Abuso de Poder Econômico-estudo de caso AMBEV

August 6, 2017 | Autor: P. Evangelista Fe... | Categoria: Direito, Direito Penal, Direito da Concorrência, Direito Penal Econômico, Abuso de poder econômico
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ABUSOS DE PODER ECONÔMICO: ESTUDO DO CASO AMBEV

Pedro Luciano Evangelista Ferreira Mestre em Criminologia e Direito Penal pela Universidade Candido Mendes (UCAM-RJ) Originalmente publicado na Revista Raízes Jurídicas (UNICENP), v. 02, p. 149-168, 2006. Para maiores informações: http://lattes.cnpq.br/0622287330666595

CASO ANALISADO: AMBEV (Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12) ÓRGÃO RESPONSÁVEL: CADE REQUERENTES: Fundação Antonio e Helena Zerrenner - Instituição Nacional de Beneficência e Empresa de Consultoria, Administração e Participações S/A - Ecap e Braco S/A. RELATORA: Conselheira Hebe Romano

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 2. O PROCESSO 3. AS MANIFESTAÇÕES SOBRE A FUSÃO a. Manifestações de Setores de Representação Social b. As Alegações da Cervejaria Kaiser c. As Justificativas das Cervejarias Antarctica e Brahma 4. OS PARECERES 5. A DECISÃO 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca tecer algumas considerações sobre um caso recente envolvendo a questão da concentração do poder econômico com vistas ao aferimento de grandes vantagens e a possível dominação do mercado. Para tanto é estabelecido um breve histórico do processo, destacando-se os principais argumentos contrários a fusão e os argumentos favoráveis para, ao fim, comentar a decisão formulada pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em defesa da concorrência e dos mercados. Tendo em vista a relevância social do assunto questiona-se sobre a necessidade e o alcance da regulação estatal nos atos de concentração do poder econômico, principalmente quando se trata da fusão dos dois maiores fabricantes de cerveja e refrigerantes no mercado nacional atualmente (Antarctica e Brahma) para a criação de uma empresa com único controle societário que representaria mais de 70% do mercado nacional de cervejas (AMBEV). Acentua-se a importância do questionamento ao considerar-se que, com a dominação do mercado pode ocorrer o controle dos preços, da demanda, da aquisição de matéria-prima, da distribuição; além da possível imposição de vendas casadas, fechamento de fábricas, desemprego, etc. Não se olvide a desestabilização de Municípios que vivem da arrecadação de impostos e dos salários dos funcionários de referidas empresas além dos prejuízos dos comerciantes e trabalhadores do ramo que são diretamente envolvidos, e ainda, a qualidade oferecida e o preço final repassado para os consumidores que sofrem as maiores consequências por estarem no último e mais frágil elo da cadeia econômica. O processo teve início em 02/07/1999 com o julgamento ocorrido na data de 29 a 30 de março de 2000 donde surgiu o Termo de Compromisso assinado pelas empresas envolvidas em 19 de abril do mesmo ano, ou seja, em apenas 09 meses foram colhidas informações que levaram ao julgamento de um dos casos mais significativos do Direito Antitruste Brasileiro.

Tendo em vista a abrangência e a imensa extensibilidade dos efeitos sociais desta fusão, vários setores da sociedade manifestaram-se a respeito. Ora a argumentação foi favorável a fusão alegando a possibilidade de ganhos de eficiência tanto no âmbito do mercado interno como no âmbito externo; ora contra, uma vez que a AMBEV terá um poder de mercado elevadíssimo e absolutamente discrepante em relação à suas competidoras, possibilitando o aparecimento de sobrepujantes abusos de poder econômico se a mesma puder atuar sem restrição alguma. 2. DO PROCESSO1:

Ab initio, impende esclarecer que em matéria de Direito Antitruste não basta apenas proibir a fusão, incorporação ou outra forma de concentração empresarial porquanto o aumento da concentração de mercado não fundamenta, por si só, os motivos para desconstituir uma transação legal, conforme tem asseverado o entendimento jurisprudencial e doutrinário tanto nacional quanto internacional, uma vez que a elevação da concentração não constitui condição necessária, nem suficiente, para a ocorrência de dano ao mercado. Todavia qualquer ato de concentração deve ser submetido a prévia análise do órgão competente para que sejam evitados os possíveis abusos de poder econômico e os efeitos anticoncorrenciais que deles possam decorrer. Assim, por força do art. 54 da Lei n.º 8.884/94, o agrupamento societário das empresas Cia. Cervejeira Brahma (BRAHMA) e da Companhia Antarctica Paulista – Indústria de Bebidas e Conexos (ANTARCTICA) para a união do controle societário sob a denominação de Companhia das Américas (AMBEV) foi submetido a prévia análise do CADE. Nenhuma entredúvida pode se esboçar a respeito de que a empresa CERVEJARIA KAISER é a maior interessada no processo e, para tanto, fez uso de todos os seus recursos para conseguir a desconstituição do 1

Em conformidade com dados fornecidos pelo CADE.

ato ou, no mínimo, submete-lo a realização e sujeição a severos condicionamentos estruturais e comportamentais para garantia do mercado. Encabeçando o grupo de setores contrários a fusão, a empresa Cervejaria Kaiser buscou provar que a operação de “fusão” entre a BRAHMA e a Antarctica, se consumada, seria clamorosamente prejudicial à livre concorrência, resultando em expressivo aumento de poder de mercado e, por conseguinte, em dominação de mercado, em total prejuízo da coletividade titular do bem jurídico tutelado pela legislação concorrencial - e, em particular, dos consumidores. A sua maior preocupação estava em demonstrar que a operação em questão não resultaria em um mercado normal, visto que, concentrando mais de 73% do mercado doméstico de cerveja a AMBEV passaria a desfrutar de

excepcionais condições para

o

exercício

de posição dominante,

aproximando-se de um monopsônio já que um das preocupações Cervejaria Kaiser, dentre outras, era referente a demanda de embalagens metálicas e de vidro para o envase da cerveja, além do malte, dos rótulos e rolhas metálicas para embalagem que poderia ser controlada pela AMBEV. Argumentações da concorrente a parte, não pode ignorar-se que o ato de concentração ora estudado representa a concentração das duas maiores competidoras que sempre lutaram acirradamente pela liderança do mercado nacional de cervejas. Iniciada a análise do ato de concentração foram enviados ofícios para a Secretaria de Direito Econômico – SDE, à Cervejaria Kaiser, Schincariol e à Fundação Antônio e Helena Zerrenner, para fornecimento de informações, visando subsidiar a análise do presente Ato de Concentração.

3. DAS MANIFESTAÇÕES SOBRE A FUSÃO

3.1. MANIFESTAÇÕES DE SETORES DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL

Como dito anteriormente, a relevância do referido ato de concentração causou a manifestação de vários setores da sociedade.

Primeiramente analisemos aqueles que se posicionaram contrários à referida fusão: Na condição de consumidores, os advogados Floriano de Lima Nascimento e Esther de Souza Teixeira manifestaram-se contra a fusão das empresas ANTARCTICA e BRAHMA por entenderem que tal ato contraria frontalmente os princípios e às normas jurídico-constitucionais que regem a concorrência

no

mercado

brasileiro,

com evidente

prejuízo

para

os

trabalhadores do setor - ameaçados de perderem os seus empregos - e para consumidores das bebidas fabricadas e distribuídas pelos mencionados grupos empresariais. Requereram seja julgada procedente a representação para invalidar a criação da AMBEV e de todos os atos praticados que objetivem a fusão das empresas BRAHMA e ANTARCTICA. Assim

como

os

consumidores,

o

Sindicato

de

Hotéis,

Restaurantes, Bares e Similares da Região de Jales e o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Assis (São Paulo) também se manifestaram contrariamente ao Ato de Concentração. Além disso, diversos Sindicatos de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, dos municípios de Tupã, Marília, Ourinhos, Araçatuba, Limeira, São Carlos, todos do Estado de São Paulo manifestaram-se contrariamente à fusão, discorrendo que a AMBEV, haverá de cometer os maiores desrespeitos ao mercado consumidor, pois, uma vez detentores de 70% do mercado de cervejas, não terão muita dificuldade, nem constrangimento em impor as mais diferentes condições aos pontos de venda, bem como, possivelmente, retirar deles as vantagens que são oferecidas quando a concorrência é livre e natural, regida de acordo com o equilíbrio de mercado. Também a Federação de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado de São Paulo demonstrou contrariedade ao criticar severamente o ato de fusão tendo em vista o poder de dominação de mercado da AMBEV que será superior a 70% do mercado de cervejas. Estas entidades de classe entenderam que o poder de mercado será muito grande dando azo ao controle de preços e imposição de vendas casadas (e.g. vincular a venda de cervejas a compra de refrigerantes),

trazendo prejuízos aos consumidores do ramo, bem como preços elevados aos consumidores finais. Também foi possível verificar a manifestação contrária à aprovação da operação da fusão pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Getúlio Vargas (RS), do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias e Cooperativas de Alimentação de Estrela, Teutônia, Bom Retiro do Sul, Colinas, Imigrante e Fazenda Vilanova que pugnaram pela análise apurada da operação temendo uma redução nos postos de emprego sem uma recolocação, ocasionando o aumento do desemprego. O Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Município do Rio de Janeiro também se manifestou nos autos declarando entender que o Estado, como mediador da economia, deve ter como objetivo a salvaguarda dos interesses coletivos da sociedade – em suma, os consumidores – e não o favorecimento de interesses mega-empresariais. Já o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado de Pernambuco entende que com essa fusão perde-se o direito de escolha, o poder de barganha, a concorrência e até a discussão sobre a qualidade do produto, pois se não houver concorrência terão que aceitar as normas impostas por quem detém a maioria do mercado. As redes de supermercados também não deixaram de se manifestar a respeito. A Associação Brasileira de Supermercados registrou que a fusão da ANTARCTICA e da BRAHMA pode causar compreensíveis apreensões econômicas e sociais. O Grupo Pão de Açúcar informou que a Companhia Brasileira de Distribuição não se opõe à fusão, desde que os ganhos de produtividade, competitividade e eficiência que serão obtidos com esse processo, segundo têm divulgado as próprias empresas, sejam efetivamente transferidos aos revendedores de cerveja e refrigerantes para que estes, por sua vez, possam transferi-los ao cliente final, sem qualquer prejuízo para o mercado consumidor. Já

a

rede

de

supermercados Carrefour

apresentou

sua

manifestação, no sentido de que não vislumbra aspectos positivos ou negativos decorrentes da fusão.

Outros setores sociais também opinaram sobre a fusão da AMBEV. Neste sentido temos a manifestação da Exmª Deputada Federal Ângela Guadagnin2, nos termos que seguem: “Na época do anúncio da criação da AMBEV, os seus dirigentes já haviam afirmado em reunião com os sindicatos e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que haverá redução de custos, o que, certamente refletiria em demissões de funcionários e redução de conquistas consagradas nos acordos coletivos de trabalho. Agora,

recebi

documentos

do

Sindicato

de

Trabalhadores na Indústria de Cervejarias de São José dos Campos e Região, com denúncias que comprovam ataques aos direitos dos trabalhadores, conforme cópias em anexo. Essas ações da direção da AMBEV certamente agravarão a situação de desemprego, aumento de preços e retorno da inflação, desencadeando uma reação em cadeia, inclusive em outras empresas do setor, com o virtual monopólio do mercado brasileiro de bebidas que surgirá com a fusão. Solicito que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) analise com o máximo cuidado o pedido de fusão, incluindo salvaguardas e, se for o caso, em última

instância,

estabeleça

um

monopólio

revertendo

os

ataques

impedindo prejudicial às

que se ao

País,

conquistas

dos

trabalhadores já realizados e garantindo os direitos dos consumidores brasileiros”.

2

Fls. 4.127

Também consta manifestação contrária à fusão, encaminhada pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de São José dos Campos e Região, relatando que já vem ocorrendo centralização de alguns setores, pois com a unificação da folha de pagamento muitos trabalhadores, que trabalham nesse departamento serão demitidos porquanto os serviços feitos nas unidades passarão para a sede da AMBEV. 3.2. AS ALEGAÇÕES DA CERVEJARIA KAISER

Sobreleva notar-se que no presente processo as manifestações mais incisivas e insistentes partiram da Cervejaria Kaiser que, na qualidade de participante do mercado brasileiro de cervejas, manifestou sua preocupação com a postura adotada pelos proponentes da fusão, ressaltando fatos que indicam a existência de um alto risco de irreversibilidade por causa da fusão. Neste sentido apresentou diversas tabelas e informações, fornecidas pela empresa A.C. Nielsen, a respeito do market share por unidade da federação. Além disso, a Cervejaria Kaiser listou todos os produtos fabricados pelo grupo, as nove unidades que participam do grupo, seus acionistas e respectivas participações na sociedade. Trouxeram aos autos, em anexos confidenciais, informações acerca das vendas efetuadas por regiões e por produtos, no período de janeiro de 1996 a dezembro de 1998, e produção mensal em hectolitros durante o período de julho de 1998 a junho de 1999. Segundo material elaborado pela Cervejaria Kaiser, no qual externam sua opinião acerca da operação objeto do presente processo. Entre outros aspectos, ressaltaram que:

1- A aquisição da ANTARCTICA pela BRAHMA deu-se travestida de fusão; que no dia seguinte ao anúncio da fusão, o negócio BRAHMA valorizou 20%, sendo controlado por apenas três pessoas; 2- Que a concretização da fusão causará a redução de postos de trabalho, fechamento de unidades, redução da renda e de arrecadações federal

e estadual, bem como a criação de um monopólio no mercado interno de cervejas; 3- Que a operação estratégica já foi realizada pelos controladores da BRAHMA, de uma forma ou de outra, pois se for aprovada o ganho é incontestável. Se tiverem que vender a SKOL o momento oportunizará a valorização daquela empresa e não impede que o poder da AMBEV seja inferior ao da BRAHMA antes da fusão; 4- Acrescem que a operação, se aprovada, levará a uma concentração de riqueza, viabilizando a ocorrência de uma série de prejuízos, tais como o desabastecimento e o aumento de preços, prática de venda de venda casada, imposição de quantidades, aniquilação da possibilidade de concorrência, etc. Outros argumentos apresentados pela Cervejaria Kaiser são de que o ato de concentração em exame representa a fusão da empresa líder, que possui 50% do mercado nacional de cervejas com a segunda colocada que possui, por sua vez, 23% deste mesmo mercado. Como

a

terceira

e

a

quarta

empresas

respondem,

respectivamente, por 15% e 8% do mercado, a aprovação da operação pelo CADE inviabilizará a competição das empresas remanescentes em vários fatores como a formação de preços, a criação de imagem e marketing, promoções, ou ainda, a geração de lucros para reinvestimento no negócio. Obrigar a AMBEV a comprometer-se em manter baixos os preços de seus produtos não é suficiente, entende a Cervejaria Kaiser que o preço deve ser formado pelo dinâmico funcionamento dos mercados e da livre concorrência e que a possibilidade de diminuição no preço de cervejas anunciada pode, na verdade, causar um efeito contrário já que pode levar à prática

de

preços predatórios

que

também possuem nítidos efeitos

anticoncorrenciais. A Cervejaria Kaiser alega que a Antarctica e Brahma adotam a estratégia do fato consumado para forçar a aprovação da operação. Além

disso, oferece parecer da lavra de Theodore Voorhees Jr 3, cuja tradução revela, entre outros aspectos, que o ato de concentração ora analisado provavelmente não seria aprovado nos Estados Unidos e nem tampouco seria aceito se fosse justificada pela venda de qualquer dos ativos envolvidos, a não ser daqueles que foram à própria razão de ser da fusão. Às fls. 1994, a Cervejaria Kaiser relata a pesquisa realizada no mercado cervejeiro (price elasticity model) destacando que os resultados da aludida pesquisa demonstram que os hábitos de consumo são distintos entre regiões; que diferentes marcas têm posicionamento diferenciados por região; que a cerveja constitui um único mercado relevante de produto; que o mercado relevante de cerveja é delimitado regionalmente, que a gestão estratégica de portfolio de marcas da AMBEV, explorando diferenças regionais, permite a limitação ou eliminação da concorrência e que há forte possibilidade de abuso de posição dominante pela AMBEV. A Cervejaria Kaiser também juntou parecer da lavra de Renault de Freitas Castro, ex-Conselheiro do E. CADE e consultor da empresa, demonstrando que a lógica da operação praticada pela AMBEV é o domínio do mercado interno de cerveja. Para tanto são anexados estudos de autoria de Renault de Freitas Castro, intitulados “A Ineficácia de Soluções Regionais para o caso AMBEV” e “O mal exemplo do caso Kolynos/Colgate”.

No primeiro estudo, destaca-se o comportamento da AMBEV externados, em meios jornalístico, dando conta que a AMBEV aceitaria uma decisão impondo restrições regionais ao poder de mercado da empresa onde este fosse “excessivamente elevado”, para que dessa forma a fusão fosse aprovada. Renault de Freitas Castro entende que esse tipo de procedimento não elimina os efeitos nocivos dessa fusão, pelo fato de não ser um ou outro

3

Na parte introdutória, o parecerista ressalta que possui 25 anos de promotoria ligados a assuntos

da lei antitruste, dentre os quais mais de 20 incluíram a representação de clientes, multinacionais e associações comerciais no setor de bebidas alcoólicas. Destaca, ainda, atuação constante na produção de artigos/pesquisas da ABA.

fator isolado e sim um conjunto de fatores estruturais composto pela marca, pela diversidade de seu portfolio de produtos, pelo sistema de distribuição, dentre outros. E o conjunto desses fatores envolve uma estrutura em nível nacional não se manifestando somente em nível regional, nos seguintes termos: “Fácil concluir, portanto, que, para uma fusão que, como no caso da AMBEV, resulta em alteração estrutural (concentração horizontal) com alto grau de nocividade ao mercado e à concorrência em todo o território nacional, não são eficazes restrições pontuais, regionais ou meramente comportamentais, estas, aliás, de difícil fiscalização. É preciso que os remédios ou restrições que visem restaurar o ambiente concorrencial atuem rápida e diretamente sobre a estrutura do mercado como um todo, transferindo da empresa dominante para seus concorrentes parte de sua capacidade de produzir e vender e do seu poder de barganha mencionados resultam da atuação da empresa em todo o país e não apenas nos mercados regionais onde ela tem maior participação. Assim, o remédio dever ter efeito nacional e não apenas regional.”

Quanto ao segundo estudo de Renault de Freitas Castro, denominado “O MAL EXEMPLO DO CASO KOLYNOS/COLGATE”, pode-se ler as seguintes considerações: “A decisão do CADE no caso Kolynos-Colgate foi, portanto, ineficaz, principalmente por ter avaliado de modo incorreto o poder de mercado resultante daquela operação, não atacando a verdadeira raiz

desse poder e subestimando sua capacidade regenerativa. A análise então realizada pelo CADE não levou na devida conta que o poder resultante daquela operação era derivado de um conjunto indissolúvel de fatores inter-relacionados, e não de um somatório de vários fatores isolados. Assim, de nada adiantaria, como, de fato, não adiantou, atacar isoladamente o “problema” representado pela marca Kolynos, suspendendo seu uso temporariamente, e, de outro lado, obrigar a nova empresa a alugar parte de sua capacidade de produção a terceiros, também temporariamente. Tais remédios não afetam a propriedade desses ativos, não afetam a escala de produção e não interferem no sistema de vendas e de

distribuição,

elementos que,

em

conjunto,

permitem manter elevadíssimo o poder de barganha da nova empresa junto a clientes, revendedores, fornecedores e, no fim da linha, ao consumidor.”

Também o Sindicato de Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares de Araraquara (“Sinhores” – SP), posiciona-se contrariamente à operação, endereçando corrrespondência diretamente a SDE. Todavia, apesar da gama de manifestações contrárias ter sido variada tanto no seu conteúdo como na sua origem, houveram também manifestações favoráveis a fusão, além, é claro, das manifestações das Cervejarias Antarctica e Brahma. Note-se

que

a

Associação

Brasileira

das

Distribuidoras

ANTARCTICA – ABRADISA e a Federação Nacional das Associações dos Distribuidores dos Produtos Skol Caracu manifestaram-se a favor da fusão, entendendo que, uma vez mantida a independência das redes de distribuição da SKOL, BRAHMA e ANTARCTICA, a fusão se reverterá em benefício de todos.

Curiosamente, em momento posterior o Sindicato de Hotéis, Bares e Similares de Marília e o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, na região de Jales, Santa Catarina - fazendo uso de documento de redação idêntica - mudaram de posicionamento, dizendo que não vêem motivos para que a operação seja por ele impugnada.

3.3. AS JUSTIFICATIVAS DA ANTÁRTICA E DA BRAHMA A Associação Brasileira das Distribuidoras ANTARCTICA – ABRADISA alega que a AMBEV, visando garantir a livre concorrência, viabilizará a existência e a participação dos distribuidores exclusivos e independentes na comercialização das bebidas, fato que zelará pela concorrência entre as marcas objeto da fusão, eis que cada distribuidor é responsável

pela

distribuição

de

um

único

produto

e

lutam

pelo

estabelecimento da marca que representam. Para corroborar com sua afirmação, referida associação ressalta que as redes distribuidoras das marcas envolvidas (BRAHMA, SKOL e ANTARCTICA) têm como fim os mesmos varejistas e para tanto oferecem preços

de

vendas

e

condições

de

pagamento

diferenciados

não

descaracterizando a concorrência apesar da fusão. Seguindo, afirmam que alegações da Cervejaria Kaiser são falsas e que a própria Coca-Cola/Cervejaria Kaiser foi responsável pela inauguração da distribuição direta no mercado de bebidas, sendo regra naquela empresa. Aduzem ainda que os contratos de distribuição seguem modelospadrão e, sendo a distribuição feita diretamente pelas filiais das próprias indústrias, não existe contrato para amparar tal forma de distribuição. Em sua defesa a AMBEV apresentou as seguintes justificativas para a operação, quais sejam: a) competir internacionalmente; b) defesa da empresa brasileira e a exportação de produtos (a Cervejaria Kaiser os contesta alegando que não há exportação relevante de cerveja no mundo; que todos os setores efetivamente internacionalizados já

tem presença de empresas transnacionais no Brasil e que a “cerveja” não seria uma exceção); As Cervejarias Antarctica e Brahma objetivam demonstrar que o negócio de bebidas no Brasil é efetuado por intermédio de uma cadeia funcional, sendo adotada por todas as empresas do setor e que o escopo da operação é viabilizar a atuação no Brasil e no mundo com o maior portfolio de bebidas possível. Ainda para rebater argumentação formulada pela Cervejaria Kaiser alegam que - reproduzindo o modus operandi das Cervejarias ANTARCTICA e da BRAHMA - um engarrafador brasileiro da Coca-Cola fundou a empresa e que a Cervejaria Kaiser foi à Atlanta pedir ajuda da CocaCola. Com o passar do tempo, as atitudes de referida empresa deixaram claro que a Cervejaria Kaiser também fazia parte do negócio de bebidas no Brasil e que hoje a Coca-Cola é sócia da Cervejaria Kaiser. Tal como foi colocado pela Cervejaria Kaiser, a AMBEV concordou que os principais participantes no negócio de bebidas no mercado nacional sejam Antarctica, Brahma, Coca-Cola/Cervejaria Kaiser, Schincariol e Skol, mais salienta que, apesar da AMBEV ser a terceira maior cervejaria em hectolitragem, fica longe de empresas internacionais, as quais denomina concorrentes, em estrutura de capital e percepção de valor por parte do mercado financeiro. Ou seja, a AMBEV declara que a fusão visa garantir competitividade com as concorrentes do mercado exterior já que as empresas estrangeiras terão muitas facilidades com a abertura do mercado, mais especificamente com a formação da ALCA. Assim, se no âmbito interno a AMBEV abarca mais de 70% do mercado, com relação aos concorrentes do mercado internacional a sua superioridade é significativamente reduzida. Com relação as vantagens da fusão apresentadas pela AMBEV, o eixo principal delas girará em torno da geração de sinergias, viabilizando uma plataforma financeira que garantirá a participação num mercado cada vez mais globalizado e competitivo.

Conforme alegado, as eficiências virão da área logística e fabril, com a implantação de melhores práticas, o controle dos níveis de emprego, uma

cooperação

na

forma

de

uma

gestão

financeira

integrada,

a

internacionalização dos produtos e o aumento do mercado consumidor. Segundo referidas empresas, as sinergias ocorridas na esfera de produção e logística representarão um substancial aumento das possibilidades de escolha de consumidores de regiões que não estão convenientemente atendidas até o presente momento uma vez que possibilitar-se-á a realização de investimentos em novas marcas e tecnologias representando também uma maior competitividade no segmento de refrigerantes e que, com as sinergias obtidas, será possível a manutenção dos ganhos de preços para os consumidores. Destaca a AMBEV que a participação da Coca-Cola na indústria brasileira de bebidas é ainda mais significativa do que indica a sua participação no mercado de refrigerantes, eis que opera majoritariamente através de seus franqueados, controlando, dessa forma, a produção, venda e distribuição do seu produto e que, em razão disso, o alegado alto poder de mercado da AMBEV é reduzido e que o poderio da Cervejaria Kaiser não pode ser considerado isoladamente com relação ao mercado de cervejas. Seguindo, a AMBEV alega que o sistema que realiza a distribuição da Coca-Cola é o mesmo que distribui a Cervejaria Kaiser e que sua participação no mercado de bebidas como um todo é de 30% e no mercado de refrigerantes é de 48%. O modus operandi da Coca-Cola no Brasil - assim como em várias partes do mundo - é realizado por meio de empresas franqueadas que dela dependem na tomada de decisões estratégicas já que a Coca-Cola possui participações, majoritárias ou minoritárias em quase todos os seus franqueados e também que Coca-Cola e seus franqueados controlam 86% da Cervejaria Kaiser. Assim, podemos resumir as manifestações da AMBEV na formulação de dois pontos principais: A fusão das Cervejarias Antarctica e Brahma gerará vários benefícios tendo em vista a modificação e cooperação estrutural obtida e pelo

aproveitamento da capacidade fabril e tecnológica. Decorrentes destes benefícios destaca-se a maior competitividade frente ao mercado internacional e ainda, o repasse direto ao consumidor em duas maneiras, na qualidade e no preço do produto. Por fim - no que diz respeito a possibilidade da formação de um monopsônio - assim como foi respondido pelas Cervejarias Antarctica e Brahma, a empresa Latasa (fabricantes de latas) informou nos autos que desconhece qualquer negociação de aquisição de seu controle acionário pela AMBEV, esclarecendo ainda que não possui nenhum vínculo ou relação comercial com a mesma.

4. DOS PARECERES

Constaram no processo os pareceres de alguns estudiosos, como o Professor Calixto Salomão Filho, que entendeu que a definição de mercado relevante deve ser dada de forma mais ampla, e não pode limitar apenas ao mercado de cervejas incluindo também os refrigerantes sob a denominação de mercado de bebidas. Baseando-se na teoria dos custos de transação e na formação de cluster market no setor de bebidas, tendo em vista, especialmente, a estratégia de distribuição de bebidas no país, o parecerista citado declarou: “É possível, então, concluir no sentido de que, considerando o mercado de cervejas e refrigerantes, a criação da AMBEV só vem compensar o imenso poder detido pela marca Coca-Cola. Cria-se um poder capaz de fazer frente ao da Coca-Cola que, inclusive, permitiu à Cervejaria Kaiser alcançar uma participação de 18% em curto período. Cria-se um poder semelhante ao da Coca-Cola – Cervejaria Kaiser no cluster de refrigerantes + cervejas.”

Conclui referido parecerista opinando pela aprovação da fusão e criação da AMBEV, explicitando o entendimento que qualquer restrição imposta às Requerentes, proibindo a distribuição conjunta de bebidas, estaria ferindo o Princípio da Isonomia - perfilhado pela atual Ordem Constitucional - porquanto poderia criar condições desiguais de concorrência entre os participantes, penalizando a AMBEV e favorecendo a Cervejaria Kaiser/Coca-Cola. Outro parecer juntado ao processo foi emitido pela Professora Isabel Vaz, ressaltando que nos países de economia liberal o papel do Estado se exerce mais para proteger a concorrência do que para imiscuir-se no funcionamento do mercado. Em seguida, referida professora entende que a empresa está inserida na classificação dos instrumentos para realização de uma política econômica. Assim, na busca pela realização de seus fins sociais o Estado tem na empresa uma parceira para o cumprimento dos direitos econômicos, sociais e culturais insculpidos no Texto Constitucional. Para fomentar esta relação o Estado fornece subsídios, incentivos e proteção, pois depende do desempenho empresarial o surgimento de emprego produtivo, de aumento da riqueza e de melhoria das condições de vida da popular4. Destarte, entende a parecerista que a fusão proporcionará um aumento da produtividade como decorrência da racionalização das decisões haja vista as sinergias propostas no plano operacional e no plano das práticas comerciais. Referido aumento de produtividade propiciará o surgimento de preços fixados em patamares mais acessíveis uma vez que as economias de escala geradas pela AMBEV serão repassadas aos consumidores finais. No que tange a temida eliminação da concorrência por força da alta participação resultante da operação, entende a parecerista que a fusão terá por efeitos o aumento da competição entre os concorrentes nacionais e os

4

Para um melhor aprofundamento sobre a função social da empresa vide: COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da Propriedade dos Bens de Produção, in RDM 63/71.

estrangeiros, favorecendo o surgimento de uma luta pela conquista e recuperação de fatias do mercado. Outro fator observado pela parecerista que motiva a autorização do ato de concentração diz respeito ao incremento das atividades tecnológicas porquanto a fusão possibilitará a cooperação e a troca de tecnologias no processo produtivo e o crescente investimento em áreas de desenvolvimento tecnológico. Outro parecer que consta no processo é da lavra de Manoel Gonçalves Ferreira Filho e que contraria incisivamente as conclusões do parecer da Secretária de Direito Econômico eis que o ato de concentração ora analisado ocasionará um substancial aumento de produtividade e a melhoria da qualidade dos bens, o que, na sua opinião, promove o aumento da eficiência e não necessariamente a eliminação da concorrência. Em resumo estes são os comentários sobre o andamento do processo do ato de concentração, com as principais manifestações e argumentações que orbitaram em torno da multicitada fusão. Importa salientar que referidos comentários ora realizados não tem a pretensão de esgotar o assunto tendo em vista a limitação de espaço. O intento almejado é o de transmitir ao leitor uma síntese do andamento deste extenso processo apresentando por fim a sua decisão. Passamos agora ao comento da audiência em que foi proferida a decisão que resolveu o debate.

5. DA DECISÃO5

Como visto o processo de instrução do ato de concentração que envolveu a fusão das duas maiores empresas fabricantes de cerveja do mercado nacional foi um tanto conturbado já que houveram manifestações de vários setores da sociedade como órgãos de representação de classe, concorrentes e doutrinadores. Verificou-se a presença de consistentes

5

Consoante informações fornecidas pelo CADE.

argumentações tanto a favor da realização de referido ato como em sentido contrário. O choque entre as diversas alegações foi forte principalmente tendo em vista os substanciais interesses envolvidos e de igual forma o grande poder econômico dos opositores. Referida luta adentrou a audiência realizada no plenário do CADE para a decisão da contenda de modo que houveram várias

interrupções,

ameaças

e

tentativas

de

interromper

o

seu

prosseguimento, culminando na impetração de um Habeas Corpus em favor dos Conselheiros do CADE para que só então a audiência tivesse seguimento. Referida audiência realizada no dia 29 de março de 2000 teve a duração de 14 (quatorze) horas, encerrando-se na manhã do dia 30 de março com a imposição de um termo de compromisso de desempenho assinado pela diretoria da AMBEV como condição para a autorização do ato de concentração. Para possibilitar ao leitor a apreensão do clima turbulento que envolveu a realização de referida audiência, achou-se por bem utilizar a narrativa fornecida pelo próprio CADE para que nenhum detalhe seja olvidado, conforme segue. Ab initio, o Presidente do CADE Gesner Oliveira levou ao Plenário os termos de Despacho, indeferindo o pedido, feito pela Cervejaria Kaiser Ltda., de suspensão do ato de concentração nº 08012.005846/99-12, em razão de matéria publicada em 22.03.2000 na Folha de São Paulo. O Presidente ressaltou a existência de decisões judiciais impedindo a suspensão do julgamento do processo e levou ao Plenário os termos de Despacho, indeferindo o pedido, feito pela Cervejaria Kaiser Ltda., de anulação do parecer da Procuradoria nº 121/00. O Presidente ressaltou que a Procuradoria do CADE é órgão de assessoramento, vinculada à AdvocaciaGeral da União, e que não cabe ao Plenário exercer controle de legalidade dos atos da Procuradoria do CADE. A Conselheira Hebe Romano proferiu despacho, indeferindo o pedido, feito pela Cervejaria Kaiser Ltda., de suspensão do ato de concentração nº 08012.005846/99-12, ressaltando que o artigo 12 da Lei

8884/946 será cumprido por ocasião da decisão plenária, que encaminhará cópia dos autos ao Ministério Público Federal para ciência. O Plenário, por unanimidade, referendou os termos do Despacho. Ainda referida Conselheira proferiu despacho, indeferindo o pedido, feito pela Cervejaria Kaiser Ltda., de suspensão do ato de concentração nº 08012.005846/99-12, acerca de gravações clandestinas, ressaltando que a empresa poderá levar a questão ao órgão competente. O Plenário, por unanimidade, referendou os termos do Despacho. Os Conselheiros João Bosco Leopoldino e Lucia Helena Salgado não participaram do julgamento, em virtude de declaração de impedimento apresentada anteriormente. A Relatora iniciou a leitura do relatório, após a qual, manifestouse oralmente o Procurador-Geral do CADE. Cumprindo-se determinação judicial, o Advogado da empresa Cervejaria Kaiser Ltda., Luiz Antonio D’Arace Vergueiro e o Presidente da Cervejaria Kaiser, Humberto Pandolpho, fizeram uso da palavra em sustentação oral. O Advogado das requerentes, Carlos Francisco Magalhães, fez uso da palavra em sustentação oral. Às 16h45min, o advogado da empresa Cervejaria Kaiser Ltda., Luiz Antonio D’Arace Vergueiro, solicitou a palavra para comunicar a existência de decisão judicial liminar, proferida pelo Meritíssimo Juiz Federal de São José dos Campos, determinando a suspensão do julgamento. O Presidente Gesner Oliveira solicitou a manifestação do Procurador-Geral do CADE. O ProcuradorGeral Amauri Serralvo afirmou que a decisão foi apresentada em fac-símile recebido por escritório de advocacia particular, sendo inservível como meio de 6

(Lei n.º 8.884/94) Art. 12. O Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior,

designará membro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade, oficiar nos processos sujeitos à apreciação do CADE. Parágrafo único. O CADE poderá requerer ao Ministério Público Federal que promova a execução de seus julgados ou do compromisso de cessação, bem como a adoção de medidas judiciais, no exercício da atribuição estabelecida pela alínea b do inciso XIV do art. 6º da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993.

intimação do CADE, pelo que não poderá ser obstaculizado o julgamento do processo, o que acarretaria a aprovação incondicional por decurso de prazo, nos termos do artigo 54, § 7º da Lei 8884/94. O Presidente Gesner Oliveira, após ouvir o Procurador-Geral, determinou o prosseguimento dos trabalhos da Sessão. Às 18h45min, adentrou o recinto do Plenário o Sr. Oficial de Justiça, portando a contra-fé da decisão judicial liminar proferida pelo Meritíssimo Juiz Federal de São José dos Campos, para intimar o Presidente do CADE sobre a determinação de suspensão do julgamento. O Presidente Gesner Oliveira solicitou a manifestação do Procurador-Geral do CADE, que afirmou estar o Meritíssimo Juiz Federal de São José dos Campos submetido a autoridade jurisdicional do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, cuja decisão, lida no início da sessão de julgamento, entendeu estar prevento o Meritíssimo Juiz de Belo Horizonte - MG, pelo que deveria ter prosseguimento o julgamento. Após este fato pediu a palavra, pela ordem, o advogado da Cervejaria Kaiser Ltda., Luiz Antônio D'Arace Vergueiro, e, afirmando estar o CADE a descumprir ordem judicial, o que poderia caracterizar crime de desobediência e ensejar a prisão do Presidente do CADE, da Sra. Relatora Hebe Romano e do Procurador-Geral do CADE, o que ensejou a imediata impetração de ordem de Habeas Corpus pela Procuradoria do CADE, a fim de que fosse assegurado o prosseguimento do julgamento, tendo sido concedida medida liminar pelo MM. Juiz Plantonista da Justiça Federal em Brasília, assegurando salvo conduto aos Senhores Conselheiros. O Presidente Gesner Oliveira, após ouvir o Procurador-Geral, determinou o prosseguimento dos trabalhos da Sessão. Decisão: Quanto às questões preliminares, o Plenário, por unanimidade, acompanhou o voto da Conselheira-Relatora. Quanto ao mérito, o Plenário, por maioria, vencido o Conselheiro Ruy Santacruz, aprovou o ato de concentração, condicionando-o à implementação das seguintes medidas:

1. viabilização de entrada de nova empresa, no prazo de 8 (oito) meses a contar da data da assinatura do termo de compromisso de desempenho entre a AMBEV e o CADE, contendo todas as determinações a seguir, sem prejuízo dos demais prazos estipulados nesta decisão: (a) alienação da marca Bavaria, bem como a transferência dos contratos de fornecimento e distribuição relacionados a esta marca, vencido neste ponto o Conselheiro Marcelo Calliari, que adicionava à proposta a venda das marcas Polar e Bohemia; (b) alienação de 01 (uma) unidade fabril para a produção de cerveja, localizada em cada uma das regiões do território nacional, a saber: 1 (uma) fábrica na Região Sul, localizada em Getúlio Vargas-RS, com capacidade instalada de 607 mil hl, de propriedade da Antarctica; 1 (uma) fábrica na Região Sudeste, em Ribeirão Preto-SP, com capacidade instalada de 2.400 mil hl, sendo 500 mil hl de chopp e 1900 mil hl de cerveja, de propriedade da Antarctica, a qual deverá encontrar-se em atividade e equipada com maquinário capaz de oferecer envasamento em latas, vencido neste ponto o Conselheiro Marcelo Calliari, que adicionava a oferta de alternativa ao comprador, da unidade fabril de Guarulhos-SP; 1 (uma) fábrica na Região Centro Oeste, localizada em Cuiabá-MT, com capacidade de 700 mil hl, de propriedade da Brahma; 1 (uma) fábrica na Região Nordeste, localizada em Camaçari-BA, com capacidade instalada de 2.900 mil hl, de propriedade da Brahma; e 1 (uma) fábrica na Região Norte, localizada em Manaus-AM, com capacidade instalada de 487 mil hl, de propriedade da Brahma; (c) as fábricas a serem alienadas para a produção de cervejas, deverão

apresentar-se

nas

seguintes

condições:

perfeito

estado

de

conservação e funcionamento (físicas, elétricas, hidráulicas, maquinários e equipamentos); capacidade instalada em condições de competir, em relação ao abastecimento, no mercado regional onde esteja localizado; atualização tecnológica satisfatória; disponibilização, já existente, de linhas de produção de garrafas retornáveis; e disponibilização de mão-de-obra necessária ao funcionamento;

(d) a AMBEV deverá apresentar avaliação e auditoria das unidades fabris mencionadas no item (b) acima, por empresa independente, a ser por ela contratada, encaminhando laudo pericial, no prazo de 10 (dez) dias corridos, contado da data da publicação do acórdão da presente decisão, sobre as condições enumeradas no item (c) acima, e firmando termo de responsabilidade com o CADE de acordo com a Resolução CADE nº 13/98; (e) a AMBEV deverá compartilhar sua rede de distribuição com o comprador, em todas as regiões do País, durante o prazo de 4 (quatro) anos, prorrogável por mais 2 (dois) anos, devendo: i) disponibilizar rede de distribuidores, de forma a assegurar plenamente a distribuição da(s) marca(s) de cerveja do comprador, em quaisquer pontos de venda no território nacional onde a AMBEV estiver presente; ii) disciplinar, em contrato específico firmado entre a AMBEV e comprador, a distribuição compartilhada dos produtos da AMBEV e do comprador, assegurando-se igualdade de condições na distribuição dos produtos, igualdade nos custos de distribuição incorridos pela AMBEV e pelo comprador, e a mais ampla distribuição dos produtos do comprador referentes ao mercado de cervejas; iii) em locais onde houver distribuição direta, deverá a AMBEV distribuir, pela sua rede própria, os produtos do comprador referentes ao mercado de cervejas; e iv) dispensar o comprador, expressamente, do pagamento da comissão de distribuição à AMBEV, nos primeiros 4 (quatro) anos; (f) o atendimento do conjunto integrado das medidas previstas nos itens (a), (b), (c), (d), e (e) acima, que viabilizam a entrada de comprador em escala nacional, deverá ser feito por empresa independente, que tenha condições não apenas de manter o negócio em funcionamento, como também potencial para competir em igualdade de condições, no mercado nacional, até o término do prazo de compartilhamento da distribuição, não podendo esta empresa independente deter, na presente data, mais de 5% (cinco por cento) de participação do mercado brasileiro de cerveja; (g)

para

fins

desta

decisão,

entende-se

como

empresa

independente a empresa nacional ou estrangeira que não mantenha

participação acionária ou qualquer outro vínculo, ainda que minoritário, com a AMBEV, ou com quaisquer de suas coligadas, controladas ou controladoras; (h) a escolha da modalidade de venda ficará a cargo da AMBEV; (i) o comprador deverá ser aprovado, previamente, pelo CADE, em procedimento próprio; e (j) na hipótese de o conjunto de medidas previstas nos itens (a), (b), (c), (d), e (e) acima não ser implementado dentro do prazo de 8 (oito) meses, previsto nesta decisão, a execução deverá ser realizada mediante intervenção judicial, de acordo com os procedimentos previstos no Título VIII da Lei nº 8.884/94, sem prejuízo das demais providências cabíveis.

2. A AMBEV deverá providenciar oferta pública das unidades fabris de cerveja que pretender desativar nos próximos 04 (quatro) anos, obedecendo os seguintes itens: (a) da oferta pública poderão participar novos entrantes ou concorrentes, devendo ser incluídos entre os pretendentes as associações e/ou cooperativas de empregados; (b) o prazo para a habilitação de interessados e concretização da respectiva alienação será de 1 (um) ano, a contar do lançamento da oferta, findo o qual ficará a AMBEV desobrigada da condição determinada neste item; e (c) deverá a AMBEV comprometer-se a manter o nível de emprego, sendo que as dispensas associadas à reestruturação empresarial devem vir acompanhadas de programas de recolocação e retreinamento, os quais deverão ser supervisionados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no âmbito de convênio com o CADE.

3. A AMBEV deverá compartilhar sua distribuição para 5 (cinco) empresas cervejeiras, pelo prazo de 4 (quatro) anos, uma em cada uma das regiões, conforme definidas no voto da Relatora, com participação não superior a 5% (cinco por cento) em cada região, mediante leilão, para aquela que

oferecer o maior pagamento de comissão, o que deverá ser implementado em 8 (oito) meses, sob pena de intervenção judicial.

4. Fica a AMBEV proibida de impor exclusividade, estando desobrigado o ponto de venda, a contar da data da publicação do acórdão desta decisão, de restringir a venda de determinado produto ou marca, em razão da disponibilização de maquinários, equipamentos e outros produtos de merchandising, exceto quando os investimentos e benfeitorias forem equivalentes a uma participação preponderante na formação dos ativos do ponto de venda; a condição prevista no item 4 alcança, no que couber, a rede de distribuição, em suas relações com o ponto de venda.

5. O termo de compromisso de desempenho terá duração de 5 (cinco) anos.

6. O termo de compromisso de desempenho deverá contemplar, entre outras, as obrigações da AMBEV no que se refere ao alcance das eficiências alegadas e auditadas e à distribuição eqüitativa entre produtor e consumidor.

7. A AMBEV deverá encaminhar ao CADE, semestralmente, relatório referente ao termo de compromisso de desempenho.

8. O termo de compromisso de desempenho deverá ser assinado entre a AMBEV e o CADE, no prazo de 20 (vinte) dias, contado da data da publicação do acórdão da presente decisão.

9. A recusa de assinatura do termo de compromisso de desempenho implicará na imediata determinação, pelo Plenário do CADE, da desconstituição da AMBEV.

10. O descumprimento de quaisquer das disposições do termo de compromisso de desempenho implicará na imediata aplicação de multa mínima de 5.000 (cinco mil) Ufir diárias, que poderá ser aumentada em até 20 (vinte) vezes, nos termos do art. 25 da Lei nº 8.884/947, sem prejuízo das demais providências cabíveis.

11. O Plenário, por unanimidade, determinou o envio do voto do Conselheiro Mercio Felsky aos sindicatos e associações de classe dos empregados da AMBEV, para sugestão de inclusão, em pauta de discussão, de garantias trabalhistas adicionais dos empregados demitidos em razão de reestruturação empresarial.

12. O Plenário, por unanimidade, determinou o envio de ofício à Secretaria de Direito Econômico, contendo cópia das fls. 172/173, 751/759, 1071/1180,

1186/1251,

1256/1605,

1731/1805,

1825/1837,

1862/1891,

1902/1910, 2531/2537 e 4839/4888, com recomendação à instauração de processo administrativo contra a AMBEV, concorrentes e distribuidoras, à luz do que já foi solicitado pelo CADE anteriormente à SDE. O Plenário, por maioria, vencidos a Conselheira Hebe Romano e o Presidente Gesner Oliveira, sugeriu o conteúdo de pauta de investigação a ser seguida pela SDE na instrução do processo administrativo, incluindo: i) imposição da prática de venda casada; ii) discriminação de clientes; iii) impedimento de acesso a recursos para o desenvolvimento e o funcionamento de empresas; iv) manipulação artificial de marcas; v) redução ou interrupção da sua produção em grande escala, sem justa causa comprovada; e vi) imposição ou fixação unilateral de preços.

7

(Lei n.º 8.884/94) Art. 25. Pela continuidade de atos ou situações que configurem infração

da ordem econômica, após decisão do Plenário do CADE determinando sua cessação, ou pelo descumprimento de medida preventiva ou compromisso de cessação previsto nesta Lei, o responsável fica sujeito a multa diária de valor não inferior a 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais de Referência - UFIR, ou padrão superveniente, podendo ser aumentada em até vinte vezes se assim o recomendar sua situação econômica e a gravidade da infração.

13. O Plenário, por unanimidade, determinou o envio de ofício ao Ministério Público Federal, em atendimento ao disposto no art. 12, da Lei n. 8.884/94 (retrotranscrito), anexando cópia de inteiro teor do presente processo, inclusive dos apartados confidenciais.

14. O Plenário, por unanimidade, determinou o envio da decisão aos Procons Estaduais, bem como ampla divulgação da decisão para os pontos de venda e para o público em geral.

Tendo em vista o adiantado da hora, em que o julgamento do ato de concentração n.º 08012.005846/99-12 durou 14 (quatorze) horas, o julgamento dos processos de ordem subseqüente seguintes foram adiados para sessão seguinte. A Sessão encerrou-se às 05h22min de 30 de março de 2000. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, o andamento e o julgamento do caso ora analisado (Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12) referente a fusão das empresas Cervejaria Antarctica e Cervejaria Brahma despertou interesse de significativa parcela da sociedade tendo em vista a amplitude dos reflexos econômicos decorrentes da fusão dos dois maiores fabricantes de cerveja do mercado nacional. Vale

ressaltar

que

além

das

manifestações

terem

sido

numerosas, elas partiram das mais variadas classes da sociedade uma vez que vários órgãos representativos correm o risco de serem afetados pela referida fusão - tanto direta como indiretamente - visto que esta operação pode ocasionar bruscas alterações no mercado, nas redes de distribuição, no setor hoteleiro, nas relações de trabalho e de consumo e até no mercado agrícola uma vez que as cervejarias podem controlar e influenciar o consumo de matéria-prima, ou seja, não se trata apenas de mais uma fusão empresarial.

As alegações apresentadas tiveram consistência e embasamento uma vez que extensa documentação - composta por gráficos, tabelas, pesquisas de mercado, dados de fabricação, venda e distribuição de bebidas foi juntada ao processo de modo que ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) coube avaliar a situação com imparcialidade para então mensurar os efeitos ocasionados por referida fusão. Como foi dito inicialmente, não basta apenas verificar a ocorrência de uma fusão de consideráveis proporções para impedir a sua realização de imediato, antes de tudo é necessário constatar se referida operação representa um perigo a manutenção da concorrência, ou seja, se referida operação não acarreta efeitos anticoncorrenciais não há porque impedi-la. Em que pese as alegações contrárias a ocorrência da fusão estarem centradas na afirmação de que a AMBEV deterá mais de 70 % do mercado nacional de cervejas, há de se analisar o contexto atual deste mercado. Dispendidos esforços neste sentido, obtempera-se a alegação supra com a verificação de que os mercados são regionais e também devem levar em conta a venda e fabricação de refrigerantes, além do que a geração de sinergias com referida fusão que possibilitarão o desenvolvimento tecnológico de empresas nacionais. É inconteste que a cooperação entre as empresas contribuirá, inconscientemente, para constituição ou manutenção de determinada ordem interna, em defesa dos interesses individuais a exemplo do que assevera o paradigma amplamente aceito de que “o todo é mais do que a soma das partes”. Ademais, o Conselho Administrativo de Defesa Econômico desempenhou a sua função ao acompanhar a realização de referido ato de concentração impondo uma série de medidas a serem cumpridas na salvaguarda da concorrência e que culminaram na aceitação da diretoria da empresa AMBEV em assinar um Termo de Compromisso cuja observância é obrigatória, com a obrigatoriedade do fornecimento de um relatório informativo

semestral pela empresa AMBEV para que o CADE possa acompanhar o cumprimento e a execução de referido Termo de Compromisso. Este é um claro exemplo de atuação preventiva em que, antes da caracterização de um ato de abuso de poder econômico, o poder público interveio impondo regulações e limites por meio de um sistema de contrapesos e medidas, com isso minorando antecipadamente os riscos do abuso no exercício do poder econômico. Nada impede, é claro, que na hipótese de verificar-se um ato abusivo por parte da AMBEV, existam imposições e restrições mais severas ou até punições que já são previstas em lei, dependendo da gravidade e extensão da lesão verificada. Por fim vale repetir a ponderação realizada anteriormente de que a proteção da concorrência - como instrumento de colaboração inteligente para o desenvolvimento do país - não se limita apenas em proibir toda fusão, incorporação ou outra forma de concentração empresarial que possa existir já que o aumento da concentração de mercado não fundamenta, por si só, os motivos para desconstituir uma operação. Não obstante insta frisar a importância de que toda operação que represente potencialmente o risco da produção de efeitos anticoncorrenciais deve necessariamente ser antecedida pela análise do órgão competente no anseio de coibir e evitar o surgimento de todo e qualquer abuso de poder econômico. O poder econômico - fruto da detenção dos meios de produção é um dado estrutural normal e necessário aos mercados em geral. Sua presença não pode mais ser considerada como uma anomalia assim como sua função social não pode ser ignorada porquanto é ela quem determina a esfera da legítima atuação dos agentes econômicos. Todavia

existe

uma

tendência

do

poder

econômico

em

concentrar-se cada vez mais nas mãos de poucos detentores, neste intento é que surgem os abusos de poder econômico na tentativa de subjugar os demais competidores e desestabilizar a estrutura mercadológica.

A partir do momento em que for verificado o exercício abusivo de poder econômico torna-se imperiosa a ação da legislação penal para coibir, reprimir e punir estas nocivas manifestações do poder econômico caso contrário estimular-se-á o cometimento de novas - e maiores - práticas abusivas, em prejuízo de toda a sociedade.

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