ACESSO À JUSTIÇA, COMPETÊNCIA TERRITORIAL, GARANTIA DE EMPREGO E FORMALIDADES EXCESSIVAS

July 6, 2017 | Autor: Edilton Meireles | Categoria: Acesso à Justiça, Direito Processual do Trabalho, Competência Territorial
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ACESSO À JUSTIÇA, COMPETÊNCIA TERRITORIAL, GARANTIA DE EMPREGO E FORMALIDADES EXCESSIVAS Revista de Direito do Trabalho | vol. 134 | p. 34 | Abr / 2009 DTR\2009\281 Edilton Meireles Doutor em Direito (PUC-SP). Professor da UFBa (graduação/mestrado e doutorado). Juiz do Trabalho do TRT-5.ª Reg. Área do Direito: Constitucional; Trabalho Resumo: No presente trabalho o autor traça os contornos da garantia do acesso à justiça do ponto de vista material, apontando sua aplicação diante das regras de competência territorial e das exigências do cumprimento de formalidades processuais. Destaca, ainda, a necessidade de se garantir a permanência no emprego como forma de dar efetividade ao princípio do livre acesso à justiça. Palavras-chave: Acesso à justiça - Competência territorial - Estabilidade - Formalidades processuais Abstract: In this paper the author outlines the contours of the security of access to justice on the material, indicating its application before the rules of territorial jurisdiction and the requirements of compliance with procedural formalities. Stresses also the need to ensure permanence in employment as a means of giving effect to the principle of free access to justice. Keywords: Acess to justice - Territorial jurisdiction - Stability - Procedural formalities Sumário: - 1.Do princípio do acesso à justiça e seus desdobramentos - 2.Regra de competência territorial e acesso à justiça - 3.Garantia do emprego como instrumento de acesso à justiça - 4.Formalidades excessivas - Referências bibliográficas

Introdução No presente texto pretendemos discutir o princípio do acesso à justiça e seus desdobramentos, procurando apontar as regras que deveriam do mesmo. Tal estudo, por sua vez, impõe-se para possibilitar uma leitura dessa cláusula constitucional como garantia de efetivo acesso à prestação jurisdicional em todos os graus que compõe o Poder Judiciário Nacional. Procuraremos, ainda, abordar neste trabalho os reflexos do princípio do acesso à justiça nas regras de definição da competência territorial, na garantia do emprego e quanto às exigências formais excessivas. 1. Do princípio do acesso à justiça e seus desdobramentos O princípio do acesso à justiça, previsto em norma constitucional, pode ser definido como aquele que assegura o acesso à jurisdição, ou seja, que garante à pessoa o direito de se dirigir ao judiciário para pleitear a satisfação de seu direito. É a partir do princípio do acesso à justiça que extraímos, por sua vez, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, sendo, este, aliás, também expresso na Constituição Federal (LGL\1988\3). Este último é subprincípio daquele outro, pois, ao certo, quando se assegura o acesso à justiça, por óbvio se assegura o direito à apreciação judicial de qualquer ato apontado como lesivo. Torna-se, assim, imperioso que nenhuma lesão ou ameaça de direito esteja excluída de apreciação do Judiciário enquanto desdobramento do princípio do acesso à justiça. E para instrumentalizar esse princípio é que o direito processual regula o direito de ação. Mas, como dito acima, o princípio do acesso à justiça não apenas formalmente assegura a Página 1

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inafastabilidade do controle judicial ou o direito de ação. Ele, em verdade, somente se realiza quando, concretamente, esse acesso é assegurado. Não basta, pois, apenas formalmente "abrir as portas" do Judiciário. É preciso, sim, assegurar as condições para que o jurisdicionado possa materialmente adentrar no prédio, de modo a tornar concreto esse princípio. O exemplo clássico é o da pessoa pobre que não tem condições de arcar com os custos do processo judicial. Neste caso, de nada vale lhe assegurar o direito de ação se dele não pode fazer uso por falta de dinheiro para pagar as custas processuais. Daí surge, então, o direito de assistência judiciária, com a isenção ou dispensa do pagamento das despesas processuais por quem não tem condições materiais de pagar pelas mesmas. Através dessa isenção, portanto, assegurasse aos mais necessitados o direito de acesso à justiça. Observe-se, no entanto, que a Carta Magna (LGL\1988\3) assegura a gratuidade e a assistência jurídica aos necessitados (art. 5.º, LXXIV, da CF/1988 (LGL\1988\3)). Gratuidade e assistência jurídica, duas coisas distintas. Uma a isenção das custas processuais, a outra a assistência jurídica profissional. Isso porque, de nada adianta assegurar o acesso à justiça se a pessoa não tem conhecimento técnico para postular ou não dispõe de recursos financeiros para arcar com as despesas respectivas. Esse direito à gratuidade e à assistência jurídica, portanto, servem de instrumento à concretização do princípio do acesso à justiça e da sua própria efetividade. Busca, em suma, concretizar a igualdade material. E é a partir dos exemplos acima que se extrai uma regra basilar: a de que o legislador infraconstitucional não pode estabelecer condições ou requisitos de uso do direito de ação de modo a anular, na prática, esse direito fundamental. Assim, de logo, podemos apontar duas conseqüências decorrentes do princípio do acesso à justiça: a primeira, a inafastabilidade do controle jurisdicional, que resulta no direito de ação; a segunda, a vedação de regras ou atos que impedem o acesso à justiça, inclusive através de exigências de requisitos não-razoáveis ou impeditivos ao exercício do direito de ação, o que implica na nulidade dos atos que criam dificuldades ou impedem o exercício do direito de ação. Neste último sentido, o legislador infraconstitucional também não pode exigir outras condições ou requisitos a serem observados para que seja possível a tutela definitiva, ou seja, a tutela de mérito. Seria a hipótese de o legislador exigir que o autor da demanda efetuasse um depósito prévio correspondente ao valor de seu pedido de condenação pecuniária, para garantir o ressarcimento de danos ao réu caso a ação seja julgada improcedente. Na prática, a exigência desse requisito anularia, na maior parte dos casos, ao certo, o direito de ação. Mas o princípio do acesso à justiça apenas não veda os atos que impedem o exercício do direito de ação, mas também agasalha o princípio da duração razoável do processo. Isso porque, de nada adianta assegurar o direito de ação se esta não conduz a uma decisão judicial, ou a conduz de forma retardada, ou, ainda, quando esta não se efetiva. O princípio do acesso à justiça, portanto, não só assegura a inafastabilidade do controle jurisdicional e veda regras ou atos que impedem o acesso à justiça, como também agasalha a efetividade da justiça em prazo razoável. Em suma, o princípio do acesso à justiça oferece as portas de entrada e as portas de saída. Assegura o acesso e garante a efetividade da decisão que se busca, pois de nada adianta apenas assegurar o direito de ação se este não está acompanhado da garantia de que a justiça irá, num prazo razoável, oferecer resposta à demanda. Deve ficar claro, ainda, que quando se fala em tutela tempestiva, também se quer se referir à possibilidade de realização da prestação jurisdicional ao tempo da lesão ao direito, e não apenas longos anos após. Não se pode reduzir o direito à tutela tempestiva, assim, ao simples término da demanda judicial em tempo razoável. Deve-se, incluir, neste preceito constitucional, também o direito do indivíduo ter efetivo acesso à tutela judicial em tempo e momento razoável, de modo que possa usufruir o direito de forma contemporânea à sua aquisição. Do dito acima, temos, então, que os requisitos ou condições processuais devem passar pelo crivo Páginado 2

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princípio da razoabilidade. O que foge ao razoável, anulando na prática, o direito de ação, há de ser considerado inconstitucional. É a partir desse princípio, por exemplo, que se pode questionar a constitucionalidade da norma que estabelece a prévia tentativa de conciliação antes do ingresso da ação trabalhista. A pergunta que se coloca é: será que essa regra não cria um obstáculo ao efetivo direito de ação (de acesso à justiça). Da mesma forma, a partir desse princípio se pode questionar a regra de competência territorial. Será que a regra prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, não estaria, em determinados casos concretos, impedindo o acesso à justiça? E mais, será que alguns atos praticados pela empresa, ainda que sobre a forma de ameaça, não criariam impedimentos ao efetivo exercício do direito de ação por parte do trabalhador? Da mesma forma, estar-se-á diante da violação desse princípio quando se estabelecem excessivas formalidades para validade do ato. Abordamos, assim, adiante, essas três últimas questões mencionadas. 2. Regra de competência territorial e acesso à justiça Imaginem uma hipótese em que o trabalhador foi contratado e sempre prestou serviços em Porto Alegre, mas, depois de despedido, retornou à sua terra natal em João Pessoa, na Paraíba, e nesta última cidade ingressou com sua demanda trabalhista. Aplicando-se a regra da competência territorial prevista na Consolidação das Leis do Trabalho teríamos que a demanda deveria ser ajuizada na capital gaúcha. A partir daí, no entanto, estaríamos, de fato, diante de uma situação na qual a aplicação da regra de competência territorial, prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, se aplicável no caso concreto, resultaria na efetiva negativa de jurisdição ao autor da demanda. Isso porque, em concreto, em geral, dada às condições econômicas do trabalhador, a ele se torna impossível ou de dificílima possibilidade se deslocar até a cidade distante da qual reside para poder ajuizar sua demanda em face do ex-empregador. É certo que, em diversas situações, seria extremamente dispendioso para a empresa o seu deslocamento para responder e acompanhar a reclamação trabalhista no domicílio do autor. Contudo, o eventual deslocamento dessa competência para o local da prestação de serviços, resultará, diante do caso concreto, na própria negativa do acesso à justiça, se o autor não dispõe de recursos financeiros suficientes para bancar as despesas respectivas. Em outras palavras, ao se aplicar a regra da Consolidação das Leis do Trabalho, em situações como tais, estar-se-á diante de uma situação na qual o direito constitucional de acesso à jurisdição e de efetividade da justiça restará totalmente violado, em seu aspecto material (substancialmente), pois não basta assegurar essas garantias formalmente. É preciso materialmente assegurar tais direitos fundamentais. É certo, porém, que a demandada também tem o direito constitucional ao devido processo legal, inclusive com a aplicação da regra de competência territorial. Surge, no entanto, nestes casos, uma situação na qual estamos diante de dois direitos constitucionais fundamentais em conflito: o direito de acesso à justiça em conflito com o direito ao devido processo legal. Ensina, porém, em resumo, a doutrina que, diante do conflito entre dois direitos fundamentais, deve prevalecer aquele que impõe menor sacrifício à pessoa. E, in casu, entre o direito (substancial) de acesso à justiça e o direito ao devido processo legal (com respeito às regras processuais infraconstitucionais), aquele primeiro deve prevalecer, até porque sem ele não se pode concretizar este outro. É preciso ressaltar, ainda, que, antiga doutrina, já acolhida pelo STF, entende que, diante do caso concreto, a norma possa ser tida como inconstitucional (materialmente), sem a necessidade de declará-la em tese, em abstrato, de modo formal. No Brasil, a doutrina sobre inconstitucionalidade formal e material foi introduzida pelo Min. Bilac Página 3

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Pinto, ao analisar a situação das leis fiscais que, na prática, têm carga fiscal tão exagerada sobre a atividade tributada que perturbam o seu ritmo, resultando ônus excessivo, dificultando-a, embaraçando-a ou desencorajando-a. Tal inconstitucionalidade, pois, teria a característica de só ocorrer no caso concreto apreciado e de poder coexistir com a constitucionalidade formal da lei em apreço. Posteriormente o STF reconheceu que a inconstitucionalidade material poderia ocorrer também com relação a leis de outra natureza, sempre que, no caso concreto, verificasse que a sua aplicação violaria direito constitucionalmente protegido ( RE 72.071/GB, rel. Min. Thompson Flores, DJ 15.10.1971). Assim, em diversas hipóteses, aplicar a regra de competência territorial prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, seria negar o direito constitucional de acesso à justiça. Logo, diante do caso concreto, deve ser afastada a aplicação da regra infraconstitucional, tendo-a como inconstitucional materialmente, de modo a fazer valer a garantia estampada na Carta Magna (LGL\1988\3) do acesso à justiça. 3. Garantia do emprego como instrumento de acesso à justiça Foi dito acima que assegurar a tutela efetiva não é apenas o Estado tornar concreta a prestação jurisdicional, é também assegurar à pessoa condições dela poder alcançar a tutela efetiva. Fazer efetiva a tutela jurisdicional, portanto, também significa assegurar todas as condições materiais para que a pessoa possa pedir e obter a prestação jurisdicional, ou seja, tenha material e efetivo acesso à justiça. Neste sentido, é óbvio, ainda, que o uso da faculdade de fazer valer o direito à tutela judicial não pode acarretar ao indivíduo a perda de outro direito, pois se tal ocorrer, estar-se-á diante de uma tutela ineficiente e ineficaz. Ora, quando se diz que o Estado deve assegurar a tutela efetiva se quer afirmar que com a sua satisfação o detentor do direito protegido não pode sofre nenhuma perda, sob pena de não se concretizar a ordem jurídica de forma plena. Não teria lógica, portanto, ao assegurar o direito à tutela efetiva, se o Estado não garantisse a proteção de direitos que podem ser atingidos pelo ato de demandar em juízo. Do contrário, o direito constitucional à tutela efetiva seria mera balela, obra ficcional, pois quem tem algo de valor significativo a perder, em regra, não se sujeita a agir de modo a criar uma oportunidade ou pretexto para sofrer essa perda. Cabe ao Estado, portanto, fazer valer o direito de acesso à justiça de forma integral, eficiente e eficaz, agindo de modo a impedir todos atentados a esse direito fundamental, ainda que preventivamente. Em outras palavras, "para lograr dita efetividade plena da tutela judicial resulta imprescindível estabelecer algum mecanismo protetor que impeça que quem recorra aos tribunais para a tutela de seus direitos resulte prejudicado em seus interesses pessoais ou profissionais como conseqüência disso, pois, do contrário, só formalmente poderia se falar de tutela efetiva. Nesta perspectiva, a garantia de indenidade 1 viria a fechar o círculo de instrumentos básicos a serviço da efetividade da tutela judicial, cujo núcleo forma o direito de execução das resoluções judiciais e as medidas cautelares, pois que resultaria incompleto sem a interdição de eventuais represálias por razões do exercício da ação judicial". 2 Daí porque se coloca a seguinte pergunta: será que o Estado assegura a tutela efetiva ao empregado que demanda seu empregador, no curso da relação de emprego, e, por tal ato, aquele vem a ser despedido arbitrariamente? A resposta, necessariamente, do ponto de vista da substância do direito constitucional, há de ser negativa. Isso porque, na prática, por possível ato do provável demandado, o direito de ação do empregado será anulado. Em outras palavras, o empregado em face do provável ato de despedida do empregador que vem a ser demandado, em regra, não tem condições de fazer uso do direito de acesso à justiça. Logo, o Estado, neste caso, não estaria assegurando o direito à tutela efetiva, justa e tempestiva, além de não garantir, na prática, o princípio do acesso à justiça a todo e qualquer momento. Tais direitos apenas seriam assegurados, na prática, após a despedida do empregado. Página 4

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Ora, quando a Constituição Federal (LGL\1988\3) assegura o direito de ação (princípio da inafastabilidade da jurisdição), por certo, não se preocupou apenas com seu aspecto formal, ou seja, de tão-somente, garantir o direito de a pessoa ingressar em juízo com sua demanda. Em verdade, o que a Carta Magna (LGL\1988\3) assegura é o direito de, de fato, a pessoa poder ajuizar sua ação. E a pessoa somente poderá, de fato, exercer esse seu direito se reunir as condições indispensáveis para propositura da ação e, dentre estas, podemos mencionar a garantia de que não sofrerá qualquer perda em seus direitos. Tem-se, assim, que o "direito ao livre acesso à jurisdição entranha a proibição de medidas coativas, impeditivas ou dissuasórias que excluam ou condicionem o livre acesso à justiça". 3 Isso porque as conseqüências que derivam do exercício do direito de ação contrariam a tutela judicial efetiva na vertente do livre acesso à justiça, já que atua como um evidente efeito desestimulador ou paralisante do acesso à jurisdição. Em suma, "é evidente que o temor a uma sanção ou um prejuízo de outro tipo pode ocasionar a chamada inibição ante a justiça, isto é, o sacrifício, a passividade, a resignação ou o aquietamento do cidadão frente à injustiça, ante a perspectiva de que, ao acudir à via judicial em defesa de seus interesses, tal iniciativa pode piorar sua situação". 4 A garantia de indenidade, ou no caso do trabalhador, a garantia de não ser despedido arbitrariamente no curso da ação judicial proposta em face do seu empregador, é uma manifestação do direito à tutela efetiva, "entendendo-se este como um direito subjetivo de caráter fundamental que teria como corolário lógico a proibição de toda sanção ou menoscabo ao exercício desse direito, venha este de uma entidade de natureza pública ou de simples particulares". 5 Não à toa, a alta Corte Constitucional da Espanha, reiteradamente, tem decidido que "a transgressão à tutela efetiva não só se produz por irregularidades ocorridas no processo, que ocasionam privações de garantias processuais, pois tal direito pode ser lecionado igualmente quando de seu exercício ou de sua realização por atos preparatórios quando se seguem conseqüências negativas para a pessoa dos protagonistas". Daí porque, "a impossibilidade de adotar medidas de represálias derivadas do exercício pelo trabalhador da tutela de seus direitos, donde se segue a conseqüência de que uma atuação empresarial motivada por fato de haver exercitado uma ação judicial tendente ao reconhecimento de uns direitos que o trabalhador crê lhe assistir deve ser qualificada como discriminatória e radicalmente nula por contrária a esse mesmo direito fundamental, já que entre os direitos laborais básicos de todo trabalhador se encontra o de exercitar individualmente as ações derivadas de seu contrato de trabalho". 6 Observe-se, portanto, que essa garantia à não-despedida se justifica inclusive quando o empregado participa de atos preparatórios, como, por exemplo, atos ou atuações tendentes a evitar o processo judicial (reclamações de direitos diretamente à empresa), assim como qualquer outra ação, com o mesmo objeto, junto às autoridades administrativas, comissões de conciliação, entidades sindicais etc. 7 Da mesma forma, pouco importa o resultado da demanda (se apreciado ou não o mérito; se procedente ou improcedente), desde que haja o empregado exercido de forma legítima do direito à tutela judicial efetiva (do direito de ação). Fica, assim, excluído da proteção à indenidade o uso abusivo, temerário ou de má-fé do direito de ação. 8 Lembre-se, todavia, que não só se protege o empregado da despedida discriminatória, como também contra qualquer outro ato que revele uma represália do empregador ao agir do trabalhador no exercício do seu legítimo direito de ação. O processo judicial, portanto, deve servir à realização efetiva e real do direito material, mas de forma eficaz e tempestiva, a qualquer tempo e momento, inclusive diante de ameaças ao direito. Quando, então, ao sujeito faltar condições materiais para exercício do direito de ação, cabe ao Estado supri-las, ainda que seja através de adoção de medidas temporárias em face de particulares, pois não basta a existência de instrumentos formais. É preciso que os instrumentos processuais sejam adequados à obtenção dos efeitos desejados pelos titulares do direito subjetivo, a tempo e hora. E, ao certo, na maior parte dos casos, de nada adianta ao empregado lhe ser assegurado o direito formal de demandar o empregador se este não estiver acompanhado de garantias de que possa ser utilizado efetivamente, isto é, de que não sofrerá perda de qualquer posição jurídica por fazer uso do seu direito constitucional de ação e Página 5

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obtenção de uma tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva. Do exposto até aqui se conclui, ainda, que a despedida do empregado por este demandar contra seu empregador constitui, também, ato discriminador, passível de nulidade, lembrando que a nossa Carta Magna (LGL\1988\3) veda qualquer espécie de discriminação. Ora, como vem decidindo o Tribunal Constitucional espanhol, "não é admissível o exercício pelo empresário de suas faculdades organizativas e disciplinares para coagir, impedir ou sancionar o exercício legítimo pelo trabalhador de seus direitos fundamentais. Se o empresário, ao assim agir, sua decisão contraria a algum direito fundamental, ele será carente de efeito, e, se se trata de uma despedida, esta será radicalmente nula com obrigação de reintegração do trabalhador, sem possibilidade de opção empresarial por uma indenização substitutiva à reintegração". 9 Assim, ainda que não mencionado expressamente na Lei 9.029/1995, mas certo de que as hipóteses ali mencionadas são apenas exemplificativas, do ato discriminatório (despedida em face do uso do direito de ação, por exemplo) se tem como conseqüência que o rompimento contratual em tal situação gera o direito do empregado a ser readmitido, "com ressarcimento integral de todo período de afastamento (...)" (art. 4.º, I, da Lei 9.029/1995). 10 Poder-se-ia afirmar, inclusive, que nesta hipótese, estaríamos diante de um verdadeiro atentado processual, já que o demandado estaria praticando, no curso do processo, "uma inovação ilegal no estado de fato", numa interpretação ampliativa e teleológica desse dispositivo (inc. III do art. 879 do CPC (LGL\1973\5)). É óbvio, ainda, que o direito apenas não assegura a reparação do dano causado por sua violação. Daí porque o empregado, sentindo-se ameaçado de sofrer qualquer represália por seu ato de demandar o empregador, poderá, cautelarmente, pedir que lhe seja assegurada à garantia de emprego, de modo que se vede à despedida arbitrária no curso da demanda, até seu final, inclusive envolvendo, se for o caso, o tempo gasto nos atos de execução ou efetivação da decisão judicial. Entendemos, ainda, que, em tal situação, se deva assegurar, por analogia a diversas outras hipóteses de estabilidade temporária, a garantia de emprego até um ano após o encerramento da demanda judicial (inclusive em sua fase de efetivação ou execução, se for o caso), assegurado, no entanto, o direito de rompimento contratual não arbitrário. Somente assim, ao certo, será assegurado ao empregado o efetivo direito de acesso à justiça. 4. Formalidades excessivas - Referências bibliográficas Foi dito acima também que o princípio do acesso à justiça veda que sejam criados requisitos não-razoáveis ou impeditivos ao exercício do direito de ação. Neste sentido, viola esse princípio a decisão judicial que se apega às formalidades excessivas. Como já dito, nossa Carta Magna (LGL\1988\3) assegura o inafastável direito de acesso à justiça. Para realizar esse direito, no entanto, o Estado não apenas coloca à disposição dos jurisdicionados o aparelho Judiciário, como procura e tem o dever de criar as condições materiais para possibitar o pleno uso desse direito. Do contrário, esse direito de acesso à justiça não passará de uma mera ficção jurídica. Neste sentido, viola também o direito de acesso à justiça toda e qualquer exigência processual formal exagerada. Seria o caso de se indeferir a petição inicial porque ela não está com firma reconhecida. É razoável essa exigência? Da mesma forma, violaria esse direito de acesso à justiça toda e qualquer exigência dirigida ao leigo quanto à elaboração de petição conforme a boa técnica da advocacia forense. Uma coisa é exigir do advogado - profissional qualificado para tanto - que observe na confecção da petição a técnica prevista em lei; outra é exigir do leigo que tem capacidade postulatória essa mesma perfeição técnica. Lembramos, então, que, na busca da efetividade da justiça, com o fito de alcançar um processo justo, nosso direito constitucional garante, enquanto regra geral, o acesso ao tribunal mediante Página 6

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recurso (princípio do amplo acesso à justiça). Daí se tem que na aplicação das regras infraconstitucionais que estabelecem requisitos e formalidades para o conhecimento do recurso é indispensável também que o julgador interprete as normas pertinentes de modo a respeitar as exigências do princípio da razoabilidade. Deve-se, assim, ao máximo, fazer valer a garantia constitucional fundamental de acesso ao tribunal, evitando-se interpretações que conduzem a exigências desproporcionais ou não-razoáveis. Neste sentido, parece-me rigorosa a jurisprudência que sustenta a deserção do recurso quando a parte comprova o recolhimento das custas em documento inautêntico. Os Tribunais do Trabalho, aos milhares, assim vêm decidindo, a exemplo do TST no AgIn no RR 253/2000-002-19-00, 1.ª T., rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJU 24.09.2004. Tal interpretação não respeita o princípio da proporcionalidade, na ponderação de valores, por negar o acesso ao tribunal através do recurso, apegando-se mais ao formalismo do que à substância. Sacrificando, desproporcionalmente, o direito de ação (de acesso ao tribunal, neste exemplo). Observe-se, inclusive, que, no exemplo acima mencionado, não se trata de deserção por falta de prova do recolhimento ou mesmo no seu não-recolhimento, mas sim, da prova deficiente quanto ao seu pagamento. Seria mais razoável, assim, neste exemplo dado, na busca da efetivação do direito de acesso ao tribunal, que se concedesse prazo à parte para que exibisse o referido documento no original ou em cópia autenticada. E, tão-somente depois, é que se poderia pensar em acolher a preliminar de deserção. Esse exemplo, aliás, também vale para os depósitos recursais quando comprovados por cópias não autenticadas. Esse mesmo raciocínio se pode ter em relação à deserção por simples erro no preenchimento das guias de recolhimento das custas, quando se constata o pagamento do tributo em favor da Fazenda Pública. Substancialmente o tributo foi recolhido. Deixar de conhecer do recurso tão-somente porque incorretamente preenchida a guia de recolhimento é se apegar mais ao formalismo do que à substância, deixando em segundo plano o direito de acesso ao Tribunal (acesso a uma decisão de mérito). Exemplo próximo a este temos quando as custas processuais, ao invés de recolhidas em favor da Fazenda Pública, erroneamente são depositadas em conta à disposição do juízo (como se fosse um depósito recursal). Neste caso, temos que, substancialmente o tributo foi satisfeito, ainda que não recolhido aos cofres da Fazenda Pública. É mais razoável, então, que o juiz determine seu recolhimento à Fazenda Pública (mande a ordem de transferência do crédito posto à sua disposição) do que não conhecer do recurso, sacrificando o direito de ação. Pode-se exemplificar, ainda, em relação ao recolhimento a menor das custas ou do depósito recursal, em valor ínfimo. Não é razoável sacrificar o direito de acesso ao Tribunal por alguns poucos centavos... No que se refere à autenticação, deve ser lembrado, ainda, a hipótese em que não se conhece do recurso de agravo de instrumento quando desacompanhado de documentos autenticados. Aqui, também, estaremos diante de rigor excessivo quando a parte contrária não faz qualquer impugnação quanto à idoneidade ou conteúdo do documento. O mesmo se diga em relação a qualquer outro documento juntado em ação ou outro incidente processual, em cópia não autenticada e não impugnado pela parte contrária, mesmo em mandado de segurança. Aliás, em mandado de segurança, aponta-se como argumento para indeferimento liminar da ação quando ele é impetrado acompanhado de prova documental inautêntica, o fato dessa não se caracterizar pela liquidez e certeza. O documento inautêntico não seria assim prova líquida e certa. Mas qual é a diferença para a cópia autenticada se essa também pode ser impugnada com o argumento falsidade, seja do documento original, seja da cópia autenticada. Nas três hipóteses possíveis, seja diante do documento original, da cópia autenticada e da cópia não-autenticada, a parte contrária sempre poderá alegar a falsidade. Logo, de antemão, qualquer dessas provasPágina estará 7

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na mesma situação jurídica antes de submetida ao contraditório. Quando muito, o documento original e a cópia autenticada apenas darão maior certeza ao juiz para deferimento de um pedido de concessão de medida cautelar sem ouvida da parte contrária. Interessante, aliás, notar que a Justiça do Trabalho tem sido tolerante com as provas documentais produzidas pelas partes, dispensando, mais das vezes, sua autenticação quando a parte contrária não impugna o documento em seus aspectos formais (OJ 36 da SDI-I do TST). Assim, parece-me que, pela simetria das situações, diversa não pode ser a posição em relação à prova produzida com o agravo de instrumento. Em todos os exemplos acima mencionados, portanto, data venia, os tribunais têm se apegado mais aos formalismos exagerados do que à substância do ato. Sacrifica-se, assim, desproporcionalmente, o direito de ação ou de tutela definitiva, violando o princípio do acesso à justiça. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVAREZ ALONSO, DIEGO. LA GARANTIA DE INDEMNIDAD DEL TRABAJADOR FRENTE A REPRESÁLIAS EMPRESARIALES. ALBACETE: BOMARZO, 2005. BRAVO-FERRER, Miguel Rodríguez-Piñero. Tutela efectiva, garantia de indemnidad y represálias empresariales. In: BORRAJO DACRUZ, Efrén et al (coords.). Derecho vivo del trabajo y Constitución. Madrid: La Ley/MTSS, 2003. CASAS BAAMONDE, María Emilia. Tutela judicial efectiva y garantia de indemnidad. In: ______ et al (coords.). Las transformaciones del derecho del trabajo en el marco de la Constitución española. MADRID: LA LEY, 2006. GIGLIO, Wagner D. Justa causa. 2. ed. São Paulo: Ed. LTR, 1986. HOUAISS, Antônio (Instituto). Dicionário Houaiss da língua portuguesa. RIO DE JANEIRO: OBJETIVA, 2001. MARTINEZ FONS, DANIEL. LA INTERPRETACIÓN EXTENSIVA DEL ALCANCE DE LA GARANTÍA DE INDEMNIDAD EN LAS RELACIONES LABORALES. STC 16/2006, DE 19.01.2006, P. 3. DISPONÍVEL EM: [HTTP://WWW.UPF.EDU/IUSLABOR/022006/STC16-2006.PDF]. ACESSO EM: 08.05.2006. MEIRELES, Edilton. Litigância de má-fé e justa causa. Revista do Direito Trabalhista 6-2/05-06. Brasília, 2000.

1. Indenidade é a "qualidade ou estado de indene; isenção de dano". Segundo, ainda, o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, entre outras definições, indene é aquele "que não teve prejuízo, livre de perda, de dano". Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1602-1603. 2. Diego Alvarez Alonso, La garantia de indemnidad del trabajador frente a represálias empresariales . Albacete (Espanha): Bomarzo, 2005, p. 54. Trad. livre do autor. 3. Idem, p. 55-56. Trad. livre do autor. 4. Idem, p. 56. Trad. livre do autor. 5. Idem, p. 57. Trad. livre do autor. 6. Daniel Martinez Fons, La interpretación extensiva del alcance de la garantía de indemnidad en las relaciones laborales, STC 16/2006, de 19.01.2006, p. 3. Disponível em: [http://www.upf.edu/iuslabor/022006/STC16-2006.pdf]. Acesso em: 08.05.2006. Trad. livre do autor. 7. Cf. María Emilia Casas Baamonde, Tutela judicial efectiva y garantia de indemnidad. In: ______ Páginaet8

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al (coords.). Las transformaciones del derecho del trabajo en el marco de la Constitución española. Madrid: La Ley, 2006, p. 711-716. 8. Idem, p. 723-724. 9. Miguel Rodríguez-Piñero Bravo-Ferrer, Tutela efectiva, garantia de indemnidad y represálias empresariales. In: BORRAJO DACRUZ, Efrén et al (coords.). Derecho vivo del trabajo y Constitución. Madrid: La Ley/MTSS, 2003, p. 638. Trad. livre do autor. 10. Vale lembrar que o art. 5, c, da Convenção 158 da OIT, expressamente exclui entre as causas válidas de extinção do contrato o fato de o empregado apresentado "uma queixa ou participado de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes".

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