ACERVO LOURIVAL VESGUERAU, - DOCUMENTAÇÃO, HISTÓRIA E MÚSICA EM CURITIBA

June 7, 2017 | Autor: Marilia Giller | Categoria: Jazz, Paraná, Música Popular
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ- CAMPUS CURITIBA II- FAP

ELIANE CAETANO DA SILVA

ACERVO LOURIVAL VESGERAU: Documentação, História e Música em Curitiba entre 1930 à 1970.

CURITIBA 2015

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ELIANE CAETANO DA SILVA

ACERVO LOURIVAL VESGERAU: Documentação, História e Música em Curitiba entre 1930 à 1970.

Trabalho de conclusão do Curso de Bacharelado em Música Popular da UNESPAR - FAP, como requisito para obtenção do grau de Bacharel. Orientadora: Profª. Msª. Marília Giller.

CURITIBA 2015

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AGR

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AGRADECIMENTOS

A Deus por proporcionar em minha vida as condições necessárias para realização deste projeto. A minha família pelo apoio e pela compreensão. A Profª e Msª Marília Giller pela orientação e apoio. Ao pesquisador Tiago Portella Otto e ao Professor Sergio Deslandes, pela participação efetiva na pesquisa. Aos membros da banca Rosemari Brack e Allan Oliveira pelas observações construtivas. A família de Lourival Vesgerau: Esposa Dirce Santina Dorigo Vesgerau; filhos Jorge Luiz Vesgerau e Mauro Cesar Vesgerau; ao irmão Augusto Wosgerau e a sobrinha Eliane Wosgerau, pelas informações prestadas e pelo apoio à pesquisa. A Dante Luiz Dolenga e a Antônio da Cruz pelas informações prestadas. A todos os professores que fizeram parte do meu processo de graduação pelos conhecimentos fornecidos ao longo destes quatro anos. Aos meus amigos de curso: Beatriz, Bruno, Cristiano, Diogo, Guilherme, Gustavo, Janaína, Maria, Marlon e Rafael, pela amizade e pela troca de conhecimentos. .

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RESUMO

Este trabalho trata da descrição do processo de limpeza, organização e catalogação do material do acervo de Lourival Vesgerau, músico acordeonista que atuou como professor de acordeão e também como instrumentista em Curitiba no período de 1944 à 2010. Trata também do levantamento da história deste músico, de orquestras e músicos a ele relacionados e da história de clubes e sociedades onde se apresentou, tipo de música e de dança da época descrita entre 1930 até 1970. Observou-se que a importância histórico musical deste material, está no fato de estar composto por muitas partituras com arranjos para orquestra de diversas editoras que datam desde 1923, partituras para piano e teclado; antigas e mais recentes, e também métodos e repertórios para acordeão, bem como carimbos de orquestras que atuaram musicalmente em Curitiba, anotações e documentos que têm muito a revelar historicamente. Juntamente com a organização e o estudo do material, foram feitas pesquisas em fontes bibliográficas e também entrevistas com pessoas ligadas ao músico e à sua história. Após compilação e análise, as informações encontradas foram aqui descritas.

Palavras-chave: Acervo, Lourival Vesgerau, Música e História.

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ABSTRACT

This paper deals with the description of cleaning, organization and cataloging process of Lourival Vesgerau’s collecting material, accordionist musician who served as a professor of accordion and also as an instrumentalist in Curitiba during the period between 1944 and 2010. It also surveys the history of this musician, orchestras and musicians related to him, and the history of clubs and societies where he performed, type of music and dance of the time described between 1944 and 1970. It was observed that the musical historical importance of this material lies on the fact that it is composed of many scores with arrangements for orchestra from various publishing houses dating from 1923, sheet music for piano and keyboard, old and newer, methods and repertoire for sources accordion, stamps of orchestras which performed musically in Curitiba, as well as notes and documents which have plenty to prove historically. Along with the organization and the study of this material, researches were done in bibliographic sources as well as interviews with people connected to the musician and his history. After compiling and analyzing, the information found is herein described. Keywords: Collection, Lourival Vesgerau, Music and History.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1: Etiqueta da capa do método de Cítara-1888.........................................16 Ilustração 2: Augusto Wosgerau e Lourival Vesgerau- (1950)- Curitiba(PR)............18 Ilustração 3: Jorge Vosgrau e Lourival Vesgerau- (1950)- Curitiba (PR)...................21 Ilustração 4: Lourival Vesgerau- Acompanhando a equipe de canto da Paróquia Nossa Senhora do Rocio............................................................................................23 Ilustração 5: Lourival e alunas ..................................................................................26 Ilustração 6: Lourival, alunas e coral.........................................................................26 Ilustração 7: Lourival e aluna.....................................................................................26 Ilustração 8: Orquestra Oriental –Década de 60........................................................33 Ilustração 9: Orquestra Oriental –Década de 60 (Outra formação)............................34 Ilustração 10: Baile de Carnaval 1952- Clube Literário do Portão.............................37 Ilustração 11: Recorte do Jornal Paraná Esportivo 1957...........................................39 Ilustração12: Exemplar com a impressão da SBACEM.............................................41 Ilustração13: Exemplar com o carimbo da SBACEM.................................................42 Ilustração14: Acervo Lourival Vesgerau- Lotes recebidos.........................................44 Ilustração 15: Acervo Lourival Vesgerau- Limpeza e organização............................45 Ilustração16: Regional Vosgrau 1920 - Curitiba (PR)................................................49 Ilustração 17: Oriente Jazz Band -1930 - Curitiba (PR).............................................50 Ilustração 18: Oriente Jazz Band- carimbo e anotação..............................................50 Ilustração 19: Oriente Jazz Band- Assinatura e data.................................................50 Ilustração 20: Carimbo da Orquestra Luz...................................................................52 Ilustração 21: Exemplar da subsérie JV4- data de 27/11/1923..................................53 Ilustração 22: Livros com o repertório da Orquestra Oriental.....................................54 Ilustração 23: Instrumento Musical de Lourival Vesgerau..........................................61

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1:Diagrama demonstrativo da música na família...........................................15 Tabela 2:Divisão do material em séries e subséries..................................................46 Tabela 3: Modelo de catalogação dos arranjos para orquestras...............................47 Tabela 4: Lista de Códigos usados na catalogação..................................................47 Tabela 5: Série Jorge Vosgrau e subséries...............................................................48 Tabela 6: Músicas com carimbo da Oriente Jazz Band.............................................51 Tabela 7: Músicas com carimbo da Bacachery Jazz Band........................................52 Tabela 8: Músicas com carimbo da Brasil Jazz Band................................................52 Tabela 9: Músicas com carimbo da Orquestra Luz....................................................53 Tabela 10: Série Lourival Vesgerau e subséries........................................................54 Tabela 11: Repertório da Orquestra Oriental.............................................................55 Tabela 12: Lista de gêneros musicais da Orquestra Oriental....................................57 Tabela 13: Lista de métodos e partituras para estudo musical..................................58 Tabela 14: Lista das editoras e quantidade de catálogos..........................................59 Tabela 15: Gêneros Musicais do repertório de Lourival Vesgerau............................62 Tabela 16: Lista das músicas separadas por pares de gêneros...............................63 Tabela 17: Lista de partituras originais avulsas.........................................................65 Tabela 18: Lista de Álbuns de carnaval.....................................................................66 Tabela 19: Lista de Livros com Partituras..................................................................67

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................9

2 O ACERVO E A FAMÍLIA.......................................................................................12 2.1 A TRAJETÓRIA DO MATERIAL.........................................................................12 2.2 A FAMÍLIA DE MÚSICOS...................................................................................14 2.2.1 August Wosgrau................................................................................................16 2.2.2 Jorge Vosgrau...................................................................................................16 2.2.3 Augusto Wosgerau............................................................................................17 2.2.4 Outros Parentes................................................................................................18

3 LOURIVAL VESGERAU E A MÚSICA NO SEU TEMPO......................................20 3.1 LOURIVAL VESGERAU.......................................................................................20 3.1.1 O Acordeonista..................................................................................................21 3.1.2 O Professor.......................................................................................................23 3.2 A MÚSICA EM CURITIBA ENTRE 1930 A 1970.................................................27 3.3 JAZZ BANDS E ORQUESTRAS..........................................................................30 3.3.1 Orquestra Oriental.............................................................................................33 3.4 CLUBES E SOCIEDADES...................................................................................35 3.4.1 Clube Literário e Sociedade Beneficente do Portão........................................35 3.4.2 Sociedade Operária Beneficente 5 de Julho...................................................38 3.4.3 Sociedade Esportiva Vasco da Gama.............................................................38 3.4.4 Sociedade Água Verde....................................................................................39 3.5 COMÉRCIO DE PARTITURAS – SBACEM E UBC...........................................40

4 PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO DO MATERIAL ..............................................44 4.1 O MATERIAL EM ÍTENS E NÚMEROS...............................................................48 4.1.1. Série Jorge Vosgrau.........................................................................................48 4.1.2 Série Lourival Vesgerau....................................................................................54

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................68 REFERÊNCIAS.........................................................................................................70 ANEXOS....................................................................................................................72

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho é parte de um amplo estudo iniciado em 2006 e desenvolvido pelos pesquisadores Marilia Giller e Tiago Portella Otto, com o objetivo de fazer o levantamento da história da música de Curitiba e região, na primeira metade do século XX. Através desta pesquisa novas informações foram desvendadas, assim como, novos materiais foram localizados, deixando uma gama enorme de dados para serem estudados. Do montante do material recolhido para investigações, descreveremos neste trabalho o acervo do músico Lourival Vesgerau que manteve-se atuante em Curitiba no período de 1944 à 2010. A ênfase deste trabalho está no período entre 1930 à 1970, abrangendo além da história do músico Lourival Vesgerau, parte da história de Jorge Vosgrau, pai de Lourival, a época de efervescência das jazz bands e orquestras, dos clubes e sociedades e da grande procura pelo aprendizado no acordeão. Porém as informações descritas abrangem datas anteriores e posteriores a esta. Tomou-se conhecimento da existência do material aqui estudado em agosto de 2010, quando o Sr. Lourival Vesgerau foi contatado1 e colaborou com a citada pesquisa cedendo duas fotografias e informações sobre alguns músicos das fotos. Um deles, o músico Jorge Vosgrau, pai de Lourival fez parte da formação da Oriente Jazz Band uma das orquestras estudadas por Giller2, que atuou entre as décadas de 1930 à 1940, principalmente na Sociedade Universal no bairro Prado Velho em Curitiba. Lourival Vesgerau faleceu em 26 de janeiro de 2011 e em dezembro de 2013 o material musical que lhe pertencia foi entregue por seu filho Mauro Vesgerau ao NEMUP- Núcleo de Estudos da Música do Paraná - Documentação e Pesquisa3 para ser estudado, organizado e catalogado. Para esta pesquisa, além do estudo sistematizado do material, foi realizada a busca em outras fontes primárias, como os arquivos da Biblioteca Nacional, livros, 1

O contato foi feito pelos pesquisadores Marilia Giller e Tiago Portella Otto, através do professor Sérgio Deslandes, que colaborou com informações para a pesquisa dos mesmos. 2 GILLER, M. O Jazz no Paraná entre 1920 a 1940: um estudo da obra O sabiá, fox trot shimmy de José da Cruz. / Marilia Giller. (dissertação). Universidade Federal do Paraná. – Curitiba, 2013. 3 Organizado pelos pesquisadores Marilia Giller e Tiago Portella Otto, o NEMUP destina-se a estudar a música do Estado do Paraná em vários aspectos, dentro da linha da musicologia/etnomusicologia histórica. O núcleo está vinculado ao Grupo de Pesquisa em Música, História e Política da Universidade Estadual do Paraná – Campus II – Faculdade de Artes do Paraná - UNESPAR/FAP.

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sites, monografias e materiais que puderam complementar os dados encontrados no estudo do acervo. Também foram realizadas entrevistas com pessoas ligadas direta e indiretamente ao Sr. Lourival que, esclareceram fatos e forneceram novas informações. Foi realizado o levantamento junto a alguns dos clubes e sociedades onde Lourival e músicos ligados a ele se apresentaram na época que corresponde a aproximadamente de 1930 à 1970. Foi feito o levantamento das informações históricas encontradas no material do acervo, e relacionado com os dados já descritos, na pesquisa que objetiva revelar a história da música de Curitiba e região na qual os pesquisadores Marília Giller e Tiago Portella Otto vêm trabalhando. O acervo de Lourival Vesgerau apresenta um contexto musical da década de 1940 em diante, abrangendo também, no sentido inverso o acervo de Jorge Vosgrau, seu pai que foi músico na década de 1930 e um álbum incompleto para Cítara de 1888, pertencente a August Wosgrau, avô de Lourival. Ao estudar esse fenômeno cultural-local, pode-se contribuir sobremaneira para um resgate histórico musical de fundamental importância para a memória da música popular de Curitiba, proporcionando a divulgação dos resultados para a sociedade e a projeção da música paranaense em um contexto nacional. A relevância do estudo destes materiais reside na quantidade de conteúdo extenso e específico que revela em partes o panorama musical relativo à época e possibilita revelar tipos de músicas e danças, e trazer à tona a atmosfera dos bailes e festas ocorridos em Curitiba. No primeiro capítulo “O Acervo e a Família” estão descritos os dados coletados sobre a história do material e sobre os músicos da família de Lourival Vesgerau. Para obter estas informações foi feito o uso de entrevistas com roteiros semiabertos, onde as perguntas já formuladas foram baseadas nas observações do material do acervo, mas com abertura para o surgimento de outras questões. O segundo capítulo denominado “Lourival Vesgerau e a Música no seu Tempo” descreve a atuação de Lourival como acordeonista e como professor de acordeão, as características históricas dos clubes e sociedades onde ele se apresentou em Curitiba, as Jazz bands e orquestras da época e também o processo de distribuição de partituras que era realizado pela SBACEM4 e UBC5. 4

SBACEM - Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música; fundada em 9 de abril de 1946.

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Para descrever os dados deste capítulo foi feito o levantamento em fontes bibliográficas, sites, acervo digital da biblioteca nacional, entrevistas e estudo do material do acervo. No terceiro capítulo estão descritos os dados sobre o acervo: o processo de organização, e os resultados obtidos em ítens e números. Esta parte da pesquisa é quantitativa, e descreve a catalogação numérica do material. A metodologia usada foi a análise documental que segundo Oliveira (2007, p.69): “caracteriza-se pela busca de informações em documentos que não receberam nenhum tratamento científico, como relatórios, reportagens de jornais, revistas, cartas, filmes, gravações, fotografias, entre outras matérias de divulgação.”

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UBC- União Brasileira de Compositores; fundada em 22 de junho de 1942.

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2 O ACERVO E A FAMÍLIA

Descreve-se neste capítulo um breve histórico dos materiais procedentes do acervo de Lourival Vesgerau, que observados a partir de um esquema central, delineado após a separação dos itens que o compõem, apontaram para a importância de observar a formação e a vivência deste músico. Alguns dados sobre a história do material e a vida dos músicos da família foram coletados em entrevistas realizadas com pessoas próximas, utilizando-se roteiro semiaberto, com perguntas formuladas através da observação das características do material e das anotações nele encontradas. No decorrer da pesquisa, fotografias foram cedidas e descritas pela família e algumas delas fazem parte capítulo.

2.1 A TRAJETÓRIA DO MATERIAL

Em agosto de 2010, quando Lourival foi contatado, comentou em ceder o material musical que possuía para que fosse estudado, porém pelo fato de estar doente, veio a falecer no dia 26 de janeiro de 2011 e o material só foi entregue ao NEMUP - Núcleo de Estudos da Música do Paraná - Documentação e Pesquisa, em 15 de dezembro de 2013 por seu filho Mauro Vesgerau, em acordo com a decisão da família. O NEMUP foi iniciado em 20156, com o objetivo de estudar e rastrear fatos musicais, incluindo documentos, sujeitos, configurações e espaços artísticos, e também sistematizar e organizar dados culturais, sobretudo, observado em acervos e arquivos musicais paranaenses, possibilitando o seu restauro, catalogação, digitalização, edição e audição. O estudo do acervo de Lourival Vesgerau é uma pequena parte do atual projeto intitulado “Estudos da Música Paranaense – Acervos e Memórias”7, que têm conseguido revelar informações sobre o cenário musical de uma época em Curitiba e região da qual pouco ainda foi pesquisado e descrito. Nesta pesquisa, um volume de informações foi levantado e descobriu-se que

6. O NEMUP teve seu projeto desenvolvido em 2011 e oficializado em 2015. 7 Projeto inscrito no programa TIDE, em sequência do projeto finalizado em janeiro 2015, “Estudos Culturais do Paraná: o trajeto no inverso da história sujeitos, locais e manifestações”.

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houve uma grande produção musical de artistas paranaenses, durante a segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX. Produção da qual ainda há muitos dados a serem revelados. Como resultado destas pesquisas podemos citar a Dissertação de Marília Giller “O Jazz no Paraná entre 1920 à 1940: um estudo da obra O Sabiá, fox trot shimmy de José da Cruz” e diversos outros artigos sobre a música curitibana. Tiago Portella Otto publicou a dissertação: “José João da Cruz (1897-1952), compositor do Paraná: arquivo digital, esboço biográfico e catálogo geral” - 2015 – “O Sabiá Paranaense” em 2011 e o “Songboock do Choro Curitibano volume 1” em 2012. Livro este que além de várias partituras inéditas de choro de compositores curitibanos ainda engloba uma breve história de vários músicos por ele pesquisados. Giller, encontrou informações sobre Jorge Vosgrau que tocava acordeão na Oriente Jazz Band, e gaita ponto no grupo Regional Vosgrau e descreveu os dados levantados sobre sua história. Com o estudo do acervo de Lourival novos fatos surgiram complementando assim, esta pesquisa e gerando novos conhecimentos. No conteúdo do acervo pode-se observar partituras com arranjos para orquestras de diversas editoras que datam desde 1923 até 1975, partituras para piano, acordeão e teclado, tanto antigas quanto mais recentes; métodos para estudo de acordeão, documentos, e pastas organizadas com repertórios para orquestra e também para acordeão. São observados também no material, anotações, nomes de pessoas e carimbos de orquestras, principalmente da Orquestra Oriental, a qual Lourival era um dos integrantes. Segundo informações fornecidas em entrevista, Jorge Vesgerau 8, filho mais velho, informou que esses livros com partituras e arranjos para orquestra eram entregues a Lourival por seu primo Juli, que muito provavelmente trazia de São Paulo para onde viajava constantemente. Destaca-se assim a importância deste material em Curitiba que entre os anos de 1950 e 1960 não eram obtidos facilmente. Lourival avaliava o material e qualificava em qual repertório a música se encaixava melhor. Assim é bem comum encontrar anotações como: “Bom para Orquestra”; “Bom Osires”; “Bom orquestra caipira”; “Bom carnaval”; “Café”; “Bom Lourival” e “Bom acordeon”. As que não fariam parte de nenhum repertório ele escrevia “não”; “não vai”.

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VESGERAU, Jorge Luiz. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal.

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“Osires” fazia parte da Orquestra Oriental, cantava e tocava pandeiro; “Café” era o seu apelido. Havia um repertório próprio para o “carnaval” e Lourival tocava acordeão numa formação a que chamava de “Orquestra Caipira”, na qual observase um repertório mais voltado para música sertaneja raiz e música de quadrilha 9. O material pertencente ao acervo passou por processos de higienização, organização, catalogação e foi observado em suas características visando a descoberta de fatos históricos importantes.

2.2 A FAMÍLIA DE MÚSICOS

A música em família é uma tradição no Paraná. É fato que a música vem sendo difundida entre as gerações nos meios familiares. Este processo se repete até os dias de hoje, a cada geração e ciclo familiar, adaptando-se aos movimentos estéticos de cada tempo. Para Roderjan (1969), a música que foi praticada no seio familiar, os tradicionais serões familiares, conhecidos como Haus Musik além de servir de lazer, fazia parte da formação educacional. Como expõe Roderjan, (1969, p.177) “a música em família é uma tradição principalmente das famílias de imigrantes, como os Schleder, os Pletz, os Glaser, os Stresser, os Hauer, os Hertel, os Menssing, os Haupt, os Menezes, os Monteiro, os Diniz, os Assumpção e os Rosário.” Todos fizeram música doméstica, assim como outras famílias que ainda desconhecidas, tocaram nas sociedades, nos teatros e nos clubes sociais e literários, mantendo bandas ou pequenas orquestras familiares ou profissionais. Na família Wosgrau (Vosgrau, Vesgerau, Wosgerau) 10, de origem alemã, não

foi

diferente.

Segundo

relata

Augusto

Wosgerau

(2015,

p.01)

“as

comemorações da família eram agrupadas ao som de acordeão, banjo, cavaquinho e violão.” (Informação verbal)11. Neste capítulo vamos observar alguns dados levantados sobre esta família e apreender aspectos de como se desenvolveu a sua musicalidade. Com o estudo do acervo e o levantamento de dados sobre a sua história, percebemos a maneira 9

Há no acervo uma pasta denominada “Músicas para festas juninas”, onde é possível observar este repertório. 10 O sobrenome originário do idioma alemão é Wosgrau, devido a erros de cartórios, Jorge passou a ser Vosgrau, Lourival Vesgerau e Augusto Wosgerau. 11 WOSGERAU, Eliane. Relato de Augusto Wosgerau. Curitiba, 2015. Informação verbal.

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como a música esteve presente por cinco gerações. No acervo foram encontrados os materiais e com as entrevistas 12 complementou-se as informações sobre a vida musical familiar. Não encontrou-se mais dados que pudessem esclarecer a pesquisa sobre August Wosgrau, mas as informações confirmam que Jorge ensinou Lourival e Augusto. Lourival ensinou seu filho Mauro e os netos Carla L. Vesgerau e Jorge L. Vesgerau Filho, e também a sobrinha neta Marina L. Wosgerau Santos Kroker. Isto vem afirmar a constatação de Roderjan (1969, p.177) que diz que “a música no seio familiar era quase obrigatória”; e que realmente, “ela fazia parte da recreação, da educação e dos tradicionais serões familiares”. No diagrama é possível observar um breve histórico da vida musical através das cinco gerações da família.

1 geração AUGUST WOSGRAU Cítara 2 geração JORGE VOSGRAU Acordeão-Gaita ponto 3 geração AUGUSTO WOSGERAU Bateria-Saxofone 4 geração

5 geração Marina L. Wosgerau Santos Kroker – Teclado

3 geração LOURIVAL VESGERAU Acordeão-Piano-Teclado 4 geração MAURO VESGERAU Trompete 5 geração Carla L. Vesgerau – Teclado, Jorge L. Vesgerau Filho – Teclado

Tabela 1: Diagrama demonstrativo da música na família.

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Entrevistas realizadas com: Dirce Santina Dorigo Vesgerau; Jorge Luiz Vesgerau; Mauro Cesar Vesgerau, Dante Dolenga, Antônio da Cruz e Eliane Wosgerau.

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2.2.1 August Wosgrau

August Wosgrau foi o mais antigo músico da família a ser identificado. Foi encontrado no acervo um método para cítara, incompleto, escrito em alemão com seu nome na capa e com a data de 1888. Este método mais a declaração dos bisnetos Jorge e Mauro (2015), sobre a existência de sua cítara, apontam para o instrumento que August tocava. (Informação verbal)13 Os bisnetos acima citados, são filhos de Lourival Vesgerau, e afirmam que não conheceram o bisavô, devido ao fato do mesmo já ter falecido quando nasceram, mas lembram da cítara e afirmam que há pouco tempo ainda, a mesma estava no sótão da antiga casa onde o avô morava, localizada na rua Conselheiro Dantas no bairro Rebouças. (Informação verbal) 14

Ilustração 1. Etiqueta da capa do método de Cítara de August Wosgrau. Fonte: Acervo Lourival Vesgerau

2.2.2 Jorge Vosgrau

O músico Jorge Vosgrau, pai de Lourival Vesgerau, nasceu em Curitiba em 27 de abril de 1897 e atuou como músico entre as décadas de 1930 à 1940, principalmente na Sociedade Universal no bairro Prado Velho em Curitiba. Jorge 13 14

VESGERAU, Jorge Luiz; VESGERAU, Mauro Cesar. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal. Idem.

17

tocava acordeão e gaita ponto como integrante da Oriente Jazz Band e também do Regional Vosgrau. Segundo seus netos Jorge e Mauro (2015), ele vendeu sua gaita aproximadamente em 1963 e além de músico, era também alfaiate. (Informação Verbal) 15 Jorge tocou em Curitiba e região metropolitana com músicos como: João Gianini, José Kopp, Bendicto Ogg, Antônio Martins, Savino e Garibaldi. Músicos estes que faziam parte da Oriente Jazz Band.

2.2.3 Augusto Wosgerau

Augusto Wosgerau é irmão de Lourival e nasceu em março de 1925. Desde seus três meses de idade, reside na Rua Conselheiro Dantas, no mesmo lote onde ainda se encontra a casa de seu pai Jorge. Crescendo no meio musical, e participando das festas da família, Augusto desde cedo se interessou por aprender a tocar um instrumento. Incentivado por Jorge, foi estudar música com o Professor Benedicto Ogg na Rua José Loureiro, hoje centro de Curitiba. Com as aulas aprendeu a ler partituras e a tocar bateria e saxofone.

O saxofone, instrumento símbolo das Jazz Bands,

foi sua paixão.

Augusto além de músico trabalhava como motorista na empresa Souza Cruz de cigarros. (Informação verbal) 16 Augusto Wosgerau, relata que passou a acompanhar seu pai Jorge Vosgrau, como baterista em inúmeros eventos: Na animação de festas de Igreja no Bairro Preto em São José dos Pinhais e em bailes nas Sociedades Três Corações no Parolim, Cruzeiro na Mateus Leme e principalmente na Sociedade 5 de Julho no Xaxim em Curitiba. Para acessar a Sociedade 5 de Julho Augusto e Jorge carregando seus instrumentos, caminhavam da Rua Conselheiro Dantas até a esquina das 17 ruas Iguaçu com 24 de Maio onde apanhavam o Bonde que os levava ao Bairro do Portão. De lá continuavam caminhando até a Rua Francisco Derosso no Xaxim onde localizava-se a Sociedade. Quando o Baile acabava, às três horas da madrugada voltavam para casa a pé seguindo os caminhos feitos com base no traçado da BR 116 – atual Linha Verde - até o morro do Parolim e desciam para a Rua Conselheiro Dantas. O acordeão traziam nas costas, revezando-se pelo caminho. E a Bateria o leiteiro trazia outro dia, quando vinha fazer entrega do leite na região. Quando chegavam em casa, já quase amanhecendo o dia, Jorge Vosgrau, sob o olhar de Augusto, posicionava-se em frente a janela do quarto onde sua esposa 15

VESGERAU, Jorge Luiz; VESGERAU, Mauro Cesar. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal. Idem. 17 Bonde elétrico- transporte coletivo em Curitiba entre 1913 à 1952. 16

18

dormia e tocava sua “Gaita” fazendo serenata para Dona Olga Vosgrau. No dia seguinte a vizinhança comentava: “A Olga ganhou Serenata esta 18 madrugada. (Eliane Wosgerau 2015, p.02. Informação verbal)

Augusto também foi integrante da Orquestra Oriental, a qual Lourival, seu irmão mais novo, fazia parte e que descreveremos mais adiante. Segundo relata Augusto a sua filha Eliane, quando a orquestra se desfez: Para não afastar-se totalmente da música ele fazia, aos domingos, locução e transmissão de música em Serviços de Alto Falante – uma espécie de Correio Elegante – em Campos de Futebol. Entretenimento da juventude da época. Eram os chamados “Festivais”. Em um destes Domingos conheceu Leoni Furtado com quem se casou e a partir do casamento, assumindo outras responsabilidades, abandonou a música profissional. (Eliane 19 Wosgerau 2015, p.03. Informação verbal)

Ilustração 2. Augusto Wosgerau e Lourival VesgerauDa esquerda para a direita. Data aproximada 1948. Fonte: Acervo Lourival Vesgerau

2.2.4 Outros parentes

Ainda no relato de Augusto Wosgerau pode-se observar a informação de dois primos seus e de Lourival por parte da mãe Dona Olga, esposa de Jorge, que também faziam parte do meio musical deste período. 18 19

WOSGERAU, Eliane. Relato de Augusto Wosgerau. Curitiba, 2015. Informação verbal. Idem.

19

Eram “contemporâneos aos irmãos ‘Vosgrau’, Ubaldo Woellner e Eloy Woellner e integravam a Orquestra Luz tocando Clarinete e Sax respectivamente.” (Informação verbal) 20 “Ubaldo integrou também a Orquestra do Genésio e tocou Sax na antiga Boate Boneca do Iguaçu. Eloy igualmente integrou a Orquestra do Genésio, a Orquestra Osvald e o Conjunto Som Bacana”. (Informação verbal) 21 Estas informações apontam para a necessidade de investigar o outro lado da família, porém neste trabalho estes dados apenas estão sendo relatados e serão aprofundados em uma pesquisa futura.

20 21

WOSGERAU, Eliane. Relato de Augusto Wosgerau. Curitiba, 2015. Informação verbal. Idem.

20

3

LOURIVAL VESGERAU E A MÚSICA NO SEU TEMPO

Este capítulo, apresenta alguns dados sobre a trajetória de Lourival, observando sua atuação como acordeonista e professor de acordeão, e também características

históricas

de

clubes

e

sociedades

onde

se

apresentou,

principalmente com a Orquestra Oriental. Apresenta também algumas observações sobre as Jazz bands e orquestras em Curitiba, e sobre como se deu o processo de distribuição de partituras, realizado principalmente pela SBACEM - Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música e a UBC - União Brasileira de Compositores. Para obter-se as informações contidas neste capítulo realizou-se além do estudo dos materiais do acervo, também o levantamento em fontes bibliográficas, sites, acervo digital da Biblioteca Nacional e entrevistas.

3.1 LOURIVAL VESGERAU

Com o passar do tempo e entrelaçado na atmosfera musical, Lourival, nascido em 18 de abril de 1930, cinco anos mais novo que Augusto, também começou a fazer parte de atividades que eram rotina na família: a animação das festas familiares, e o ofício de abrilhantar bailes nos clubes e sociedades. Lourival Vesgerau, filho de Jorge Vosgrau e Olga Lídia Vosgrau, nasceu em Curitiba e atuou como músico desde 1944. Primeiro como acordeonista, depois como pianista e mais tarde também como tecladista. Entre 1945 à 1975 trabalhou na antiga fábrica de fósforo Pinheiros22 no bairro Prado Velho em Curitiba durante o dia e a noite dava aulas de acordeão. Ainda nos fins de semana tocava em bailes nas sociedades, clubes esportivos e literários de Curitiba. Na foto a seguir é possível constatar Jorge Vosgrau e Lourival Vesgerau, pai e filho, ambos com seus acordeões piano, como são chamados os modelos que possuem teclas na mão direita e botões na mão esquerda. Pai e filho tocavam juntos em casa e em bailes nas sociedades curitibanas desde 1944. 22

Empresa denominada Cia Fiat Luz de Fósforo, conhecida popularmente como Fábrica Pinheiros. A partir de 1992 passou a se chamar Swedish Match.

21

Ilustração 3. Jorge Vosgrau e Lourival VesgerauDa esquerda para a direita pai e filho. Data aproximada 1950. Fonte: Acervo Lourival Vesgerau

3.1.1 O Acordeonista

Lourival aprendeu a tocar acordeão desde criança e aos 14 anos já tocava em bailes com seu pai Jorge. As informações obtidas em entrevista com sua esposa Dirce e seus filhos Mauro e Jorge (2015), indicam que ele aprendeu a tocar o instrumento com seu pai que tocava de ouvido, e a partir dos 14 anos passou a estudar teoria musical e leitura de partitura com o professor Benedicto Ogg que era violinista, e fazia parte da Oriente Jazz Band, ao lado de Jorge. (Informação Verbal) 23 Mais tarde estudou com a professora Helena Zaleski no bairro Agua Verde. Esta era pianista e também tocava acordeão. Segundo afirma seu filho Jorge Vesgerau (2015), este período foi quando Lourival estudou música clássica, chegando a apresentar-se com Helena em alguns eventos, dos quais Jorge não sabe precisar datas e locais. (Informação Verbal) 24 Lourival morou sempre em Curitiba e apresentou-se com a Orquestra 23

VESGERAU, Dirce Santina Dorigo; VESGERAU, Jorge Luiz; VESGERAU, Mauro Cesar. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal. 24 VESGERAU, Jorge Luiz; VESGERAU, Mauro Cesar. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal.

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Oriental também em Paranaguá e Antonina, no litoral do Paraná. Não se sabe precisar ao certo a data, mas a Orquestra Oriental se desfez, e quando isso aconteceu, Lourival passou a tocar em outras orquestras, entre elas a Orquestra Sumaré25, na qual em algumas apresentações, Augusto Wosgerau, seu irmão, era convidado para atuar ou como baterista ou como saxofonista. Entre as apresentações feitas por Lourival em sociedades e clubes, até o momento não levantou-se dados sobre as datas destes eventos, nem mesmo com qual orquestra ou formação, mas segundo o relato de Dona Dirce, Jorge e Mauro, (2015, Informação Verbal) 26 pode-se citar: 

Sociedade Beneficente do Portão;



Sociedade Operária Beneficente 5 de Julho;



Sociedade Beneficente Internacional Água Verde;



Sociedade Vasco da Gama Futebol Clube;



Sociedade Universal;



Clube Recreativo D. Pedro II;



Clube Literário do Portão.

Em relatos seu aluno Dante (2015, p.01), nos conta sobre as apresentações de Lourival no Grêmio Esportivo Pinheiros entre os anos de 1961 à 1964: Eu descobri que o Sr. Lourival era gaiteiro, porque existia na empresa o Grêmio Esportivo Pinheiros, que promovia bailes para os seus funcionários e familiares. E nesses bailes se apresentavam as grandes orquestras existentes em Curitiba na época, com o número de componentes entre 20 e 30 elementos. Eu me lembro das Orquestras Sumaré e Aimoré, e só descobri que o Sr. Lourival tocava gaita porque em um desses bailes que eu participei, encontrei-o fazendo parte de uma delas, compondo o grupo que abrilhantava o baile, mas que não posso precisar o nome e nem afirmar se o Sr. Lourival era um membro permanente dessa orquestra, ou como funcionário que era da empresa, e com certeza possuidor de muitas amizades naqueles grupos, acabou colaborando para partilhar seus 27 conhecimentos ajudando a abrilhantar o baile. (Informação Verbal)

A partir de 1995, Lourival atuou como tecladista juntamente com seu filho Mauro, trompetista, em festas e casamentos. 25

GILLER. Marilia. O Jazz Curitibano: a trajetória musical do pianista Gebran Sabbag -1950 a 1960. Trabalho de graduação do curso de Bacharelado em Música Popular da Faculdade de Artes do Paraná- Curitiba,2007. 26 VESGERAU, Dirce Santina Dorigo; VESGERAU, Jorge Luiz; VESGERAU, Mauro Cesar. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal. 27 DOLENGA, Dante Luiz. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal.

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Mauro faz parte de uma época em que Lourival, já não tocava mais em orquestras e também já tinha poucos alunos. Para Lourival depois que surgiu a guitarra elétrica a procura pelo acordeão caiu bastante. Junto com Mauro, Lourival tocava teclado, onde fazia na mão esquerda apenas um acompanhamento básico, pois estranhava a falta dos botões dos baixos presentes no acordeão. Tocaram por muitos anos na Igreja do Rocio. (VESGERAU, 2015, Informação verbal)28 Mauro que aprendeu a teoria musical com seu pai Lourival, afirma ter tentado tocar acordeão, mas não ter se identificado muito com o instrumento. Durante os últimos oito anos de sua vida Lourival fez parte da equipe de canto da “Paróquia Nossa Senhora do Rocio” no bairro Rebouças atuando como acordeonista.

Ilustração 4. Lourival Vesgerau- Acompanhando a equipe de canto da Paróquia Nossa Senhora do Rocio. Data aproximada 2006. Fonte: Acervo Lourival Vesgerau

3.1.2 O Professor

O acordeão, instrumento principal de Lourival, será aqui observado num breve histórico, com o intuito de entender a sua trajetória social, e como foi valorizado e consumido por uma parte da sociedade curitibana, gerando desta forma, um interesse pelo aprendizado e pela aquisição do mesmo.

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VESGERAU, Mauro Cesar. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal.

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O primeiro modelo deste instrumento foi inventado em 1822, na cidade de Viena, quando Cirilo Demian, utilizando o sistema de palhetas do “cheng”, primeiro instrumento a usar este sistema, inventado na China há dois mil e setecentos anos antes de Cristo, inventou um pequeno órgão de quatro acordes que chamou de acordeão. (MASCARENHAS, 1978) Na França o acordeão foi aperfeiçoado por C. Buffet, e a partir desta data tomou a forma definitiva com a qual é conhecido hoje. (MASCARENHAS, 1978) O acordeão foi patenteado em 06 de maio de 1829, e em Londres , no dia 19 de junho do mesmo ano, Charles Wheatstone promoveu o primeiro concerto. Dessa época em diante o instrumento tornou-se popular e passou a ser símbolo de status. A partir de 1863, Paolo Soprani, trabalhou no desenvolvimento de novos mecanismos, mudando palhetas, até chegar a um perfeito acordeão para a época, passando então à sua industrialização. (MASCARENHAS, 1978) O acordeão é assim chamado por possuir acordes prontos nos botões dos baixos. Os modelos com 120 baixos possuem acordes maiores, menores, maiores com sétima e diminutos. Só é necessário apertar um botão para tocar cada um deles. No Nordeste do Brasil é comumente chamando de sanfona, no Sul de gaita, cordeona ou acordeona. O nome acordeão usado nesta pesquisa vem do termo acordeon em espanhol que foi assim adaptado para a língua portuguesa. Existem hoje, dois tipos básicos de acordeões, que são os que possuem teclas no lado que é tocado com a mão direita e botões no lado tocado com a mão esquerda, também chamado de acordeão piano, e o acordeão cromático, que é composto por botões nos dois lados. Chegaram ao Brasil junto com os primeiros colonizadores europeus, vindos da Itália, país onde até hoje se fabricam as marcas mais conceituadas de acordeão do mundo. (ZANATTA, 2005) Teve seu auge no Brasil de 1930 à 1960. Fábricas surgiram neste período principalmente nas regiões sul e sudeste. Métodos de ensino foram criados e partituras foram transcritas para o instrumento. Podemos citar como principal autor Mario Mascarenhas, que além de material didático fundou várias academias para o ensino do instrumento e organizou um grande número de apresentações coletivas onde reuniram-se diversos acordeonistas, professores e alunos. (ZANATTA, 2005) Zanatta (2005 p. 56) cita também como importantes autores de métodos de ensino e de criação de arranjos para o instrumento: “Alencar Terra, A. Franceschini, Honeyde e Adelar Bertussi, Antônio Pieroni, Rudi Beckauser e outros.”

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Neste período de efervescência do acordeão, houve também uma grande procura pelo aprendizado. Segundo Zanatta (2005) o interesse era maior por jovens do sexo feminino, pertencentes à classe média. O preço do acordeão na época, apesar de ser maior que o de um violão por exemplo, era menor que o de um piano. Este fator somado à facilidade em transportá-lo colaboraram muito para o crescimento da procura pelo aprendizado. Ainda segundo Zanatta (2005, p. 56) “em Curitiba, o acordeão infiltrou-se na cultura local quase de imediato”, foi facilmente adaptado para ser usado nas músicas folclóricas e regionais que aqui eram tocadas. A partir dos anos 1960 com o movimento do Rock e o surgimento de instrumentos elétricos a popularidade do acordeão caiu e muitas fábricas fecharam. (ZANATTA, 2005) Lourival além de seu trabalho na fábrica de fósforo, e de se apresentar em clubes e sociedades, também atuou como professor de acordeão. Teve épocas em que chegou a ter 40 alunos.

Ilustração 5. Lourival e alunas – Apresentação de final de ano- Grêmio Esportivo Pinheiros. Data aproximada 1965. Fonte: Acervo Lourival Vesgerau

Entre as fotos do acervo é possível ver alunas tocando juntas como em uma orquestra, (foto acima) e também acompanhadas de um coral (foto a seguir), durante uma apresentação no período natalino no Grêmio Esportivo Pinheiros, que pertencia à fábrica de fósforo. Lourival, conhecido na empresa como “Lourival Gaiteiro”, acompanhava as alunas no acordeão. O músico do violão até o momento não foi identificado.

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ilustração 6. Lourival, alunas e coral- Lourival com alunas numa apresentação de final de ano no Grêmio Esportivo Pinheiros. Data aproximada 1965. Fonte: Acervo Lourival Vesgerau.

Nesta outra foto (abaixo), aproximadamente do ano de 1975, ele se apresenta com uma aluna, e ao fundo é possível ver a bateria, microfones e amplificadores caracterizando uma época mais recente que nas duas fotos anteriores.

Ilustração 7. Lourival e aluna - Apresentação de natal no Grêmio Esportivo Pinheiros. ( Data aproximada 1975) Fonte: Acervo Lourival Vesgerau

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Dante Dolenga, foi aluno de Lourival no ano de 1964. Parou para priorizar seus estudos em outra área, e voltou a fazer aulas de acordeão apenas em 1995. Em entrevista Dante (2015), conta que Lourival ensinava à maneira clássica, utilizava o “Método para Acordeon do Professor Alencar Terra”29 e não dispensava a utilização de partitura. Segundo Dante Dolenga (2015), quando não havia partitura impressa da música a ser ensinada, Lourival identificava as notas de ouvido e transcrevia para uma partitura para ensinar ao aluno. (Informação Verbal)30. Este dado é confirmado, pois no material do acervo verifica-se grande número de partituras manuscritas para acordeão. O Sr. Dante (2015), conta ainda que Lourival tocava vários estilos musicais como música clássica, popular, folclórica, samba, choro, entre outros, porém até 1995 não tocava ainda música do estilo gauchesco como xote, vanerão, bugio e milonga por exemplo. E que ele, como aluno interessado nestes estilos, levou o professor Lourival a conhecer a música gauchesca para ensiná-lo. Conta ainda que Lourival a partir do momento em que conheceu aprendeu também a gostar muito deste gênero musical. Dante e Lourival reuniam-se e tocavam sempre às segundas feiras, e além de aluno e professor tornaram-se grandes amigos. (Informação Verbal) 31

3.2 MÚSICA EM CURITIBA ENTRE 1930 À 1970

Descreve-se aqui um breve histórico do desenvolvimento musical urbano, durante o século XX, tendo como foco, o ambiente em que Lourival se apresentou entre os anos 1930 à 1970 observando clubes e sociedades, a efervescência e circulação de jazz bands, big bands e orquestras de baile, fotografias, materiais musicais e edições da SBACEM e UBC. Para identificar características da história musical de Curitiba faz-se necessário observar a formação da população da cidade e região. Encontram-se primeiramente os indígenas nativos e os portugueses que chegaram a partir de 1554. Os negros também estavam presentes na população, mas em porcentagem muito pequena com relação às demais etnias. Nota-se também com o

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TERRA, Alencar. Método para Acordeon. São Paulo: Irmãos Vitale Editores, 1978. DOLENGA, Dante Luiz. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal. 31 Idem. 30

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início das chamadas entradas e bandeiras, a partir de 1628, a chegada de imigrantes poloneses, ucranianos, japoneses e italianos. Em 1829, surge a primeira colônia de alemães. Chegam os franceses em 1847 e os suíços em 1852. (GILLER, 2013). Segundo afirma Freitas (2009), a imigração alemã, polonesa e italiana foi intensa no século XIX e a economia do Paraná baseava-se na pecuária, produção de erva mate e café. Ainda segundo Freitas (2009) a partir de 1853, quando Curitiba se tornou sede da Província, a vida social intensificou-se e aí surgiram a fundação de sociedades para bailes, saraus e de um primeiro teatro em 1855. Ao observar o desenvolvimento da música no Estado do Paraná, percebe-se que suas primeiras atividades são registradas em Antonina, Morretes e Paranaguá. Tendo sido fundada em 1648, Paranaguá é a cidade mais antiga do Estado. A população que migrava para região, chegava em seu porto e necessitava atravessar uma barreira - a Serra do Mar - para alcançar o planalto paranaense, lugar onde hoje se encontra a cidade de Curitiba que foi fundada em 1693. Em 1853, tornou-se a capital da província do Paraná e desde então manteve um ritmo de crescimento contínuo. Divide-se assim a música em Curitiba em duas fases: antes e depois da transformação de Curitiba em Sede da Província (1853). Com a construção da linha ferroviária que ligava o litoral ao planalto curitibano, e ainda com os movimentos liberais e revolucionários, e com a chegada dos imigrantes incentivadores de iniciativas artísticas e de movimentos culturais, a música passou a ganhar mais espaços para sua prática. (GILLER, 2013). Surgem alguns estabelecimentos públicos com música, para a recreação e diversão, e aparecem os professores e as primeiras escolas. Começam a estabelecerse na região, lojas de partituras e instrumentos musicais importados. Pode-se citar, entre os estabelecimentos públicos com música, os clubes e as sociedades que começaram a surgir no início do século XX e tinham como finalidades auxiliar os operários e suas famílias e também proporcionar diversões artísticas e culturais. O grande foco eram os bailes onde as jazz bands e orquestras abrilhantavam as tardes e as noites dos associados e convidados e onde Jorge, Lourival e Augusto fizeram a maioria de suas apresentações. Ao longo do século XX até 1930, fatos históricos relacionados a modernidade surgiram e assim como em várias partes do mundo, Curitiba também se adaptou aos novos hábitos assimilados pela população a partir do final da Primeira Guerra Mundial. Entre esses fatos pode-se citar: o surgimento do Jazz, e as

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inovações tecnológicas, que Napolitano (2002, p.13) descreve como sendo: “a invenção da gravação elétrica (1927), expansão da radiofonia comercial no Brasil (1931-1933), desenvolvimento do cinema sonoro (1928-1933)”. A invenção do rádio vai ampliar e intensificar o contato da população com a música. Curitiba é agraciada com o pioneirismo da emissora de rádio aqui inaugurada representando a terceira emissora de rádio do país. Nasce a Rádio Clube Paranaense (P.R.B.2), em 27 de junho de 1924. No início do século XX, o Brasil desperta para o processo de criação da identidade Nacional Brasileira, marcada pelo Samba. Em Curitiba surge nas artes o “Paranismo”, que é identificado como um movimento integrado, em que políticos, intelectuais e artistas envolveram-se com a questão da definição de uma identidade local. Elementos da flora e fauna paranaense faziam parte da estilização paranista, entre os quais a araucária, a palmeira, a guabiroba, a pitanga, o maracujá, o café, a erva-mate e também a gralha-azul e os índios da região.32 Segundo descreve Sá Júnior (2006) em seu Livro “Vestido Branco: a aventura musical”, nos anos de 1960 o Paraná era o maior produtor de café do mundo, e grande era a arrecadação de impostos com a venda do produto. Munícipios do interior produziam e os lucros chegavam até a capital onde os prefeitos vinham receber sua parcela. Os grandes bancos tinham suas sedes nesta cidade e produtores e empresários aqui chegavam para com eles negociarem. Também vinham para a capital, jovens do interior para cursarem faculdade em diversas áreas. Toda essa circulação gerou riquezas e fez com que a cidade de Curitiba fosse durante este período um grande centro musical. Estes visitantes hospedavam-se em hotéis, e tanto os hotéis como os restaurantes, também o teatro, casas noturnas e clubes e sociedades ofereciam música ao vivo e de boa qualidade. A grande procura fez com que os cachês dos músicos aumentassem e novos talentos aparecessem. Esta efervescência durou até 1975, quando a geada negra destruiu grande parte da lavoura de café.

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PEREIRA, Luis Fernando Lopes. Paranismo: o Paraná inventado; cultura e imaginário no Paraná da I República. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1997.

30

3.3 JAZZ BANDS E ORQUESTRAS No Brasil, as primeiras evidências dos grupos Jazz bands, aparecem por volta de 1920 quando as orquestras de baile e os conjuntos denominados regionais, compostos basicamente por instrumentos como flauta, clarinete, bandolim, cavaquinho, violão, e percussão, foram substituídos por uma nova formação à base de instrumentos de sopro, bateria, banjo e piano. (GILLER, 2013, p. 61)

Com a evolução da tecnologia veio a possibilidade da gravação das músicas em discos, também a impressão de partituras e a projeção de filmes cinematográficos que vinham dos Estados Unidos e Europa e podiam ser acessados principalmente nas capitais dos estados brasileiros. O grande sucesso que na época o estilo musical conhecido como Jazz havia atingido, chamou a atenção dos músicos dessas capitais e logo também de cidades interioranas. Buscando acompanhar a evolução musical, obter sucesso e reconhecimento social, estes músicos começaram a adaptar seus grupos, observando a composição instrumental dos grandes grupos de Jazz. José Tinhorão Ramos cita as gravadoras que começaram a chegar ao Brasil no início do século XX como “responsáveis pela divulgação dos ritmos, das músicas e dos costumes americanos” (TINHORÃO, 1998, p.298). O nome Jazz band não é porque tocavam somente jazz, algumas também o tocavam, mas sim pela instrumentação, pelos arranjos orquestrais, pelos figurinos, postura, performance entre outros comportamentos que eram inspirados nos grupos que tocavam este estilo musical. As Jazz bands animavam bailes, festas e comemorações geralmente em clubes, sociedades e associações. Os ritmos eram na grande maioria dançantes. Os nacionais como o lundu, o choro, o samba, o frevo, o baião e o maxixe, e internacionais como o próprio jazz, o one-step, o fox-trot, o tango, o bolero, entre outros. Por volta de 1922, com a moda das Jazz bands, a bateria, instrumento inventado no sul dos Estados Unidos, começa a chegar ao Brasil. O saxofone que se tornou símbolo das Jazz bands, também se popularizou aqui nesta época. Na constituição instrumental a bateria formava o centro rítmico. Os instrumentos como o banjo, o piano e o contrabaixo acentuavam a rítmica e forneciam a sustentação harmônica no acompanhamento que caracterizava os diferentes estilos musicais que as Jazz bands executavam. Usava-se também o

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violino. Os instrumentos de sopro eram indispensáveis; os mais comuns eram saxofones, clarinetas, trombones, trompetes e por vezes flautas. Com o tempo, o violão passa a substituir o banjo e depois do surgimento da guitarra elétrica esta também passa a ser incorporada ao instrumental. (GILLER, 2013). Conclui-se de tudo isto que a instrumentação podia ser bastante variada. Algumas Jazz bands, em certas regiões do Brasil, acabaram inserindo em suas formações instrumentos regionais como o pandeiro e o acordeão. (GILLER, 2013) A formação da Oriente, serve de exemplo. Jazz band na qual Jorge Vosgrau tocava acordeão, percebe-se também a presença do pandeiro. Nota-se na ilustração 17 (página 50), a presença ainda da bateria, do violão, de dois banjos e de dois violinos. Os sopros são o saxofone e o trombone. Muitas foram as Jazz bands no Estado do Paraná. Giller (2013, p.63) cita as seguintes: “Tupynambá Jazz Band, Curityba Jazz Band, Velhos Camaradas Jazz Band, Record Jazz Band, Oriente Jazz Band, Ideal Jazz Sinfônico, Íris Jazz Band e Ideal Jazz Band”. No acervo de Lourival Vesgerau encontrou-se o carimbo das seguintes: Oriente jazz band, Bacachery jazz band e Brasil jazz band. A partir da década de 1930, o jazz passa a ter uma instrumentação mais arrojada e este evento marca o surgimento nos Estados Unidos, das grandes orquestras intituladas big bands. Segundo afirma Mello (2007, p.92): “a Era do Jazz foi engolida de vez pela Era do Swing, e as jazz bands pelas big bands”. Surgia a partir de então uma nova formação musical onde violino e viola foram abolidos, os sopros foram aumentados; havia naipes com três a quatro trompetistas e dois a três trombonistas. Os saxofones passaram para o número de três até cinco, e eram colocados à frente dos demais músicos. A bateria que ficava bem à frente nas jazz bands, agora era colocada no fundo do palco, e numa altura elevada. (MELLO, 2007) Todas essas novas mudanças afetaram o comportamento musical brasileiro, e as jazz bands então passaram a ser denominadas orquestras. Os padrões de arranjos musicais foram modificados, a sonoridade sofreu alterações devido às mudanças instrumentais. As vestimentas dos músicos agora eram geralmente trajes a rigor e as estantes de partituras apresentavam o logotipo da orquestra. (CALADO, 1990).

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Segundo Calado: Fosse nos cassinos, nos clubes de elite, ou nas gafieiras, o sentido de relação das orquestras com os frequentadores era o mesmo: em primeiro lugar, produzir música para dançar; segundo e em menor medida, proporcionar também uma espécie de espetáculo sobre o palco, tanto pelas roupas e uma coreografia mínima dos músicos, quanto pelo domínio técnico e a criatividade que estes demonstrassem em seus breves solos. (CALADO, 1990, p.243).

Pode-se perceber a importância das orquestras no cenário curitibano ao observar as descrições de Sá Jr. em seu livro “Vestido Branco: a aventura musical”. Neste livro o autor descreve as características dos estabelecimentos onde se davam as apresentações musicais, os principais músicos e orquestras e os tipos de músicas executados na época, que abrange os anos 1940 à 1970. A Orquestra do Genésio é citada como sendo de grande importância para a história da música curitibana. A sua formação é descrita por Sá Jr. (2006) com a seguinte: os naipes de três pistões (primeiro, segundo e terceiro), três trombones (primeiro, segundo e terceiro); cinco saxes (primeiro alto, primeiro tenor, segundo alto, terceiro tenor e barítono). Cita também a presença do piano, da bateria, do contrabaixo e da guitarra. No vocal o casamento entre vozes afinadas de três crooners, dois homens e uma mulher. A orquestra possuía um escritório-estúdio na Rua Riachuelo, e havia regras básicas para os músicos: Tocar no seco, nada de bebida; estar sempre muitíssimo bem arrumado e ensaiar e ensaiar. O figurino era de encher os olhos, guarda-roupa do tamanho de uma casa. Os músicos tinham smoking bordô, verde, lilás, cinza e branco. E nas camisas e estantes que serviam de apoio às 33 partituras, as iniciais: GR . (SÁ Jr. 2006 p.43)

Todo esse cuidado com a orquestra é explicado pela busca de tornar as apresentações um espetáculo que se aproximasse das que eram vistas nas telas do cinema. Sá Jr. (2006, p.41) comenta que: A elite curitibana tinha duas diversões familiares: ir ao baile aos sábados ao cinema e teatro – quando havia – em dias de semana. Então, os bailes deviam ter uma orquestra o mais parecida possível com aquelas que 33

Genésio Ramalho.

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apareciam nos filmes americanos, para alimentar o sonho de romantismo que começava nas telas. Foi assim que Genésio começou a fazer a diferença na cidade. Além dos excelentes músicos e da formação técnica que ele e o irmão, João Ramalho, possuíam, Genésio deu grande vantagem à sua orquestra ao descobrir uma fonte privilegiada para antecipar as trilhas sonoras de Hollywood.

No Paraná destacam-se ainda a Orquestra de Romualdo Suriani, a Jazz Manon de Gerdau do Rosário; o Baturitê dirigida por Harry Mulle; o Orquestra do Bepi, a Luz, a Sumaré, a Guarany e a Orquestra Oriental. ( Giller,2013)

3.3.1 Orquestra Oriental

A Oriental é uma das orquestras na qual Lourival atuou como acordeonista. Nos livros de partituras encontrados no acervo verifica-se que a formação da Orquestra Oriental estava dividida em Piano, Baixo, I Sax alto Mib, II Sax tenor, III Sax alto, IV Sax tenor Sib, I, II, III Piston e I Trombone. Na foto abaixo observa-se parte dessa formação e a presença de porta partituras personalizados com o nome da Orquestra e o símbolo. Percebe-se que a bateria está ao fundo. O diferencial é a presença de Lourival e seu acordeão. Fato não comum na formação das orquestras.

Ilustração 8. Orquestra Oriental –Década de 60 - Curitiba (PR) Músicos identificados: 1 Sano Santos (Baterista, de pé à esquerda) 2 Sanosil (vocalista, filha de Sano Santos) 3 Lourival (Acordeão). Demais músicos não identificados. Fonte: Acervo Lourival Vesgerau

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No material do acervo é possível localizar livros de partituras com o carimbo da Orquestra Oriental, datadas entre 12/10/1956 à 03/04/1961. O material contém além das datas e o carimbo, a assinatura do encarregado, senhor Sano Santos, que atuava na Orquestra como baterista. Os outros músicos identificados foram: Osires (pandeiro e vocal), Mética (violino), Sanozil, filha de Sano Santos (vocalista). Segundo Mauro Vesgerau, filho de Lourival, afirmou em entrevista, Mética era apelido, assim como o apelido do Osires era Café e o Lourival também era chamado de Kiki. (Informação verbal) 34

Na ilustração abaixo, aparece uma formação simplificada em relação a foto anterior, com um sax, percussão, bateria, um violino e acordeão. Segundo anotações encontradas no acervo provavelmente esta é a formação que Lourival chama de Orquestra Caipira, uma simplificação da Orquestra Oriental preparada para tocar músicas sertanejas raiz e música para quadrilhas. Esta observação pode ser reforçada com a presença no acervo de uma pasta denomina “músicas para festas juninas”.

Ilustração 9. Orquestra Oriental –Década de 60 - Curitiba (PR) Músicos identificados: 1- Sano Santos (Bateria), 2- Mética ( violino), 3- Lourival Vesgerau (acordeão), 4- Não identificado (saxofone), 5- Osires ( percussão). Fonte: Acervo Lourival Vesgerau

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VESGERAU, Mauro Cesar. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal.

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Entre os gêneros mais tocados pela Orquestra Oriental estão o samba, o bolero, o samba-canção e o baião. A listagem do repertório está descrita no capítulo 4.1.2, tabela 11 (página 55).

3.4 CLUBES E SOCIEDADES

Os clubes recreativos, beneficentes, esportivos, ginásticos ou musicais faziam parte das opções de lazer da cidade de Curitiba. Espalhavam-se pela cidade, em função, inclusive, da forte tendência do imigrante alemão às atividades associativas. (TRINDADE & ANDREAZZA, 2001). Os clubes eram destinados principalmente aos bailes, o teatro, o cultivo da literatura, jogos lícitos, esportes e encontros para discussões políticas e reuniões sociais. No acervo foi encontrada uma carta da “SBACEM” datada de 15 de julho de 1964, citando alguns clubes e sociedades de Curitiba e perguntando em quais a Orquestra Oriental havia se apresentado. O levantamento dos locais onde Lourival se apresentou, foi feito em entrevista e cada local citado foi investigado com o intuito de encontrar materiais históricos importantes relativos à música e obter informações sobre a história da instituição e também sobre Lourival e a Orquestra Oriental. Os dados obtidos estão descritos na sequência.

3.4.1 Clube Literário do Portão e Sociedade Beneficente do Portão

Em entrevista o senhor Antônio da Cruz (2015), que nasceu em 1940, diz ter crescido dentro do ‘Clube Literário do Portão’. Conta que sendo um lugar onde as famílias todas se conheciam e se respeitavam havia uma espécie de berçário onde os pais deixavam seus bebês e entre uma dança e outra vinham verificar como estavam. Ele era um desses bebês e desde jovem é funcionário do Clube. (Informação verbal) 35 O clube foi fundado em 21 de fevereiro de 1914, por cidadãos do bairro do Portão que queriam um lugar para se reunir, para bater papo, jogar baralho, etc.

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CRUZ, Antônio da. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal.

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Antônio conta que teve a oportunidade de estar presente em muitos bailes ali e na ‘Sociedade Beneficente do Portão’ que era vizinha a esta. Cita os gêneros mais tocados como o samba, o bolero e o baião: O bom dos clubes antigamente é que a Orquestra tocava mesmo, não tinha play back nada. Tocava o sopro, tocava o acordeão, tocava o violão. Se acabasse a luz parava o som amplificado, mas no original continuava. O som era diferente, mas não podia parar o baile, porque estavam ali os músicos, eles tinham capacidade e tocavam. (Antônio da Cruz 2015, p.01. 36 Informação verbal) .

Quanto a músicos curitibanos, Antônio cita com boa memória o Beppi e o Genésio. Afirma não lembrar, ou talvez não ter presenciado alguma apresentação da Orquestra Oriental. No período que o ‘Clube Literário do Portão’ ficou inativo, os moradores frequentavam a ‘Sociedade Beneficente do Portão’, que era no mesmo bairro. Antônio fala que teve a grande época dos clubes e das sociedades Operárias. Havia a Operária do Portão, a Sociedade Água Verde, D. Pedro II, Batel, Seminário, Juventus, Morguenau, o Clube 5 de Julho, entre outros. Quem frequentava o clube eram os associados, mas eles podiam convidar amigos para os bailes, então rapazes que vinham prestar o vestibular na cidade, normalmente participavam com um convite gratuito. Os convites eram distribuídos no centro acadêmico. Muitos casamentos resultaram desses bailes, e alguns são citados pelo senhor Antônio. Para Manuel Gustavo Schier sogro de Antônio e dirigente do clube Literário na época, os associados e os convidados, eram o oxigênio do clube. O objetivo era proporcionar divertimento e ele cuidava da melhor forma para que isto acontecesse. Sobre os bailes de carnaval Antônio conta que foram muito bons na época, e eram esperados com ansiedade principalmente pela juventude. Os grandes pontos eram o carnaval, os sarais, os cinemas, as matinês, e os bailes temáticos que aconteciam anualmente e eram grandes eventos sociais. (Informação verbal) 37

36

CRUZ, Antônio da. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal. Idem.

37

37

Ilustração 10. Baile de carnaval de 1952 no Clube Literário do Portão. Fonte: Acervo do Clube Literário do Portão

O clube literário ficou uma época “meio parado”, mas na sociedade Beneficente Operária do Portão aconteceram grandes shows. Antônio relata um deles: Numa segunda feira Erivelton Martins e suas Cabrochas. Eu pensei que ia cair aquela galeria da sociedade Operária porque ficou lotada. Ali foram grandes shows com Suspiro de Espanha, Cassino de Cevilha, Erivelton Martins, Rui Rey. Meu cunhado que era diretor da sociedade trouxe uma série de shows que ficaram inesquecíveis na época da sociedade Operária do Portão. Ele tinha as lojas Betega e era sócio com o Dr. Rubens Betega. E no negócio de propaganda de rádio, ele se dava muito bem com o Ubiratan Lustosa. Então os músicos já vinham para a rádio e daí faziam um encaixe para tocar no clube. E dava certo, a bilheteria era boa e o clube podia dar um bom cachê para os músicos e ainda podia se sustentar. 38 (Antônio da Cruz 2015, p.03. Informação verbal) .

Os bailes começavam às 9 horas da noite e o horário de acabar era 3 horas da manhã. Os sarais e matinês dançantes começavam às 5 horas da tarde e iam até 9 e meia da noite. Vários eram os ritmos dançados, mas os principais eram o bolero, o tango e o baião. Antônio (2015) conta que haviam fiscais que ficavam no salão cuidando para que os rapazes não encostassem seus rostos e muito menos seus corpos nas 38

CRUZ, Antônio da. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal.

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moças. Ao primeiro flagrante faziam sinais indicando que haviam visto, no próximo desacato o jovem era convidado a se retirar do salão. (Informação Verbal) 39 O clube ‘Literário do Portão’ ainda encontra-se em funcionamento.

3.4.2 Sociedade Operária e Beneficente 5 de Julho A Sociedade Operária e Beneficente ‘5 de Julho’, foi provavelmente a primeira que Lourival se apresentou, desde os 14 anos com seu pai. Esta Sociedade foi fundada em 1933, e em 1958 chegou a iluminação elétrica no bairro e na sociedade que usava até então um gerador a gasolina de 1.000 wts que foi adquirido em 1948, quando foi inaugurado o novo salão. “Durante os bailes, além do bar funcionava a cozinha, com café, pastel e bife. Assava-se também churrasco. Todos esses serviços eram feitos pelos diretores da sociedade e suas esposas” (Conhecendo o Seu Bairro, 2009) 40. Esta sociedade também teve seus anos de glórias, mas com o passar do tempo os bailes já não eram mais tão frequentados e os jovens começam a preferir os grandes bailões públicos, onde a disciplina era menos rígida. E os sócios que agora tinham o INSS e o SUS41, já não dependiam mais dos auxílios oferecidos pelo clube. Com a decadência, o terreno onde funcionava o clube foi doado para a Prefeitura Municipal de Curitiba para ser construído no local a Escola Municipal Francisco Derosso e um complexo esportivo. Apenas a fachada foi mantida, enfatizando a grande importância histórica que tem o Clube para o bairro do Xaxim.42

3.4.3 Sociedade Vasco da Gama Futebol Clube

No recorte de jornal da ilustração seguinte que data do ano de 1956, podemos notar o prestígio que a Orquestra Oriental tinha na época. Nos noticiários do Jornal Paraná Esportivo de onde vem esta ilustração é

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CRUZ, Antônio da. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal. Conhecendo o seu Bairro. Disponível em: Acessado em: 14/08/2015. 41 INSS- Instituto Nacional do Seguro Social; SUS- Sistema Único de Saúde. 42 Esta fachada encontra-se na Rua Francisco Derosso, 905- Bairro Xaxim. 40

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possível constatar que nos anos de 1956 e 1957, a Orquestra Oriental “abrilhantava” os bailes na sede da Sociedade ‘Vasco da Gama’.

Ilustração11: Recorte do jornal Paraná Esportivo, página 4. Curitiba, 08 de junho de 1956. Fonte: Acervo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Esta sociedade ficou conhecida popularmente como “Vasquinho”, e depois de algum tempo na ativa, permaneceu fechada até 09 de janeiro de 2012. Quando foi reaberta com o nome de Arena Mercês e promovia bailes para terceira idade, além de festas com música sertaneja e forró. Mas em 28 de junho do mesmo ano, segundo notícia do Jornal Gazeta do Povo43 (2012), seu fechamento foi determinado em decisão judicial devido a irregularidades como: índice de poluição sonora acima dos limites máximos permitidos pela lei e a falta de autorização de funcionamento do corpo de bombeiros e da prefeitura.

3.4.4 Sociedade Beneficente internacional Água Verde

Esta Sociedade foi fundada em 1905 e em novembro de 1963, José Borba Filho, presidente da Sociedade na época, teve o cuidado de levantar a história desde a fundação até aquele ano e escrevê-la para gerações futuras. Em 2014 Osni Rolim Moura juntou este registro, escreveu a história dos anos restantes e editou um livro. Para o autor, A Sociedade Beneficente Internacional da Água Verde “foi criada com a finalidade de auxiliar os operários e suas respectivas famílias em casos de doenças, acidentes e falecimentos, bem como proporcionar diversões variadas de cunho artístico, cultural e recreativo.” (MOURA, 2014 p. 21).

43

TJ-PR determina fechamento do “Vasquinho”. Disponível em: Acessado em 03/09/2015.

40

As sociedades operárias auxiliavam as famílias de diversas formas, suprindo o que o SUS, o INSS e assistência social fazem hoje pelos trabalhadores. Mas outro papel da sociedade era também proporcionar diversões e para isto o grande foco eram os bailes para os quais eram contratadas orquestras e bandas. Os bailes temáticos que aconteciam anualmente eram: o baile de carnaval, o baile da saudade, o baile da cerveja, o baile do chope, o baile das mães, o baile dos namorados, o baile junino, o baile dos pais, o baile de aniversário do clube, o baile do Havaí, o baile do horror, o baile de natal, entre outros. Em 1992 a Sociedade passou a se chamar ‘Sociedade Recreativa Internacional da Água Verde’ e novas atrações foram instaladas: piscinas, saunas e parceria com academia de musculação. A sociedade precisou se adaptar para continuar sua existência e manter o interesse dos associados, mas os bailes ainda acontecem e continuam sendo muito bem apreciados nos dias atuais. 3.5. COMÉRCIO DE PARTITURAS – SBACEM E UBC

A SBACEM e a UBC na época em que Lourival recebia os catálogos encontrados no acervo, eram responsáveis pela arrecadação dos direitos autorais, dos seus filiados. As editoras juntavam nos catálogos os arranjos de acordo com a filiação dos compositores e por vezes imprimiam os dados das associações aos quais estes eram filiados. Estes catálogos eram fornecidos gratuitamente às associações para que fizessem a divulgação. Quando não haviam dados impressos, o catálogo recebia o carimbo da entidade. Por isso observa-se a presença de dados impressos e também de carimbos. Os grupos e músicos interessados ou compravam em lojas de partituras os catálogos que estavam à venda, ou se morassem em uma cidade onde havia escritórios das associações poderiam retirar gratuitamente este material. No acervo encontram-se muitos arranjos completos para instrumentos de orquestra, os quais os músicos só precisavam executar, e lógico, pagar os direitos autorais às associações, que deveriam fazer estes direitos chegarem aos seus associados.

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Juli que era primo de Lourival, viajava constantemente para São Paulo onde havia na época, um escritório da SBACEM e também um escritório da UBC e é de onde provavelmente ele lhe trazia estes catálogo. (Informação Verbal) 44 No acervo de Lourival Vesgerau foram separados 10 lotes de partituras e observadas durante o ano de 2014, quando foram tomadas as primeiras medidas de limpeza e organização do material. No montante foram encontradas 2865 melodias cifradas e 1694 partituras para orquestras, impressas em catálogos por 63 editoras.45 Nestes catálogos encontram-se, carimbos, assinaturas, códigos, anotações manuscritas, e as seguintes frases impressas:

1) COLIGAÇÃO SBACEM- SADEMBRA-SBAT- EXEMPLAR INVENDÁVEL; 2) DIREITOS DE EXECUÇÃO CONTROLADOS PELA SBACEM; 3) SBACEM- DISTRIBUIÇÃO GRATUITA; 4) OFERTA DA UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES-UBC.

Ilustração12: Exemplar com a impressão da SBACEM. Fonte: Acervo Lourival Vesgerau.

E os seguintes carimbos:

1)

PROPAGANDA DA COLIGAÇÃO SBACEM- SADEMBRA-SBAT

2)

COLIGAÇÃO SBACEM- SADEMBRA-SBAT

3)

DIREITOS DE EXECUÇÃO CONTROLADOS PELA SBACEM-

DISGRIBUIÇÃO GRATUITA. 44

VESGERAU, Jorge Luiz. Entrevista. Curitiba, 2015. Informação verbal. A listagem das 63 editoras respectivamente com o número de catálogo de cada uma está descrita na tabela 14 (Página 59) 45

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4)

SBACEM GRÁTIS;

5)

HOMENAGEM DA SBACEM;

Ilustração13: Exemplar com carimbo da SBACEM. Fonte: Acervo Lourival Vesgerau.

A SBACEM - Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música, com sede na cidade do Rio de Janeiro, foi fundada em 9 de abril de 1946. É uma associação civil sem finalidade de lucro e sem distinção de nacionalidade, constituída para a defesa moral e material de seus associados e desenvolvimento cultural, dos quais é mandatária pelo simples ato de filiação, nos termos do disposto no Decreto Lei nº 34.850, de 29 de dezembro de 1953, que a reconheceu como entidade pública federal e em conformidade com a Constituição Federal da República Federativa do 46 Brasil.

A SBACEM atualmente é uma associação civil integrada ao ECADEscritório Central de Arrecadação e Distribuição que é o ”único órgão autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (pela Lei nº 9610) a arrecadar direitos autorais de execução pública musical e dos que lhe são conexos.” 47 A SBACEM foi a fundadora do ECAD e a primeira a se adequar às leis que regulamentaram o direito autoral no Brasil. Atualmente possui cerca de 18 mil associados, entre autores, intérpretes, músicos, editores e produtores fonográficos. No Brasil a arrecadação dos direitos autorais atualmente é feita exclusivamente pelo ECAD, que é uma “associação de natureza privada, sem

46

SBACEM- Quem somos. Disponível somos.html > Acessado em: 04/09/2015. 47 Idem.

em:

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