e a Rua Patrícia que se espalhavam por todo território romano86. Roma era famosa por ter sido a capital

82

STOTT, John. Op. cit., p. 141. DUNN, James D. G. Op. cit., p. 35. 84 Idem. 85 Ibidem, p. 38-41. 86 SOUZA, Itamir Neves. Carta aos Romanos: um evangelho singular. Londrina: Editora Descoberta, 2004, p. 69-70. 83

21

política e cultural do mundo por séculos87. Teve como origem a fusão de dois povos: os latinos e os sabinos. Pesquisas arqueológicas demonstram que era habitada desde a Era do Bronze, cerca de 1500 antes de Cristo, neste período foi submetida a invasões de vários povos como os gregos, etruscos e outros, e a miscigenação cultural recebida influenciou mais tarde a cultura do império romano, fundado oficialmente em 21 de abril de 753 antes de Cristo88. Portanto, na cidade de Roma, devido a essa miscigenação, havia as mais diversas religiões e filosofias da época89. E na área religiosa, Roma era famosa pelo seu politeísmo e superstições. “Os deuses romanos eram mais agricultores e guerreiros que as divindades gregas, talvez como reflexo dos povos que os conceberam”. Também possuía seus sacerdotes e “cada chefe de família oficiava o culto doméstico, exercendo autoridade que chegava ao direito de vender ou suplicar quem estivesse sob suas ordens” 90. Quando o apóstolo Paulo chegou a Roma, entre os anos 50 e 60 d. C., encontrou uma população diversificada e cosmopolita. Ruas estreitas e repletas de pessoas de várias origens e costumes. Os monumentos públicos lembravam aos visitantes o poder, as tradições e a amplitude do Império Romano91. Segundo Ronis, no tempo do apóstolo em Roma havia cerca de um milhão de habitantes92. Já Souza afirma que a população era de aproximadamente um milhão e trezentas mil pessoas93. Os romanos apresentavam facilidade em adaptar modas e idéias de centenas de culturas dos mais diversos povos sob seu comando, embora em algumas ocasiões houvesse resistência por parte dos romanos a essa miscelânea de costumes, como: o culto a Baco em 173 e 161 a. C., expulsão dos filósofos gregos em 53 a. C., destruição de altares dos deuses egípcios 49/50 d. C., e

87

55.

a

RONIS, Osvaldo. Geografia bíblica. 3 Edição. Rio de Janeiro: SEGRAFE, 1978, p. 54-

88

SOUZA, Itamir Neves. Op. cit., p. 70. SOUZA, Itamir Neves. Op. cit., p. 72-3. 90 a CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado: versículo por versículo. V.3. 10 Edição. São Paulo: Candeia, 1995, p.721. 91 SOUZA, Itamir Neves. Op. cit., p. 71. 92 RONIS, Osvaldo. Op. cit., p. 54-55. 93 SOUZA, Itamir Neves. Op. cit., p. 73. 89

22

especialmente, a expulsão dos judeus da cidade em 54 d. C.94. Durante séculos os romanos se orgulharam por sua reputação, porém com a consolidação do poderio romano por todo território em torno do Mar Mediterrâneo, em diversas ocasiões os soldados “saqueavam os cadáveres dos inimigos e submetiam os restantes as mais humilhantes situações”. A exemplo da sociedade grega, também era escravista, e foi um elemento central de estabilidade do império durante sua existência95. A sociedade era estruturada de acordo com a posição social do indivíduo, que determinava o que se podia esperar dele. Esta distinção era bem definida e respeitada pelos integrantes de cada classe, reforçada pela distância e possibilidades remotas de serem transposta. Mais da metade da população era escrava e considerada como mercadorias. Diferente dos gregos, que tendiam para o belo e a filosofia, os romanos inclinavam-se para as questões práticas e o direito. Inclusive, as leis ocidentais dos dias atuais têm como base o chamado direito romano96.

2.3.2

A Comunidade judaica em Roma Dentro da comunidade judaica a sua maioria era contrária ao império,

como os fariseus e zelotes, porém, havia também simpatizantes como os herodianos e saduceus. Existiam deles que conquistaram uma certa autonomia, pois em 61 a. C. alguns judeus trazidos para Roma por Pompeu, depois de ter conquistado a Judéia, foram resgatados por compatriotas ricos que já moravam em Roma. Júlio Cesar, por meio de decreto, deu liberdade para os judeus enviarem contribuições para o Templo de Jerusalém97. Judeus de todas as classes sociais viviam em Roma ou a visitava. Arqueólogos descobriram nas ruínas romanas várias inscrições com nomes das mais variadas origens e também nomes judaicos, inclusive as inscrições nas catacumbas judaicas indicam que a metade dos judeus tinha nomes latinos,

94

SOUZA, Itamir Neves. Op. cit., p. 72. Idem. 96 Idem. 97 SOUZA, Itamir Neves. Op. cit., p. 73-4. 95

23

provavelmente obtidos por emancipação da escravidão98. A comunidade judaica era bem representada na capital do império, a ponto de no primeiro século constituir o maior centro judaico do mundo antigo, tendo pelo menos 13 sinagogas na cidade. Mesmo não sendo escravos pertenciam de modo geral às classes dos pobres, mas possuíam “certas regalias como a liberdade de culto, guarda do sábado, dispensa do serviço militar e jurisdição sobre seus próprios membros”99. Contudo, nem sempre gozavam deste privilégio, pois “em muitas ocasiões esses períodos de tranqüilidade eram interrompidos por períodos de grandes dificuldades ocasionadas, muitas vezes, pela não aceitação por parte dos judeus de atos que provocavam sua crença e práticas religiosas” 100. Os judeus contavam com a simpatia da população. Isto refletia na prática judaica de fazer prosélitos, a ponto de terem como convertidos ao judaísmo pessoas como Fúlvia, esposa de senador; Pompéia, esposa de Nero; e Flávio Clemente, primo de Domiciano, entre outros. Entre os prosélitos no dia de pentecostes, provavelmente estavam vários romanos101.

2.3.3

A comunidade cristã em Roma O livro de Atos, no capítulo 28, registra a chegada do apóstolo Paulo em

Roma por via terrestre. Seu sonho estava sendo realizado, mesmo que atrasado. Pohl comenta sobre este fato: “(...) Era um momento grandioso (...) Muito mais tarde que o planejado. Tinham decorrido cinco anos desde que escrevera à igreja romana: ‘estou chegando’, e vinha de maneira diferente do que havia imaginado: com um transporte de prisioneiros”102. Antes de chegar à cidade foi recebido pelos irmãos: “Ainda a uma boa distância fora de Roma encontraram um grupo de homens que se apresentou como delegação da igreja romana. Vieram ao seu encontro nada mais nada menos que 65 km, para lhe dar um cortejo honorífico”103. Este gesto deve ter emocionado, e muito,

98

Ibidem, p. 74. Idem. 100 SOUZA, Itamir Neves. Op. cit., p. 74-5. 101 Idem. 102 POHL, Adolf. Op. cit., p.17. 103 Ibidem, p.80. 99

24

a Paulo. Portanto, fica evidente que se já havia uma comunidade cristã em Roma, não foi o apóstolo Paulo o seu fundador. O que também pode ser percebido no primeiro capítulo da epístola onde ele menciona que rogava a Deus uma oportunidade de conhecê-los104. A comunidade cristã em Roma provavelmente foi fruto da facilidade de locomoção proporcionada pelo comércio mundial e a diáspora judaica, como os romanos que estiveram no pentecostes, fato registrado no capítulo dois do livro de Atos: “(...) É provável que esses prosélitos e alguns judeus habitantes de Roma, tendo se tornado cristãos, voltaram para Roma e proclamaram as boas novas do evangelho no ambiente que lhes era mais propício, isto é, nas sinagogas”105. Moody é contrário a esta afirmação, argumenta que os judeu-cristãos naquela época não se sentiam diferentes dos judeus e não começaram a organizar igrejas locais separadas das sinagogas. Defende que a idéia mais provável é a de que a igreja foi organizada por convertidos pela pregação de Paulo, Estevão e outros apóstolos106. Moody argumenta que é muito improvável que um dos apóstolos estivesse em Roma quando Paulo escreveu a epístola, principalmente o apóstolo Pedro, o que certamente teria uma saudação específica de Paulo107. Cabral também defende esta idéia quando contraria a tradição da igreja católica de que o apóstolo Pedro foi o fundador da comunidade cristã em Roma108. A igreja em Roma era constituída por judeus e gentios, sendo que estes últimos foram se tornando a maioria. Esta diferença foi mais acentuada depois do decreto de Cláudio que baniu os judeus de Roma, aproximadamente em 50 depois de Cristo109. Moody afirma que a maneira do autor tratar os leitores não deixa dúvida alguma de que são predominantemente gentios110.

104

SOUZA, Itamir Neves. Op. cit., p. 76-8. Idem. 106 MOODY. Comentário bíblico Moody: Romanos à Apocalipse. São Paulo: Editora Batista Regular, 2001, vol. 5. p. 1. 107 Idem. 108 a CABRAL, Elienai. Romanos: o evangelho da justiça de Deus. 7 edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p. 14. 109 MOODY. Op. cit., p. 79-80. 110 Ibidem, p. 2. 105

25

2.3.4

O propósito da Epístola aos Romanos Segundo Cabral, o apóstolo teve dois objetivos ao escrever aos romanos,

um missionário e o outro doutrinário. O primeiro, devido ao sentimento de que o trabalho missionário na Ásia e na Grécia já estava completo, tencionava levar o evangelho aonde ainda não o conheciam e realizar o sonho de pregar na Europa, principalmente na Itália e Espanha111. O segundo objetivo foi de expor de forma didática e compreensiva as verdades centrais do evangelho, já que provavelmente não possui grandes líderes na igreja, uma vez que Paulo não os menciona. O problema principal apresentado é sobre os direitos e privilégios da salvação112, principalmente para enfatizar que não havia distinção entre gregos e gentios com relação a salvação. Para Champlin, a epístola também teve um propósito apologético, afirmando que os argumentos sobre a justificação pela fé não eram simplesmente informativos, mas uma oposição aos judaizantes que estavam atuando na cidade. Porém, também, havia muitas indagações, entre os cristãos de origem judaica, sobre a posição de Israel diante de Deus e a validade das promessas feitas pelo Senhor àquela nação, uma vez que haviam rejeitado o messias113. Tinha também um caráter didático, principalmente na seção de prática geral, sobre a moral e a conduta cristã, presentes do capítulo décimo segundo ao décimo quinto, que tem por objetivo “ensinar, informar e iluminar, e não meramente resolver determinados problemas”114.

2.3.5

Uma visão panorâmica dos cinco primeiros capítulos de Romanos Dunn

afirma

que

Romanos

oferece

um

exemplo

ordenado

seqüencialmente dos principais temas da teologia Paulina115. Em 1539, o primeiro livro da Bíblia comentado por Calvino, considerado como o exegeta por excelência da Reforma, foi a Epístola de Paulo aos Romanos, considerava-a como parte central

111

CABRAL, Elienai. Op. cit., p.14. Ibidem, p. 16. 113 CHAMPLIN, R. N. Op. cit., p. 729-30. 114 Ibidem, p. 730. 115 DUNN, James D. G. Op. cit., p. 54. 112

26

e principal da escritura. Justifica a sua escolha por entender que se o ser humano conseguir uma genuína compreensão desta epístola será aberta a porta de acesso aos mais profundos tesouros da Escritura116. Martinho Lutero, considerada a principal personagem da reforma, no seu prefácio do comentário da mesma epístola, afirma que ela é a principal de todo Novo Testamento e seu conteúdo o mais puro de todos evangelhos, digna de que todo cristão decore palavra por palavra, bem como se ocupe diariamente com ela, pois quanto mais for praticada mais saborosa se tornará117. A Epístola aos Romanos é singular por ter sido em toda história das idéias cristãs e do protestantismo um importante veículo de reavaliação teológica. Basta lembrar a importância que teve no processo de transformação da vida de Lutero e a quantidade de comentários que importantes teólogos como Barth, Lutero, Calvino, J. A. Bengel, Charles Hodge, C. H. Dodd, Ernest Käsemann, M. Lloyd-Jones, entre outros118. O apóstolo Paulo inicia com a defesa de seu apostolado, dando ênfase ao valor do evangelho, semelhante ao que faz em outras epístolas como a enviada aos Gálatas, e inclui o assunto principal de toda a Epístola: a justificação pela fé. Para trabalhar este tema, o apóstolo envolve mais especificamente os cincos primeiros capítulos119. No segundo capítulo apresenta a condenação de toda humanidade, desde os tempos da criação, por sua ingratidão com o Supremo Criador em relação à sua excelente obra, e registra os atos pecaminosos que todos estão sujeitos a cometer. Judeus e alguns gentios, baseados na tradição judaica, se vestiam de uma santidade externa para esconder a impiedade interior e achavam que estavam isentos da condenação. Porém o apóstolo os convida a colocar suas obras diante do tribunal de Deus120. Em seguida, coloca os judeus e os gentios em separado diante do tribunal divino, ou seja, os gentios que desconheciam as escrituras não eram escusáveis,

116

CALVINO, João. Op. cit., p. 9-23. CABRAL, Elienai. Op. cit., p.11-2. 118 BARTH, Karl. Carta aos Romanos: Tradução e comentários Lindolfo K. Anders. São Paulo: Novo Século, 2003, p. 5. 119 CALVINO, João. Op. cit., p. 23. 120 Ibidem, p. 24. 117

27

pois tinham a consciência como parâmetro; e os judeus, sendo conhecedores deviam ser julgados pela própria escritura121. Afirma que o pacto divino dava privilégios para os judeus, porém pela misericórdia de Deus e não por mérito deles. Entretanto, prova, a partir da autoridade das escrituras, que tanto judeus e gentios são todos pecadores, apresenta a justificação como exclusiva pela fé, e que diante desta afirmação, perante Deus, tanto judeus como gentios estão em pé de igualdade122. Para exemplificar a afirmação anterior, no quarto capítulo, objeto principal desta pesquisa, o apóstolo utiliza um exemplo claro e notável de Abraão como um padrão e figura geral de justificação pela fé, abrangendo judeus e gentios. Nesse capítulo o autor analisa a situação dos chamados “Filhos de Abraão” sob o ponto de vista de descendência física, raça e espiritual que são objetos da herança espiritual prometida por Deus. Conclui que o caminho para a obtenção da herança é somente mediante a fé, que é um milagre divino123. Para contrastar seus opositores que eram defensores da justificação pelas obras, recorre também ao testemunho de Davi que afirma ser a bem-aventurança do homem dependente da misericórdia divina e não das obras humanas. Afirma, ainda, que Abraão alcançou justificação quando ainda incircunciso e que, se a promessa da salvação dependesse da lei, a consciência humana nunca teria paz124. No capítulo cinco, os frutos e efeitos da justiça são realçados, reforçando o que fora dito anteriormente. Enfatiza o amor de Deus pelo fato de dar seu único filho em resgate dos pecadores e apresenta uma comparação entre pecado e justiça gratuita, Cristo e Adão, morte e vida, lei e graça125.

121

Ibidem, p. 24-25. Ibidem, p. 24. 123 BARTH, Karl. Op. cit., p. 177. 124 CALVINO, João. Op. cit., p. 25. 125 Ibidem, p. 26. 122

28

3. O EXEMPLO DE ABRAÃO DEMONSTRA QUE A JUSTIFICAÇÃO É PELA FÉ E MEDIANTE A GRAÇA DE DEUS – V 1-16 No capítulo anterior foi apresentado o arcabouço teórico sobre pontos fundamentais que definem a doutrina da justificação pela fé e também uma avaliação do contexto histórico da epístola que auxiliará a compreensão do presente capítulo, cujo objetivo é demonstrar que o exemplo de Abraão apresentado nos primeiros dezesseis versículos do capítulo quatro de Romanos, é bem adequado para provar que a justificação independente de méritos humanos, mas é um presente divino e está relacionada a não imputação dos pecados cometidos, sendo, portanto, unicamente pela fé mediante a graça de Deus. Diferente de Fílon que se referia a Abraão como protótipo da fé da tradição judaica, Käsemann afirma que o capítulo quatro de Romanos é a parte central da epístola, pois fornece argumentações que fundamentam a doutrina da justificação pela fé apresentada no capítulo anterior (Rm 3.21-31), e de forma como nunca afirmada pelo fato de apresentar a fé de Abraão como uma figura da fé cristã que defende a justificação pela fé126. Para confirmar argumentos sobre a justificação pela fé, o apóstolo Paulo faz, de forma didática, uso do exemplo de Abraão, pois como pode ser observado a seguir, apresenta pontos de correspondência muito parecidos. Barth defende a necessidade de se fazer um vínculo da historicidade de Jesus, ou seja, que o seu “fio carmesim” através de toda a história se apresenta não como “uma religião”, mas como fato histórico que estabelece uma unidade entre o passado longínquo e o presente, caso contrário este fio se romperá em nossas mãos quando contrastarmos Abraão com Jesus127. Segundo Käsemann, a fé cristã não tem como objetivo firmar dogmas religiosos e nem se firmar por meio de experiências religiosas que se repetem, mas provocar mudanças no seguidor de Cristo a ponto deste refletir em sua vida as

126

131-3.

a

KASEMANN, Ernest. Perspectivas paulinas. 2 edição. São Paulo: Teológica, 2003, p.

127

BARTH, Karl. Carta aos Romanos: Tradução e comentários Lindolfo K. Anders. São Paulo: Novo Século, 2003, p. 181-2. 29

características que Cristo demonstrou através de seu exemplo de fé e obediência na palavra do Pai.128 Jesus afirmou que era antes de Abraão. O Antigo Testamento foi sua vida pré-histórica e, portanto, uma testemunha da justificação de Abraão pela fé. Fica, assim, um desafio para esta pesquisa apresentar este vínculo.

3.1 A justificação de Abraão não foi por obras meritórias – v. 1-3 MURRAY afirma que no início do capítulo quatro, o apóstolo Paulo demonstra por meio da escritura do Antigo Testamento a doutrina introduzida no capítulo anterior, pois segundo ele, não há dúvida que a principal intenção é a antítese entre a justificação pelas obras e a justificação pela fé129. Käsemann comenta que uma das grandes características do apóstolo Paulo é a convicção pela sua fé, pois não evita o campo escolhido pelos seus adversários, pelo contrário, utiliza-o para fundamentar sua teologia. Mesmo reconhecendo a importância das obras, defende que Abraão não foi justificado por elas, mas por sua obediência adquirida através da fé na palavra de Deus130. Calvino argumenta que o homem pode se gloriar de suas obras perante os homens, mas perante Deus não encontrará justificativa, pois se nem mesmo Abraão alcançou por méritos: “Quem dentre vós reivindicará para si a mínima partícula de mérito, quando o mesmo foi negado a Abraão?” 131 Barth também afirma que apesar de a história proclamar a fama de Abraão como homem de caráter, herói e personalidade brilhante, se ele fosse justificado por estas qualidades a justiça de Deus seria semelhante à justiça humana. Argumenta, ainda, que se houvesse um só ponto ou característica de ser humano que o pudesse justificar, existiriam outros caminhos para se alcançar a justificação além do caminho da morte e cruz apresentado por Jesus, e certamente os homens escolheriam “este caminho” mais simples. A proclamada retidão de Abraão pode justificar a sua glória

128 129

154.

130 131

KÄSEMANN, Ernest. Op. cit. p. 136. MURRAY, John. Romanos: comentário bíblico fiel. São Paulo: Editora Fiel, 2003, p. KÄSEMANN, Ernest. Op. cit. p. 134-135. a CALVINO, João. ROMANOS. 2 Edição. São Paulo: Edições Parakletos, 2001, p. 148. 30

perante os homens, mas não perante Deus132. Käsemann afirma categoricamente que a justificação de Abraão foi efetiva quando demonstrada pela sua confiança na promessa de Deus constatada por meio de suas atitudes, assim como os crentes em Cristo devem demonstrar por meio de uma vida cristã sadia e transformada133. Barth acrescenta que foi o arrependimento sincero de seu coração penitente (Rm 2.4); a obra conforme for aceita e “paga” por Deus (Rm 2.6); e a circuncisão do coração (Rm 2.29) que permitiu Abraão “gloriar-se perante Deus”134. Calvino argumenta que Paulo refreia os judeus que se gloriavam por serem filhos de Abraão, uma vez que demonstra a justificação gratuita de Abraão. Bem como ao utilizar a expressão “O que Abraão obteve segundo a carne?”, tinha o intuito de conceder aos judeus um laço de união mais estreito, a fim de exortá-los a não se afastarem do exemplo de seu antepassado (pai) 135. Käsemann afirma que não podemos entender a fé como obra nossa, mas como obra do Criador, mediante a sua palavra. Diante disso, Paulo utiliza a citação de Gênesis 15.6 em Romanos para anunciar a justificação do ímpio por meio do exemplo de Abraão, dando assim à sua teologia a mais forte capacidade de ataque136. Para Murray, esta era a principal base da argumentação de Paulo, o fato de que a fé de Abraão estava em primeiro plano137. Segundo Calvino “somente aqueles que têm consciência de que, por natureza, são ímpios é que alcançarão a justiça [procedente] da fé” 138. Comenta que a citação de Gênesis 15.6 é utilizada por fazer parte da escritura hebraica, totalmente aceita pelos judeus, para demonstrar que Abraão foi justificado por reconhecer sua própria miséria e por ter clamado pela misericórdia de Deus e não por qualquer obra efetuada. Com isso, garante que a justiça pela fé é o referencial para todo pecador destituído de obras139. Segundo Pohl, o sentido literal do texto citado de Gênesis é de que a “fé em Abraão não era praticar com fé as prescrições,

132

BARTH, Karl. Op. cit., p. 183-5. KÄSEMANN, Ernest. Op. cit., p. 135. 134 BARTH, Karl. Op. cit., p. 185. 135 CALVINO, João. Op. cit., p. 146-7. 136 KÄSEMANN, Ernest. Op. cit., p. 138. 137 MURRAY, John. Op. cit., p. 158. 138 CALVINO, João. Op. cit., p. 152. 139 Ibidem, p. 148. 133

31

mas submeter-se sem reservas à promessa de Deus” 140. Segundo Murray, o texto hebraico de Gênesis 15.6 é semelhante ao do Salmos 106.31: “Isso lhe foi imputado por justiça, de geração em geração, para sempre” que ser refere ao zelo de Finéias pelo Senhor. A justificação dos dois, Abraão e Finéias, é similar, porém, a de Finéias era no sentido ético e religioso, enquanto que a de Abraão era de natureza bem diversa. Murray justifica com esta argumentação que este foi o motivo de que Paulo não utilizou o Salmos 106.31, pois seria uma contradição inerente, “demonstrando que a justificação é possível mediante um ato justo e cheio de zelo”, excluindo, assim, o ímpio sem obras. Gênesis trata da justificação, enquanto que o Salmos 106.31 trata das boas obras que são fruto da fé141. Calvino também utiliza o texto do Salmo 106 para defender a aparente contradição da afirmação de justificação da ação de Finéias, o sacerdote do Senhor, que vingou o opróbrio de Israel ao castigar um adúltero e uma meretriz com o argumento paulino da justificação de Abraão, concluindo que um só vem complementar o outro: [...] Como, pois, pode tal vingança por ele infligida ser-lhe imputada para justiça? Era-lhe necessário que antes fosse justificado pela graça de Deus, pois aqueles que já se acham vestidos com a justiça de Cristo têm a Deus não só em favor deles mesmos, mas também em favor de suas obras. As manchas e defeitos dessas obras são cobertos pela pureza de Cristo, a fim de que não se apresentem para juízo; e se não são encontradas com alguma mancha, são por isso consideradas justas. É plenamente evidente que sem tais abstenções, nenhuma obra humana poderia agradar a Deus. Mas se a justiça [procedente] da fé é a única razão por que nossas obras são consideradas justas, quão absurdo é o argumento daqueles que dizem que a justiça não é tão-só pela fé, visto que 142 ela é atribuída às obras .

Outra afirmação de Calvino que merece uma atenção especial é de que a interpretação que Abraão agiu de forma correta e honrosa ao crer na promessa de Deus e, com isso, recebeu aprovação divina está equivocada, pois dependeu única e exclusivamente de Deus, que “conferiu a Abraão sua graça com o fim de fazê-lo ainda mais convicto da adoção divina e do favor paternal de Deus, nos quais se acha inclusa a salvação eterna através de Cristo. Por esta razão Abraão, ao crer,

140

POHL, Adolf. Carta aos romanos. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1999, p. 80. MURRAY, John. Op. cit., p. 158. 142 CALVINO, João. Op. cit., p. 154. 141

32

abraçou nada mais nada menos que a graça a ele oferecida, para que seu crer não fosse destituído de efeito”143. Barth qualifica Abraão de “ímpio” igual aos demais homens: “com sua retidão humana e sua falta de retidão perante Deus, Abraão é apenas “ímpio” (1,18); apenas pode enquadrar-se como toda a humanidade, em o NÃO divino” 144. Calvino conclui que a única base de sua justiça consiste em esperar todas as coisas como provindas de Deus e que a intenção de Moisés (defende sua autoria de Gênesis) foi de relatar o caráter que Abraão possuía diante de Deus e não o que as pessoas pensavam dele. A questão não é “o que os homens inerentemente são, e, sim, como Deus os considera” 145, pois quando se busca a razão do amor de Deus para com o ser humano e do fato de ser justificado por ele, Cristo deve ser contemplado como Aquele que nos veste com sua própria justiça 146. Paulo descarta qualquer possibilidade do ser humano se gloriar diante de Deus e, semelhante a prática de Jesus, usou da autoridade da escritura para esta afirmação147. Barth também é categórico ao afirmar que a justificação é possível somente se vier de Deus, inclusive afirma que o arrependimento não vem por iniciativa humana, mas pela graça divina e, portanto, somente Deus o pode ver e julgar. Considera um milagre divino, por isso, intitula a perícope dos versículos um ao oito de “fé e milagre”. A certeza de Abraão, de que Deus se dirige às coisas que não são como se já fossem, é o grande milagre da justificação pela fé148.

3.2 A justificação de Abraão foi um presente divino – v. 4-8 Segundo Murray, os versículos quatro e cinco são uma continuação do pensamento expresso no versículo dois, ou seja, há uma antítese entre a recompensa resultante de obras e o método da graça149. Para enfatizar esta afirmação, o autor da epístola, conta Abraão entre as pessoas sem Deus. Pohl,

143

Ibidem, p. 149. BARTH, Karl. Op. cit., p. 191. 145 CALVINO, João. Op. cit., p. 150. 146 Ibidem, p. 149-50. 147 STOTT, John. Op. cit., p. 143-4. 148 BARTH, Karl. Op. cit., p. 185-7. 149 MURRAY, John. Ibidem, p. 158. 144

33

defende a idéia de que a intenção é apontar para a descendência gentílica do patriarca, desafiando assim, de forma corajosa, a interpretação tradicional judaica.150 Calvino afirma que estes versículos não intencionam tratar da vida de pessoas que vivem na prática de boas obras, que é um dever de todo servo de Deus, mas se refere a uma figura para simbolizar a salvação, ou seja: “que Deus não comunica justiça como dívida, mas no-la concede como dádiva” 151. Paulo passa a trabalhar com o significado de “creditar” usado pela primeira vez, mas que se repete cinco vezes do versículo três ao oito. Existem duas formas que são incompatíveis para se creditar algo em conta de alguém: como salário que é um crédito por direito, dívida ou obrigação a receber; ou, como presente que se aplica no contexto da justificação que é recebido sem o mínimo direito de pagamento152. Segundo

Barth,

trata-se

de

uma

ação

divina

inteiramente

livre,

desvinculada do homem e originária da vontade soberana, real e poderosa de Deus153. Se Deus for retribuir por obras realizadas pelo homem já não será mais o “Deus Criador, Senhor e Redentor, que pratica a misericórdia e atribui justiça”, mas um Deus pagador de dívidas, semelhante a um contratante ou empreiteiro154. Murray afirma que “a antítese não é simplesmente entre o trabalhador e a pessoa que não trabalha, e sim entre o trabalhador e a pessoa que não trabalha mas crê. Não se trata apenas de crer, mas crer com uma específica qualidade de direção – crer “naquele que justifica o ímpio”” 155. Esta afirmação mostra a magnitude e a abrangência da graça de Deus para com o pecador. Barth afirma que não há mérito algum sem Cristo e sua ressurreição e se Abraão tivesse que se gloriar teria de ser no sangue de Jesus. Argumenta que se Abraão pudesse se gloriar como homem seria unicamente do privilégio de ser na história da redenção “o primeiro marco que aponta a Jesus. É a primeira confirmação clara, precisa, definida, do “pequeno evangelho” a boa nova contida na declaração que Deus fez à antiga serpente: A semente da mulher ferirá a tua cabeça

150

POHL, Adolf. Op. cit., p. 80. CALVINO, João. Op. cit., p. 150-1. 152 STOTT, John. Op. cit., p. 144. 153 BARTH, Karl. Op. cit., p. 188. 154 Ibidem, p. 89. 155 MURRAY, John. Op. cit., p. 159-60. 151

34

– (Gên. 3,15)” 156. Barth, se precipita ao fazer a afirmação anterior, como se Abraão conhecesse a Jesus, pois o próprio apóstolo Paulo no capítulo 4 somente referencia Jesus nos versículos finais. O fato como Deus concede seu favor ao homem e a mulher é contrário a toda forma de pensar do ser humano. Jeremias afirma que “isto salta aos olhos, se consideramos quem é justificado, ou seja, o ímpio (Rm 4.5 – “Todavia, àquele que não trabalha, mas confia em Deus, que justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada como justiça”) que merece a morte porque é portador da maldição de Deus (Gl 3.10 - ). A salvação de Deus lhe é concedida“ a título gracioso” (Rm 4.4; 5.17), como um dom gratuito (Rm 3.24)” 157. A graça de Deus, diferente do que era propagado pela lei

judaica, aceita gentios e pecadores. Portanto Abraão foi justificado não porque tinha crédito com Deus, mas porque a fé demonstrada de que Deus pode justificar o ímpio foi suficiente para alcançar a graça do Senhor. O apóstolo utiliza mais uma citação do Antigo Testamento nos versículos seis a oito para reforçar a afirmação de que a justificação pela fé já estava inserida na antiga aliança158. Muda de Abraão para Davi, de Gn 15.6 – “Abraão creu no SENHOR, e isso lhe foi creditado como justiça” - para Sl 32.1-2 – “Como é feliz aquele que tem suas transgressões perdoadas e seus pecados apagados! Como é feliz aquele a quem o SENHOR não atribui culpa e em quem não há hipocrisia!” - e demonstra que entre os dois há uma concordância fundamental159. Davi era considerado pelos judeus digno de nota pelas suas obras. Calvino, entretanto, demonstra que Davi também confiava na graça de Deus para sua justificação. A justiça proveniente da fé é gratuita e independe de obras, pois Deus justifica os homens em razão de não lhes imputar seus pecados, diferente da crença dos judeus que para obter a justiça divina por meio do perdão dos pecados deve ser mediante as obras160.

156

BARTH, Karl. Op. cit., p. 192. JEREMIAS, Joaquim. A mensagem central do Novo Testamento. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2005, p. 74. 158 MURRAY, John. Op. cit., p. 160. 159 STOTT, John. Romanos. São Paulo: ABU editora, 2000, p. 145. 160 CALVINO, João. Ibidem, p. 152-3. 157

35

Segundo Stott, nos versículos seis a oito muda a linguagem do “crédito”, o que é creditado na conta não é a “fé como justiça”, mas a própria justiça, pois “ao invés de levar em conta os nossos pecados e voltá-los contra nós, Deus os perdoa e cobre” . Portanto, Deus recusa-se a creditar os pecados contra o pecador161. Calvino defende que o rei Davi está falando de sua própria experiência quando fora cobrado pela sua consciência. Um homem que havia servido a Deus por longos anos, de repente se vê na mesma posição daqueles que desobedecem a Deus e são colocados diante do tribunal de Deus, e declara que não há outro caminho para a bem-aventurança a não ser a busca da graça de Deus para que não sejam imputados os pecados162. Este exemplo demonstra que Davi recebeu gratuitamente o perdão e foi declarado “sem culpa” diante do tribunal de Deus163. Parece contraditória a afirmação, já citada nesta pesquisa, de que Abraão é um protótipo da justificação do ímpio, mas Käsemann argumenta de que pelos critérios do mundo judaico e grego, em hipótese alguma, Abraão poderia ser considerado justo. Aliado a isso, cita o Salmo 32.1-2 para demonstrar que “o perdão é concedido necessariamente somente àquele que não é piedoso no sentido usual, da justiça das obras, isto é, que é sem Deus. Por outro lado, a divindade de Deus se manifesta no fato de ele agir perdoando, isto é, de voltar-se para o ímpio”164. Bruce discorda da afirmação de que Abraão fosse considerado ímpio, mas o classifica como “homem de notável piedade e justiça”. Porém, argumenta que na justificação de Abraão as obras de justiça não foram consideradas e esse princípio é válido também para o ímpio, mas que a exemplo do publicano da parábola de Lc 18.9ss, foi justificado não por confiança em si mesmo, mas por confiar na graça de Deus. Parece contraditória esta afirmação de que Deus justifica o ímpio quando confrontada com textos do Antigo Testamento que afirmam que a absolvição do culpado é denunciada como ato de juízes injustos165. Entretanto a resposta se encontra em Rm 5.6 – “De fato, no devido tempo, quando ainda éramos fracos,

161

STOTT, John. Op. cit., p. 145-6. CALVINO, João. Op. cit., p. 153-4. 163 BRUCE, F.F. Romanos: introdução e comentário. São Paulo: Editora Vida Nova, 2004, 162

p. 91.

164 165

KÄSEMANN, Ernest. Op. cit., p. 140. BRUCE, F.F. Op. cit., p. 93-4. 36

Cristo morreu pelos ímpios” - que afirma que Cristo morreu pelos ímpios166. O que Davi define como não imputação e perdão de pecados, Paulo interpreta como imputação de justiça. A partir da citação da afirmação de Davi, o apóstolo considera a justificação como correlativa à remissão de pecados. A pessoa bem-aventurada não é aquela que tem as obras lançadas em sua conta, mas a que não tem lançada em sua conta os pecados cometidos 167. Murray afirma que não podemos definir toda a natureza da justificação na remissão de pecados, mas que a justificação, também, inclui a remissão de pecados. A remissão não define a justificação, porém esta envolve a remissão168. A intenção do autor é demonstrar que a bem-aventurança não é a recompensa proveniente de obras, mas sim a graça mediante a fé. A justiça não desloca o amor, e o amor não desloca a justiça 169. Stott utiliza o exemplo de Davi para referenciar a disputa do século XVI entre católicos e reformadores, já citado nesta pesquisa no referencial teórico, se Deus “infunde” (defesa da Igreja Católica) ou “imputa” (defesa dos reformadores) justiça, afirmando que os reformadores tinham razão em afirmar a justificação pela fé é um ato declarativo e não que torna o pecador justo, adquirido somente com o processo da santificação170. Segundo Barth, o homem considerado bem-aventurado pelo salmista é “aquele que nada é e que, no seu constante morrer, se renova de dia a dia”, sendo beneficiado pela imputação da justiça divina e da não imputação das transgressões cometidas. A exemplo de Calvino, entende que trata de experiência pessoal do salmista, citando o evento do assassinato de Urias, o reconhecimento do erro, o pedido de perdão por Davi sem tentativa de justificar-se pelos atos da vida pregressa e o sentimento de alívio e felicidade ao perceber o perdão de Deus171. Para Jeremias a justificação nada mais é do que o perdão pelo amor de Cristo172.

166

BRUCE, F.F. Op. cit., p. 100. MURRAY, John. Op. cit., p. 161. 168 Ibidem, p.162. 169 POHL, Adolf. Op. cit., p. 81. 170 STOTT, John. Op. cit., p. 146-7. 171 BARTH, Karl. Op. cit., p. 195-6. 172 JEREMIAS, Joaquim. Op. cit., p. 74. 167

37

3.3 A Justificação de Abraão não foi por meio de ritual externo - v. 9-12 Paulo introduz o versículo nove com uma nova pergunta, se a bemaventurança da justificação era somente para os circuncidados ou também se aplicava aos incircuncisos. Ele mesmo responde para argumentar contra o ensinamento dos rabinos de que era necessário circuncidar-se para depois alcançar a justificação. Segundo Stott, o período que separava os dois eventos era de pelo menos 14 anos e, segundo a tradição judaica, 29 anos173. Nestes versículos Paulo define a relação entre a circuncisão e a fé demonstrada por Abraão174. Paulo procura demonstrar nos versículos nove a doze que Deus vai tratar os incircuncisos da mesma forma que os circuncisos175. O exemplo da justificação de Abraão demonstra que a circuncisão serviu apenas como um sinal externo do estado de justo como dom de Deus. A circuncisão não lhe acrescentou nada176. Murray afirma que Paulo não considera a circuncisão como um mero rito secular ou sinal de identidade racial, mas que sua importância procedia de sua relação com a fé e com a justiça da fé, ou seja, simbolizou e selou a fé que Abraão possuía177. A comunidade judaica baseava-se em rituais como meio de justificação diante de Deus. Segundo a doutrina rabínica, no juízo final, Deus perdoará somente os circuncidados, e esse ensinamento paulino traria uma grande dificuldade para os leitores do apóstolo. Por isso ele pacientemente inicia uma nova fase de explicações178. Os hipócritas que se gloriam de obras também disfarçam por meio de sinais externos e, no caso dos judeus, a circuncisão era um deles, o qual simbolicamente iniciava o povo judeu na obediência à religião judaica e a Deus, ou seja, à obra da justiça da lei. A circuncisão era motivo de orgulho judaico por ser considerada base da justiça procedente da lei e, por isso, consideravam-se superiores aos demais povos179. Barth classifica a circuncisão como “acessório

173

STOTT, John. Op. cit., p. 148. MURRAY, John. Op. cit., p. 164. 175 SANDERS, E. P. Paulo, a lei e o povo judeu. São Paulo: Edições Paulinas, 1990, p. 54. 176 BRUCE, F.F. Op. cit., p. 94-5. 177 MURRAY, John. Op. cit., p. 164. 178 POHL, Adolf. Op. cit., p. 82. 179 CALVINO, João. Op. cit., p. 155-6. 174

38

visível” e “aparência do mundo religioso” 180. Um dos argumentos mais fortes utilizados pela Epístola aos Romanos da paternidade de Abraão de todos aqueles que crêem e da justificação pela fé, encontra-se nos versículos nove a doze. O período em que Abraão foi declarado justo pela sua fé na palavra de Deus, conforme descrito em Gênesis 15.6, correspondia a uma época bem anterior à sua circuncisão, ritual este muito defendido pelo judaísmo como requisito essencial para a salvação do ser humano. Segundo Käsemann, o apóstolo argumenta se a justiça de Abraão consiste na remissão de pecados e foi efetuada antes da circuncisão, então a remissão não pode ser obtida por méritos antecipados, ou seja, a causa sempre precede o efeito181. Com isso, deixa irrefutável a afirmação de que a circuncisão não foi prérequisito para a justificação de Abraão, mas somente um sinal de legitimação da justificação já efetuada182. Stott destaca que embora os eventos da justificação e circuncisão estivessem separados por um longo período não eram desvinculados um do outro. Mesmo que a circuncisão não fosse a base para a justificação o próprio Deus a chamou de “sinal da aliança” estabelecida com Abraão e que seria identificada como um selo para autenticá-lo juntamente com sua descendência como o povo justificado de Deus183. O argumento paulino destrói o que era considerado como um grande argumento dos judeus: “(...) são postos por terra os privilégios reinvidicados por Israel. A justiça de Deus não se limita ao âmbito da circuncisão, no qual, o próprio Abraão já entrou justificado e o qual não pode assegurar uma verdadeira fé”. Para o desespero dos judaizantes, Paulo afirma que a verdadeira circuncisão é aquela que se dá no coração, independente de ritual externo. “Com isso, na realidade, a promessa feita a Abraão vale agora somente para aquele grupo de circuncidados que se tornaram cristãos”184. Deus estava conduzindo Abraão para ser a figura de uma comunidade

180

BARTH, Karl. Op. cit., p. 199. CALVINO, João. Op. cit., p. 156. 182 KÄSEMANN, Ernest. Op. cit., p. 140-141. 183 STOTT, John. Op. cit., p. 148-9. 184 KÄSEMANN, Ernest. Op. cit., p. 141-44. 181

39

universal de salvação. Com a circuncisão estava apenas assegurando que já o havia escolhido e o retirado da vida gentia sem Deus para uma vida de comunhão com ele. Seguindo a vida cronológica do patriarca, a prioridade é dos gentios, pois primeiro ele foi justificado e depois circuncidado, sendo, portanto, antes pai da incircuncisão, depois da circuncisão185. Os judeus, por serem adeptos da circuncisão, não se faziam iguais ao “pai da nação judaica”, mas para receberem o mesmo tratamento que recebeu Abraão de Deus, deveriam ter a mesma fé que ele teve. Moody, conclui que se a fé e a justificação de Abraão ocorrem antes da circuncisão, ele é o pai dos gentios que crêem independentes de circuncisão. Porém, não exclui os judeus, ao afirmar que se a circuncisão é um sinal da justificação de Abraão, ele também é pai dos judeus circuncisos, os quais tiveram a mesma fé dele e receberam a circuncisão como um sinal e não pré-requisito para a justificação186. Entretanto o apóstolo não desmerece de tudo a circuncisão como se fosse supérflua, mas aponta outra utilidade a de selar e ratificar a justiça que Abraão já havia alcançado ainda incircunciso. Portanto, era apenas um sinal e em nada acrescentava ou diminuía em termos de justiça a Abraão187. Portanto, Abraão não é o pai espiritual exclusivo de quem tem “o sinal” externo, mas de todos que andam na mesma fé que ele teve antes de receber qualquer sinal externo, como ritual que supostamente Deus teria ordenado para mérito humano188. Paulo afirma que Deus é o Deus dos gentios tanto quanto dos judeus e justifica os incircuncisos e os circuncisos sobre a mesma base, a fé189. Calvino, diante desse exemplo, defende a manutenção de sacramentos como símbolos sagrados para testemunhar a graça de Deus, segundo ele, ainda que seja questionável por alguns: Esta é uma passagem mui notável no tocante aos benefícios gerais dos sacramentos. Segundo Paulo testifica, estes são selos pelos quais as promessas de Deus são de certa forma impressas em nossos corações, e a certeza da graça é confirmada. Embora eles,

185

POHL, Adolf. Op. cit., p. 82-3. MOODY. Op. cit., p. 21. 187 CALVINO, João. Op. cit., p. 156. 188 MOODY. Op. cit., p. 21. 189 SANDERS, E. P. Op. cit., p. 53. 186

40

inerentemente, são de nenhum proveito, todavia Deus os designou para que fossem instrumentos de sua graça, e pela graça secreta de seu Espírito promovem o bem dos 190 eleitos através de seus efeitos .

Calvino afirma que Abraão recebeu uma dupla graça, a reconciliação gratuita com Deus e, por analogia, aos seus descendentes espirituais. Moisés ordenou a circuncisão a todos os recém-nascidos e mencionou a circuncisão espiritual como uma obra divina (Dt 30.6 – “O SENHOR, o seu Deus, dará um coração fiel a vocês e aos seus descendentes para que o amem de todo o coração e de toda a alma e vivam”) e posteriormente os profetas explicaram essa idéia191. Segundo Calvino afirma que no caso de Abraão a justiça precedeu a circuncisão, mas nem sempre é assim nos casos do sacramento192. Calvino entra em contradição ao afirmar que a justificação não se dá por meio da lei ou rituais e depois equipara a circuncisão a um sacramento, sendo, portanto, necessário para salvação. Paulo demonstra aos seus oponentes que não tinham do que se orgulhar contra os gentios, pois se a circuncisão era um ato de selar a justiça procedente da fé ela é imputada a todos os que crêem como Abraão. Para os cristãos a circuncisão não é necessária, pois foi estabelecido outro sinal da graça de Deus, o batismo193. Berkhof afirma que os verdadeiros israelitas não são os descendentes naturais de Abraão, mas somente aqueles que partilham de sua fé, e que a eleição de Israel não visou sua separação como nação, mas à formação de um povo espiritual incluindo os povos vizinhos. Argumenta que desde os tempos antigos os prosélitos eram incorporados à religião judaica citando a oração dedicatória de Salomão (1Rs 8.41ss – “Quanto ao estrangeiro que não pertence a Israel, o teu povo, e que veio de uma terra distante por causa do teu nome – pois ouvirão acerca do teu grande nome, da tua mão poderosa e do teu braço forte – quando ele vier ...) e os profetas194. Segundo calvino, o versículo doze se refere aos descendentes físicos de

190

CALVINO, João. Op. cit., p. 157. Ibidem, p. 157-8. 192 Ibidem, p. 158. 193 Ibidem, p. 158-9 194 a BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação bíblica. 2 Edição, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 103. 191

41

Abraão “daqueles que não apenas circuncisos” que tinham apenas a circuncisão externa e que deveriam imitar a fé de Abraão que era a única forma de salvação. Porém, complementa, afirmando que Paulo estava distinguindo fé e sacramento, e demonstrando que não são excludentes e que a fé não é suficiente sem o sacramento195. Stott concorda com a comparação da circuncisão com o batismo, porém identifica o batismo sem a função de sacramento196. Barth defende que nenhum rito ou qualquer forma de religiosidade ou o fato de pertencer a uma religião é o fato preponderante para Deus, mas a fé e os frutos oriundos dela: O vocacionamento dos homens por Deus, precede aos contrastes [das situações humanas], entre a circuncisão e incircuncisão, a religiosidade e a irreligiosidade, entre o pertencer e o não pertencer a uma Igreja, e essa precedência se verifica, não raro, até cronologicamente. [Deus Chama o homem independente, e mesmo antes, de ele haver cumprido ou se submetido às formalidades religiosas (batismo, profissão de fé, etc.)]. A fé que encontramos em Abraão [e que lhe foi imputada por justiça] ainda não é religião nem fenômeno histórico espiritual da crença [ou da conversão]. A fé é o fator inicial [e a condição preparatória, preliminar] das manifestações [exteriores que tornam públicos os frutos da fé]; ela é a origem comum de todos eles, porém não é nem religiosa nem irreligiosa; nem santa, nem profana, contudo é sempre ambas essas coisas, tem as duas 197 posições, simultaneamente .

A justificação de Abraão se deu pelo que é invisível, sua fé que emana de Deus nada tem a ver com o que procede do mundo ou que nele se faz, nem com a religião. A bem-aventurança vem pela fé e não pela crença e nem pela ortodoxia. Somente a fé é imputada por justiça por Deus tanto ao piedoso como ao ímpio. Barth, porém, não exclui a igreja da vida do cristão, mas afirma que é, ou deve ser um sinal de testemunho da graça de Deus; e caso isso não ocorra perderá o seu objetivo. Descreve a igreja e a religião como “sinetes e símbolos” que apontam para a efetivação do pacto entre Deus e os homens198. O exemplo de Abraão, uma vez que não foi justificado por obras meritórias, nem por rituais externos, faz dele o protótipo da fé do verdadeiro cristianismo, uma fé não baseada em ritualismo e religiosidade199. Sendo, portanto, pai de todos os

195

CALVINO, João. Op. cit., p. 159. STOTT, John. Op. cit., p. 149. 197 BARTH, Karl. Op. cit., p. 200. 198 Ibidem, p. 200-1. 199 KÄSEMANN, Ernest. Op. cit., p. 139. 196

42

crentes, circuncidados ou não200. Estes versículos demonstram que a justificação de Abraão foi unicamente pela fé e que o mundo religioso é transitório, temporal e finito. Faz o cristão atual refletir se não está incorrendo no mesmo erro dos judeus que Paulo advertiu, colocando a religião e os dogmas aprendidos acima da própria justificação e salvação.

3.4 A justificação de Abraão não foi por meio da lei – v.13-16 O interesse fundamental nesta perícope é o mesmo da anterior, porém entra em cena um novo elemento no versículo treze, a antítese entre a lei e a promessa. A lei mosaica, estabelecida 430 anos depois da promessa não a anulou ou suspendeu, continuava válida e em pleno vigor201. Abraão ocupa um lugar de evidência na história da salvação, superior a Adão e ao próprio profeta Moisés, representante da lei e da antiga aliança, quando é apontado como anterior à lei e como, pela promessa, aponta para a nova aliança: “Ele pertence à Antiga Aliança, mas (à diferença de Moisés) não assinala a antítese ao anúncio do evangelho, mas o lugar a partir do qual a Antiga Aliança, ultrapassando a si mesma, aponta para a Nova, isto é, para a promessa”202. Novamente o ensino apostólico entra em conflito com a doutrina de redenção sinagogal judaica quando cita “pela fé, sem lei”, frase esta que não pode ser compreendida num contexto judaico, pois para eles o cumprimento concreto da lei constitui o homem justo diante de Deus. O cumprimento da lei, segundo o ensinamento judaico, garante ao judeu um tesouro para a absolvição no dia do julgamento. Segundo a crença judaica, a posse da lei é exclusiva dos israelitas e única garantia da justificação, sendo portanto, um privilégio daquela nação203. Os judeus não conheciam outra forma de salvação a não ser pela lei, este era o cerne da doutrina judaica. Paulo não nega o privilégio especial dos judeus por serem receptores da dádiva da lei (Rm 9.4), mas demonstra a ineficiência absoluta

200

STOTT, John. Op. cit., p. 149. MURRAY, John. Op. cit., p. 167. 202 KÄSEMANN, Ernest. Op. cit., p. 133. 203 RIDDERBOS, Herman. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o pensamento do apóstolo dos gentios. Editora Cultura Cristã, 2004, p. 191-2. 201

43

da lei como meio de salvação que serve apenas como sombra para a eficácia redentora da morte e ressurreição de Cristo. Ninguém melhor do que Paulo para testemunhar esta superioridade de Cristo, pois anteriormente ele também havia atribuído o mais alto valor às obras da lei, mas na ocasião da conversão um fardo pesado caiu de seus ombros204. Segundo Käsemann, a justificação pela fé não limita a salvação a um determinado grupo de pessoas com tradições legais exclusivistas, mas trata com o mundo todo e não somente para pessoas piedosas, ampliando o conceito que era disseminado pela tradição rabínica205. A justificação de Abraão não serviu para um fim em si próprio, mas apontava para frente, o futuro longínquo, independente do estabelecimento da lei. Para Pohl, o judaísmo fazia esta conexão com o futuro, porém com base na lei: “Também o judaísmo tocava, em conexão com Abraão, na dimensão do futuro, ao falar dele como sendo o ‘herdeiro do mundo’ (cf v 13). Ocasião e garantia dessas promessas grandiosas de Deus teriam sido sua impecável obediência à lei”206. A justiça pela lei tem como base o que o homem tem e é, não o que recebe como justiça de Deus207. Os judeus se apropriaram da lei e colocaram sua confiança absoluta nela em vez de apoiarem-se em Deus; orgulhavam-se por possuírem a lei como povo de Deus, servindo de empecilho para alcançar o verdadeiro objetivo da lei. O zelo demasiado fazia com que eles confiassem em suas próprias obras e impedia que eles alcançassem a justificação para qual a lei aponta208. Paulo precisava reverter essa visão em prol do seu argumento em relação à justificação pela fé. Por isso questiona como seria se a promessa feita ao patriarca dependesse do cumprimento de prescrições legais. O apóstolo afirma que seria anulada a fé e a promessa cancelada, e o que seria evidenciado, seria de que o ser humano estaria entregue à culpa por causa do pecado. A promessa só pode ser eficaz se for baseada incondicionalmente na ordem da graça, por meio da fé209. A lei

204

RIDDERBOS, Herman. Op. cit., p. 142-5. KÄSEMANN, Ernest. Op. cit., p. 144. 206 POHL, Adolf. Op. cit., p. 84. 207 RIDDERBOS, Herman. Op. cit., p. 189. 208 RIDDERBOS, Herman. Op. cit., p. 147-8. 209 POHL, Adolf. Op. cit., p. 84. 205

44

produz a ira quando violada e não conhece a graça, enquanto que a promessa é a garantia da outorga da graça, portanto a promessa não foi por intermédio da lei210. A ênfase exclusiva na fé contrastada com as obras da fé tem um significado negativo à medida que a justificação é baseada naquilo que o homem é ou realiza. Mas o apóstolo demonstra que o homem é justificado com base no que não possui, porém pode receber por meio da fé. Contrasta o que é absolutamente receptivo e dependente com o que é produtivo211. Para Sanders, a questão da alegação de Paulo se os herdeiros de Abraão são os da lei, não tem sentido a fé, demonstra “que a negação da lei como meio para a justificação é dirigida contra a condição privilegiada, não contra o orgulhar-se das ações meritórias” 212. Sanders é um dos defensores da chamada "nova perspectiva" sobre Paulo e a lei de Moisés, em que é descartada a interpretação tradicional de que Paulo e o Novo Testamento nos apresentam o judaísmo daquele período como uma religião legalista. Conseqüentemente, surgiram várias novas interpretações para explicar a polêmica de Paulo contra a lei. A abordagem sociológica de Dunn é a que tem sido mais aceita: Paulo combate as obras da lei não porque expressam legalismo, mas porque "obras da lei" para Paulo se referem aos emblemas característicos do judaísmo (leis dietárias, sábado, e circuncisão), os quais enfatizam a separação entre judeus e gentios que Cristo aboliu213. Sanders, como também Dunn, defende que a justificação ocupa espaço na teologia paulina como tema secundário e que deve ser reavaliado214, afirmando que “não há nenhuma indicação de que Paulo tenha pensado que a lei falhara porque a sua observância levaria à atitude errônea ou de que a sua oposição à vanglória explique sua afirmação de que a justificação não é pela lei”. Enfatiza que o contexto anterior e posterior do capítulo quatro afirmam que todos pecam e conclui que o que está por trás da “objeção de Paulo à justificação pela lei nesta secção é o fato

210

MURRAY, John. Op. cit., p. 168. RIDDERBOS, Herman. Op. cit., p. -3. 212 SANDERS, E. P. Op. cit., p. 55. 213 STUHLMACHER, Peter. Lei e graça em Paulo: uma reafirmação da doutrina da justificação. São Paulo: Vida Nova, 2002, p. 8-9. 214 Ibidem, p. 9-12. 211

45

universal da transgressão” 215. Sanders continua seu argumento afirmando que as afirmações paulinas da iniqüidade universal são notavelmente inconsistentes, alegando que o capítulo dois não combina com o capítulo cinco, pois aquele diz que a mesma lei julga a todos, enquanto que este diz que, durante o período de Adão a Moisés, o pecado levou à morte mesmo sem a lei. “A transgressão levou à condenação mesmo entre Adão e Moisés (5.14-18)”. Acusando a argumentação de Paulo de inconsistente, defende a tese de que a dificuldade de praticar a lei não é o fundamento para a justificação pela fé216. Segundo Dunn, a justificação pela fé é um tema considerado importante tanto para católicos como para protestantes, porém esta ênfase trouxe conseqüências negativas como o antijudaísmo. Afirma que “como Lutero havia rejeitado uma igreja medieval que oferecia a salvação por mérito e as boas obras, a mesma coisa era verdadeira, assim se supunha, para Paulo em relação ao judaísmo do seu tempo”217. Para Moody, a escolha do legalismo como base para conquistar a herança do mundo e agradar a Deus “significa abandonar a fé e a promessa que nela se baseia”218. Pohl reforça que a graça de Deus é dada sem lei e uma experiência caracterizada pela alegria que causa: “pois, para recebê-la, não existe, por parte do receptor, nem pressuposto, nem preparo, nem expectativa. Ela sobrevém como presente puro. Ela jorra surpreendentemente do mundo de Deus sobre nós, como Criação do alto (v 17)”219. Para Käsemann, não é a lei de Moisés o fundamento para interpretar a justificação de Abraão, o que tornaria Deus exclusivo para a nação israelita, contrariando, assim, a promessa de que em Abraão seriam benditas todas as nações da terra220. O apóstolo contesta a doutrina do judaísmo que afirmava ser Abraão é o pai de todos os judeus e prosélitos, e inverte seu sentido ao afirmar ter Abraão se tornado participante da aliança de Deus antes da lei, sendo portanto, o

215

SANDERS, E. P. Op. cit., p. 56. Ibidem, p. 56-7. 217 DUNN, James D. G. Op. cit., p. 389. 218 MOODY. Op. cit. p. 22. 219 POHL, Adolf. Op. cit., p. 84 220 KÄSEMANN, Ernest. Op. cit., p. 144. 216

46

pai de todos os que crêem, independente da lei221. Não quer dizer com isso que Paulo havia rompido com os apóstolos judeucristãos, mas mesmo não havendo consenso pleno, jamais rompeu com eles. O evangelho de Cristo, para eles, era mais importante do que “questões particulares de soteriologia e ética”. Porém Paulo entendeu que o chamado de Deus para sua vida era, em especial, aos gentios222, conhecidos como “os sem lei”, mas justificados por meio de Cristo Jesus. Moody argumenta bem ao dizer que a promessa é baseada na fé para que seja entendido que ela é dada como um favor e não como uma retribuição de algo que Abraão tenha feito, além de ser para toda sua descendência e sem exigência, a não ser a mesma fé exemplar de Abraão223. Paulo faz uma releitura dos textos do Antigo Testamento e, ao contrário do que se propagava, apresenta argumentos para a renúncia a todas possibilidades humanas de justificação e a busca da intervenção redentora de Deus224. Fica claro que a justificação de Abraão não tinha nada a ver com a lei e que Deus justifica judeus e gentios sobre a mesma base, a fé, independe da obediência à lei, nem a promessa se restringe aos que são “da lei” 225. O conteúdo histórico-redentor da doutrina de Paulo demonstra que a única base para a justificação é a morte e ressurreição de Cristo, sendo que Jesus é o fim da lei para justificação de todo aquele que crê (Rm 10.4). Com isso, é possível compreender nossa insuficiência, culpa e dependência da graça de Deus226. Os judeus deveriam ter deixado de procurar estabelecer a sua própria justiça pela prática da lei porque por ela ninguém será justificado, visto que todos, judeus e gentios, estão debaixo do pecado. Antes, eles deveriam ter se submetido à justiça de Deus crendo em Cristo. Cristo, sim, realizou aquilo que é impossível aos homens, para obter-lhes a justiça, a qual ele lhes oferece gratuitamente pela fé, à parte das obras da lei. Os judeus deveriam, portanto, ter compreendido que Cristo,

221

Ibidem, p. 141. STUHLMACHER, Peter. Op. cit., p. 80. 223 MOODY. Comentário bíblico Moody: Romanos à Apocalipse. São Paulo: Editora Batista Regular, 2001, vol. 5., p. 22. 224 RIDDERBOS, Herman. Op. cit., p. 193. 225 SANDERS, E. P. Op. cit., p. 55. 226 RIDDERBOS, Herman. Op. cit., p. 194-5. 222

47

para aquele que crê, põe um fim a esta maneira errônea de buscar a justiça pelas obras da lei. Conforme já parcialmente mencionado, Paulo não está afirmando que a lei foi abolida, nem que Cristo é o alvo da lei, nem que a exclusividade da lei foi posta de lado. Ele está tratando, a partir da perspectiva da experiência dos crentes, do problema do legalismo dos judeus: Cristo, para o crente, é o fim do legalismo.

48

4. O EXEMPLO DE ABRAÃO DEMONSTRA QUE A JUSTIFICAÇÃO É PARA TODOS E SOMENTE POR MEIO DE CRISTO - V. 17-25 Paulo preparou todas as explicações anteriores para chegar a esse ponto, demonstrar que a justificação de Abraão está relacionada com Jesus e com sua obra na cruz, a qual é meritória e capaz de justificar todo aquele que crê. A afirmação da justificação de Abraão em Gênesis 15.6 deve ser aplicada ao presente, pois a intenção e a base de justificação continua a mesma227. Entretanto Käsemann faz uma afirmação polêmica para o cristianismo, pois diferente do que geralmente se ouve ou se escreve no meio cristão, argumenta que seria absurdo afirmarmos que a justificação é possível somente após a morte de Cristo: A escolha do patriarca como exemplo e protótipo seria absurda, se devêssemos limitar a possibilidade da justiça de Deus ao tempo posterior à crucificação de Cristo. Simultaneamente, o apelo, característico do Apóstolo, ao Antigo Testamento perderia todo o significado teológico positivo, de modo que, a exemplo de Marcião, seria necessário tirar 228 as conseqüências em relação ao cânon .

Argumenta, ainda, que Paulo não considera como necessário uma continuidade cronológica da história da salvação por meio de uma transição de Israel, como filhos de Abraão, segundo a carne, para o cristianismo. Portanto, não separou a fé da história universal: Paulo não atesta uma continuidade perceptível e humanamente ininterrupta entre Abraão e Cristo, que se possa enquadrar na fórmula teológica de promessa e cumprimento. Finalmente não passa de um postulado dizer que Abraão teve de acreditar por causa da ratificação escatológica da promessa. Neste caso ele perderia a historicidade e ficaria reduzido a um número enigmático em um plano de salvação reconstruído por gnósticos. Deve-se ter por certo, de ambos os lados, que o Apóstolo não separou a fé da história universal. Mas seria um grosseiro mal-entendido, de um lado, atomizar as decisões da fé e eliminar, mediante uma amputação teológica, o problema de Israel, em torno do qual Paulo lutou tão duramente, e, de outro, definir a fé como um confiar por princípio na 229 história, considerando a história como fundamento elementar da fé.

Esta

227 228

136.

229

afirmação

de

Käsemann

torna

desafiante

e

motivadora

o

SANDERS, E. P. Paulo, a lei e o povo judeu. São Paulo: Edições Paulinas, 1990, p. 55. a KASEMANN, Ernest. Perspectivas paulinas. 2 edição. São Paulo: Teológica, 2003, p. Ibidem, p.144. 49

desenvolvimento desta pesquisa.

4.1 A Justificação é para todos - v. 17-22a Nas seções anteriores, ainda que de forma secundária, foi abordado este tema, principalmente quando foi afirmado que a justificação pela fé não está baseada em ritos externos como a circuncisão, ou na obediência a preceitos da lei mosaica. Nessas seções, por algumas vezes, foi demonstrado nas afirmações de que Abraão foi justificado antes de ser circuncidado e antes da lei o torna pai de todos os que crêem, independente de nacionalidade ou religião. Porém é a partir do versículo dezessete que é dada uma ênfase maior neste tema. Käsemann afirma que o apóstolo Paulo em defesa da doutrina da justificação pela fé, faz oposição à tradição judaica atacando o ponto central da defesa do judaísmo, onde julgavam ser invencíveis, que coloca Abraão como o pai de todos os judeus. O apóstolo atribui a Abraão o título de pai da fé de todo aquele que crê em Cristo e não somente e exclusivamente de uma nação. Afirma que este é o cerne da teologia paulina230. “É a fé em Jesus Cristo, que é acessível a todos, que exclui o vangloriar-se de condição privilegiada” 231. Outro argumento, considerado forte, utilizado pelo judaísmo em defesa de sua fé, era o “direito” exclusivo de interpretação da escritura. Porém, com o argumento paulino, fica clara a liberdade real do cristão sobre a escritura, bem como em relação ao patriarca232. Pois no versículo dezessete novamente ele recorre às Escrituras – “como está escrito” – para confirmar sua argumentação de que Abraão é pai de todos os que crêem, sem discriminação233, de todas as nações, como herdeiros da promessa feita a Abraão. Quando Paulo cita que Deus faz viver os mortos, Pohl recorre a Hb 11.19 e relembra o acontecimento de Moriá. Deus ordenando o sacrifício de Isaque e Abraão obedecendo mesmo sabendo que nele havia sido feita a promessa de posteridade. Esta compreensão e crença de Abraão de que Deus era poderoso para fazer reviver

230

Ibidem, p. 132. SANDERS, E. P. Op. cit., p. 53. 232 Ibidem, p. 132-3. 233 MURRAY, John. Romanos: comentário bíblico fiel. São Paulo: Editora Fiel, 2003, p. 231

172. 50

o seu filho que é importantíssima para fazer uma conexão de sua fé com a do cristianismo234. “Essa fé é definida em sua forma presente que veio com Cristo, como fé naquele que ressuscitou Jesus Cristo, dentro os mortos”235. Bruce quando se refere à expressão “o Deus que vivifica os mortos”, diferente de Pohl, afirma que se trata de “uma designação geral de Deus na devoção judaica”, mas que é utilizada neste versículo por Paulo para se referir ao próprio corpo de Abraão e Sara, já amortecidos biologicamente236. Diferente de Murray que afirma ser esta frase utilizada como referência a fé de Abraão no poder de Deus para dar vida, mesmo aos mortos237. Bruce afirma que a expressão “e chama à existência as coisas que não existem”, refere-se às muitas nações que descenderam de Abraão e ainda não existiam238, enquanto Murray informa que existem várias interpretações, mas o importante é ressaltar que Abraão tinha tanta certeza de que a promessa de Deus ia ser cumprida, que se considerava como se já havia sido concretizada e descansou em Deus239. Entretanto Abraão e Sara não possuíam condições humanas para o cumprimento da promessa, por isso a expressão “esperando contra a esperança”. A fé de Abraão levou em conta a onipotência e a fidelidade de Deus240. O apóstolo Paulo ao escrever que Abraão não fraquejou na fé, não quer dizer que ele jamais sentiu fraqueza, mas que a superou, ao afirmar que embora levasse em conta seu próprio corpo amortecido, pois tanto ele como sua esposa eram fisicamente incapazes de gerar filhos, a credibilidade em Deus continuou sendo a realidade prioritária para ele241. Ao contrário, Abraão se fortaleceu na fé ou confiança242. Não deixou que esses fatos avolumassem em seus pensamentos a ponto de abalar sua fé na promessa de Deus243. Com esta atitude Abraão glorificou

234

POHL, Adolf. Carta aos romanos. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1999, p. 86. RIDDERBOS, Herman. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o pensamento do apóstolo dos gentios. Editora Cultura Cristã, 2004, p. 193. 236 BRUCE, F.F. Romanos: introdução e comentário. São Paulo: Editora Vida Nova, 2004, p. 96. 237 MURRAY, John. Op. cit., p. 172. 238 BRUCE, F.F. Op. cit., p. 96. 239 MURRAY, John. Op. cit., p. 172-3. 240 Ibidem, p.173-4. 241 POHL, Adolf. Op. cit., p. 86-7. 242 MOODY. Op. cit., p. 23. 243 MURRAY, John. Op. cit., p. 176. 235

51

a Deus244. Paulo diz que Abraão estava convencido de que o Deus que havia prometido a ele uma descendência era poderoso para cumprir. Moody observa que o verbo ”prometer” está no perfeito, significando que Abraão estava na posse da promessa, “tão grande era sua convicção de que a promessa se realizaria. E este era o tipo de fé creditado a Abraão como justiça” 245. Käsemann argumenta que Paulo não considera como necessário uma continuidade cronológica da história da salvação por meio de uma transição de Israel, como filhos de Abraão, segundo a carne para o cristianismo: “Paulo não atesta uma continuidade perceptível e humanamente ininterrupta entre Abraão e Cristo, que se possa enquadrar na fórmula teológica de promessa e cumprimento”246. Portanto, não separou a fé da história universal. A afirmação de Käsemann parece lógica e real, a salvação não originou da nação de Israel, pois a promessa física foi da formação de um povo e a espiritual, que inclui a justificação e salvação, foi feita a todos os povos.

4.2 A justificação é possível somente por meio de Cristo – v. 22b-25 Nos últimos versículos do capítulo finalmente é revelado definitivamente o público alvo de tudo o que foi escrito sobre o patriarca Abraão: a comunidade cristã247. Estes versículos finais destacam a fé exercida por Abraão e seu alcance. De acordo com o exemplo de Abraão explicitado por Paulo, todos os que crerem como ele serão igualmente justificados pela fé248. Bruce afirma que o versículo 25 provavelmente tenha se originado de uma confissão de fé primitiva e que o verbo “entregar-se” (paradidomi/paradidomi) ocorre duas vezes no capítulo 53 de Isaías, podendo indicar que a linguagem usada por Paulo foi baseada neste texto do profeta249. Segundo Pohl, não existe somente uma concordância entre os cristãos e o

244

RIDDERBOS, Herman. Op. cit., p. 193. MOODY. Op. cit., p. 22. 246 Ibidem, p. 144. 247 MOODY. Op. cit., p. 88. 248 MURRAY, John. Op. cit., p. 179. 249 BRUCE, F.F. Op. cit., p. 96. 245

52

patriarca, pois ambos crêem naquele que tem poder para ressuscitar mortos250. O apóstolo aproveita para enfatizar que Deus não somente ressuscitou o Senhor Jesus, mas que o motivo pelo qual ele foi ressuscitado, a nossa justificação, a saber, de todos que crêem nele e na sua ressurreição, circuncidados ou não. Stuhlmacher

concorda

com

a

afirmação

de

Käsemann

citada

anteriormente, afirmando, também, que Abraão é um protótipo da fé cristã que crê no Deus que ressuscitou Jesus dentre os mortos e cita a Epístola de Romanos 4.2325 como argumentação251. Porém fica evidente que as circunstâncias da fé

cristã não poderão ser idênticas às de Abraão, pois o contexto é outro. O objeto da fé cristã é explicitado pelo apóstolo, a fé naquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos. Paulo faz a relação com a fé de Abraão ao afirmar que ele cria no Deus que tinha poder para vivificar mortos252. Porém Moody, como também Stott253 diferenciam a fé de Abraão da fé do cristão atual, pois ele confiou sem um exemplo ou um acontecimento anterior semelhante para comprovar o poder de Deus, diferente dos que vivem depois da morte e ressurreição de Jesus, portanto, depois do fato consumado254. Portanto, para o cristão atual é mais razoável crer do que foi para Abraão255. Segundo Stuhlmacher: “de acordo com Paulo, Israel foi eleito para justificação por intermédio de Jesus, o Cristo, já em Abraão”256. Nele e por meio dele, Deus efetuou a justificação tanto de Judeus como gentios. Continua afirmando que a salvação por meio de Jesus é historicamente anterior à fé: “Cristologicamente, Paulo sustenta que a obra divina da salvação em Cristo e por meio dele é historicamente anterior à fé que as pessoas depositam em Jesus Cristo. Antes mesmo que os pecadores pudessem imaginar, Deus já havia feito expiação por eles e havia feito de Cristo a garantia de sua justificação ( cf. Rm 4.25; 5.6-8)” 257.

250

POHL, Adolf. Op. cit., p. 88. STUHLMACHER, Peter. Op. cit., p. 80. 252 MURRAY, John. Op. cit., p. 179. 253 STOTT, John. Romanos. São Paulo: ABU editora, 2000, p. 154. 254 MOODY. Op. cit., p. 22. 255 STOTT, John. Op. cit., p. 158. 256 MOODY. Op. cit., p. 37. 257 Ibidem, p. 76. 251

53

Contesta, portanto, a afirmação de Käsemann citada na introdução deste capítulo de que seria absurdo afirmarmos que a justificação é possível somente após a morte de Cristo. Entretanto, Ridderbos afirma que a base para absolvição no julgamento divino é a morte de Cristo. Segundo ele, até Cristo Deus não havia dado o castigo devido pelos pecados de todas gerações anteriores, portanto reteve seu julgamento, mas fez de Cristo o meio de propiciação mediante sua morte, após ter ajuntado os pecados do mundo e lançado sobre Cristo e por meio de sua ressurreição ocorreu a justificação da humanidade, a saber, dos que crêem em Jesus Cristo e sua ressurreição258. Na morte de Cristo Deus demonstra o julgamento justo e na sua ressurreição a prova de sua justiça. A idéia legal de um ambiente forense é demonstrada no fato de Cristo ao sofrer a morte de cruz tornou-se maldição em nosso lugar, ele que sem pecado, foi feito pecado por nós, para que nele fossemos feitos justiça de Deus. Aqueles que estão em Cristo pela fé são absolvidos no julgamento de Deus259. Cristo morreu pela humanidade não como um estranho, mas como Filho de Deus que encarnou em forma humana com o propósito de morrer em lugar do ser humano para que este pudesse receber a justiça de Deus pelo seu sacrifício. É, portanto, o antítipo do primeiro Adão pelo seu ato de justiça pela obediência de entrega de si mesmo à morte para revelar o julgamento justo e justificador de Deus no sentido escatológico da palavra, tornando todos uma unidade corporativa com ele260. Murray apresenta duas alternativas para interpretar o versículo 25. A primeira afirma que em relação à morte e ressurreição de Cristo, a nossa justificação foi concretizada antes mesmo da ressurreição, e esta é conseqüência da justificação, que precisa ser compreendida como equivalente à reconciliação e a propiciação, consumada de uma vez por todas. A segunda que a morte para fazer a expiação de nossos pecados e a sua ressurreição para nossa justificação. Porém conclui a questão dizendo ser mais apropriado considerar os dois fatos como

258

RIDDERBOS, Herman. Op. cit., p. 187-8. RIDDERBOS, Herman. Op. cit., p. 189. 260 RIDDERBOS, Herman. Op. cit., p. 191. 259

54

inseparáveis da obra da redenção, tanto a morte como a ressurreição261.

Ressalta que o apóstolo, neste contexto, enfatiza as ações de Deus Pai, pois o versículo 24 afirma que a justificação se dá pela fé naquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos, que lança em nossa conta a justiça conquistada por Cristo pela sua morte e ressurreição262. O mesmo Deus que creditou fé a Abraão como justiça creditará a todos que crerem no Deus que ressuscitou a Cristo dentre os mortos263.

261

MURRAY, John. Op. cit., p. 181. Ibidem, p.182-3. 263 STOTT, John. Op. cit., p. 156. 262

55

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os argumentos apresentados nesta pesquisa demonstram que o pensamento paulino teve uma evolução através do tempo e que foi influenciado por literaturas anteriores e a medida em que novas situações históricas são enfrentadas são

desenvolvidas

novas

afirmações

em

resposta

e,

conseqüentemente,

sistematizando a sua doutrina. A composição da igreja em Roma também foi outro fator importante apontado, pois ficou demonstrado que a igreja era composta em sua maioria por gentios, mas que tinham uma certa influência dos judeu-cristãos que traziam para o meio cristão algumas crenças do judaísmo e tentavam impor também aos demais membros da igreja. Ficou demonstrado que Abraão é uma figura bem adequada para a explicação paulina da doutrina da justificação pela fé, pois por meio de seu exemplo Paulo provou que a justificação não se dá por obras meritórias, rituais religiosos, pela própria religião, pela imposição de regras, mas unicamente pela fé no Deus que ressuscitou Jesus e crê que a obra de Cristo é suficiente para justificar o ímpio diante de Deus. Inicialmente a figura de Abraão, considerado como o pai da nação judaica, foi usada para combater o ensinamento judaico de que o homem poderia se justificar diante de Deus por obras meritórias. Se tivesse alguém que pudesse ser justificado por obras, Abraão o seria, com toda certeza. Mas o apóstolo contrapõe a justificação pelas obras citando o livro de Gênesis (15.6) que afirma ter sido Abraão justificado pela fé, e não pelas obras. Assim Abraão recebeu o favor de Deus, e não recebeu um salário devido por serviço prestado ao Senhor. Com estas argumentações sobre a figura de Abraão, Paulo demonstra que a justificação não se dá por meio de obras meritórias do ser humano por mais significativas que possam parecer, mas pela fé no Deus que tem poder para perdoar pecados, sendo que nisso que se constitui a verdadeira felicidade conforme exemplo citado de Davi. A argumentação apresentada nesta pesquisa demonstra que Abraão não foi considerado justo diante de Deus por obras meritórias, ou seja, por ter realizado 56

algo que o fizesse merecedor de tal justificação, pois não há obra humana que possa o justificar ou que seja motivo de se gloriar diante de Deus. O exemplo de Abraão serve para os dias atuais, pois o ser humano não pode confiar em suas próprias obras, mas deve estar ciente que é justificado pela graça de Deus, mediante a confiança nas promessas de Deus. Se houver confiança incondicional na palavra de Deus, as promessas divinas se concretizarão e o que parece impossível, Deus poderá tornar realidade. Paulo retorna à figura de Abraão para demonstrar que a justificação não se dá por meio de rituais religiosos, para isso, prova que não há relação entre a circuncisão, que é um ritual religioso, com a justificação pelo fato de que o patriarca foi justificado pela fé, muito antes de ter se circuncidado. Sendo esse ritual uma conseqüência, selo da fé, e não causa da justificação. Da mesma forma o cristão atual também não pode depositar sua confiança na sua denominação, no líder da igreja, ou em rituais criados pelo homem, mas unicamente na fé em Jesus Cristo e na sua ressurreição. É necessário ter uma transformação de vida, ter o coração “circuncidado“, ou melhor, mudança interior e não exterior. O salvo não está sob a lei religiosa de Israel, que apontava para o Messias, e que foi cumprida em Cristo, e não o prende sob nenhuma de suas ordenanças cerimoniais, uma vez que está sob a graça do evangelho de Cristo. Em seguida, a figura de Abraão é utilizada para demonstrar que a justificação não se dá pela lei, pois ela havia recebido as promessas de Deus antes que houvesse uma nação Judaica e a lei mosaica. Portanto, estas promessas não dependem da lei, mas da fé, de crer em Deus. O pai dos judeus foi justificado pela fé. Como, então, os gentios seriam justificados? Pela lei? Não! Eles também podem ser salvos pela fé. O problema do legalismo não foi só do judeu no passado, mas está sempre presente como uma tentação para os cristãos atuais. É comum hoje encontrar crentes legalistas que não se dão conta da incoerência de suas posições, confiam em Cristo como Salvador, mas sentem que precisam fazer algo para merecer a sua salvação. Pastores se debatem contra o legalismo evangélico de suas ovelhas, parece que a doutrina legalista do romanismo, entre outras, ainda influencia a vida de fé dos convertidos. Problemas de depressão espiritual têm, por vezes, como raiz uma apreensão defeituosa e distorcida da justificação pela fé. Ademais, na 57

evangelização do povo brasileiro é imprescindível focalizar que Cristo põe fim à tendência humana de pensar que se pode "comprar" com obras a eterna salvação. Na parte final do capítulo, a figura de Abraão comprova que a doutrina da justificação pela fé garante a salvação para todos os que crêem, indistintamente, e aponta para o ápice da salvação da humanidade, Jesus Cristo. Nessa altura, a explicação paulina da justificação deixa clara a ligação do exemplo de Abraão com a obra salvadora de Cristo. Todos os que crerem como Abraão serão igualmente justificados pela fé no poder de justificação da morte e ressurreição de Cristo que liberta o ser humano do poder do pecado. Portanto, a doutrina da justificação pela fé não deixa dúvida que o único meio de salvação é a confiança na obra de Cristo, aceita por Deus, e outorgada a todo que nele crê. Enfim, o exemplo de Abraão utilizado por Paulo esclarece aos cristãos em Roma de sua época a dúvida que havia surgido no meio da igreja por meio do ensino dos legalistas de origem judaica que pretendiam levá-los a ter uma vida de religiosidade e confiança nas suas obras meritórias. Deixa claro que a salvação é somente pela fé em Jesus Cristo, e não numa religião, não em uma nacionalidade, nem em qualquer obra do homem. O apóstolo Paulo utiliza o exemplo de Abraão para demonstrar que nem mesmo ele, personagem muito respeitado pelos judeus, foi justificado pelas suas obras, e de forma didática demonstra que a fé em Cristo e em sua obra é o único meio de justificação do ímpio e de livramento da ira futura de Deus.

58

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E CONSULTADAS

BARTH, Karl. Carta aos Romanos: Tradução e comentários Lindolfo K. Anders. São Paulo: Novo Século, 2003. BERKHOF, Louis. Principios de Interpretação bíblica. 2a Edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. BIBLIA. Português. Bíblia Sagrada: nova versão internacional. Tradução: comissão de tradução da Sociedade Bíblica Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2000. BRUCE, F.F. Romanos: introdução e comentário. São Paulo: Editora Vida Nova, 2004. CABRAL, Elienai. Romanos: o evangelho da justiça de Deus. 7a edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. CALVINO, João. Romanos. 2a Edição. São Paulo: Edições Parakletos, 2001. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado: versículo por versículo. V.3. 10a Edição. São Paulo: Candeia, 1995. DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003. FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica: introdução ao Texto Massorético. São Paulo: Edições Vida Nova, 2003. GOPPELT, Leonard. Teologia do Novo Testamento. 3a Edição. São Paulo: Teológica, 2003. GUSSO, Antônio Renato. Como entender a Bíblia? Curitiba: Editora A. D. Santos, 1998. JEREMIAS, Joaquim. A mensagem central do Novo Testamento. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2005 KASEMANN, Ernest. Perspectivas paulinas. 2a edição. São Paulo: Teológica, 2003. KIRST, Nelson et all. Dicionário hebraico-português & aramaico-português. São Leopoldo – RS: Editora Sinodal, 1987 KÜMMEL, Werner Georg. Sintese teológica do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2003. MACARTHUR JR., John et all. Justificação pela fé somente: a marca da vitalidade esperitual da igreja. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2005. MARTINS, Jaziel Guerreiro. Manual de Normas Técnicas. Curitiba: Faculdade Teológica Batista do Paraná, 2004.

59

MOODY. Comentário bíblico Moody: Romanos à Apocalipse. V. 5. São Paulo: Editora Batista Regular, 2001. MURRAY, John. Romanos: comentário bíblico fiel. São Paulo: Editora Fiel, 2003. POHL, Adolf. Carta aos romanos. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1999. REGA, Lourenço Stelio e BERGMANN, Johannes. Noções do Grego Bíblico: gramática fundamental. São Paulo: Editora Vida Nova, 2004. RIDDERBOS, Herman. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o pensamento do apóstolo dos gentios. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. RONIS, Osvaldo. Geografia bíblica. 3a Edição. Rio de Janeiro: SEGRAFE, 1978. SANDERS, E. P. Paulo, a lei e o povo judeu. São Paulo: Edições Paulinas, 1990. SCHNELLE, Udo. A evolução do pensamento paulino. São Paulo: Edições Loyola, 1999. SOUZA, Itamir Neves. Carta aos Romanos: um evangelho singular. Londrina: Editora Descoberta, 2004. STOTT, John. Romanos. São Paulo: ABU editora, 2000. STUHLMACHER, Peter. Lei e graça em Paulo: uma reafirmação da doutrina da justificação. São Paulo: Vida Nova, 2002.

60

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.