Acesso à justiça jurisdição e mediação II (1).pdf

May 30, 2017 | Autor: F. Marion Spengler | Categoria: Conflitos sociais, Alternativas De Solução De Conflitos
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Multideia Editora Ltda. Alameda Princesa Izabel, 2.215 80730-080 Curitiba – PR +55(41) 3339-1412 [email protected]

Conselho Editorial Marli Marlene M. da Costa (Unisc) André Viana Custódio (Unisc/Avantis) Salete Oro Boff (UNISC/IESA/IMED) Carlos Lunelli (UCS) Clovis Gorczevski (Unisc) Fabiana Marion Spengler (Unisc) Liton Lanes Pilau (Univalli) Danielle Annoni (UFSC)

Luiz Otávio Pimentel (UFSC) Orides Mezzaroba (UFSC) Sandra Negro (UBA/Argentina) Nuria Bellosso Martín (Burgos/Espanha) Denise Fincato (PUC/RS) Wilson Engelmann (Unisinos) Neuro José Zambam (IMED)

Coordenação Editorial: Fátima Beghetto Capa: Sônia Maria Borba (Imagem: 3d Illustration of Colorful on white background – Licenciado por Foto Stock © ras-slava) Apoio Financeiro:

S747

CPI-BRASIL. Catalogação na fonte Spengler, Fabiana Marion (Org.) Aceso à Justiça, Jurisdição e Mediação [recurso eletrônico] / organização de Fabiana Marion Spengler e Theobaldo Spengler Neto – Curitiba: Multideia, 2014. 225 p.; 23 cm ISBN 978-85-86265-86-0 Vários autores/colaboradores (VERSÃO ELETRÔNICA) 1. Acesso à justiça. 2. Mediação. 3. Jurisdição. I. Spengler Neto, Theobaldo (org.). II. Título. CDD 340.1(22.ed) CDU 340 É de inteira responsabilidade dos autores a emissão dos conceitos aqui apresentados. Autorizamos a reprodução dos textos, desde que citada a fonte. Respeite os direitos autorais – Lei 9.610/98.

Fabiana Marion Spengler Theobaldo Spengler Neto Organizadores

ACESSO À JUSTIÇA, JURISDIÇÃO E MEDIAÇÃO COLABORADORES Angela Condello Augusto Reali Beck Charlise P. Colet Gimenez Delton Ricardo Soares Meirelles Elaine Cristina do Rosário Rebouças Eligio Resta Fabiana Marion Spengler Giselle Picorelli Yacoub Marques Gustavo Raposo Pereira Feitosa Humberto Dalla Bernardina de Pinho Theobaldo Spengler Neto Vivian Gama

Curitiba 2014

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior – Capes – em função do financiamento cedido por meio do Edital CNPq/Capes nº 07/2011, processo nº 400969/2011-4, cujo aporte financeiro possibilitou a realização do projeto de pesquisa intitulado “Acesso à Justiça, jurisdição (in)eficaz e mediação: a delimitação e a busca de outras estratégias na resolução de conflitos.”

Prefácio É de comer? Yes, esse e-book é de “comer” o que de melhor a Europa e os Estados Unidos têm a oferecer. Adivinhe por quê? É um livro de gastronomia? Brincadeira à parte, a resposta é: Não. Sinceramente, não é mesmo uma obra comestível no sentido do que se poderia imaginar. Simplesmente, é o exercício do pensamento complexo puro, encantado, sério com aquilo que funciona e que pode ser adaptado às condições brasileiras. Pensar o acesso à justiça, a jurisdição e a mediação de conflitos, seja extrajudicial ou judicialmente, remete, no caso do Brasil, à deglutição cultural e jurídica enfatizada por “países de modernidade tardia” ou que ainda não conheceram a modernidade, ou, ainda, países que se tornaram pós-modernos sem, antes, terem passado pela experiência moderna à europeia. Assim, prestes a aprovar o novo Código de Processo Civil e o primeiro Estatuto das Famílias – após a Emenda nº 1/2013 e da Resolução 125/2010 do CNJ – o Estado brasileiro almeja instituir a técnica da mediação no âmbito do Judiciário, buscando, assim, nas recentes experiências europeia, americana, argentina, australiana e canadense, a cultura milenar do diálogo como mecanismo voltado ao tratamento de conflitos, tendo em vista a construção de um acordo que satisfaça, minimamente, as pessoas envolvidas nos litígios. Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

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Tupi, or not tupi that is the question. [...] A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais. Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comia. Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso? Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César. No início era o verbo. Pindorama, por exemplo, era o nome do Brasil na língua indígena, o nheengatu. Tupy, or not tupy that is the question. [...] Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Antropofagia ou canibalismo? O antropofagismo realça a contradição violenta entre duas culturas: a primitiva (ameríndia e africana) e a latina (de herança cultural europeia), que formam a base da cultura brasileira, mediante a transformação do elemento selvagem em instrumento agressivo. Foi justamente (ou injustamente) o que fez Oswald de Andrade ao amalgamar, em 1928, várias tendências culturais internacionais – de forma inédita e fincada nas raízes na história da civilização brasileira – em seu Manifesto Antropófago. Afirmou, na ocasião, que a luta entre o que se chamaria “Incriado” e a “Criatura”, ilustrada pela contradição permanente do ser humano e o seu tabu, marca – em linguagem metafórica repleta de aforismos e refinado humor – uma expressão cultural diante da dependência do Brasil em relação à (socio)lógica oriunda da Europa. Assinala-se, ainda, que são inúmeras as influências teóricas identificadas no Manifesto: o pensamento revolucionário de Karl Marx (1818-1883); a descoberta do inconsciente pela psicanálise e o estudo de Totem e Tabu, de Sigmund Freud (1856-1939); a liberação do elemento primitivo nos seres humanos proposta por alguns escritores surrealistas, entre os quais destaca-se André Breton (1896-1966); o Manifeste Cannibale escrito por Francis Picabia (1896-1953) em 1920; as questões em torno do selvagem discutidas pelos filósofos Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Michel de Montaigne (1533-1592); a ideia de barbárie técnica de Hermann Keyserling (1880-1946). Assim, o primitivismo aparece como signo de deglutição crítica do outro, o moderno e civilizado. Nesse senti-

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do, o mito, que está no plano da irracionalidade, serve tanto para criticar a história do Brasil e as consequências de seu passado colonial, quanto para estabelecer um horizonte utópico, em que o matriarcado da comunidade primitiva substitui o sistema patriarcal. Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama. No entanto, percebe-se, que não se trata de se opor pura e simplesmente à civilização moderna industrial; antes, as práticas culturais brasileiras primam pela busca de benefícios proporcionados por ela que tornam possíveis formas primitivas de existência. Por outro lado, somente o pensamento antropofágico é capaz de distinguir os elementos positivos dessa civilização, eliminando o que não interessa e, ao mesmo tempo, promovendo, a “Revolução Caraíba” e seu novo ser humano “bárbaro tecnizado”. “A idade de ouro anunciada pela América. A idade de outro. E todas as girls”. Mediante a oposição de emblemas culturais e símbolos míticos, o autor reconta de forma metafórica a história do Brasil. El acceso a la justicia, la jurisdicción y Mediación, Access to justice, jurisdiction and Mediation, L'accesso alla giustizia, la competenza e la mediazione, L'accès à la justice, la compétence et la médiation, acesso à justiça, jurisprudência e mediação.... em qualquer língua busca-se os meios mais apropriados para tratar os conflitos humanos, tentando encontrar elementos para entender por que a sociedade torna-se possível, por que o direito é possível? O Direito torna-se possível na medida em que – diante de uma sociedade repleta de conflitos – procura respostas extrajudiciais e judiciais, e até mesmo híbridas, mesclando elementos concebidos como extrajudiciais dentro dos tribunais. Assim, os autores (e as autoras) dos ensaios deste livro não desconhecem que o conflito é um dos elementos mais significativos e impactantes do processo civilizatório, presente nas mais variadas interações e relações sociais reproduzidas na sociedade, que mantém ou aniquila antigas estruturas, mas também recria novas. Nesses termos, à luz dos textos publicados nesta coletânea, busca-se atribuir ao conflito uma importância bastante cara às ciências sociais aplicadas, entre as quais se destaca o Direito, na medida em que concebe a existência da ação recíproca entre seres humanos sob o prisma de uma singular forma de socialização. A

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sociedade, desse modo, seria o resultado de categorias de ação recíprocas, como harmonia e desarmonia, associação e competição, favor e desfavor, sendo, portanto, ambas dotadas de um valor positivo, como já havia assinalado o sociólogo Georg Simmel. Os conflitos, deste modo, adquirem um significado unificador, não havendo nenhuma unidade social em que as direções convergentes de seus elementos não estejam inseparavelmente mescladas com outras divergentes, sendo irreal um grupo absolutamente harmônico no qual nenhum processo vital propriamente dito poderia se produzir. Nesse contexto, a oposição entre elementos em uma mesma sociedade é compreendida como um fator social que não deve ser entendido meramente numa perspectiva negativa, pois, muitas vezes, é o que permite e possibilita a convivência entre o que, de outra forma, seria intolerável. Eis a possibilidade de integração social, de socialização dos sujeitos, o que permite a análise da relação entre conflito e consenso, como algo que empiricamente encontra-se em toda unidade social. Os autores aqui percebem, com sintonia fina, que seria um erro conceber a questão da relação entre unidade e discordância como se uma destruísse o já construído pela outra, já que o resultado dessa interação seria a unidade na adversidade. Em outros termos, seria, na prática, a síntese geral das pessoas, energias e formas que constituem um grupo, a totalidade final na qual estão compreendidas tanto as relações de unidade em sentido estrito, como as de dualidade. Vida e ambivalência, essa é a questão! Nesse contexto, destaca-se como uma das virtudes do conflito a sua capacidade de se constituir num espaço humano e social que permite que as partes, às vezes ásperas e díspares, se encontrem num mesmo plano situacional, impondo-se um nivelamento, um ato de reconhecimento do outro, que é condição necessária para própria disputa e eventual superação porque tanto a contraposição, como a composição, negam a relação de indiferença, a exclusão do relacionamento. O conflito, como forma de socialização, exigiria necessariamente, assim, a ação recíproca, cuja capacidade pode proporcionar o reconhecimento, a relação, ao contrário da exclusão e da indiferença, que atuam como elemento desagregador, como ausência de sociabilidade. Aqui, a indiferença pode vir a assumir, desse modo, uma conotação negativa, por afastar as formas de relação antitéticas ou convergentes, capazes de produzir e modificar grupos de interesse, uniões e organizações.

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Assim, os autores deste livro apreendem – com relação à significação sociológica do conflito para a estrutura interior de cada parte, e não entre as partes – na experiência diária, que a luta entre dois indivíduos modifica não só a relação de cada um com o outro, mas também o indivíduo em si mesmo. Na verdade, captam que a alma sofreu com a luta uma modificação que já não se pode recompor, não sendo comparada a uma ferida cicatrizada e sim à perda de um membro, como tantas vezes salientou Luis Alberto Warat, o mestre da carnavalização e da antropofagia no âmbito do Direito contemporâneo. Quanto às possibilidades de resolução das disputas, salienta-se acerca da vitória, da construção e da busca do acordo, por intermédio do acerto a partir dos desejos e das necessidades das pessoas envolvidas no conflito, por intermédio da ação dos mediadores, dos conciliadores, produzindo a busca da construção de um acordo entre as partes, superando os limites e as lacunas de uma sentença judicial. Desse modo, a vitória seria muito peculiar na realidade da vida, apresentando-se em incontáveis formas e medidas, mas sem semelhança com os demais fenômenos que cercam as relações entre os seres humanos. Diante da inevitabilidade das relações conflituosas entre os seres humanos, renova-se a pergunta: de que forma o Direito é possível? Assinala-se, neste caso, que o Direito, na condição de ciência social responsável por reger as relações jurídicas, tem como fontes primárias os direitos fundamentais, que são aqueles inerentes a todas as pessoas, indistintamente, pois nascem com elas e delas jamais poderão ser tirados. Associado às fontes primárias, destaca-se a concepção de democracia ao contemplar uma estrutura multidimensional – a subordinação da lei aos princípios e direitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos, determina, por um lado, um fechamento do Estado Democrático de Direito, já que serve também para subordinar o legislador à lei, e, precisamente, à Constituição, não somente quanto às formas de produção jurídica, mas também quanto aos conteúdos normativos produzidos. Por outro lado, ocorre um fechamento e, ao mesmo tempo, uma ampliação do positivismo jurídico, visto que, graças a ela, acaba positivizado não somente o “ser”, mas, de igual modo, o “dever ser” do direito, não só a sua existência, mas também as escolhas e as finalidades que devem presidir à sua produção.

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Se, se considera que o acesso à justiça é um dos mais relevantes direitos fundamentais. Aqui, o acesso à justiça não representa apenas o acesso da população às instâncias jurisdicionais estatais, mas, refere-se também, ao acesso à informação e ao respeito às garantias constitucionais do devido processo legal e do juiz imparcial, entre outros. O conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante. Outrora, a teoria era de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado e sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, no entendimento ampliado, permanecia passivo em relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática. De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. Nesse caso, o acesso à justiça pode ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. Portanto, a percepção segundo a qual o acesso à Justiça seria, genericamente, o acesso aos tribunais, já não satisfaz, sendo necessário considerá-lo como um direito fundamental formal, em contraposição aos óbices postos, no Brasil, à consecução da justiça. Para que os cidadãos possam usufruir da garantia de fazer valer seus direitos perante os tribunais, torna-se pertinente que conheçam a lei e o limite de seus direitos. Os juízes e as instituições do Judiciário, em segundo lugar, devem ter o compromisso de divulgar o Direito e ampliar sua sensibilidade diante dos conflitos humanos. Em um Estado de Direito, constata-se, que os próprios entes estatais se submetem ao Direito. Este, todavia, não se limita às leis formalmente válidas, cujo conteúdo pode, contrariamente, ser arbitrário ou não ético. Canotilho (1999, p. 21) nota que [...] o Estado de direito transporta princípios e valores materiais razoáveis para uma ordem humana de justiça e paz. São

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eles: a liberdade do indivíduo, a segurança individual e coletiva, a responsabilidade e responsabilização dos titulares do poder, a igualdade de todos os cidadãos e a proibição de discriminação de indivíduos e grupos.

É possível constar-se, ainda, que a população carente, na última década, tem cada vez mais buscado assistência judiciária gratuita, não apenas para litígios decorrentes de questões familiares ou criminais, mas também para buscar direitos menos tradicionais. E isso somente é possível em razão da melhora dos sistemas de assistência jurídica, que permitiram a queda das barreiras do próprio acesso à jurisdição. É importante salientar que esta evolução, no Brasil, deve-se, em grande medida, às iniciativas de alguns Defensores Públicos, de Promotores de Justiça do Ministério Público Estadual (o caso de Fortaleza, Ceará, é interessante), aos Núcleos de Prática Jurídicas das Faculdades de Direito (como é o caso do trabalho de mediação judicial levado a bom termo, desde 2009, pela Unisc, junto à Comarca de Santa Cruz do Sul, cujos principais protagonistas são os organizadores deste livro) e aos Núcleos Comunitários, às políticas públicas de acesso à justiça, como, por exemplo, os Territórios da Paz, Mulheres da Paz, o Projeto Justiça Comunitária instalado em mais de 64 cidades do País, e as demais iniciativas da Secretaria da Reforma do Judiciário, vinculadas ao Ministério da Justiça, exemplificativamente, que por meio de equipes treinadas e sensíveis aos problemas das pessoas que buscam seus serviços, auxiliam-nas na consecução de seus objetivos por intermédio de procedimentos administrativos e judiciais1. Considerando-se tais aspectos, é possível afirmar que o acesso à justiça depende de mecanismos de direito processual e substantivo disponíveis na sociedade, que se destinam a garantir aos indivíduos a chance de provocar o Estado-Juiz, demandando em busca de seus direitos ou de sua reparação, caso tenham sido violados. 1

Destaca-se a relevante atuação do Psicólogo argentino Juan Carlos Vezzulla, da equipe do Sociólogo Boaventura de Sousa Santos (Universidade de Coimbra), que, a convite do Ministério da Justiça do Estado brasileiro, formou e capacitou diversas equipes de mediadores comunitários nos últimos anos em dezenas de bairros e vilas das grandes e médias cidades brasileiras, e, também, em cidades de outros países.

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Outros elementos além dos processuais, contudo, também implicam a realização do direito ao acesso à justiça, tais como instalações físicas adequadas, qualidade dos recursos humanos e materiais disponíveis; a qualidade da justiça efetivamente prestada; o tempo demandado para a prestação da justiça; a moral ilibada do prestador da justiça; o respeito ao devido processo legal, a qualidade dos advogados que assistem às pessoas; a incorruptibilidade e a imparcialidade dos operadores do sistema; a sensibilização, a formação, a capacitação e a remuneração dos mediadores judiciais concursados. Percebe-se, assim, que o acesso à justiça possui um conceito bastante amplo à medida que inclui o caráter, as estruturas e até mesmo a questão qualitativa da justiça que está à disposição dos indivíduos em determinada sociedade, bem como o lugar do indivíduo no interior desse contexto judicial. Salienta-se, ao mesmo tempo, o fato de que o acesso à justiça pode oferecer, sem dúvida, um indicador importante para avaliar tanto a existência do Estado Democrático de Direito quanto a qualidade do governo em determinada sociedade. Por decorrência, tal aspecto denota a insistência atual sobre transparência e boa governança como panaceia eficaz para o desenvolvimento socioeconômico, sobretudo no que tange à aprovação do novo Código de Processo Civil que institucionalizará a mediação e a conciliação como obrigatórias antes do processo judicial. Embora seja difícil conceituar justiça, é possível dizer – minimamente – com certa liberdade, que tal definição esteja associada à equidade e à imparcialidade. Desse modo, para que exista acesso significativo à justiça, é indispensável que estes dois elementos estejam presentes, como garantia da realização dos direitos fundamentais. Além do mais, para que o direito de acesso à justiça seja efetivo em qualquer sociedade, é fundamental que haja democracia participativa em um Estado Democrático de Direito que garanta uma efetiva infraestrutura básica e forme e capacite pessoas a terem um adequado preparo técnico profissional e que sejam sensíveis à diversidade da condição humana. Dessa maneira, percebe-se a existência de uma interface entre o acesso à justiça e a proteção aos direitos humanos fundamentais. Assim, a relação do acesso à justiça com a proteção aos direitos humanos decorre do fato de que somente se os cidadãos puderem chegar aos tribunais conseguirão defender e reivindicar seus direi-

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tos fundamentais. Ao mesmo tempo, pode-se perceber que o acesso à justiça pode ser obtido mediante outras instâncias extrajudiciais, como, por exemplo, escolas, empresas e demais instituições que possam promover a efetivação dos direitos fundamentais tendo acesso aos métodos não adversariais (mediação, conciliação, negociação, arbitragem, práticas restaurativas) de tratamento de conflitos. Pelo visto, a obra que você tem em mãos foi escrita – a várias mãos e corações – por renomados pesquisadores reunidos em um único menu, pelo trabalho mágico e árduo, dos Professores e Pesquisadores Fabiana Spengler e Theobaldo Spengler Neto. Dessa forma, a obra busca ampliar os horizontes para além-fronteiras acerca dos métodos atuais utilizados pelo Direito que não encontram adequação entre a complexidade das ações judiciais, as pessoas envolvidas e as técnicas jurídicas aplicadas, o que tem acarretado muita insatisfação por parte das pessoas nos litígios. Dito isso, a leitura deste livro pode auxiliar na pesquisa acerca dos motivos em torno da satisfação (ou da não satisfação) com a função jurisdicional desempenhada pelo Estado em relação às respostas dadas aos conflitos que emergem diante da complexa teia que se transformou a sociedade contemporânea, a qual enfrenta uma crise de efetividade que, por sua vez, demanda a busca de saídas. Sendo assim, comprove tudo isso provando e saboreando, com moderação, as próximas páginas. Nelas você poderá ter acesso a um dos mais novos cardápios da praça, bem variado e extremamente diversificado, carnavalizado. Inicialmente, em GIUDICARE, CONCILIARE, MEDIARE, Eligio Resta nos convida ao pensamento aberto e instigante a respeito da comunidade do conflito e da ecologia política voltada ao exame plurivetorial das mais diferentes dimensões que cercam os conflitos humanos, suas possíveis linhas de tratamento e as perdas e os danos do processo judicial. Diante do desafio de abordar temas tão vastos quanto complexos, o autor reflete – em um lindo e profundo texto – acerca das experiências institucionais de mediação cultural em vários países ocidentais e que agora fazem parte de um complexo de serviços e ferramentas que se associam ao “contrato de cidadania”. Assinala-se, ainda, que as bem traçadas linhas remetem à ideia segundo a qual o mediador seria uma espécie de tradutor por se posicionar entre as diferentes linguagens a partir do meio, entre um e outro, sujeitos litigantes, um tipo particular de lugar que se poderia chamar, talvez, a terceira

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margem (Guimarães Rosa, Caetano Veloso). Tal atributo confere ao mediador a função de tratar com vários idiomas, línguas, culturas e mundos estranhos. Pode-se, em tal posição, entrar em contato com o diferente, buscando, sempre, e na medida do possível, transformar o potencial que todo o conflito carrega: enriquecimento de trocas a partir dos mecanismos de resolução alternativa de litígios. Tais mecanismos fornecem – em potencial – um indicador de reestruturação ecológica da relação entre conflito e o tratamento. O capítulo, por fim, assinala a relevância da sociedade do conhecimento que produz uma sabedoria das soluções para os conflitos que podem ser resolvidos no próprio acontecimento, e isso é muito necessário, e, ao mesmo tempo, singular. Tal sabedoria volta-se à construção de uma cultura associada ao pacifismo indispensável: o direito. O ACESSO À JUSTIÇA E A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO: UMA ANÁLISE DO PERFIL DOS USUÁRIOS E DO OLHAR DOS DEFENSORES SOBRE A SUA FUNÇÃO, o segundo capítulo, produzido por Gustavo Raposo Pereira Feitosa e Elaine Cristina do Rosário Rebouças, inova no campo do Direito ao ousar examinar dados de uma pesquisa de campo na Defensoria Pública da União no Ceará, com o propósito de verificar como a instituição funciona. Soma-se a isso a investigação científica buscando verificar como os defensores, servidores, estagiários e usuários compreendem e avaliam a atuação da instituição. Desenhou-se, assim, uma pesquisa com os assistidos, razão de ser da instituição, bem como com os agentes responsáveis por todo o trabalho nela desenvolvido, incluindo-se defensores federais, assistentes sociais, estagiários, dentre outros. O mérito da pesquisa é ainda ampliado pela temática em foco, na medida em que o Brasil adota um modelo peculiar de organização do seu sistema de justiça, em que a assistência jurídica aos mais pobres, ou simplesmente aos que não podem arcar com o custo de um processo judicial, cabe a uma instituição pública permanente, qual seja, a Defensoria Pública. Delton Ricardo Soares Meirelles e Giselle Picorelli Yacoub Marques carregam o peso do seu teclado no capítulo intitulado A MEDIAÇÃO NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: UM DESAFIO EM CONSTRUÇÃO. Nele consta a expressão de uma investigação sobre o instituto da mediação no que se refere, sobretudo, à proposição recente junto ao projeto do Novo Código de Pro-

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cesso Civil (PL 8.046/2010), contextualizando-a no cenário geral de reformas processuais e enfocando a diferença de tratamento entre o procedimento geral e a disciplina para as questões de família, possibilitando a atuação de uma equipe multidisciplinar na abordagem do conflito decorrente das ações familiares. Para tanto, analisou-se o texto normativo do projeto de relatoria e as proposições sobre a mediação, a fim de se verificar em que medida o sistema jurídico nacional busca integrar a mediação às reformas processuais, atendendo à expectativa do jurisdicionado ao resultado prático pela via procedimental adequada. Theobaldo Spengler Neto e Augusto Reali Beck, por sua vez, trazem uma bela contribuição no capítulo cujo título já indica a que veio: CONDIÇÕES E POSSIBILIDADES DE APLICAR A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE REDUÇÃO DOS CONFLITOS LABORAIS. Aqui, os autores preocupam-se com a sobrecarga no Judiciário no que se refere aos processos trabalhistas. A situação ganha contornos ainda mais alarmantes no momento em que a satisfação de haveres resultantes de relações de trabalho se estende por longo período de tempo, gerando diversos transtornos ao obreiro e, por decorrência, ao seu núcleo familiar. Nesse insustentável quadro, os autores discorrem sobre a mediação, instituto que conduz à resolução de litígios para fora da alçada do Poder Judiciário e constitui denso filtro de contendas seguramente destinadas ao aforamento. Sua extensão à matéria de competência da Justiça do Trabalho, sendo foco da presente análise, que a especula sob dois ângulos: no primeiro, sua aplicação às relações interindividuais de trabalho; no outro, sua extensão ao segmento juscoletivo trabalhista. REFLEXIONES SOBRE LA MEDIACIÓN JUDICIAL Y LAS GARANTÍAS CONSTITUCIONALES DEL PROCESO, de Humberto Dalla Bernardina de Pinho, é a teorização a partir de sua própria experiência enquanto intérprete e operador do Direito. No capítulo consta uma análise muito interessante a respeito do novo instituto da mediação para o caso do Brasil. Se, por um lado, o autor concebe a mediação como uma forma não adversarial de tratamento de conflito, por outro, examina os potenciais conflitos que podem surgir com a introdução da mediação no processo judicial, dadas as garantias fundamentais do processo. Ao mesmo tempo, se debruça sobre os conceitos do direito estrangeiro e as perspectivas para o processo

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civil, especialmente contra as regras adotadas pelo PL 8.046/10, que visa estabelecer o novo Código de Processo Civil. POLISEMIA DELLA MEDIAZIONE: ALCUNE RIFLESSIONI foi concebido por Angela Condello, que tece considerações sobre a complexidade da comunicação humana, sobretudo quando se considera que as ideias são infinitas. Nesses termos, aborda a (inter)mediação como espaço de inclusão e, ao mesmo tempo, discute a relação entre direito e representação. A complexidade desse texto reside precisamente na conceituação polissêmica da mediação, à medida que trabalha conceitos cuja densidade fará a leitura buscar, no âmbito dos estudos em linguística, a pesquisa na teoria da enunciação, incluindo o sujeito na linguagem. O capítulo remete o leitor (a leitora) ao momento criador de uma teoria do sujeito, e do sujeito da enunciação, conquanto essa expressão não apareça de forma muito explícita no texto. Entretanto, o estatuto, as fronteiras teóricas entre direito e linguística, e a maioria dos elementos necessários para a formalização da noção de sujeito em mediação podem ser encontrados nas linhas e entrelinhas. Foi pensando na pessoa, na língua que vimos aparecer, em Benveniste, um sujeito subjetivado na e pela linguagem, deixando suas marcas no que nos é mais cotidiano, ou seja, no diálogo. Vivian Gama é a autora do capítulo intitulado LA PERSPECTIVA COMUNICACIONAL DE LA MEDIACIÓN. A pesquisadora considera a mediação como uma teoria científica em crescente expansão. Discute, na esfera do desenvolvimento científico interdisciplinar, a produção de conhecimento sobre o processo de comunicação na construção e desconstrução de conflitos, para a formação de uma metodologia capaz de fornecer uma base consistente para a intervenção mediadora de comunicação técnica em situação de conflito no âmbito do diálogo e da tecnologia. O propósito do ensaio é sistematizar alguns elementos que possam contribuir com a construção de uma ferramenta de comunicação estruturada trilhando o caminho de coaching e Programação Neurolinguística. A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DE TRATAMENTO DE CONFLITO, de Fabiana Marion Spengler e Charlise P. Colet Gimenez, examina a mediação comunitária como prática alternativa de tratamento de conflitos, cuja sustentação se dá pelo pluralismo de valores, em razão de que reabre os canais de

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comunicação interrompidos e reconstrói laços socialmente destruídos, propondo um modelo voltado para a comunicação, a amizade, a alteridade e a fraternidade. Por essa razão, a mediação comunitária, a partir do resgate do papel da comunidade, estudada do norte-americano Amitai Etzioni, revela-se como uma cultura de paz, que ultrapassa a jurisdição tradicional, e utiliza práticas consensuais e autônomas que devolvem ao cidadão e à comunidade a capacidade de tratar o seu próprio conflito. Dessa forma, afirma-se que o reconhecimento da mediação comunitária como política pública foca na realização das necessidades essenciais e na existência de um processo democrático de descentralização, participação e comunicação. Sentiu o cheiro?...vá, saboreie com todo o apetite do mundo... Prof. Dr. Mauro Gaglietti Outubro de 2013

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Sumário Giudicare, Conciliare, Mediare ......................................................................... 23 Eligio Resta

O acesso à justiça e a Defensoria Pública da União: uma análise do perfil dos usuários e do olhar dos defensores sobre a sua função .......................................................................................................... 61 Gustavo Raposo Pereira Feitosa Elaine Cristina do Rosário Rebouças

A mediação no projeto do novo Código de Processo Civil: um desafio em construção ...................................................................................... 95 Delton Ricardo Soares Meirelles Giselle Picorelli Yacoub Marques

Condições e Possibilidades de Aplicar a Mediação como Instrumento de Redução dos Conflitos Laborais ................................ 127 Theobaldo Spengler Neto Augusto Reali Beck

Reflexiones sobre la Mediación Judicial y las Garantías Constitucionales del Proceso ...................................................................... 145 Humberto Dalla Bernardina de Pinho

Polisemia Della Mediazione: Alcune Riflessioni .................................. 161 Angela Condello

La Perspectiva Comunicacional de la Mediación ................................ 179 Vivian Gama

A Mediação Comunitária como Política Pública de Tratamento de Conflito .......................................................................................................... 193 Fabiana Marion Spengler Charlise P. Colet Gimenez

Eligio Resta È attualmente Professore ordinario di Filosofia, Sociologia e di Política del diritto presso la Facoltà di Giurisprudenza dell’Università di RomaTRE.

Sommario: 1. Ecologia del conflitto. 2. Conflitti, rimedi. 3. Competition, diffidence, g/ory. 4. L’impensabilità del dissidio. 5. La comunità dei confliggenti. 6. A ricorrere al giudice si perde la faccia. 7. Specfaculum. 8. Deciderele liti. 9. Rent a Judge! 10. Questo e quello. 11. La malattia del terzo.i.

GIUDICARE, CONCILIARE, MEDIARE

1. Il mondo dei conflitti è sempre per molta parte imprevedibile ed enigmatico. Non c’è scienza sociale, per quanto ricca di letteratura specialistica sull’argomento, che alla fine ci possa raccontare questo mondo hobbesiano, inestricabile, ricco di passioni, interessi, comportamenti, inclinazioni, motivazioni; lo si descrive in una scala di possibilità che coinvolgono la rivalità, La concorrenza, l’invidia, l’inimicizia, sempre a metà tra la rottura irrevocabile e la solida conferma della socievolezza. Lo attesta Il ruolo che persino esso assume nella grande riflessione delle scienze sociali: nella costruzione delle teorie sociali alle posizioni cooperativistiche si oppongono quelle conflittualistiche che spiegano La società come costruita sulla inimicizia di fondo che definisce Il modo di essere degli attori, i loro contesti strutturali, le istituzioni, le culture; ma né le une né le altre sono in grado isolatamente di interpretare in maniera definitiva la complessità di fondo Del fenomeno. Dunque se ne avverte la centralità ma si è costretti a spiegare il fenomeno ricorrendo a trasposizioni simboliche o a processi metaforici. Così esso costringe ad un effetto di misconosci-mento che sposta tutto su come si percepisce e si regola collettivamente il rapporto tra i confliggenti e conseguentemente accade che il discorso sui conflitti si costruisca, durkhei-

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mianamente, sul modo in cui le società si apprestano a regolarlo, col risultato che si hanno delle conclusioni a geografia variabile. I modi attraverso i quali un sistema sociale regola i conflitti che nascono all’interno della società sono infatti tanti, tutti diversi, cambiano nel tempo e nello spazio, non sono per nulla eterni. Si vanno a rintanare nei singoli sistemi sociali; sono essi stessi a loro volta complessi sistemi sociali. Solo in parte dipendono dal modo in cui si confligge; a volte accade il contrario, così che il modo in cui si litiga e si confligge dipende dal modo in cui esistono sbocchi del conflitto e sono predisposti culturalmente e socialmente rimedi. Il legame forte tra quei micro-conflitti che sono le liti e il meccanismo dei loro rimedi rimanda sempre a qualche altra cosa: lo si descrive lasciando sempre la porta aperta ad altre spiegazioni e ad altre variabili. Lungo questa paradossale incompletezza si svolgerà anche questa breve riflessione che percorrerà alcune strade ben note ma volgerà lo sguardo anche verso alcune esplorazioni del possibile che ancora le istituzioni sono in grado di percepire ma non di regolare e formalizzare. Guarderemo cioè il fenomeno sempre più frequente del ricorso ai metodi alternativi di risoluzione delle controversie dal punto di vista specifico della ecologia dei conflitti. Questo significa partire da una connessione preventivamente avvertita di una reciproca dipendenza nei sistemi sociali dei conflitti e dei rimedi apprestati. Riprova intuitiva della correttezza e della fecondità di tale approccio sta nel fatto che non dappertutto, ma soltanto nei paesi di cultura occidentale, e non sempre, ma solo a partire dall’esperienza post-Westfalia del diritto e dello stato moderni, i conflitti sociali sono stati quase generalmente incanalati, regolati e possibilmente risolti da quel complesso e variegato sistema che va sotto il nome di sistema giudiziario. Sulla complessità, oltre che sull’autonomia e sull’unità interna del sistema giuridico, al quale il sistema giudiziario si riferisce, non potremo fare alcun accenno, anche se è lì che ovviamente uma riflessione accurata dovrà tendere il proprio sguardo. Che sia dunque, sulla base di regole e norme legittimamente valide, il giudice di uno stato a regolare i conflitti, è il risultato storico, e per questo mai definitivo, cui è pervenuto un sistema con le sue informazioni, la sua cultura, la sua capacità di autoregolarsi.

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Si tratta allora di uno dei tanti modi in cui un sistema sceglie di auto-regolarsi; un modo variabile, politicamente dipendente da decisioni, in cui intervengono, come è noto, vari fattori fra cui la tradizione, i ceti e le loro culture. A questa relatività variabile va dunque storicamente ricondotto e con questo sguardo «relativistico» va ancor oggi osservato. Il circuito conflitto/rzmedzo è allora il gioco che si svolge ecologicamente in un sistema dove contano mille cose. Tale osservazione porta a non trascurare i tentativi ecologici di riaggiustamento continuo da parte dei sistemi istituzionali dei paesi occidentali? ed in particolare del nostro, del modo di regolare i conflitti sociali. Si tratta di tendenze comuni ai paesi occidentali; esse mettono in evidenza l’inadeguatezza ormai strutturale del carattere esclusivamente monopolistico del sistema giudiziario nella risoluzione dei conflitti; avanzano richieste di revoca del carattere stato-centrico dell’amministrazione della giustizia; allargano, senza rifiutare, la dimensione della «legalità». A questo proposito va ovviamente chiarito che la legalità è quel complesso di regole dell’azione e di rappresentazione di valori che costituisce il fondamento giuridico di un sistema democratico basato sul primato della legge, ma che non può essere confuso con una amministrazione statualistica di qualsiasi natura. Per altri versi la legalità è dimensione cui, per definizione, tende un sistema politico ma che sarebbe ingenuo identificare in un’epoca o in un’istituzione o in un paese storicamente dati. Dal punto di vista dei modelli la legalità pone in essere l’autoregolazione di un sistema sulla base di una legittimazione legale e razionale; le riflessioni weberiane su questo non sono state ancora mai contraddette. Ma quel modello significa primato della legge e allontanamento da altre forme di legittimazione del potere, non vuol dire ovviamente statualismo esasperato o colonizzazione della vita. Come sappiamo, la legalità ha garantito che diritti soltanto enunciati venissero agiti, difesi e affermati davanti ad un giudice, contro poteri che tendevano a occultarli, ma in nome di quella stessa legalità e di quegli stessi diritti credo che stia emergendo un’esigenza di riaggiustamento di strumenti di comprensione e soprattutto regolazione dei fenomeni. Quello che emerge è un tentativo costante del nostro sistema istituzionale di ridefinire il circuito conflitto/rimedio non attra-

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verso ingenue rinunce al sistema giudiziario, ma attraverso una ridefinizione dei suoi confini. Si tratta di processi lunghi che avvengono attraverso giochi complessi di comunicazione; si va dal dibattito interno alla teoria giuridica sulla degiurisdizionalizzazione e degiudiziarizzazione, alla vera e propria istituzionalizzazione di modi alternativi. Basta fermare lo sguardo su tendenze e prassi legislative recenti: dalle direttive comunitarie in materia di difesa dei consu-matori all’istituzione di alcune autorità garanti, alla legge sulle Camere arbitrali presso le Camere di Commercio. Né va trascurata, per la sua paradossalità, la situazione che si è venuta a creare in seguito alle ripetute condanne dell’Italia per i ritardi nella conclusione dei processi giudiziari. In linea con quanto si era progettato in un decreto del governo viene anche dagli organismi giudiziari e di governo dell’unione europea il suggerimento di predisporre strumenti di amichevole composizione della lite tra stato italiano e cittadino danneggiato. La paradossalità neanche tanto nascosta sta nel fatto che si è costretti a «comporre» quello che non si è stati capaci di «regolare»; la reintroduzione di composizioni dentro la struttura autoritativa della decisione butta una luce diversa sulle tante possibilità di risolvere conflitti. Ma va sgombrato il campo da possibili equivoci: sarebbe soltanto ingenuo e fuorviante pensare che la ricerca di modi alternativi di risoluzione delle controversie sia da vedere esclusivamente come rimedio alla crisi quantitativa e qualitativa della giustizia. Che possa in astratto esserlo non è in dubbio – e comunque ben venga questo improbabile risultato –; ma sarebbe un errore analitico guardare alle dispute alternative in maniera così subalterna rispetto al meccanismo giudiziario. È noto poi che le cause della crisi della giustizia sono tante e non è un caso che nessuna ricerca sia mai riuscita a dare un modello possibile di tutte le variabili che intervengono. Da parte mia insisto su un processo di forte sbilanciamento della nostra cultura – giuridica, politica, istituzionale, sociale – verso i «rimedi»; e tale sbilanciamento è tanto forte da far dimenticare totalmente la natura, la forma, la struttura, la cultura dei conflitti. Credo che in un certo senso tale sbilanciamento sia da cercare nella ragione stessa dell’esistenza e quindi nel codice genetico stesso del diritto, ma vi è soprattutto negli ultimi secoli una totale disattenzione e quindi un generale misconoscimento di quel vasto

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campo di analisi che va sotto il nome di litigiosità. Vi è al contrario un pensiero «totalizzante» che lavora non solo «riflessivamente» sui rimedi: di fronte agli insuccessi o alle inadeguatezze pensa ricorsivamente al rimedio circa il rimedio. Detto in termini più problematici questo è uno degli aspetti più significativi che la filosofia di questo secolo ha riservato alla critica dell’astrazione. Diceva Wittgenstein che il progresso delle società occidentali ha come struttura fondamentale quella di dover progressivamente prendere distanza dalla realtà, e di doversi riferire sempre esclusivamente alla «forma»; l’astrazione della forma, scriveva Wittgenstein, è «tipicamente costruttiva». Nel nostro caso il rimedio, cioè il processo, cui si delega un ampio spettro di funzioni che vanno dal controllo alla mediazione dei conflitti, dall’accertamento della verità alla politica criminale, è non solo sovraccaricato di compiti non propri, ma, così com’è, rappresenta appunto l’esempio peggiore del costruttivismo giuridico moderno. Quello che si dimentica focalizzandosi sul processo, per quanto importante esso sia, è che tutto nasce da una litigiosità che, se non altro, viene prima del processo e che, almeno in questo, è da considerare come il segreto motore della storia. Si sa infatti che il costruttivismo porta con sé una quota di ingiustificato artificio in cui il riferimento finisce per essere esclusivamente a se stesso; il ritualismo è un valore se invoca e realizza funzioni di garanzia, è inutile concessione all’autogiustificazione se rivolto a se stesso. 2. Di questa astrazione un po’ perversa possiamo ritrovare inItalia un esempio ricorrente nei monotoni discorsi sulla crisi della giustizia: si dice che i conflitti giudiziari crescono. Si lamenta, come dappertutto (anche se noi in Italia, ci mettiamo del nostro) Zitigation explosion e, senza minimamente interessarsi a cosa produca tutto questo, si dice che il rimedio è l’aumento del numero dei giudici. Come se la causa della Zitigation explosion fosse solo ed esclusivamente quella dell’esiguo numero di magistrati. Qualche dato va suggerito: in Italia a fronte di quasi novemila togati ci sono dodicimila onorari che mandano avanti la baracca. Sono più degli altri e realizzano una quota molto alta di decisioni; di recente una parte della magistratura onoraria, come è noto, è stata investita del compito di esaurire («stralciare») le pendenze che gravano gli

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uffici, owiamente non per azzerare il carico, ma per ridurlo. E owiamente questa non è contingenza di un momento particolare, anche se così spesso viene presentata e letta, ma è tendenza che troviamo costante e crescente nei dati quantitativi perlomeno da un cinquantennio. È vero, come ci mostrano le pur rare ricerche (S. Pellegrini, La Zztigzosità zn Italia, Milano, Giuffrè, 1937)) che rispetto agli inizi del secolo e rispetto ai periodi postbellici, la litigiosità giudiziaria sembra diminuita; ma un confronto con la popolazione e una disaggregazione più puntuale contraddicono questa tendenza e mostrano la crescita costante della quantità relativa di liti. Se poi si parte da un’idea più larga di litigiosità tale da ricomprendere i conflitti penalmente rilevanti, i dati diventano più eloquenti. C’è più penale di civile e c’è, relativamente, maggiore richiesta di provvedimenti esecutivi rispetto a quelli cognitivi. Vi è anche la conferma che l’istituzionalizzazione dei diritti e i grandi processi di riforma portano aumento della conflittualità, ma questo è naturale e per certi versi ovvio. Si tratta cioè di registrare una specie di traduzione che il sistema del diritto opera rispetto alla litigiosità sociale per cui quello che sappiamo del conflitto sociale lo sappiamo attraverso la lènte di rifrazione del diritto. Ma è anche l’unica fonte che le istituzioni forniscono ed è un dato di per sé indicativo: quanto litighiamo in Italia, ad esempio, dipende dal modo in cui il «rimedio» giuridico e giudiziario è stato costruito e questo owiamente ci fornisce un’immagine vera e falsa insieme della litigiosità, che sposta ogni discorso sull’ipertrofia del rimedio rispetto alla causa. Anche per questa via si riproduce progressivamente e in maniera inconsapevole il circuito conflitto/rimedio alla ricerca di un sempre precario equilibrio. Oltre il gioco delle imputazioni causali, in simili argomenti c’è, nel migliore dei casi, un’eccessiva concessione alle logiche dell’emergenza. N. Luhmann ha descritto mirabilmente simile logica parlando del finanziamento e della cultura imprenditoriale: i cosiddetti paesi non sviluppati non hanno mentalità imprenditoriale capace di reggere al confronto con i paesi a sviluppo industriale. Chiedono così finanziamenti perché essi cambino la mentalità e facciano nascere spirito imprenditoriale. Poi ci si accorge che questo non

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avviene e si imputa alla mentalità ancora troppo radicata e refrattaria al cambiamento il fatto che non si sia sviluppata la struttura imprenditoriale e, conseguentemente, si chiedono altri finanziamenti che facciano cambiare la mentalità. E così all’infinito. Il che, ovviamente, non vuol dire che tutto debba sempre rimanere così com’è. Con le owie differenze vale anche per la questione della giustizia questa logica paradossale dell’imputazione causale che ribalta il gioco di cause ed effetti; in questo modo si realizza una strana rincorsa tra la mancata realizzazione dell’efficienza e la logica quantitativa delle risorse. I conflitti aumentano progressivamente e si attribuisce tutto questo all’inefficienza dovuta alla mancanza di risorse; si chiedono così aumenti consistenti di risorse pensando che in tal modo i conflitti possano diminuire. Non soltanto l’inferenza causale risulta del tutto gratuita, ma ci si innesta in una logica remediale che contribuisce di per sé non soltanto a non risolvere, ma addirittura a inflazionare il saldo di domanda e offerta. Senza riferirsi al carattere culturalmente indotto della domanda da parte dell’offerta, che pure è un discorso possibile e corroborato dai dati quantitativi, il problema di poliq che emerge è quello di un sistema ché investe sul rimedio senza incidere sulle cause; così aumentano le risorse dell’apparato giudiziario ma rimane soltanto l’illusione che questo faccia diminuire i conflitti. Il rimedio reagisce sul rimedio ma non ha nessuna diretta incidenza su cause, dimensioni, effetti della litigiosità che determinano i conflitti. Questo vero e proprio effetto di misconoscimento realizza un coagulo di attenzione sull’apparato giudiziario con un accumulo eccessivo di centralità che focalizza il dibattito pubblico, sovraccarica preventivamente di fiducia, e successivamente di diffidenza, il lavoro del giudice e contribuisce ad offrire l’immagine di un «corpo sociale innervosito» costretto a continue fibrillazioni tutte le volte che si parla di giustizia. Oltre la questione posta da A. Pizzorno sul rapporto che si è venuto a determinare tra giudice e «controllo delle virtù» (IZ potere dei giudici, Roma-Bari, Laterza, 1998) vi è questo aspetto che nella nostra prospettiva appare altrettanto strutturale ai fini dell’analisi del sistema giudiziario italiano – e non soltanto. Si determina silenziosamente una strada a senso unico in cui l’enfatizzazione del giudiziario (E. Paciotti, Sui magzstratz, Roma-Bari, Laterza, 1999) si

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allea con l’incommensurabilità di un’antropologia nascosta che riguarda il complesso mondo della litigiosità. Questa appare come un fenomeno dai contorni definiti e misurabili, persino espresso da andamenti statistici apparentemente inoppugnabili, ma anche come qualcosa di impalpabile. Oltre che fenomeno esternale la litigiosità si presenta come gioco di comunicazione in cui ogni rilevazione di tipologie e ogni classificazione di strutture, attori, modalità, esiti, effetti – cioè ogni fenomenologia – si scontra con un invisibile e sfuggente legame che sembra vivere di regole sue proprie. 3. Non si tratta ovviamente di novità insorte negli ultimi anni; certo vi sono in questo cinquantennio accelerazioni improvvise, ma i problemi sono di lungo periodo fin quasi a individuare tendenze epocali che non vanno certo trascurate. L’antropologia della prima epoca moderna ne aveva avvertito l’importanza e ne aveva fornito per prima una formalizzazione. Così attenta all’eurzstzca della paura aveva sottolineato la centralità della questione del conflitto e non aveva mancato di addentrarsi nella patina oscura della litigiosità, prima ancora che essa trovasse nel sistema giudiziario il suo luogo sociale privilegiato. Quando quell’epoca avverte che il problema cruciale del tempo è quello di come sia possibile l’ordine sociale a fronte di guerre perpetue (la storia da osservare dall’alto della montagna del diavolo), la risposta che viene avanzata è significativa. La litigiosità da cui muovono i conflitti è un complesso sistema in cui si agitano ragioni e passioni che non sempre è facile decifrare e regolare. Hobbes descrive questo rilievo barocco imperniato su uno sconfinato (apezron) e malinconico desiderio di «potere», e non semplicemente di «avere», degli uomini. Essi lo inseguono simmetricamente e contemporaneamente per cui risulta inevitabile un’interferenza «economica» del desiderio che non sopporta né concorrenza né ripartizioni convenzionali; insomma gli uomini confliggono per competztzon, dfizdence and glory. È dunque vasto il mondo del conflitto che si espande dal terreno delle risorse economiche a quello simbolico delle motivazioni, delle preferenze e dei desideri. Si estende lungo reti di combinazioni possibili che vanno dalla motivazione razionale di un agire irrazionale ad un agire razionale sulla base di una motivazione del tutto irrazionale. A guardar bene

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la teoria che si snoderà nell’arco dei tre secoli seguenti lungo questo complesso intreccio di passioni e ragioni si inserirà in quella antropologia accentuando alcuni aspetti piuttosto che altri o attribuendo rilevanza ad alcune motivazioni piuttosto che altre senza però alterare la cornice complessiva. In quella teoria si succederanno l’egoismo possessivo e l’utilitarismo illuminista, il marxismo, la giurisprudenza degli interessi e, dopo, la psicanalisi; ma, dovremmo forse dire che la teoria rappresenta quasi involontariamente, per usare l’espressione di C. Schmitt, d’irruzione (Eznbruch) del tempo nel gioco del dramma». Sarà M. Weber a dare sistemazione teorica a tutto ciò parlando della crisi del causalismo in quella particolare relazione sociale che è il conflitto; non sarà mai soltanto l’interesse economico, prevedibile per quanto perverso, a spiegare il mondo complicato del litigio che scivola con estrema facilità dai piccoli mondi individuali al macro delle grandi relazioni sociali. Semplificazioni di questo genere si riaffacciano sempre e in ogni occasione; basterebbe inseguire l’ultima guerra e registrare come tutto venga spiegato, ma non compreso, a partire dal petrolio o dal controllo strategico di un territorio, come se anche questi fossero i motivi univocamente accertati e a loro volta non fossero prodotto di preferenza e motivazioni complesse. Dunque è a quell’antropologia della prima epoca moderna che bisogna rifarsi per definire la cornice teorica del problema del conflitto e non è per caso che quella stessa sia anche l’epoca che fonda l’autonomia del politico non meno che la condivisione di una legge frutto di un patto che regoli e riduca l’inimicizia. È anche per questo che tanto il sovrano quanto il suo giudice erano immaginati come automata, macbinae, horologium, distanti dal meccanismo delle passioni, il più possibile lontano dal mondo dei confliggenti e dei loro desideri. Così quella eeuristica della paura» affondava il suo sguardo sul mondo del conflitto e lo decifrava come problema del legame sociale definito da un gioco di passioni che mette insieme la prevedi bili t à della competzzzone rivale l’im palp a b ilit à della dzflidence e la evanescenza simbolica della glovy. Sulla loro semantica si potrebbe lavorare in maniera inesauribile, e sarebbe bene farlo, non con l’occhio dell’analista delle virtù, o del teorico della

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morale, ma con quello meno pretenzioso dello studioso del sistema sociale, e non è questo owiamente il luogo. Ma non si può nello stesso tempo dimenticare che la questione che ci troviamo di fronte affonda lontano le proprie radici: alcune tracce importanti rimontano non a caso all’epoca della formazione del diritto e dello stato moderni, e dunque a quell’antropologia della prima epoca moderna che fondava le regole sul patto e che giustificava le sue convenzioni tanto sulla base della paura e della necessità, quanto, appena più tardi, sul senso spinoziano della Zaetzzza. A partire da quella tradizione si consolida la consapevolezza che il conflitto è un meccanismo complesso che deriva da molteplicità di fattori; che c’è continuità tra il mzcro dei conflitti interindividuali e il macro dei conflitti sociali (siano essi quelli bellici, inter-etnici, culturali, economici, regolati o non regolati, ecc.); che esso è rottura ma anche riaffermazione del legame sociale e dei suoi meccanismi comunicativi; che inoltre deve trovare all’interno del sistema sociale un luogo autonomo di regolazione e decisione. Che sia il diritto e un giudice, piuttosto che il sacrificio o il duello, a risolvere il conflitto dipende dal modo in cui l’intero sistema sociale ritiene compatibile contenuti e modalità del conflitto stesso. L’ipertrofia del giudiziario che oggi lamentiamo nella regolazione e decisione dipende da questa storia ed è sempre lì che bisogna scavare per comprendere come nella logica del sistema sociale si sia verificato questo effetto perverso della delega al giudiziario che sembra ora cercare nuove soluzioni. Proprio da quelle consapevolezze acquisite dalla teoria, non meno che da quelle certezze escluse ma non eliminate, occorre riprendere il discorso. 4. Il primo tentativo di approssimazione sta dunque nel revocare la consapevolezza che senso e significato del conflitto siano esclusivamente definiti dalla regola e dal rimedio e che dunque esso possa essere ridotto soltanto a quella normatività e alla sua decisione. Esso va restituito alla sua caratteristica, spesso misconosciuta nel sapere istituzionale, di essere anche comunità e legame sociale. Non era sfuggito all’analisi attenta di G. Simmel il singolare e apparente paradosso «comunitario» del conflitto tra due litiganti.

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Quello che li separa tanto da giustificare il litigio è esattamente quello che li accomuna, nel senso che essi condividono la lite e quindi un intenso mondo di relazioni, norme, legami, simboli che appartengono a quel meccanismo. Per quanto evanescente possa essere, la posta in gioco separa e unisce; taglia di netto possibilità di comunicazione e ne instaura altre, per quanto fraintese e distruttive. Quindi non basta, per Simmel, che i due contendenti appartengano nella loro diversità allo stesso genere, vivano nello stesso «ambiente» e condividano pertanto lo stesso sistema ecologico (Zusammengehorzgkezt.) Questo genere di appartenenza che definisce all’interno le diversità fa sì che il conflitto tra due contendenti appaia come un sistema sociale a tre, quando si attende un terzo che dirima il conflitto stesso o si aspetta che il terzo, reciprocamente, si sveli come nemico o come alleato; ipotesi diversa da quella in cui si realizza un sistema sociale con terzo, in cui si aspetta che il terzo, già formalizzato, decida sull’esito della lite. In ogni caso si ha condivisione di un terreno comune di linguaggi e di ordini simbolici; anzi, si può dire da un certo punto di vista che si litiga perché si ha lo stesso linguaggio e perché si ha in comune lo stesso ordine di riferimento simbolico. Qui viene in gioco la differenza fondamentale, sempre più importante oggi, tra conflitto e dissidio (dzflerend). Il dissidio non ha terreno comune e divide soltanto; non interrompe alcuna comunicazione per il semplice fatto che comunicazione non ce n’è. Questo accade non quando due culture entrano, non a caso, in contatto e comunque sia scelgono forme e modalità persino di esclusione della comunicazione; questo accade invece quando due ordini linguistici, incompatibili perché incommensurabili, entrano in collisione ma non in contatto. È questo il caso del dissidio tra frase affetto e frase argomentata, tra passione e ragione, che, racconta la letteratura, possono coesistere soltanto a patto di schivarsi e di ignorarsi. Il carattere tragico di Antigone è dovuto esattamente all’incommensurabilità dei dzssoi Zogoi che contrappone l’ozkos alla poZzs senza possibilità di incontro né di mediazione, né, tantomeno, di soluzione terza, lontana com’è da sacrificali sintesi hegeliane. Ed è noto che non si tratta di modello letterario lontano nel tempo, ma è esperienza di vita quotidiana costantemente ripetuta.

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Quello che i sistemi sociali hanno da sempre cercato di neutralizzare è proprio il carattere potenzialmente disgregante del dissidio, e questo è stato fatto incorporando la diversità e trasformandola in dispositivo di differenza compatibile. Meccanismo sociale, più che dimensione di «etica comunicativa», è quello, sicuramente tragico, di ogni resistenza e di ogni rivolta che deve trasformarsi in occasione di tolleranza, in contratto o in sottomissione: deve diventare altro per continuare ad essere se stesso. Tipico di questo processo è anche il meccanismo per cui il sistema giuridico internalizza la coppia amico-nemico e la sostituisce con quella nemico-criminale; oltre che riproporre l’effetto «sistema», quello che il diritto fa è legato alla necessità di neutralizzazione del dissidio. Esso viene tra-dotto e ri-dotto all’interno di un linguaggio che dall’alto unifica e ricomprende le differenze (e le sue differenze), a cominciare come è noto dalla differenza fondamentale tra quello che è diritto e quello che non è diritto. Appunto per neutralizzare il carattere dirompente del dissidio il diritto formalizza come proprio principio generale l’irrilevanza della ignoranza del diritto (non della legge, come qualche un po’ troppo ingenuo commentatore sostiene dopo la nota sentenza del 1988 della Corte costituzionale italiana). Rendere irrilevante l’ignoranza significa neutralizzare la diversità e imporre dall’alto l’appartenenza comune; e, del resto, l’idea del «contratto sociale» da questo punto di vista chiude il cerchio e colma, con un nuovo paradosso, il vuoto paradossale di un sistema «condiviso per decreto» o immaginato come razionale soltanto quando condiviso o assunto «come se» (als ob) fosse da sempre condiviso. Il dissidio, al contrario, segna l’oltrepassamento, individua il non condiviso U.F. Lyotard) ed è quindi il punto estremo al di là del quale non si può pensare la regola comune. Il dissidio, da un certo punto di vista, è impensabile perché non ha parole traducibili per manifestarsi: è, non a caso, incomprensibile. Quando trova le parole è già sulla via delle metamorfosi. Tutto ciò ovviamente impone al diritto non dispositivi accomodanti ma obblighi impegnativi di regolare e decidere tutto: per il giudice non è un caso che viga il divieto del non liquet, che è l’equivalente della onni-comprensività della regola che nel linguaggio freddo della teoria generale diventa principio di «completezza dell’ordinamento giuridico».

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5. In maniera più significativa, e forse più inquietante, la comunità dei contendenti mette in rilievo un aspetto diverso che non era sfuggito allo sguardo di G. Simmel. Esso consiste in una singolare complicità rivale, o rivalità complice, che si viene a instaurare tra i due confliggenti e che finisce per essere il cuore segreto del conflitto prima e indipendentemente da motivazioni più o meno razionali o da interessi più o meno razionalizzabili. Gli attori assumono esclusivamente l’identità di confliggenti ed è quella identità a definire l’orizzonte della loro relazione frutto di simmetria e di reciprocità. Come in ogni canonico gioco dell’identità, gli attori si definiscono sulla base della differenza che si coltiva nei confronti dell’antagonista; ma questo in maniera simmetrica e reciproca, per cui mai come in questo caso le differenze degli antagonisti sono speculari. E si sa che l’identità del confliggente è tanto più forte quanto più essa è costruita non su interessi o ragioni ma sull’interesse e la ragione stessa del conflitto. Proprio il carattere simmetrico e speculare determina una specie di equilibrio ecologico tra i due contendenti che non soltanto condividono le loro differenze, ma costruiscono la loro identità sulla base del proprio antagonista: ognuno esiste in funzione dell’altro con una complicità nei confronti del rivale che Holderlin definiva Gleicbgewzcbt e che lo spazio della polzs ha da sempre vissuto attraverso il gioco dell’inimicizia-amicizia e che, non a caso, si chiama ambiguamente staszs. È la stessa situazione che si verifica, senza reciprocità, nella condizione del resseiztzment in cui il risentito esiste in funzione dell’autore del torto e da questo definito nella sua esistenza. In più, nel conflitto, vi è la dipendenza dal próprio rivale nello stesso tempo doppia e reciproca. Questo accade in tutte le forme «relazionali» ad alto contenuto simbolico, come quando si parla di pace-guerra, di centro-periferia, sviluppo-sottosviluppo, Nord-Sud, in cui un polo esiste in virtù del suo «contro»; e peraltro ogni linguaggio locale ne produrrà sempre di nuovi istituendo identità grazie alle loro differenze. Il circuito che si instaura è di definizione dello spazio di azione grazie ala rivalità «fissata» attraverso i poli antagonistici e questo fa ricadere tutto nello schema dei giochi paranoici. Nel linguaggio comune la paranoia è fissazione, ci si sente perseguitati o ossessionati e non ci si riesce a smuovere; e mai c’è tanta corrispondenza tra linguaggio comune e linguaggio scientifico

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come nel caso della «fissazione» con cui si indica lo stato del paranoico. Come si sa, nel conflitto ci si «fissa» e si vive in funzione dell’altro confliggente. Non c’è nemmeno la distanza di sicurezza che ogni strategia garantisce, perché prima di ogni strategia vi è il bisogno di quel conflitto. Formalizzazioni di questo schema si ritrovano in molti luoghi e in molte ricostruzioni; la più lucida ci sembra quella della guerra civile descritta da Carl Schmitt, in cui ognuno pone l’altro fuori del diritto in nome del diritto e ognuno nega all’altro il diritto di resistenza in nome del diritto di resistenza. Altrove abbiamo descritto questi «giochi» in chiave di antropologia dell’invidia, dove l’ambivalenza mimetica ritorna con lo stesso schema anche se in altra forma. Tipico è il modello biblico dei «fratelli nemici», ma non meno rilevante mi sembra il gioco «costitutivo» della politica moderna dove il conflitto tra maggioranza e minoranza in um parlamento democratico tutto costruito sulle procedure del vincere e del perdere stabilirà sempre una sorta di complicità rivale tra i due «schieramenti in campo». Essi potranno vincere o perdere ma avranno bisogno dell’altro per continuare nel gioco, ovviamente importante, della democrazia. Gli esempi che il sistema sociale offre sono numerosi, ma il più significativo viene da quell’immenso osservatorio che è la narrativa. Meglio di ogni accurato saggio scientifico a raccontare della dimensione attrattiva del conflitto vi sono le bellissime pagine di Lawrence che riprendono il vecchio tema epico dei duellanti (The DueZZixts). È la storia di due ufficiali che si inseguono in eserciti diversi e in tempi successivi spinti dalla rivalità personale. Sembra che la storia, le guerre, le strategie militari, persino gli amori, siano soltanto occasione per la loro rivalità. Esempi del tutto particolaridi quell’occasionalismo che il romanticismo politico di quell’epoca poteva suggerire, i duellanti sono il modello più tipico di attori di un conflitto che costruiscono la loro identità sulla base dell’esistenza del rivale; ne dipendono costitutivamente. Altrove, nella teoria dell’identità, tutto questo si definisce Zueinandev-geborzgkeit, ossia dipendenza reciproca dell’uno dall’altro in un invisibile ma imprescindibile legame. Chi frequenta le aule dei tribunali riconoscerà spesso nel volto neutro di ricorrenti e resistenti veri e propri duellanti che

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sono lì a dimostrare con la loro presenza e col loro comportamento processuale, di cui spesso anche altri sono complici, che la vera ragione del conflitto giudiziario non è un diritto controverso, ma è semplicemente l’altro. Ogni motivo è superfluo: le cause in materia di separazione e divorzio, che non finiscono mai anche quando sono finite, ne sono l’emblema più evidente, tanto è vero che, malinconicamente, la teoria suggerisce che si è adulti quando si «litiga bene». 6. Su tutta questa microfisica dei conflitti agisce un sistema di variabili che possiamo definire genericamente culturali piuttosto che esterne ed esogene. Non se ne è mai data una precisa classificazione ma è indubbio che esista una diretta dipendenza della litigiosità da fattori culturali allargati. Nel tempo e nello spazio la litigiosità cambia qualitativamente e quantitativamente ed è ovvio che, banalmente, essa dipenda dall’aria che si respira, cioè da quel complesso di fattori socio-culturali che ne determinano le possibilità. Non si litiga certamente per natura, anche se note teorie vorrebbero farcelo credere, ma si litiga per cultura e, come è noto, su queste sfumature sono proliferate le più note teorie politiche. Più che alla differenza tra fattori endogeni ed esogeni che pretende di definire in maniera troppo rigida il confine di interno ed esterno di un sistema di azione, preferiamo ricorrere alla differenza tra strutturale e motivazionale. Così pensando alla conflittualità sociale possiamo osservare fattori strutturali come il carattere più o meno competitivo del mercato, la flessibilità dell’offerta e della domanda di lavoro, il sistema normativo rigido o il potere strutturale degli attori. L’esempio su cui vi è anche una certa quantità di ricerche è quello della conflittualità giudiziaria in materia di lavoro che nel periodo seguente all’introduzione dello Statuto vedeva fluttuare enormemente le controversie a seconda delle aree geografiche. La ragione era però strutturale piuttosto che altro, dal momento che si verificavano quantitativamente meno cause di lavoro dove le organizzazioni dei lavoratori erano più forti e al contrario si registravano più controversie dove esse erano più deboli. A parità di altre variabili, come il sistema giudiziario che si assume stabile e uniforme solo per definizione, quello che spostava

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era il potere delle organizzazioni che non soltanto controllavano e mediavano i conflitti indipendentemente dal ricorso al giudice, ma che soprattutto grazie al loro potere di intervento gestivano il rischio delle controversie giudiziarie in maniera più razionale. Dove erano più forti rischiavano meno, dove più deboli rischiavano di più. Così la strategia di azione razionale si inseriva in un sistema di variabili complesse in cui vi sono strutture, motivazioni, processi che non esauriscono l’intero profilo delle interferenze, ma che certamente aiutano a capire dove nasce e come si sviluppa la tendenza alla litigiosità. Un esempio di tale complessità è offerto dalla sociologia del diritto weberiana che lega la conflittualità al processo certamente più comprensivo della razionalizzazione sociale nella quale il diritto ha un ruolo non secondario. Tenendo presente il carattere multifattoriale dei processi di razionalizzazione ed escludendo um rapporto meccanico di causa ed effetto tra i fenomeni coinvolti, non c’è dubbio che in Weber l’idea del conflitto oscilli constantemente dal piano individuale a quello sociale attraverso un complesso sistema di azione dove contano molte cose. In un sistema di civiltà che insegue crescenti razionalizzazioni ma che lascia aperto il varco all’irrazionalità delle motivazioni, il compito pubblico è quello di predisporre elementi di forte prevedibilità: in questo il ruolo principale è dell’economia, come della politica non meno che del diritto. Ma è all’etica religiosa che bisogna guardare per vedere come cambi la concezione culturale complessiva del conflitto e dei suoi rimedi. In un sistema orientato al capitalismo concorrenziale e all’etica del premio il conflitto appare inevitabile ma gestibile ed è quindi forte il legame tra la razionalizzazione dei sistemi giuridicopolitici e la cultura della vita quotidiana che la accompagna. Lì dunque è molto più decisiva la separazione tra diritto e morale, non ultima quella religiosa, e questo segna la differenza tra oriente e occidente. L’idea weberiana è stata poi ripresa più volte e rimescolata in mille salse ma è rimasta nel suo nucleo centrale a indirizzare l’analisi. Da ricordare è l’utilizzazione che negli anni ’60 ha fatto uno studioso scandinavo, T. Eckoff, che nel saggio su Tbe Mediator, tbe Judge and the Administrator in Conflict Resolutzon (in «Acta Sociologica», X, 1966, pp. 158-166) avanzava l’ipotesi che in culture

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religiose di tipo conciliativo, come il confucianesimo, vi era scarsa propensione privata e bassa attenzione pubblica alla lite giudiziaria. Non che lì non si litighi, ma c’è un forte legame tra il disvalore del litigio e l’interiorizzazione dei precetti religiosi. Si dice che per la religione confuciana «ad andare dal giudice si perde la faccia», quasi che litigare sia peccato. Questo non avviene in culture cattoliche dove, nonostante l’etica del perdono e il divieto del risentimento, si ricorre sempre più spesso al giudice. Owiamente tutto ciò può dipendere dal fatto che l’etica religiosa fa i conti con tradizioni giuridico-politiche più impermeabili, che hanno dovuto sperimentare l’autonomia rispetto alla morale religiosa (più nell’etica protestante che non in quella cattolica). A sostegno della complessità e della profondità storica di tali meccanismi vi è però un aspetto di strana coincidenza: a convincere, però coercitivamente, che ad andare dal giudice si perde la faccia è anche il «potere selvaggio» della mafia che owiamente si autocostituisce come il soggetto monopolista della regolazione dei conflitti grazie alla monopolizzazione sia pure non legittima della forza fisica. La differenza sta tutta – e non è poca cosa – nella coercitività e nella conquista violenta della monopolizzazione da parte dei poteri selvaggi, da un lato, nell’interiorizzazione delle norme richiesta dall’etica religiosa, dall’altro. È qui che si incontra l’altro aspetto importante del problema che attiene all’intreccio delle forme del diritto e delle costruzioni delle strutture politiche. 7. È noto come la storia del processo giuridico moderno sia legata non soltanto alla cultura giuridica e alla sua funzione di legi t t im azione razionale, ma rappresenti anche immediatamente la storia del potere e del suo codice politico. Storia, questa, attraversata da ragioni fredde e da passioni calde, o almeno così potremmo dire, che si mescolano nel tessuto weberiano della «legittimazione razionale attraverso la legalità formale». Il processo giudiziario, che di questa storia è la ricaduta più sensibile e l’emblema più significativo, lascia trasparire sedimentazioni e tracce di modi di vita collettivi, di processi culturali, di successi e insuccessi della democrazia. Jeu des cartes, lo definisce Cordero, non semplice «macchina», in cui la posta in gioco è molto

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alta: un giudice non condanna ad una pena ma infligge «destino» e spesso lavora sulla «nuda vita», aveva detto W. Benjamin. Nel processo c’è molto di più di quella singolare architettura dello sguardo che emerge dalla teatralità del processo penale, visibile e invisibile, che coinvolge un intero popolo e lo esclude nello stesso tempo, che mostra e nasconde. Poco più di due secoli orsono, nel cuore della vecchia Europa, il processo era segreto e la pena pubblica. Per quanto giustificata da una malintesa idea di pudore, la sottrazione allo sguardo pubblico rimetteva la verità del processo al gioco degli arcana che non sopportavano opinioni maggioritarie e che tendevano – per umiltà nei confronti del Dio, si diceva – alla unanimztas oggi tramontata di potenti più che di sapienti. Pensata a imitazione dell’infallibilità del giudizio divino, l’unanzmztas era fine più che mezzo: epifania di una plena verztas senza la quale il giudizio sarebbe stato umano, quindi fallibile e lontano dal modello della giustizia divina. Non è poi questione di dettaglio che per raggiungere la plena verztas, che soltanto la confessione realizzava senza dubbi, si ricorresse alla indagati0 per tormentum (salvo a chiamarla «giuramento di Dio»). Contro la segretezza delle procedure la visibilità della punizione sceglieva la fastosità teatrale: si presentava come spectaculum, misto di pedagogia e di puro divertimento popolare che il sovrano donava. Il pubblico ne era elemento costitutivo destinato a legittimare il potere di punire del sovrano, ma era anche e nello stesso tempo destinatario del messaggio pedagogico: così già da tempo si definiva la funzione deterrente della pena. Il pubblico era dunque nella più tipica condizione dello spettatore, con la sua presenza doppia di fine e mezzo, oggetto dell’investimento punitivo e, a suo modo, strumentalmente, soggetto della punizione; e tutto questo fa dire a Nietzsche, con impressionante lucidità, che la pena è il «mimo della guerra e della festa». In questa teatralità centrata sulla posizione scenica degli attori e del loro pubblico e costruita sull’effetto dell’architettura dello sguardo, il processo, senza sostanziali differenze tra il civile e il penale, era soltanto meccanismo anticipatorio; nella procedura sottratta alla visibilità si consegnava la uerztà del giudizio ad una pratica di discrezionalità senza limiti, ovviamente non esente da

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quella strana coerenza presente in tutti i meccanismi «sostanzialmente irrazionali». È su questo che affonda lo sguardo la critica illuminista e, attraverso due secoli, non senza fatica, la «teoria giuridica della democrazia». L’effetto visibile è quello del ribaltamento dello sguardo che porta alla pubblicità del processo, come procedura verificabile da svolgersi sotto gli occhi di tutti, e alla segretezza della pena capace di eliminare la fastosità della punizione. Con successi ed insuccessi in questo vi è il cammino della legalità moderna che tende ad orientare i comportamenti collettivi sulla base di una normatività separata dalla morale e astrattamente condivisa. Essa affida al meccanismo giudiziario non l’esercizio delle virtù ma il compito difficile di dire l’ultima parola sui conflitti e, grazie a questo, minimizzare la violenza evitando il suo perpetuarsi. Depurata da retoriche più o meno giustificate questa è la funzione che il sistema della legalità attribuisce al giudice: interrompere il conflitto e decidere. Questo presuppone che si traduca la litigiosità in un linguaggio formalizzato e compatibile con le possibilità di cgeneralizzazioni congruenti» che il sistema normativo consente. Il vero imperativo funzionale è quello del decidere secondo decisioni che una legge definisce nei loro contorni non sempre netti di contenuto e di metodo. Ma tutto ciò è anche sicuramente «conquista », se può usarsi simile linguaggio, rispetto ad un modo di risolvere i conflitti che o replicava la violenza o rimetteva tutto a poteri discrezionali e spesso incontrollabili. Quand’anche si volesse parlare a tutti i costi, come fa ancora qualche attardato funzionalista, del meccanismo giuridico come controllo sociale, non è da dimenticare che soltanto nello stato autoritario, nell’ordinamento mafioso e nel più puro dei sistemi disciplinari, i conflitti, come ogni genere di devianza, vengono preventivamente eliminati alla radice attraverso tecniche tipiche dei «poteri selvaggi». Qualcosa del genere si sta profilando in forme del tutto nuove nel sistema che si chiama della etecno-sicurezza». La legalità moderna, dunque, non può vivere senza il suo giudice che decida sui conflitti; fonda il sistema giudiziario ma da esso è a sua volta fondata. Ma la legalità è sistema di vincoli caratterizzato da

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eccedenza procedurale, dove contano non contenuti ma limiti; non dovrebbe ridursi a strumento di un meccanismo onnivoro che si appropria di ogni parte del sistema sociale e lo colonizza attraverso il diritto. Non lo sopporta il progetto stesso della legalità moderna che non deriva dalla sommatoria di tutte le decisioni possibili; al contrario la legalità è filtro dei contenuti oltre che delle forme delle decisioni. Tradendo questa vocazione si è ridotto il modello della legalità alla legge stessa e si è conseguentemente giudiziarizzata a dismisura ogni decisione che avesse assunto la forma di legge; niente di male se non si fosse perso di vista il disegno universalistico della decisione legislativa. Stretta, e non mera legalità, tipica del progetto moderno significa che non basta più soltanto una previsione normativa qualsiasi perché si possano regolare comportamenti. Rispetto al guod principi placuit Zegis habet uigorem della mera legalità la Grundgesetz moderna chiede qualcosa in più da imporre anche al «sovrano». Nelle leggi fondamentali degli stati moderni non a caso vi è il richiamo costitutivo a legislazioni sovranazionali, a dichiarazioni universali che sono positivizzazioni di diritti e doveri fondamentali e che, peraltro, segnano il nuovo punto d’incontro tra le due anime della tradizione giuridica moderna, il giuspositivismo e il giusnaturalismo. Ha ragione L. Ferrajoli (Diritto e ragzone, Roma-Bari, Laterza, 1991) quando ricorda che la stretta legalità significa che non tutto si può decidere a maggioranza e che la maggioranza non può decidere su tutto. Questo effetto di sottrazione, come nella scultura rinascimentale, garantisce che la legge, in quanto decisione politica, non incida sui diritti fondamentali che nessun sovrano e nessuna maggioranza potranno «decidere» limitandoli. L’auctoritas derivante dalle convenzioni politiche costituisce nello stesso tempo la fonte e l’effetto della legalità, ad essa subordinata e contemporaneamente sovraordinata; modello alto di auto-regolazione, la legalità moderna (sistema di «astratta e generale statuizione») rimette ogni possibile controversia che la legge non abbia già indirizzato ad un’ultima decisione del giudice «terzo», affinché non ci sia spazio per violenze, ma soltanto violenze, private. Ed è terzo per definizione il giudice perché trova l’imparzialità della sua decisione nella decisione legislativa – o almeno così dovrebbe

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essere – sulla base di un’aspettativa normativa che la legge stessa costruisce, salvo, cognitivamente, a vedere se si realizzi imparzialità nel caso concreto. E in ogni caso si potrà dire che il giudice sarà imparziale quando, cognitivamente, lo sarà stato. In questo disegno della legalità moderna il giudice dunque è capace di, ma è anche obbligato a, risolvere tutti i conflitti, non soltanto quelli che siano previsti da una statuizione specifica. Il divieto del non Ziquet è dunque qualcosa di più di una previsione procedurale; oltre che essere direttiva dell’azione per il giudice è anche principio chiave della legalità moderna che funziona però anche da clausola di chiusura sistemica. La legalità assume così anche un volto onnicomprensivo e un po’ totalizzante; ed è qui il problema che discutiamo. Quel principio indica competenza ma anche esercizio obbligato di una funzione risolutiva: il giudice deve comunque decidere sui conflitti, perché il sistema sociale non sopporterebbe la cattiva infinità delle liti. Non c’è allora nessun esercizio di «virtù» o di «prudenze» (nel senso di phvoneszs), o se c’è non è costitutivamente richiesto; c’è al contrario un freddo imperativo funzionale a intervenire nell’economia della comunicazione e a decidere il conflitto dicendo l’ultima parola, senza che si ripetano altre parole e altre azioni. E dal punto di vista dell’economia della comunicazione, la decisione del giudice è «evento» che si inserisce in una rete sistemica fatta di decisioni circa decisioni: quella legislativa che indirizza la decisione giudiziaria che legittima decisioni amministrative che rimanderà a decisioni fattuali. Ad esempio, la decisione codicistica di proibire e punire il furto costituirà la cornice della possibile decisione del giudice se il Sig. Keine sia il ladro, la quale a sua volta autorizza la decisione di eseguire la punizione, le cui modalità concrete, dentro la cornice decisa, saranno rimesse alla decisione amministrativa del sistema carcerario, con processi di retroazione sulla memoria di tutti gli altri attori decisionali che sono repeat playen. Ciò vale per il credito, la responsabilità civile, per l’inseguimento dello sciame d’api nel fondo del vicino, come per complicate delibere assembleari o per il riciclaggio di denaro sporco. Dunque il compito del giudice, fuori da ogni retorica, è quello di assumere decisioni sulla base di decisioni e di permettere deci-

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sioni sulla base delle stesse decisioni. Paradossalmente però, in un sistema ad altissima complessità, più si decide e più aumenta il bisogno di decisioni dato il carattere di rete interrelata dei sistemi di comunicazione. Il globalismo produce i suoi effetti silenziosamente anche qui; e si sa che quello che avviene qui e adesso può dipendere, si dice, da un battito d’ali di farfalla in qualsiasi altro posto lontano. Tutto dipende da tutto; le politiche dell’immigrazione, con tutti i loro effetti anche giudiziari, dipendono da processi incontrollabili localmente, mentre, al contrario, alcune importanti decisioni tipiche di meccanismi di ZocaZ justzce impattano con reti di decisioni che non possono che esser prese a livello centrale. L’aumento del bisogno di decisione non può esser confuso però con l’altro fenomeno sempre più frequente nei nostri sistemi politici e che va sotto il nome di non decision makzng process, e che produce vere e proprie decisioni di non decidere. Ma non va neanche confuso con l’altro importante aspetto della struttura decisionale connessa al potere degli attori sociali coinvolti nel conflitto da risolvere. Tipico è il caso delle controversie giudiziarie in materia di lavoro ex Statuto e nuovo processo del lavoro: note ricerche hanno messo in evidenza che le controversie giudiziarie di lavoro aumentavano enormemente dove, e perché, le organizzazioni sindacali erano deboli. Erano numericamente basse dove i sindacati erano forti. La debolezza esponeva di più al rischio dell’esito giudiziario e al contrario la «forza» induceva potere mediativo che serviva a trovar soluzione al conflitto fuori delle aule giudiziarie. Più in generale il potere di regolazione del conflitto come virtù connessa all’attività degli attori politici viene confermato dalle ricerche degli anni ’80 sul parlamento italiano coordinate da G. Amato e A. Pizzorno. Le diverse fasi parlamentari pongono in risalto che più aumenta la capacità politica di aggiudicazione delle risorse ideologiche e materiali più aumenta la possibilità di mediazione dei conflitti. Meno è forte la virtù politica più la mediazione è scaricata su enti di sottogoverno che aumentano la conflittualità. È questa la nota funzione di ombrello del parlamento che, investito di grandi conflitti, ha prodotto enti di controllo che facessero aggiudicazione senza mediazione. Oggi il tema si ripresenta in forme nuove nella nuova organizzazione del sistema

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di direzione e controllo di alcuni settori a forte conflittualità che vengono delegati da tecniche di governo a specifiche autorità indipendenti. Il discorso andrebbe approfondito diversamente, ma va accennato a quanto questo processo sia sintomatico di come si stia ridefinendo il rapporto tra politica e sistema di controllo dei conflitti che la forma «generalista» della politica che aggiudica e della magistratura che risolve i conflitti non è più capace di tenere insieme. Tutto questo è riprova del confine che si riapre tra diritto e politica quando si scivola dal piano del conflitto individuale alla sua dimensione sociale allargata ed è conferma di quella ridefinizione ecologica del conflitto che oggi emerge nel sistema sociale e che noi oggi vediamo sotto forma di dispute alternative. 8. Il fatto che vengano definite in questa maniera non è per caso. Fa parte di un processo di ridefinizione che nasconde spostamenti semantici importanti nell’ecologia politica. Li ridefiniamo alternativi, come ci ha suggerito la tradizione anglosassone, perché si riferiscono al modo «normale» di risoluzione delle controversie tipiche di un sistema giudiziario che ha visto centralizzare dentro le sue competenze crescenti e generali la funzione di decisione dei conflitti. Conquista della legalità ma anche, oggi, sintomo di un’ipertrofia da correggere, il sistema giudiziario non è più in grado di autoregolarsi e di regolare la propria funzione di decisione. Questo avviene, ci teniamo a ripeterlo, non soltanto per una dimensione quantitativa che può essere risolta riequilibrando i numeri della partita doppia. C’è un aspetto qualitativo che è più importante e che attiene al genere e alla fenomenologia dei conflitti che un giudice non può e non deve decidere. Per questo è utile parlare non soltanto di risoluzione alternativa ma anche di dispute alternative, perché si rimette l’accento sui conflitti misconosciuti e attirati nella cartina moschicida dei «rimedi» processuali, ma anche perché si ridà spazio agli attori del conflitto e si restituisce al sistema sociale (alla «comunità» si direbbe in altro linguaggio) il problema del conflitto. Dietro la formula restoratzue justzce che si contrappone alla gzustzzza rzsarcztorza, contrapposizione che pure rimane ancorata al dialetto locale delle filosofie della giustizia (meglio, del processo giudiziario), si nasconde esattamente questa nuova ricerca di autodescrizionee auto-regolazione del sistema sociale. Essa ha

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assunto queste definizioni per il carattere determinato del linguaggio e potrebbe essere indicata come un caso tipico di adlinguzsticità, ossia di cambiamento del linguaggio dentro il linguaggio. E ovviamente bisogna distinguere, differenziare all’interno di conciliazione, arbitrato, mediazione, che sono i principali meccanismi di soluzione; ma bisogna anche non trascurare gli elementi comuni e generali che tali risoluzioni alternative ci indicano. Quello che hanno in comune è il fatto di essere «alternativi», anche se non estranei, al sistema giudiziario; sia pure diversamente collegati al processo essi attuano sostanziali variazioni rispetto alla rigidità del rito giudiziario che possiamo indicare in differenze di tipo procedimentale e di tecnica risolutiva. Quello però che più di ogni altra cosa distanzia il carattere alternativo dai meccanismi del giudizio è il diverso rapporto «cooperativistico» che si instaura tra gli attori in conflitto, una legittimazione diversa della struttura risolutiva costruita sulla dimensione pattizia e convenzionale che potremmo definire giustizia di prossimità e soprattutto una filosofia della giustizia di tipo restorativo che coinvolge modelli di composizione e gestione del conflitto meno autoritativamente decisori. Dunque la vera diversità sta nel carattere auto-determinato delle forme di risoluzione delle controversie che riduce nettamente il processo di delega al sistema giudiziario. Ciò vale tanto per quell’idea weberiana di «pace di mercato», che la lex mercatoria ha da sempre codificato attraverso il principio del alitigare conservando l’amicizia», quanto per le più difficili relazioni offensorevittima, che coinvolgono emozioni più radicate nella sfera dei sentimenti e delle pulsioni private (v. le puntuali e importanti ricostruzioni di T. Massa, Il colore della fratellanza, in «Questione giustizia», in corso di stampa; G. Alpa, Riti alternativi e tecniche di risoluzione stragiudiziale delle controversie in diritto civile, in «Politica del diritto», n. 3, 1997, p. 403; S. Chiarloni, La conciliazione stragiudiziaZe come mezzo alternativo di risoluzione delle controversie, in «Riv. Dir. Proc.», 1996, p. 695). Ci riferiremo a questi aspetti più che a quelli strettamente procedimentali e processuali perché lungo questa linea di riflessione emerge un’idea della auto-regolazione dei conflitti da

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parte del sistema sociale che impatta con una radicale ridefinizione del modello del terzo che il sistema giudiziario ha celebrato, e per certi versi consumato, e che oggi si rileva inadeguato rispetto alla spiccata diversificazione dei conflitti sociali. Non deve meravigliare che questo tentativo «ecologico» di ridefinizione del rapporto rimedio-conflitto mostri qualche aspetto paradossale; d’altro canto è noto come i contenuti paradossali si ripresentano in tutti i processi di auto-osservazione del sistema e si manifestano in quote rilevanti di ambiguità. Nel nostro caso ciò è evidente nel modo in cui la legislazione recente prevede in misura sempre crescente il ricorso, anche non obbligatorio, a soluzioni alternative delle controversie, riconoscendo indirettamente il ruolo non esclusivo della giurisdizione. Questo avviene non soltanto nella regolamentazione che ricade sotto la competenza e le direttive di ordine comunitario, ma anche in questioni che ad esempio ricadono sotto il dominio delle autorità indipendenti. Ma l’aspetto più significativo è quello del diretto richiamo al dovere dei giudici, in ipotesi determinate, di perseguire alternative rispetto al giudizio. Il paradosso sta nel fatto di dire al giudice di non svolgere il ruolo del giudice, cioè decidere ed aggiudicare, ma di conciliare, mediare, arbitrare; spesso gli si dice di pacificare senza decidere, quando il suo ruolo è tradizionalmente quello di decidere senza necessariamente pacificare. Dunque accanto alla previsione di una conciliazione o mediazione fuori del processo, si è cominciato a parlare, con meccanismi di doppio legame, di giudizio concdiativo. L’effetto è quello dell’ossimoro, dal momento che normativamente il linguaggio del giudizio non può essere quello della conciliazione. Il giudizio presuppone aggiudicazione siae ira ac studio, proprio sulla base di un’impossibilità della composizione; la vera alternatività sta appunto nel fatto che il giudizio è decisione dall’alto sulla base di un linguaggio terzo normativamente regolato. Al contrario la conciliazione scioglie la lite, la decompone nei suoi contenuti conflittuali avvicinando i confliggenti che pertanto perdono la loro identità costruita antagonisticamente. Mentre nel giudizio tutto ruota intorno alla centralità della voce terza, alla sua auctoritas come al suo potere di dire l’ultima parola, nella conciliazione gli attori sono gli stessi confliggenti. Il

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conciliatore non è necessario che esista e, se esiste, non è certamente al centro della rappresentazione; si limita a dichiarare che il giudizio non ha più ragione di aver luogo o che esso ha perso rilevanza. Non ha un ruolo centrale tanto che l’esito della conciliazione sia positivo tanto che sia negativo; nel primo caso ha svolto un ruolo «amicale», del tutto diverso dal giudice, che può essere assolto da qualsiasi persona che è persino indifferente che abbia cultura e competenza giuridica. Il carattere performativo della conciliazione, come della mediazione, consiste nel fatto che conciliatore è colui che sarà stato capace di conciliare. La formalizzazione del suo ruolo ha già un elemento paradossale, che aumenta enormemente tale carattere quando viene normativamente affidato ad un giudice. Questo avviene spesso nei nostri codici, come nel caso dei procedimenti presidenziali di separazione dei coniugi, o nel 183 C.P.C., in cui si impone quel tipico comando paradossale che è il tentativo di «conciliazione obbligatorio», o nel 322 C.P.C. rivolto alla conciliazione dei procedimenti non contenziosi. Le conseguenze che le parole del conciliatore producono dipendono dal fatto che il giudizio che si era instaurato o che aveva sperimentato i propri preliminari ha delle regole autonome la cui cogenza non è nella disponibilità delle parti, ma trova ragione in se stesso e nella autonomia dei suoi propri meccanismi. E proprio per il carattere performativo della sua attività, ogni suo fallimento starà lì ad aspettare il giudice, quasi a verificare l’esistenza del conflitto. Ma proprio perché vorremmo che si valorizzasse l’istituto della conciliazione, ad essa suggeriamo di guardare come a qualcosa di totalmente diverso dal sistema del processo e di decisamente distante dal linguaggio del giudizio. È da Anassimandro in poi che sappiamo che la separazione tra dike e nomos ha affidato al diritto e al suo giudice compiti, per nulla svilenti, di riaggiustare la contabilità dei diritti. Mentre alla giustizia spetta di rimettere al suo posto qualcosa che è uscito dai suoi cardini (out ofjoint, Aus den fiigen), al diritto e al suo giudice spetta di definire gli errori di contabilità nelle pretese. Compito non di poco conto quello del giudice, anche se svuotato della retorica della phronesis e della virtù «politica» che spesso sentiamo attribuirgli; ma niente più che questo, visto che gran parte dello «squilibrio ecologico» che accompagna il sistema giudiziario deriva dal sovraccarico di

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domande che gli vengono rivolte. Al giudice si chiede tutto, dalla casa alla salute persino alla felicità ed è per questo che di fronte a delusioni annunciate al giudice si imputano tutte le colpe del sistema politico. Credo sia questa curva accentuata di attese e delusioni a spiegare tanto la crescente giudiziarizzazione dei conflitti quanto la critica crescente che viene complessivamente rivolta al sistema giudiziario. In questa cornice si può comprendere come sulla questione della giustizia in Italia, ma non soltanto, riemerga una sorta di corpo sociale innervosito che finisce paranoicamente per concentrarsi sul giudice e per soprawalutare il conflitto politico che lo riguarda. 9. Quello che l’ecologia della comunicazione pubblica ci sta indicando è che c’è bisogno di tornare ad una maggiore pulizia linguistica quando parliamo di giudice, di conciliatore, di mediatore, di arbitro; liberandoci, ad esempio, di qualsiasi indifferenziazione e di tutte le disgiuntive che persino in qualche testo di legge riaffiorano, come quando si parla genericamente di conciliazione o mediazione. Oltre differenze di tecniche procedimentali, di legittimazione e di efficacia vi sono «antropologie» diverse, se il termine non fosse così impegnativo, che emergono quando si parla di soluzioni alternative. Persino quando, come nell’arbitrato rituale ed irrituale, sempre più guardato con favore dalla legislazione comunitaria e sempre più praticato a livello dei soggetti sovranazionali, ci si avvicina decisamente al modello della decisione giudiziaria le differenze sono notevoli ed importanti. Quello che nel ricorso all’arbitro viene in discussione è una sorta di scommessa, mai definitivamente persa e liquidata, che ci possa essere una parte zmparzzak: questo è in fondo l’arbitro, come descritto dalle sue regole e come definito dalle differenze rispetto al giudice. Il suo ossimoro ci porta al cuore del problema che è la conquista di uno spazio che a partire dai particolarismi, appunto, riscopra la necessità dello stare insieme assumendo il punto di vista dell’altro. Questo vale anche per il terzo arbitro, sempre dispari, come si sa, rispetto agli attori e ai loro discorsi opposti e contrastanti. Il terzo nominato di comune accordo tra le parti è per questo vicino e distante nello stesso tempo dagli interessi in gioco: la sua neutralità si definisce non normativamente per un ufficio cui

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si è legittimati per carriera sulla base di un cursus burocraticamente regolato, ma per convenzione e per scelta. In Hobbes, va ricordato, i confliggenti diventano couenants e si accordano per una sovranità che pacifichi definitivamente. Dunque l’arbitro deve la sua esistenza di arbitro all’accordo delle parti, quindi dipende da esse, ma nello stesso tempo grazie a questa stessa simmetrica e contemporanea dipendenza può essere equidistante ed autonomo. Come si vede si tratta di un percorso differente ma parallelo rispetto al gioco dell’imparzialità normativamente attesa del giudice e presunta dal suo spazio di competenza propria e resa valida dal potere statale che la supporta. In qualche saggio statunitense si parla cinicamente di to rent a judge come si affitta una macchina, una bicicletta o si impegna uno skipper per una crociera. Ma anche lì, sfrondato il problema di forzature eccessive, non è da trascurare il profilo del carattere pattizio e della scelta più personalmente motivata di un giudice. In gioco vi è un elemento di prossimità e di partecipazione alla soluzione della lite che sicuramente rimane tale e che, come il giudizio ordinario, ha bisogno di una decisione finale. C’è decisione, imparzialità, regole procedurali a volte anche troppo laboriose, spese non sempre più contenute rispetto al giudizio ordinario, ma vi è nello stesso tempo una maggiore partecipazione e quindi maggiore coinvolgimento nella soluzione. Da un punto di vista simbolico il contratto sociale che porta ad investire astrattamente nelle forme giuridico-politiche dello stato (del Levzatano), si particolarizza e si rinnova anche nella soluzione della lite. Certo rimane sacrosanto il principio costituzionale, che pure vincola a dismisura, della non vincolatività dell’arbitrato, visto il diritto insopprimibile a ricorrere al giudice, ma qui non è in gioco soltanto la riaffermazione della legalità. Vi è anche un’eccessiva presenza di statualismo che non è sicuramente da confondere con la legalità. Più che di giustizia privata soltanto bisogna parlare di scelta più motivata di giustizia di prossimità, che è anche una risposta ad una più o meno vera crisi di legittimità della giustizia. La vera obiezione è quella sociologica legata all’accesso alla giustizia arbitrale che, si dice, è tipica dei grandi gruppi che così evitano l’impatto con la burocrazia e il controllo statale. Questo è

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vero fino ad un certo punto, primo perché il controllo è sempre possibile, secondo perché da qualche decennio si riscontra un cambiamento nella fruizione della giustizia arbitrale. I dati empirici che si possono ricavare dall’applicazione della 1. 504 relativa alle competenze delle Camere di Commercio mettono in rilievo che all’arbitrato accedono categorie economiche diffuse di soggetti quando gli interessi economico-sociali appaiono aggregati e organizzati da soggetti professionali attivi nella tutela dei diritti e nella soluzione delle controversie. Peraltro in alcuni settori come quello bancario risulta che l’interesse a non accedere a soluzioni arbitrali ma a sfruttare la lunghezza dei procedimenti giudiziari è dei gruppi finanziari e bancari che si sono costituiti apparati legali ormai specializzati. A non definire le controversie possono avere interessi anche i contraenti più forti. Certo se la giustizia ordinaria conquistasse livelli di «prossimità», come talvolta casualmente avviene, di altre forme più competitive non ci sarebbe bisogno. Né bisogna trascurare che la prossimità deve essere requisito comune a tutti i litiganti e non risorsa scarsa e disuguale che finisce per essere privilegio in un senso o nell’altro; che questo avvenga non è mistero per nessuno anche se, perché questo si realizzi, senza pensare al caso estremo della corruzione, devono intervenire significativamente la variabile legislativa che, rinunciando al modello astratto e universalistico, introduca particolarismi e elementi di «razionalità materiale e una coscienza diffusa di illegalismo. Altro discorso da svolgere sul piano empirico è quello che ci porta a riconoscere che nelle esperienze concrete dell’arbitrato finisce per prevalere per una logica nascosta e perversa un nuovo formalismo e una nuova burocratizzazione del meccanismo della soluzione delle controversie. Anticipando alcuni risultati di una ricerca svolta con G. Alpa, P. Rescigno, S. Rodotà e A. Zoppini, possiamo dire che dall’analisi dei Regolamenti di molte Camere arbitrali costituite presso le Camere di Commercio, ora previste per legge, emerge una sorta di mimesi tra le regole arbitrali e i codici di procedura vigenti. Essi sembrano in miniatura dei complessi e inutilmente complicati piccoli codici di procedura con lo stesso sistema rigido di soluzione delle controversie soltanto parallelo al sistema statale. Ma questo dipende dall’aria di eccessivo formalismo processuale che da sempre hanno respirato i giuristi che hanno progettato tali sistemi. Questo da certi punti di vista

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appare inevitabile, visto il legame di dipendenza dei meccanismi arbitrali rispetto alla previsione codicistica; ma va anche detto che una serie di rigidità sono superflue e in questo la cultura giuridica ci ha messo del suo. Sembra dunque risiedere qui il motivo di un certo insuccesso dell’arbitrato in Italia, diversamente dagli altri paesi di diritto continentale, che la dice lunga sulla mentalità e sul gioco di interessi, di competenze e di potere che intervengono e che poi si risentono nella condizione dello stato della giustizia. Owiamente la fenomenologia con la quale la realtà empirica dell’arbitrato si presenta non toglie nulla al senso del giudizio arbitrale che rimane un tentativo importante per reimmettere pluralismo e prossimità nella struttura della soluzione delle controversie; anzi, da un certo punto di vista, quello che viene letto come tradizionalismo che non ha ancora raggiunto il livello del diritto e del potere razionale-legale, può invece essere un meccanismo che corregge un’eccessiva chiusura auto-organizzativa del sistema giudiziario e per questo una sua incomprensibile estraneità e un suo possibile rischio di autoritarismo che non deve né sorprenderci, né spaventarci. Per questo suggerivamo fin dagli inizi di queste note di guardare ai conflitti e ai loro rimedi in una dimensione ecologica in cui quello che si sperimenta fa parte di un lungo processo di auto-regolazione del sistema sociale nel sistema sociale stesso. 10. Ancora più evidente appare questo profilo quando si analizza quel complesso modo di comporre i conflitti che, senza l’istituzionalizzazione di soggetti e di risultati conciliativi, mette in campo tecniche, saperi, competenze mediative. La differenza rispetto alla conciliazione sta nel fatto che la prima guarda al procedimento attraverso il quale due confliggenti riattivano la comunicazione attraverso l’intervento di un mediatore; la seconda è meno procedimento e più effetto, è piuttosto orientata al risultato, mentre la prima è orientata, appunto, al mezzo. Dunque, sgombrando il campo dalla retorica e dall’entusiasmo per le mode che si nascondono in tutte le esplorazioni del possibile, torniamo all’espressione «mediare un conflitto», sapendo che tra significati suggeriti dal senso comune e significati formalizzati nel linguaggio scientifico vi è più continuità di quanto non si possa immaginare. Ripartire dalle parole ci aiuta a

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comprendere quale sia il mondo dentro il quale si sviluppa e può trovare soluzione quel singolare sistema sociale che costituisce i litiganti. Il primo movimento di approssimazione al problema è quello di ridare spazio al significato un po’ trascurato che la tradizione attribuisce al concetto di medio, mediare, mediazione. Per questo bisogna svuotare l’ipertrofia che i mezzi di comunicazione di massa hanno generato in maniera ridondante ed esagerata intorno al meccanismo dei media e tornare a qualcuno dei significati che il termine aveva alle origini della riflessione eticopolitica, quando la mesotes indicava una singolare virtù che non alimentava differenze tra vita pubblica e vita privata. Era soprattutto uno stare in mezzo e quindi una presa in carico del problema, non lontana dal rifiuto dell’zdios (da cui idiota) che chiude gli individui nell’egoismo becero del loro punto di vista privato; privato, appunto, nel senso di privo di qualcosa. Dunque indicava soprattutto uno spazio comune, partecipato, che apparteneva anche agli estremi tra i quali si definiva, sia pure i più antagonisti e confliggenti; virtù costituita dallo spazio occupato nell’architettura simbolica delle relazioni sociali e quindi lontana dall’astrattezza di una terzietà e di un’imparzialità soltanto immaginarie. Siamo allora in questo spazio reale tra i due estremi dentro i quali la medietas conquista una posizione difficile ma ricca dello stare in mezzo, del condividere, dell’appartenere comune; non spazio di sottrazione, come quello occupato dal giudice che deve perdere la propria identità e mascherarsi, confondendosi, nello spirito della legge. In questo c’è un forte suggerimento per il moderno ad abbandonare nella mediazione l’illusione ipocrita e analiticamente scorretta della terzietà e dell’imparzialità. La virtù del mediatore è quella dello stare in mezzo, del condividere, e persino dello sporcarsi le mani. Si tratta esattamente del contrario rispetto alla sanzione normativa dell’imparzialità ripetuta, forse inconsapevolmente, in molti progetti legislativi e in tante raccomandazioni internazionali. Un esempio, a caso, che conferma questa lettura un po7 banale del mediatore è quello della Raccomandazione di Strasburgo del dicembre 1997 (98 - i) e della Convenzione Europea sull’esercizio dei diritti dei minori che pedissequamente ripetono che il mediatore è imparziale nel rapporto con le parti ed è neutro nello svolgimento della mediazione. Con questo non fanno altro che confonderlo col

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giudice, senza riconoscerne peraltro poteri e prerogative; ne fanno un mimo e per giunta in formato ridotto. È un errore frequente e quasi rituale che fa perdere il senso reale della mediazione che è tutto il contrario di questa invocazione di terzietà: il mediatore che si ponga come tale smette di essere mediatore ed assume una posizione estranea, super partes, incapace di assumere il litigio come l’elemento comune delle parti che è anche la risorsa simbolica da trasformare e da riutilizzare per riattivare la capacità comunicativa. Un mediatore che faccia gli interessi dell’uno o dell’altro fa fallire la mediazione e perde la sua identità trasformandosi in awocato o in giudice troppo parziale se non corrotto; ma per questo ci sono già i giudici e gli awocati con i loro vizi e le loro tante virtù. La mediazione è altro; è uno stare tra le parti ed essere in mezzo a loro, non trovare uno spazio neutro ed equidistante, in cui risiede la più grande utopia del moderno che è la terzietà. Detto in una formula, mentre il giudice è pensato nei sistemi moderni come nec utrum, né I‘uno né I‘altro, neutro appunto, il mediatore deve essere questo e quello, deve perdere la neutralità e perderla fino in fondo. Solo così si realizza la sua identità come differenza rispetto al giudice, ma si realizza la sua differenza, come identità, rispetto alle parti. Mentre le parti litigano e non vedono che il proprio punto di vista, ognuna in maniera simmetrica e opposta rispetto all’altra, il mediatore può vedere le differenze comuni ai confliggenti e ripartire di qui operando perché le parti riprendano la comunicazione, appunto il munus comune ad entrambe. Soltanto grazie a questa differenza rispetto al giudice, a questa sua intrinseca parzialità, il mediatore può trovare il rimedio al conflitto. Qui il medio torna ad essere mezzo per risolvere i problemi, esattamente come il medicus lo è grazie al suo sapere rispetto al male. In questo la cura e la medicina ricordano quanto tutto sia frutto di un’attività tutta occidentale di un med, tipico del meditare che pure ha dimenticato l’inutilità della pensosità e ha scoperto la strumentalità del pensare. Pensare significa trovare rimedi o almeno questo ci suggerisce una semantica che ha escluso, ma non eliminato, altri significati. Il mediatore è allora mezzo per la pacificazione, rimedio per il conflitto grazie allo stare tra i contendenti, né più in alto né più in basso, ma nel loro mezzo; nello

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stesso tempo il mediatore è colui che esercita sapere e discernimento e per questo giudica. Tutti sensi suggeriti dalla pratica delle mediazioni ma anche dalla semantica della parola; E. Benveniste, nel Vocabolario delle istituzioni indo-europee, parlando dell’origine del concetto di misura, ne ha fatto una ricostruzione semantico-linguistica importante. In essa possiamo ritrovare alcuni degli strati di senso possibili che riemergono quando si deve «progettare» mediazioni. Benveniste ricorda una famiglia di sensi linguistici che accomunano il meddix che indicava il giudicare, il modus, il medium, il remedium, la medicina, la meditati0 ed altro; e si tratta di strati di senso che non sono consegnati a società lontane ma che al contrario riemergono costantemente, anche oggi, come possibilità escluse ma non eliminate. Proprio quegli strati di senso ci riconducono ad alcuni punti importanti: il primo riguarda la posizione centrale del mediatore che mette in crisi proprio il carattere astratto della terzietà del giudice; il secondo riguarda l’attività del mediatore che richiede un’esperienza del conflitto che non è normativa ma è cognitiva. Questo significa che non ci muoviamo sul terreno della più grande astrazione dei sistemi giuridico-politici occidentali che è l’invenzione del terzo, ma sul terreno concreto dell’esercizio di un’esperienza, più che da avere, da fare insieme ai confliggenti. Ciò spiega chi può essere mediatore: non è necessario che abbia competenze «weberiane» sulla base della preparazione logicoformale, ma è bene che condivida culture comuni dei confliggenti e sia dentro il conflitto perdendo ogni imparzialità. Mai come in questo caso la tautologia aggiunge qualcosa: può mediare chi può mediare e si può mediare tutto quello che si può mediare. Vi è una forza performativa e di auto-regolazione del sistema del conflitto che la mediazione esalta in maniera netta e non è per caso che ritroviamo forme mediative nel campo delle relazioni internazionali dove manca un’esperienza di formalizzazione del terzo e di monopolizzazione della forza sulla base di un ordinamento giuridico comune. Non vogliamo ovviamente dire che si tratta di una forma più avanzata o più arretrata rispetto all’ordinamento giuridico che ha vissuto la monopolizzazione statuale; è soltanto un’altra cosa, differente e fa parte di quel bagaglio di sapienza del sistema sociale

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che sperimenta meccanismi di auto-regolazione sulla base di autopercezioni del problema che esso stesso ha prodotto. 11. A raccontarci della sapienza del mediatore ci vengono in aiuto la statistica, la geopolitica e l’ermeneutica. Tra due valori estremi, che possiamo immaginare come i numeri o i valori esponenziali appartenenti allo stesso genere ma opposti e confliggenti, il rapporto scalare dà risultati diversi: la media, la moda e la mediana. Sommando gli estremi e dividendoli esattamente a metà ritroviamo la partizione eguale dei due campi segnati appunto dalla media che è valore neutro ed equidistante. La media presuppone la separazione e la divisibilità ma esclude la congiunzione, come ricorda la nota recisione del giudizio salomonico. La media risolve il conflitto ma appunto decide recidendo, interrompendo ogni comunicazione ed escludendo passato e futuro: è quanto fa il giudizio che decide sulla base di una distributività contabile e di un’elezione fredda. Non a caso il giudizio di questo genere si chiama salomonico e ha dato sempre luogo all’esercizio letterario del paradosso del giudizio in cui la sua possibilità è anche condizione della sua impossibilità, come ci racconta il brechtiano Cerchio dz gesso del Caucaso. In questo caso i due valori opposti sono distanti e senza possibilità di composizione se non attraverso esclusioni; con altro linguaggio si può dire che la media presuppone divisibilità contabile e incompatibilità di valori che hanno bisogno di un sacrificio e di un giudice capace di esercitare saggezza paradossale e non competenze normative. La media, dunque, è valore intermedio ma anche misura paradossale della decisione. La mediazione, cerchiamo di mostrare, non è decision making process, ma capacità di attivare risorse comunicative ribaltando il potenziale distruttivo del conflitto e trasformandolo in occasione di espressività riconciliativa delle parti; è sistema di esperienza che si può vagamente accostare al risultato dell’autoanalisi che la psicoterapia da sempre cerca di riattivare. Altro valore intermedio tra due estremi opposti è quello della moda che all’interno della scala numericamente esprimibile indica semplicemente il valore più frequentato. La moda indica le preferenze maggiormente espresse, accomuna certo la maggior parte ma esclude le minoranze; sa appunto di principio maggioritario. È moda quella descritta da G. Simmel come desiderio

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doppio e pratica ambigua dell’includere e dell’escludere, del sentirsi appartenenti ad un genere più vasto e di differenziarsi. Come nella moda del vestire o nell’esercizio della maggioranza politica o nel costume la moda amplifica il potere della maggioranza ma avvilisce la minoranza; l’espressione «seguire la moda» la dice lunga e ci fa notare come non possa esserci mediazione tra i valori estremi se si privilegia il valore che la parte più forte, questa è la maggioranza, sceglie. Diversamente dalla moda che indica il valore più frequentato tra due estremi e la media che separa, appunto, mediamente i due valori oppositivi, la posizione della mediana è quella più significativa per l’esperienza di mediazione. In una struttura binaria costituita dall’opposizione complice tra due valori estremi, la mediana è quella che indica il punto intermedio che ha il vantaggio di essere a uguale distanza dai termini ultimi. Questo colloca la mediana nella condizione di maggiore prossimità da entrambe le posizioni estreme ed è quindi il vero spazio comune ai due termini che si oppongono. Mentre la media separa, la mediana unisce costituendo il luogo a partire dal quale è possibile che la comunicazione riparta; mentre la prima decide la seconda conserva spazi argomentativi perché ogni altra possibilità si realizzi. La mediazione è appunto questo e questa è la sua differenza rispetto al giudizio; essa non deve concludere e decidere nulla, deve soltanto rimettere le parti confliggenti in grado di ricominciare a comunicare. Come si vede lo spazio intermedio è variegato, multiforme, oscilla da un contenuto ad un altro con molta sottigliezza; esercita l’arte della differenziazione per realizzare la virtù dei ricongiungimenti; ha bisogno di tempo e pazienza, ma soprattutto vive di una capacità tutta intrinseca al sistema stesso dei confliggenti. È lontana dai metadiscorsi che il diritto e il suo giudice dicono di praticare; è discorso e non metadiscorso, ma proprio per questo è anche fragile, senza la potenza del carattere coercitivo della legge. Questo porta a stabilire anche i possibili spazi di autonomia relativa della mediazione rispetto al giudizio; autonomia perché si tratta di ordini linguistici differenti, e relativa perché la mediazione può in ogni momento rendere inutile il giudizio, ma può richiedere sempre il giudizio quando essa fallisca. Si tratta soltanto di

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scegliere tecnicamente la soluzione che salvi il maggior numero di possibilità di comunicazione e di pacificazione ma che nello stesso tempo assicuri che in ultima istanza ci sia un giudice che possa dire l’ultima parola sui diritti e non sugli affetti. Quest’ultimo passaggio tocca un profilo delicato che rimette in gioco tutta la questione della competenza linguistica del giudice e delle sue leggi, che è il vero problema ma che non è da discutere in questo contesto. A suggerirci ancora elementi significativi per quanto riguarda lo spazio di esperienza e la competenza linguistica del mediatore intervengono, come abbiamo avuto occasione di scrivere altrove, la geopolitica e l’ermeneutica. Nella geopolitica del Me&-terraneo si ritrova tanto l’idea del mezzo attraverso il quale terre diverse, e spesso in conflitto, si ricongiungono, quanto il modello di un luogo comune a culture diverse che solo per occasionali fraintendimenti vivono in contrasto. Franco Cassano nel suo Pensiero merzdzano (Roma-Bari, Laterza, 1997) ha fatto una lettura esemplare del gioco del medzare le terre, del mare che si trova in mezzo alle terre (e che in tedesco suona, simmetricamente, come il «mare di mezzo») e che metaforicamente è l’esempio di successi e insuccessi dell’esperienza di mediazione politica; e non da oggi. Infine la mediazione ci riporta all’antica saggezza dell’ermeneutica; a quella pratica del dio che porta messaggi e rende comunicabili mondi e linguaggi diversi; rappresenta contesti, interpreta testi e traduce rendendo accessibili significati altrimenti incomprensibili. Il mediatore è un traduttore che deve stare in mezzo ai linguaggi diversi, deve conoscere due lingue e far da tramite, da mezzo, tra l’una e l’altra; importante funzione quanto più lingue, linguaggi, culture, mondi entrano in contatto e che trasformano il potenziale conflitto in arricchimento di scambi. È significativo che in molti paesi occidentali si siano sperimentate istituzionalmente esperienze di mediazione culturale e che esse facciano ormai parte di un complesso di servizi e strumenti che attengono al noto «contratto di cittadinanza». Non a caso il dio dell’ermeneutica è anche il dio del commercio dove la magia ancora non contaminata dall’egoismo fa in modo che si scambino merci dal valore differente trovando il significato comune di «nomi» del tutto diversi. Che da questo si passi alla marxiana astrazione dello scambio è altro discorso che bisogna evitare di dimenticare.

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Quella dell’ermeneuta è forse la metafora più «viva» del meccanismo della mediazione; non a caso è attività che il mito attribuisce all’arte combinatoria di un dio, la quale impone scommesse ripetute e non sopporta saperi rigidi e formalizzati in contesti disciplinari. Può mediare chi può mediare, si era detto con una tautologia. Ma questa è già una forte costruzione di un’identità che stabilisce una inderogabile differenza rispetto al giudice. Ma qui è anche il nocciolo del discorso delle dispute alternative che hanno bisogno di ritrovare ecologicamente linguaggi diversi rispetto al linguaggio del giudice. Oggi ci sentiamo di dover difendere il linguaggio della legalità e del suo giudice più che in altri momenti, ma avendo la consapevolezza che bisogna ridurne l’ipertrofia e che occorre riportarlo al confine della sua competenza. Per questo è interessante e tutta da sviluppare la ricerca che si sta definendo intorno ai meccanismi di risoluzione alternativa delle controversie; essi indirettamente forniscono la spia di un riequilibrio ecologico del rapporto tra conflitto e rimedio. Non si inventa probabilmente nulla ma si valorizzano possibilità escluse ma non eliminate; in questo la sapienza del sistema sociale è sicuramente più avanti della possibilità della formalizzazione che qualsiasi scienza possiede, fosse anche la più agguerrita e la più illuminista. Si tratta di un sapere sulla società nella società. Esattamente come la sapienza dei rimedi per i conflitti che si possono risolvere dentro i conflitti stessi; e questa è un’indicazione utilissima, per quanto incongrua, per ogni pacifismo, soprattutto per quel pacifismo, difficile ma irrinunciabile, del diritto.

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O ACESSO À JUSTIÇA E A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO:

Gustavo Raposo Pereira Feitosa

UMA ANÁLISE DO PERFIL DOS USUÁRIOS E DO OLHAR

Advogado, Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza, Professor adjunto de Processo Civil da Universidade Federal do Ceará.

DOS DEFENSORES SOBRE A SUA FUNÇÃO1

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As discussões para a reconstrução institucional ao longo do processo de redemocratização trouxeram à baila a necessidade de repensar o papel do Judiciário na realidade brasileira. Como parte importante da redefinição dos contornos da democracia no País, sobressai o princípio constitucional do acesso à justiça insculpido no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Visto de maneira isolada e superficial, não se pode avaliar corretamente a importância e o impacto da proteção do acesso à justiça na realidade nacional. Trata-se de algo muito mais profundo do que assegurar um advogado e possibilitar uma

Elaine Cristina do Rosário Rebouças Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Pesquisadora na área de processo civil e acesso à justiça.

Sumário 1. Introdução 2. Do acesso à justiça e a Defensoria Pública 3. Defensoria Pública e a percepção dos defensores sobre o acesso à justiça 4. O perfil dos assistidos e a atuação da Defensoria Pública da União no Ceará 5. Conclusão Referências

INTRODUÇÃO

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O presente estudo faz parte de projeto de pesquisa mais amplo, coordenado pelo Professor Gustavo Raposo Pereira Feitosa acerca do perfil do Judiciário no Ceará, que conta com apoio e financiamento do CNPq. Parte dos dados da pesquisa foram utilizados em trabalho executado pela pesquisadora Elaine Rebouças. Todas as entrevistas estão transcritas e depositadas na biblioteca da Universidade Federal do Ceará como parte do trabalho intitulado “O acesso à justiça e a Defensoria Pública da União no Ceará”.

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busca por proteção judicial, mas de, dentre outras coisas, afirmar uma nova lógica de relação com o Estado; projetar uma dinâmica de solução de conflitos que priorize a institucionalidade e os valores republicanos em detrimento do clientelismo; expandir o papel político do Judiciário e superar os paradigmas tradicionais de atuação dos magistrados brasileiros. Se, por um lado, o Brasil segue esse caminho na trilha da consolidação democrática, por outro, não se pode esquecer do claro movimento internacional de expansão do acesso à justiça (em sentido amplo) ocorrido nas democracias por todo o mundo. Repercutiram em diversos países, ao longo da segunda metade do século XX, estratégias de afirmação dos direitos fundamentais, de proteção às minorias e de concretização dos textos constitucionais. Em estágios diferentes e com abordagens bastante distintas, buscava-se nas democracias alcançar objetivos relativamente semelhantes e enfrentar problemas que apresentam grande similaridade em todo o mundo, como a falta de recursos financeiros para custear um processo judicial, a complexidade procedimental, a falta de conhecimentos jurídicos para se reconhecer como titular de direitos etc.2. Nesse cenário, o Brasil adota um modelo peculiar de organização do seu sistema de justiça, em que a assistência jurídica aos mais pobres, ou simplesmente aos que não podem arcar com o custo de um processo judicial, cabe a uma instituição pública permanente, qual seja, a Defensoria Pública. No presente estudo, optou-se por concentrar a análise na atuação e funcionamento da Defensoria Pública da União. O tamanho e a diversidade de realidades encontradas nas defensorias públicas estaduais e as diferenças marcantes de competência e organização justificam uma abordagem em separado. Para consecução do estudo, desenhou-se uma pesquisa de campo na Defensoria Pública da União no Ceará. Por meio dela, tentou-se analisar a maneira como a Defensoria Pública vem funcionando, bem como compreender como defensores, servidores, estagiários e usuários compreendem e avaliam a atuação dessa instituição. Desenhou-se, assim, uma pesquisa com os assistidos, razão de ser da instituição, bem como com os agentes responsáveis por todo 2

As raízes teóricas dessa interpretação serão discutidas nos tópicos a seguir.

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o trabalho nela desenvolvido, incluindo-se defensores federais, assistentes sociais, estagiários, dentre outros. Por meio de aplicação de questionários com perguntas fechadas e de conversa com 100 assistidos da DPU/CE, buscou-se, primeiramente, obter o perfil e a opinião dessas pessoas que são destinatárias dos serviços prestados por toda a equipe que compõe essa instituição. As entrevistas individuais duraram cerca de quinze minutos, com informantes escolhidos de maneira aleatória dentre os assistidos que compareciam à DPU/CE com o objetivo de verificar o andamento de seu Processo Eletrônico de Assistência Jurídica (PAJ). A coleta dos dados ocorreu durante os meses de novembro e de dezembro de 2012 e de janeiro de 2013, tanto no período matutino quanto no vespertino, a depender do dia, de maneira a abranger, simultaneamente, as respostas tanto daqueles que só podem comparecer à DPU/CE pela manhã quanto daqueles que lá aparecem apenas durante à tarde. Vale salientar ainda que apenas foram coletados dados de assistidos que estavam comparecendo à DPU/CE pela segunda vez, no mínimo. Assim, geralmente, somente atendimentos de retorno foram considerados3, enquanto que os atendimentos iniciais, que ocorrem no primeiro comparecimento à DPU/CE para abertura de PAJ, não foram juntados aos dados constantes neste capítulo. Evitou-se, dessa feita, a extração da opinião daqueles que ali estavam pela primeira vez, de forma a obterem-se respostas e opiniões mais consolidadas, com uma experiência potencialmente mais longa com o sistema da justiça e o mais próximas da realidade quanto possível. As entrevistas com os defensores públicos federais lotados no Ceará, bem como com os estagiários e com demais servidores, foram aplicadas nos meses de dezembro de 2012 e de janeiro de 2013 e compuseram-se de perguntas abertas, de forma a extrair-se diversas e variadas opiniões acerca dos pontos abordados4. 3

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A não ser que o assistido tenha, naquele instante da entrevista, comparecido à DPU/CE, para a abertura de novo Processo Eletrônico de Assistência Jurídica – PAJ, mas que já tenha sido ou que já esteja sendo assistido pela instituição, de maneira a já ter nela comparecido pelo menos uma vez antes do momento da entrevista. Optou-se por manter em sigilo a identidade dos entrevistados. Omitiram-se os nomes de todos os defensores e demais participantes da pesquisa. Não

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A investigação foi complementada com a observação participativa dos investigadores, havendo atuação direta da coautora Elaine Rebouças no atendimento da população e no acompanhamento cotidiano de todas as atividades da DPU/CE. As análises dos dados obtidos com a pesquisa acima mencionada constituem o fundamento deste capítulo, conforme os tópicos a seguir. 2

DO ACESSO À JUSTIÇA E A DEFENSORIA PÚBLICA

Reconhecendo-se, dessa feita, a essencialidade de um efetivo acesso à justiça como complemento imprescindível à consolidação dos direitos constitucionais e legais da sociedade, faz-se, por bem, ora destacar a conceituação de acesso à justiça, bem como citar e resumidamente comentar as três “ondas” do acesso à justiça de Mauro Cappelletti e Bryant Garth. Pretende-se, com essa discussão inicial, lançar os fundamentos para a posterior compreensão da importância do papel da Defensoria Pública nesse contexto de promoção de acesso à justiça, atuando como elo fundamental no reconhecimento de uma gama de direitos de pessoas economicamente hipossuficientes, que têm seus direitos bastante desrespeitados. Mauro Cappelletti e Bryant Garph (1998, p. 8), na obra intitulada “Acesso à Justiça”, fizeram uma síntese das ideias discutidas ao longo do Projeto Florença, estudo elaborado durante os anos setenta do século XX acerca do movimento mundial de “acesso à Justiça”, e destacaram a dificuldade de conceituação da expressão que dá título à obra, nos seguintes termos: A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. obstante, todas as entrevistas foram gravadas e transcritas e encontram-se depositadas na biblioteca da Universidade Federal do Ceará.

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Esses autores identificaram e distinguiram três “ondas” do acesso à justiça. A primeira, denominada de assistência judiciária; a segunda relacionada à representação jurídica para os interesses difusos e a terceira foi por eles denominada de “enfoque de acesso à justiça”. Pode-se dizer que cada uma dessas três “ondas” representam estágios da evolução histórica do movimento mundial de acesso à justiça. A primeira onda da assistência judiciária aos pobres, mais primitiva, caracterizou-se pela concessão de advogados àqueles desprovidos de recursos, que não tinham condições de arcar com os serviços advocatícios. Ocorre que esses profissionais trabalhavam, em alguns países, de forma caritativa, sem receber qualquer incentivo ou recompensa econômica do Estado e, quando seus serviços eram custeados, como em alguns países ocidentais, como Inglaterra, França, Áustria, Holanda e Alemanha Ocidental, por meio do sistema conhecido como judicare, limitava-se a desfazer as barreiras dos custos, de maneira que os pobres tinham que, sozinhos, reconhecer seus direitos e procurar o auxílio necessário. Daí advêm as críticas a essa primeira onda, já que ela não proporcionava a conscientização da população carente acerca da existência de seus direitos e das formas de concretizá-los. Além do mais, limitava-se à prestação de serviços advocatícios a causas individuais, sem manifestar preocupação com os problemas comuns e gerais de toda a classe formada pelos economicamente menos desfavorecidos (CAPPELLETTI; GARTH, 1998). A segunda onda foi marcada pela preocupação com as demandas coletivas e com os interesses difusos, como os direitos dos trabalhadores, dos consumidores, dos preservacionistas etc., na tentativa de organizar ações coletivas em substituição, quando necessário e adequado, às ações isoladas e individuais. Tudo isso como forma de fortalecimento dos interesses coletivos e difusos, que, em pleitos isolados, não possuem tanta força quanto em litígios coletivos, em que se denomina um representante adequado para atuar em benefício da coletividade em representação (CAPPELLETTI; GARTH, 1998). A terceira onda, tratada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth como “novo enfoque de acesso à justiça”, veio dar importância a outros procedimentos de solução dos conflitos. Nessa nova onda,

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não se pretendeu eliminar os métodos das duas técnicas anteriores, mas sim, aprimorá-los e “tratá-los como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso” (CAPPELLETTI; GARTH, 1998, p. 68). O “novo enfoque de acesso à justiça” surgiu, então, como uma onda crítica de toda a tradicional estrutura e funcionamento do aparelho judicial, demonstrando a necessidade de reformas, as quais estão concentradas, primordialmente, em três importantes mudanças, quais sejam: o juízo arbitral, a conciliação e os incentivos econômicos. Como se vê, todo o presente contexto tem como focos principais maneiras de reforma dos tribunais e de alternativas de solução de litígios fora das paredes dos órgãos jurisdicionais. Outro ponto, também destacado como fundamental por Cappelletti e Garth (1998), diz respeito à especialização de instituições e de procedimentos judiciais, por meio da criação de tribunais especializados nas demandas mais importantes e recorrentes para a sociedade, como forma, não de eliminar ou de dar menor importância aos tribunais tradicionais, mas de beneficiar toda a sociedade, tornando mais fácil o acesso das pessoas, principalmente das mais carentes e menos instruídas. Estas, em grande parte, não propõem ações nos fóruns ou tribunais tradicionais quando lhes cabem. Ou porque não possuem a consciência dos seus direitos, ou porque não procuram esclarecimentos e o auxílio jurídico necessário, ou porque não possuem condições econômicas de enfrentar os custos processuais ou os riscos inerentes da sucumbência etc. Nesse diapasão, torna-se facilmente perceptível a amplitude do conceito de “acesso à Justiça”, o qual não abrange somente o acesso ao Judiciário, mas também o acesso às informações concernentes aos direitos e deveres dos indivíduos e de toda a coletividade. Tão somente possibilitar a existência do Poder Judiciário não é nem nunca foi suficiente para permitir o acesso de todos ao sistema judiciário. Dessa forma, como ressalta Beatriz Xavier (2002), acesso à justiça e acesso ao Judiciário são conceitos que guardam relação de gênero e espécie, e a expansão das defensorias se insere no grande campo gênero do acesso à justiça. O acesso à justiça engloba, assim, a promoção de meios de conscientização social, bem como de concessão de alternativas

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àqueles que demonstrem não possuir condições econômicas de arcar com os custos de um processo judicial. Boaventura de Sousa Santos (2001, p. 170) observa que, dentre os fatores que podem explicar a desconfiança, a resignação ou mesmo a incapacidade de procurar o Judiciário, é possível citar o temor de represálias, as experiências negativas anteriores e a incapacidade de reconhecer seu problema como uma questão jurídica. Para o autor: Quanto mias baixo é o estrato sócio-econômico do cidadão menos provável é que conheça advogado ou que tenham amigos que conheçam advogados, menos provável é que saiba onde, como e quando pode contactar o advogado e maior é a distância geográfica entre o lugar onde vive ou trabalha e a zona da cidade onde se encontram os escritório de advocacia e os tribunais.

Situações com essas aplicam-se perfeitamente à realidade brasileira, marcada por elevada desigualdade, acesso precário a serviços públicos essenciais, tradição violenta e autoritária de intervenção governamental sobre os mais pobres, bem como pela presença de indicadores socioeconômicos ruins, como renda e escolaridade. Toda essa conjuntura de barreiras ao acesso à justiça é, portanto, real e bem comum, de maneira que grandes e essenciais reformas precisam ser adotadas e concretizadas, a fim de se fazer valer os direitos previstos nas legislações, independentemente da camada social ou do nível de alfabetização do cidadão. E é nesse contexto que a Defensoria Pública emerge como instituição facilitadora desse acesso, ao desempenhar atividades fundamentais para a real efetivação do princípio consagrado no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988. 3

DEFENSORIA PÚBLICA E A PERCEPÇÃO DOS DEFENSORES SOBRE O ACESSO À JUSTIÇA

Somente com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o termo Defensoria Pública foi expressamente mencionado em âmbito federal, embora seja remota a preocupação legislativa na institucionalização de um órgão público apto à prestação de

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serviços jurídicos gratuitos às camadas menos favorecidas da população. Inserida no Capítulo IV da CF/88, intitulado Das Funções Essenciais à Justiça, na Seção III, denominada Da Advocacia e da Defensoria Pública, no artigo 134, mais especificamente, sendo caracterizada pelo constituinte originário como “instituição essencial à função jurisdicional do Estado”, a Defensoria Pública ficou responsável por proporcionar assistência jurídica integral e gratuita a todos que comprovarem insuficiência de recursos, nos termos do artigo 5º, LXXIV. O texto constitucional constituiu a Defensoria Pública para o desenvolvimento da sempre necessária e importantíssima função de prestação aos necessitados de assistência jurídica, em todos os sentidos dessa expressão, englobando a orientação jurídica e a defesa dos brasileiros e dos estrangeiros residentes no Brasil que comprovassem não possuir meios de arcar com os gastos e riscos inerentes a qualquer procedimento judicial e até administrativo, sem ter seu sustento e o de seus familiares comprometidos. O modelo constitucional adotado para a Defensoria deixa de lado a concepção de estrita assistência judiciária realizada majoritariamente com advogados dativos para compreender esta nova instituição de maneira mais ampla e sintonizada com a nova ordem constitucional. Como ressalta Amélia Rocha (2005, p. 2), [...] a diferença fundamental entre advocacia dativa e Defensoria Pública: compromisso institucional legal com o acesso à justiça e o seu papel transformador, e não, como ocorre com a advocacia dativa, apenas acesso ao Judiciário. A defesa técnica não é a função primeira do Defensor Público; esta é apenas mais uma das suas muitas possibilidades e prerrogativas viabilizadoras da efetividade do acesso à justiça ao necessitado.

Com esse novo enfoque, a Lei Complementar 80/94 veio dar mais relevo a institucionalização, em âmbito federal, da Defensoria Pública da União (DPU), cujo estudo de sua atuação foi utilizado, neste capítulo, como ponto de partida para a reflexão do estágio de democratização do acesso à justiça alcançado pelo Brasil. Somente com a Lei 9.020/95, entretanto, dispôs-se acerca da implantação da

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Defensoria Pública da União, nascendo esta para atuar em toda a Justiça da União, como na Justiça Federal, na Justiça Militar, na Justiça Eleitoral e na Justiça Trabalhista, em Juízos de Primeiro Grau, Tribunais Regionais, Tribunais Superiores e Supremo Tribunal Federal. Com a edição da Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004, conhecida como Emenda da Reforma do Judiciário, o fortalecimento da Defensoria Pública passou a ser uma orientação política importante do Governo Federal, ao se declarar publicamente o papel fundamental dessa instituição no aprimoramento do acesso à justiça. Em outubro de 2009, foi promulgada a LC 132/09, aumentando as garantias do acesso à justiça, ao ampliar as funções institucionais da Defensoria Pública da União, além de modernizar e de democratizar sua gestão. Ao longo desses dezoito anos, desde a edição da Lei 9.020/95 até este ano de 2013, a DPU cresceu e espalhou-se pelo Brasil, tendo atualmente representação na capital de todos os Estados, bem como em vários municípios interioranos. Tudo isso com vistas a se buscar as regiões de mais baixo desenvolvimento humano e nelas atuar de forma a minimizar as barreiras do acesso à justiça, bastante ligadas à pobreza e à marginalização social (BRASIL, DPU, online). Quanto à quantidade de unidades da DPU pelo Brasil, entretanto, melhoras ainda precisam acontecer. Verifica-se ausência de defensores em diversos locais, onde já se encontram instaladas varas da Justiça Federal, ou em regiões com grande demanda de serviços para a Defensoria, mesmo sem a presença de unidades judiciais. Essa análise é corroborada pela fala dos próprios defensores ao definir como prioridade o aumento do número de defensores públicos: O aumento do número de defensores para melhorar a atuação das atuais unidades da DPU e para expandir a atuação desta para cidades do interior dos Estados (interiorização da DPU), algo que já está em vias de implementação através da recente aprovação pelo Congresso Nacional do Projeto de Lei n.º 4367/12 que cria 789 cargos de defensor público federal. (DEFENSOR PÚBLICO 3, 2013)

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Valem ser mencionadas ainda as atuações extrajudiciais, que vêm sendo realizadas por essa instituição no intuito de desenvolver sua função constitucional de prestação de assistência jurídica aos necessitados, como a criação de redes internacionais pela América do Sul, com países africanos de língua portuguesa e com o TimorLeste, como meio de intercâmbio de saberes e de experiências ligadas à assistência jurídica gratuita (BRASIL, DPU, online). Além disso, com o objetivo de concretizar sua função de orientação jurídica, de implementação dos direitos humanos e de defesa, em todos os graus, judicial e também extrajudicial, dos direitos dos necessitados, segundo o disposto no artigo 1º da LC 80/94, são desenvolvidos pela DPU diversos projetos ligados ao que Cappelletti e Garth (1998) chamaram de terceira onda de acesso à justiça, referentes à difusão do conhecimento jurídico às pessoas mais marginalizadas do entendimento e da efetivação de seus direitos. Assim, podem ser citados, segundo informações oficiais da própria instituição, o Projeto “DPU nas Escolas”, levando educação em cidadania aos alunos de todo o Brasil e difundindo a existência e o papel, infelizmente ainda pouco conhecido, da Defensoria Pública às novas gerações; o Projeto “DPU Itinerante”, divulgando nas comunidades mais remotas os direitos e deveres, individuais e coletivos, implementados pela Constituição e pelas legislações, e as formas de reivindicá-los; o Projeto “DPU nas Comunidades”, realizado em comunidades dos centros urbanos, como os mutirões que são realizados na Praça do Ferreira, no Centro da Cidade de Fortaleza, Ceará, no intuito de divulgar o trabalho da Defensoria Pública e de esclarecer a população dos seus direitos e deveres (BRASIL, DPU, online). A existência desses projetos revela uma percepção de acesso à justiça ampliada, compatível com modelos que se orientam pela proteção aos direitos não apenas como algo realizado no espaço do processo judicial. Com tal orientação, merecem destaque as palavras de um defensor público (DEFENSOR 1, 2012) acerca da importância da orientação jurídica prévia colocada em prática pelos projetos acima mencionados. Para o entrevistado: O acesso à justiça representa uma oportunidade aos postulantes de terem resolvidas suas demandas de forma justa. A parti-

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cipação da Defensoria Pública significa um instrumento de grande valia aos cidadãos hipossuficientes, pois a orientação jurídica prévia facilita bastante no alcance dos objetivos traçados. Por conseguinte, o acompanhamento de todo o processo judicial por um defensor oportuniza segurança jurídica ao assistido. (Grifo nosso).

Com o objetivo de humanizar o cumprimento da pena, a DPU faz ainda trabalhos de divulgação e conscientização nas instalações do Sistema Penitenciário Federal, levando aos custodiados informação sobre direitos, diversidade religiosa e cultural, como forma de humanizar o cumprimento da pena, já que todas essas ações estão incluídas na sua função institucional de promoção de assistência jurídica integral e gratuita (BRASIL, DPU, online). Os projetos sociais desenvolvidos pela DPU são, assim, inúmeros, podendo ainda ser citados a proteção a vítimas de tráfico de pessoas e do trabalho escravo; auxílios a moradores de rua e a presos estrangeiros; erradicação do escalpelamento na Amazônia; assistência jurídica aos hansenianos na Amazônia, etc., tendo recebido reconhecimento e premiação do Instituto Innovare, que qualifica ótimas condutas para a evolução jurídica brasileira (BRASIL, DPU, online). Importante faz-se frisar ainda que, segundo dados do III Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, no ano 2009, as entidades públicas e privadas, na I Conferência Nacional de Segurança Pública, reconheceram a essencialidade e a imprescindibilidade da Defensoria Pública na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, de forma a serem aprovados meios de fortalecimento da instituição para o desempenho do seu papel de efetivação do acesso à justiça por meio da assistência jurídica e da defesa dos hipossuficientes (BRASIL, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2009). O conjunto dos documentos analisados, a legislação e as informações trazidas pelos defensores entrevistados revelam uma percepção de acesso à justiça amplamente associada ao que Cappelletti e Garth chamaram de terceira onda de acesso à justiça. As concepções inerentes a tal modelo influenciam fortemente o desenho institucional da DPU e o conjunto de políticas projetado para guiar sua atuação. Sobressaem, nos documentos, notícias, entrevis-

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tas e textos de promoção institucional, bem como perspectivas de um acesso focado, não apenas na assistência judiciária aos mais pobres, mas na defesa de direitos coletivos, na educação jurídica, na difusão do conhecimento sobre os direitos, etc. Esta perspectiva segue a leitura de Amélia Rocha (2005, p. 2) acerca do sentido dado à função da Defensoria no cenário brasileiro pós-1988. Para a autora: É a Defensoria Pública, desta forma, a responsável pela descoberta do verdadeiro problema que aflige o brasileiro excluído (na grande maioria dos casos, o diagnóstico inicial, provocador da procura do Defensor, é a ponta de um iceberg). Tal descoberta é viabilizada por um atendimento digno, estruturado, inserido em uma verdadeira rede de cidadania, mediante estrutura humana e material na conformidade da determinação constitucional. O simples ato de protocolizar uma petição inicial apenas aumentaria o tamanho da parte submersa que um dia acabará por estourar e, provavelmente, prejudicar a vida em sociedade. Não se pode simplesmente diminuir a febre, mas tem-se que curar a infecção.

Longe de repercutir os documentos produzidos pela própria DPU ou as falas dos seus membros de maneira acrítica, busca-se antes compreender como a instituição e seus integrantes enxergam seu papel e elaboram os projetos destinados a assegurar o acesso à justiça. E, nessa perspectiva, mostra-se evidente um olhar que traz o enfoque integrado do acesso à justiça como concepção predominante. Trata-se um modelo institucional plasmado em todas as esferas da Defensoria e reafirmado na legislação. Não obstante o olhar a partir das instituições e de seus agentes, precisa-se ressaltar uma análise do olhar e do perfil dos usuários, a fim de se compreender, de maneira mais profunda, como funciona e atua a DPU, bem como entender como tal atendimento é recebido pelo cidadão. Por esse motivo, no tópico a seguir, foi analisado como os usuários veem e interpretam o papel desempenhado pela Defensoria Pública da União. 4

O PERFIL DOS ASSISTIDOS E A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA DA

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UNIÃO NO CEARÁ Nas informações que constituem o perfil pessoal dos assistidos, incluem-se características concernentes à idade, ao sexo, ao estado civil, à profissão, à renda pessoal, dentre outras. Com relação à aquisição de suas opiniões, focou-se no que eles pensam sobre a DPU/CE e na maneira como eles enxergam o trabalho que nessa instituição é desempenhado, extraindo-se também uma nota geral sobre a estrutura, a maneira de funcionamento e a qualidade do atendimento da DPU/CE. O objetivo da elaboração do perfil pessoal dos assistidos entrevistados teve como fundamento a obtenção de um panorama das características mais comuns das pessoas que buscam os serviços prestados pela DPU/CE. IDADE E SEXO A maioria das pessoas assistidas pela DPU/CE possui entre 41 e 70 anos de idade, conforme se observa no Gráfico 1. Como perceptível nesse gráfico, de todos os entrevistados, 24% possuem entre 41 e 50 anos, 27% entre 51 e 60 anos e 19% entre 61 e 70 anos, totalizando 70% de pessoas naquela faixa etária. Esse resultado relaciona-se à grande demanda por atendimentos na área previdenciária, envolvendo pedidos relativos a benefícios previdenciários e assistenciais, geralmente necessitados por pessoas que já trabalharam bastante e/ou que são portadoras de doenças advindas do avanço da idade, deixando-as, provisória ou permanentemente incapacitadas para o desempenho de suas atividades laborais.

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Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

O estudo da DPU/CE apontou que grande volume dos processos cíveis deve-se a problemas com a Caixa Econômica Federal (CEF), geralmente relacionados a dívidas ocasionadas com financiamentos de imóveis. Isso pode ser uma das explicações da maior porcentagem de assistidos dentro da faixa etária de 41 a 70 anos de idade, em cujas idades a constituição de famílias e os gastos com os filhos e o lar levam ao endividamento ou ao questionamento acerca da taxa de juros cobrados por essa empresa pública. Verifica-se no Gráfico 2, ainda, que o percentual de mulheres e de homens dentro dessa faixa etária de 41 a 70 anos é praticamente o mesmo, visto que se constatou um percentual de 35% de mulheres para 34% de homens. Isso mostra que, para o campo de competências da DPU, não existe uma clara situação de maior vulnerabilidade da mulher, como o ocorrem em outros segmentos atendidos pelas defensorias estaduais, como na violência doméstica e nas questões de família. A análise do Gráfico 3, que relaciona a distribuição dos sexos dos assistidos componentes do espaço amostral, objeto de tais dados, confirma o anteriormente mencionado, apontando pequena diferença quantitativa no público masculino em comparação com o feminino.

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Dessa feita, dos 100 entrevistados, 48 são do sexo masculino, enquanto que o sexo feminino compõe-se de uma parcela apenas um pouco superior, totalizando 52 membros, em clara convergência com os dados demográficos coletados pelo IBGE. Os dados do censo informam uma composição demográfica de pouco mais 51% de mulheres no perfil da população brasileira (IBGE, online). Os dados gráficos abaixo revelam, assim, que não há uma componente de gênero clara nas motivações que levam à busca de assistência na DPU.

Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

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ESTADO CIVIL O Gráfico 4 representa as informações sobre estado civil dos assistidos. Os dados revelam que 41% deles disseram ser casados, enquanto que somente 5% admitiram viver em união estável. Ressalte-se ainda que uma significativa proporção de 34% afirmou ser solteira, na medida em que 10% declarou ser viúva, 5% separada e 5% divorciada. A distribuição dos estados civis declarados destoa do conjunto da população e indica uma maior presença proporcional de pessoas casadas. Uma forte hipótese para esta situação devese ao grande número de problemas previdenciários trazidos à DPU por força da sua área de atuação legal. Assim, questões envolvendo benefícios previdenciários, como pensões deixadas por cônjuge condicionam fortemente o perfil do usuário. Este dado precisa ser analisado em conjunto com os dados sobre o tipo de questão jurídica, conforme se verá a seguir.

Gráfico 4: Estado civil

10

5

5 5

34 41

Solteiro (a) Casado (a) Separado (a) Divorciado (a) Viúvo (a) União estável

Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

PROFISSÃO Nesse instante, insta destacar as profissões declaradas pelos assistidos entrevistados, conforme o que declara a Tabela 1. Nela estão presentes tipos de respostas dadas no quesito profissão. Emerge daí uma situação preocupante relacionada à grande proporção de desempregados. Apesar de as respostas terem aponta-

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do variados tipos de atividades desenvolvidas pelos entrevistados, 18% deles declararam desemprego, de forma que a resposta “desempregado(a)” foi a mais afirmada quando comparada às demais. Em segundo lugar, ficaram os aposentados, com 15 pessoas, situação não tão estranhável quando se considera que, conforme visto no subtópico que trata da idade e do sexo dos assistidos, grande parte dos que procuram auxílio jurídico da DPU/CE possuem mais de 50 (cinquenta) anos de idade. Vale ser ressaltado ainda que a porcentagem de donas de casa também mostrou-se bem significante: 12% das pessoas afirmaram ser donas de casa, o que corresponde a 23% das mulheres pesquisadas. A relevância de tal resposta aumenta mais ainda quando se ressalta que todas as pessoas que declararam tal profissão eram mulheres. A quantidade de estudantes, 6%, e de motoristas, 5%, também se destaca dentre as tantas profissões mencionadas, conforme segue na Tabela 1: Tabela 1 – Profissão dos Entrevistados Profissão



Profissão



Profissão



Desempregado

18

Mecânico

2

Motoqueiro

1

Aposentado

15

Diarista

2

Auxiliar de cozinha

1

Dona de casa

12

Churrasqueiro

1

Agricultor (a)

1

Estudante

6

Operador de máquinas

1

Merendeira

1

Motorista

5

Trabalhador braçal

1

Plataformista

1

Autônoma

4

Agente administrativo

1

Turismóloga

1

Doméstica

3

Pintor

1

Serralheiro

1

Vigilante

3

Artesã

1

Contínuo

1

Costureira

2

Frentista

1

Auxiliar contábil

1

Bombeiro

2

Arrumador

1

Microempresário

1

Professora

2

Pedreiro

1

Chefe de construção

1

Vendedor

2

Estampador

1

Estofador

1

Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

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CIDADES E BAIRROS RESIDIDOS O Gráfico 5 revela que 84% dos entrevistados residem em Fortaleza, enquanto os demais moram em cidades próximas à capital do Ceará, como Maracanaú, Aquiraz, Caucaia, Maranguape, etc. Nesse contexto, tomando-se como base os 84 (oitenta e quatro) entrevistados que afirmaram residir em Fortaleza, estabeleceu-se um desenho dos bairros da capital do Ceará, onde, majoritariamente, residem as pessoas assistidas pela DPU/CE.

Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

Obteve-se, conforme a Tabela 2, cinquenta diferentes respostas, apontando a diversificação de regiões fortalezenses resididas pelos assistidos da DPU/CE. O bairro que obteve maior quantidade de resposta foi o Parque Genibaú, com cinco pessoas tendo afirmado nele constituir sua residência, o que equivale a quase 6% do total de entrevistados. Os Bairros Carlito Pamplona e Messejana ficaram em segundo lugar, com quatro pessoas em cada um deles morando, e os bairros Passaré, Granja Lisboa e Henrique Jorge destacaram-se em terceiro lugar, por, em cada um deles, residirem três dos assistidos entrevistados. Os demais bairros apareceram na Tabela 2, por terem sido apontados por duas ou por uma pessoa.

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Tabela 2 - Distribuição dos entrevistados por bairros de Fortaleza Bairro



Bairro



Bairro



Parque Genibaú

5

Antônio Bezerra

2

Barra do Ceará

1

Carlito Pamplona

4

Ellery

2

Caça e Pesca

1

Messejana

4

Parangaba

2

Castelão

1

Passaré

3

Montese

2

Parque Araxá

1

Granja Lisboa

3

Vila Velha

2

Conjunto Ceará

1

Henrique Jorge

3

Jardim das Oliveiras

2

Conjunto Jereissati

1

João XXIII

2

Planalto Pici

2

Adilson Bezerra

1

Padre Andrade

2

Jereissati II

1

Bela Vista

1

Centro

2

Praia do Futuro

1

Jacarecanga

1

Jereissati I

2

Maraponga

1

Aldeota

1

Presidente Kennedy

2

José Walter

1

São João do Tauape

1

Papicu

2

Jardim Iracema

1

Colônia

1

Bom Jardim

2

Mondubim

1

Centro

1

Granja Portugal

2

Bom Futuro

1

Parque Santa Rosa

1

Aerolândia

2

Conjunto Palmeira

1

Siqueira

1

Jóquei Clube

2

Conjunto Timbó

1

Vicente Pizón

1

Parque Dois Irmãos

2 Conjunto Industrial 1 Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

O bairro Aldeota, onde se encontra o prédio da DPU/CE, constitui a residência de somente um dos assistidos entrevistados, e os bairros limítrofes ou próximos a ele, como o Centro e o Papicu, por exemplo, foram citados por pouquíssimos entrevistados, respectivamente, um e dois assistidos. Essa informação faz provocar questionamentos acerca da acessibilidade do local onde funcionam os trabalhos da DPU/CE. Como pode ser observado, essa instituição, localiza-se na capital cearense em um bairro nobre, Aldeota, distante dos bairros onde residem mais de 90% de seus assistidos. A fim de provocar tal discussão, foi inserida na conversa com os assistidos que residem em bairros distantes à Aldeota, onde se encontra o atual prédio da DPU/CE, perguntas referentes à acessibilidade física a essa instituição. As respostas foram, na maioria delas, favoráveis, opinando os assistidos que a localidade não era um problema ao acesso, pois, embora distante fisicamente, possui um acesso facilitado, por se encontrar em uma avenida em que

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transitam variadas linhas de ônibus, valendo aqui ser ressaltado que os coletivos são o meio de transporte mais utilizado pelos assistidos da DPU/CE. ESCOLARIDADE Do Gráfico 6, aufere-se que, no geral, os assistidos da DPU/CE possuem baixa escolaridade. Isso porque, apesar de os entrevistados serem, em sua maioria, pessoas adultas, com mais de 30 anos de idade, conforme o Gráfico 1, mais de 50% deles não chegaram nem a concluir o Ensino Fundamental. Além do mais, 8% são analfabetos, proporção superior a 6% daqueles que possuem Ensino Superior Incompleto e, principalmente, ao percentual de 3% daqueles que concluíram o Ensino Superior e de 2% dos que são pós-graduados. Tais resultados, muito provavelmente, devam-se à baixa renda pessoal e per capita do núcleo familiar dos assistidos, como será mais detalhadamente analisado no tópico seguinte, o que os obrigaria a trabalhar, ao invés de dedicarem-se aos estudos.

Gráfico 6: Escolaridade 40 35 30 25 20 15 10 5 0

Escolaridade Fonte: pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

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Essa realidade exige daqueles que exercem suas funções nas Defensorias Públicas cautela, dedicação e disponibilidade, já que devem, além de desenvolver seus trabalhos propriamente ditos, prestar, sempre que necessário, informações aos assistidos, que são, no geral, pessoas de baixa escolaridade, que necessitam de informações em termos menos técnicos. Nesse contexto, destacam-se as palavras de uma defensora (DEFENSOR 4, 2013), ao tratar da importância e da necessidade de serem prestados esclarecimentos claros e constantes aos assistidos; in verbis: Mais importante do que funcionar como “advogado dos pobres” o papel do Defensor Público é o de prestar orientação jurídica preventiva e de educar para a cidadania. Tão importante quanto garantir ao assistido o direito que ele entende fazer jus é explicar por que a Lei não ampara determinada pretensão – “porque sim” e “porque não” não são respostas dignas ao cidadão, nem mesmo quando acompanhadas da garantia judicial de um direito. Pessoalmente, me realizo profissionalmente através de projetos como DPU na escola, DPU na comunidade e no contato direto com os assistidos, em atendimento pessoal para esclarecimentos de dúvidas. É direito do cidadão por mais pobre, idoso, doente, analfabeto que seja entender o curso do processo e a influência das decisões processuais na sua vida. No âmbito judicial, devemos lembrar sempre que, embora seja manejado por técnicos, o processo se destina a decidir a vida de leigos e não é razoável alijar o personagem central da compreensão do que está acontecendo na lide.

Além do mais, esse contato diário com cidadãos mais simples e menos “instruídos” é considerado pela maioria das pessoas que trabalham na DPU/CE, tanto pelos defensores quanto pelos estagiários, um bom aprendizado, de forma que não são somente os assistidos que ficam satisfeitos com as informações, mas os próprios profissionais afirmam que “se sentem gratificados com o contato e com as experiências dos assistidos”, de forma que ocorre um “verdadeiro aprendizado mútuo”. Isso é ressaltado por vários estagiários da DPU/CE, ao tratarem de suas experiências nessa instituição, como pode ser observado abaixo:

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A importância para a minha formação pessoal e profissional é muito grande, porque na Defensoria eu tenho contato com as pessoas, com os problemas das pessoas, com as histórias de vida delas, e isso é muito rico para que eu me compreenda enquanto ser humano, para que eu me compreenda enquanto sujeito histórico que pode atuar neste mundo e que pode contribuir para as pessoas. É um intercâmbio de saberes. [...] a minha formação pessoal é de aprender com a vida dessas pessoas, de tentar contribuir com elas, porque elas muito contribuem com a minha formação ética, com a minha formação política, com a escolha do que eu quero ser na vida [...]. (ESTAGIÁRIO 1, 2013) [...] o contato com o público nos atendimentos foi muito relevante, desenvolvendo a capacidade de escutar o interlocutor, bem como a capacidade de estabelecer um diálogo para se fazer entendido, desapegado dos formalismos inúteis. (ESTAGIÁRIO 2, 2013)

A observação das atividades rotineiras da DPU/CE permite perceber, com clareza, a importância do conjunto da equipe em atuação para o atendimento e adequado encaminhamento dos problemas trazidos. A maior parte dos atendimentos individuais iniciais e mesmo dos atendimentos subsequentes acontecem por intermédio dos estagiários e servidores em funções administrativas ou, por exemplo, de serviço social. Aos defensores ficam reservados os trabalhos mais complexos e que exigem maior experiência e competência técnica. Dessa forma, mostrou-se essencial entrevistar também os estagiários, responsável, em grande medida, pela vivência e percepção dos cidadãos acerca do trabalho da DPU. RENDA PESSOAL E RENDA PER CAPITA DO GRUPO FAMILIAR A análise dos dados obtidos na pesquisa da renda pessoal, bem como na da renda per capita dos assistidos entrevistados, revelou o quão economicamente vulneráveis eles são.

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Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

Os dados do Gráfico 7 evidenciam que 38% dos entrevistados não possuem qualquer renda própria. Somando-se aos números da primeira coluna, os da segunda e os da terceira, chega-se a um percentual de 86% de pessoas que recebem menos de R$ 1.000,00 por mês. Para compreender, assim, a realidade do público-alvo das Defensorias Públicas, de maneira a ter-se compromisso com a melhoria das desigualdades socioeconômicas, essas instituições necessitam de equipes desejosas em procurar formas e maneiras para provocar melhorias nessa histórica realidade brasileira de disparidades sociais e econômicas. Esse desejo, essa vocação pela Defensoria Pública, podem ser percebidos nas palavras de uma estagiária de Direito da DPU/CE, que pretende seguir a carreira de defensora pública, in verbis: [...] eu sempre me aproximei, desde o princípio da faculdade, das comunidades carentes de Fortaleza, e nisso eu tinha a proposta de, a partir do Curso de Direito, contribuir para o curso dessas comunidades em defesa de seus direitos. Então a Defen-

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soria se mostrou um espaço importante para ter esse recorte de atuar com as pessoas mais pobres e que não teriam acesso a um advogado particular, por exemplo. (ESTAGIÁRIO 4, 2013)

A situação da renda per capita dos componentes do núcleo familiar dos assistidos entrevistados é ainda mais preocupante, visto que 89% deles situam-se na faixa dos que percebem até R$700,00 mensais, destacando-se, nessa faixa, os 20% que recebem entre R$ 201,00 e R$ 300,00. É convivendo e compreendendo as dificuldades financeiras e todas as consequências destas advindas que se percebe, com a análise dos componentes dos quadros da DPU/CE, como os assistidos das Defensorias Públicas são pessoas bem vulneráveis, que demandam uma atuação dessa instituição como parte das políticas públicas orientadas às necessidades das pessoas mais pobres. Tal orientação depreende-se das palavras de uma assistente social da DPU/CE: Trabalhar na Defensoria talvez seja o desejo de muitos profissionais da área das ciências humanas e sociais, por se tratar de uma instituição que tem o propósito de resgatar a cidadania efetivamente, ao defender os direitos daqueles que não dispõem de meios próprios para exercê-los. Ao longo de minha atuação profissional sempre intentei trabalhar o Serviço social na perspectiva de defesa e ampliação dos direitos sociais, portanto, integrar uma equipe no sócio jurídico, em um espaço público de garantia de direitos com a possibilidade de intervenção profissional desvendar a Questão Social na vida dos sujeitos assistidos pela Instituição, na busca de estratégias de enfrentamento dos processos de desigualdade social presente no cotidiano, justifica a opção pelo trabalho na DPU.

Para fazer jus à assistência jurídica da DPU/CE, entretanto, realmente se deve comprovar a necessidade, refletida em baixos recursos econômicos. Deve-se auferir, no máximo, uma renda familiar bruta correspondente ao valor limite de isenção do Imposto de Renda, segundo o delimitado pela Resolução 13/2006 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União.

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Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

Embora não se esteja a analisar o gráfico da renda familiar, os Gráficos 7 e 8 bem demonstram a necessidade de assistência jurídica gratuita por parte desses entrevistados, de maneira que eles, com as rendas destacadas acima, certamente não teriam condições econômicas suficientes para arcar com custas processuais nem com honorários advocatícios sem que lhes fossem comprometidos o sustento próprio e familiar. Diante das informações repassadas nos gráficos acima, tornase ainda mais clara a imprescindibilidade da atuação da Defensoria Pública, seja estadual, federal ou distrital, especialmente num cenário marcado por desigualdades sociais e econômicas. ÁREA DO PROCESSO ELETRÔNICO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA (PAJ) Conforme pode-se observar no Gráfico 9, 60% dos entrevistados compareceram à DPU/CE por motivos ligados a benefícios previdenciários ou assistenciais, de maneira que a maior parte dos PAJs instaurados são de competência previdenciária. Com o fim de obterem assistência jurídica em causas cíveis, 30% deles lá se dirigiram, no período pesquisado, para instaura-

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rem PAJs a serem distribuídos a um dos quatro defensores dos Ofícios Cíveis. Já os PAJs dos Ofícios Criminais, que representaram apenas 5% do resultado, são instaurados, geralmente, devido a não constituição de advogados pelos denunciados, seja por própria inércia deles, seja por ausência de condições financeiras suficientes para o pagamento de honorários advocatícios. Apenas 5% dos assistidos conseguiram informar que seus PAJs estavam tramitando em meio aos dos Ofícios Regionais, cujos titulares são defensores de 1ª Categoria. Os PAJs da competência de Ofícios Regionais são instaurados para o prosseguimento dos trâmites recursais dos processos cujos recursos foram interpostos por defensores de 2ª Categoria dos Ofícios Previdenciário ou Cível.

Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

FORMAS DE CONHECIMENTO ACERCA DA EXISTÊNCIA DA DPU/CE O fortalecimento e a independência das Defensorias não são, por si só, suficientes para que, verdadeiramente, seja atingido seu fim maior de promoção de acesso à justiça. É necessário que os seus serviços e as suas funções sejam conhecidos por quem deles necessitam e fazem jus. Foi por esse motivo que se considerou fundamental a interpelação aos assistidos acerca da maneira como eles ficaram cientes da

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existência da DPU/CE. Os resultados de tal quesito encontram-se organizado no Gráfico 10. Vale ser ressaltado ainda que tal indagação possibilitou também a constatação de que a maioria dos assistidos apenas tomaram conhecimento da existência da Defensoria Pública, somente quando se depararam com os problemas que os levaram à instauração de seu(s) primeiros PAJ(s) na DPU/CE.

Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

Antes do surgimento dos conflitos que levaram essas pessoas a buscarem os auxílios da DPU/CE, a maioria delas não conhecia, portanto, a instituição nem tinha conhecimento acerca de suas funções. Essa realidade ainda preocupa, visto que, para que o acesso à justiça seja efetivamente concretizado, conforme observa Santos (2002), as pessoas precisam ser capazes de identificar seus problemas como questões jurídicas e perceber a possibilidade de procurar auxílio de uma instituição pública para a solução de tal problema. A incapacidade de identificar-se como titular de um direito e dar os primeiros passos no complexo caminho que os levará até uma instituição como a Defensoria pode ser percebida como um obstáculo importante, especialmente para o público que mais necessita. Baixa escolaridade, renda e desconhecimento caminham juntos no perfil dos usuários da DPU.

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Essa situação revela a importância das iniciativas que visem a ampliar a informação sobre a existência das instituições e sobre suas funções, bem como o esclarecimento e a educação sobre os direitos do cidadão. Tais programas fogem à rotina habitual de atendimento, mas se integram ao conjunto de ações caracterizadas no contexto da terceira onda de acesso à justiça. ASSISTÊNCIA ANTERIOR DE DEFENSOR PÚBLICO Importante faz-se frisar ainda que, conforme o gráfico abaixo, a maioria dos entrevistados apontou que nunca tinha sido antes assistido por nenhuma defensoria, seja ela federal ou estadual, o que pode ser mais um ponto a revelar ausência de conhecimento anterior da existência dessas instituições públicas.

Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

Como se vê, dos 100 entrevistados, somente 28 já tinham antes procurado assistência de um defensor público, seja para a obtenção de um conselho referente a alguma causa jurídica, seja para a propositura de uma ação judicial ou de um processo administrativo, o que reforça a preocupação comentada no subitem anterior acerca do ainda pequeno conhecimento das defensorias pelas populações delas necessitadas.

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AVALIAÇÃO DA DPU/CE PELOS ASSISTIDOS Ao ser aplicado aos assistidos o quesito em que foi indagada uma nota, com variação de um a cinco para a DPU/CE, considerando-se todos os seus aspectos, como estrutura, localização, qualidade do atendimento, dentre outros, observou-se que eles se sentem, em geral, satisfeitos com o serviço fornecido por toda a equipe multidisciplinar que compõe essa instituição. É o que se percebe no Gráfico 12. Nesse gráfico, observa-se que 55% dos entrevistados deram nota máxima à DPU/CE, mesmo tendo sido ressaltado pela pesquisadora que, para essa avaliação, deveriam ser considerados tanto os aspectos positivos quanto os negativos. Insta frisar que as notas baixas que apareceram devem-se, em grande parte das vezes, à dificuldade de diferenciação pelos assistidos do que é Defensoria Pública e do que é Judiciário. Isso porque, nas conversas desenvolvidas com eles, percebeu-se que os motivos das insatisfações devam-se, em geral, à demora, como afirmado pelos assistidos. Ocorre que essa lentidão, como é sabido, é uma característica intrínseca do sistema judiciário brasileiro, de forma que a própria Defensoria Pública, em suas assistências judiciárias, figura apenas como mais etapa ou peça desse grande congestionamento dos juízos e tribunais, e não, como às vezes interpretado pelos assistidos, a causa da demora dos trâmites de seus processos. Destaque-se ainda outras causas de insatisfação dos assistidos, listadas por defensores federais lotados na DPU/CE, como abaixo transcrito: Os assistidos, da mesma forma que eu, não se conformam com o reduzido número de defensores públicos federais e com a impossibilidade de atuação na Justiça do Trabalho e nas subseções da Justiça Federal no interior do Estado do Ceará. (DEFENSOR 4, 2012) O sentimento de insatisfação do assistido pode ocorrer por ele ter um bom direito e perdemos a causa; por ele não ter um bom direito e perder a causa; e por ele ter um direito tão ruim que

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arquivamos o PAJ (processo administrativo interno da DPU) por inviabilidade. (DEFENSOR 7, 2012)

Grande parte dos entrevistados afirmou que não verificava qualquer problema na DPU/CE. Muitos deixaram claro ainda que nem a localização dessa instituição, geralmente distante dos bairros nos quais residem, poderia ser vista como um ponto negativo, devido ao fato de o acesso a ela ser fácil, por conta da grande quantidade de linhas de transporte coletivo que passam em frente ao prédio da DPU/CE5. Nesse contexto, faz-se importante destacar observação feita por um dos defensores, ao ser indagado sobre a forma como ele avalia a satisfação dos assistidos com o papel desempenhado por toda a instituição Defensoria Pública da União no Ceará: Entendo que a DPU vem prestando uma assistência jurídica integral, gratuita e de qualidade, pois a existência de uma ótima equipe de estagiários, servidores e defensores tem proporcionado uma grande satisfação aos assistidos, já que a colaboração de todos aperfeiçoa o acesso à justiça, eis que a ação é proposta consubstanciada com laudos médicos, sociais, pareceres da Contadoria etc. (DEFENSOR 1, 2012).

Fonte: Pesquisa de campo desenvolvida na DPU/CE.

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Localizado à Rua Costa Barros, no Bairro Aldeota, em Fortaleza/CE.

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A assistente social que trabalha na DPU/CE, lidando diariamente com os problemas sociais enfrentados pelos assistidos, conversando com eles e visitando-os em suas residências, com o fim elaborar laudos sociais, também deixou expresso o quanto sente a satisfação deles; in verbis: É visível a satisfação dos assistidos que se utilizam dos serviços prestados pela DPU/CE e que retornam para reconhecer e elogiar a atuação da Instituição. Tal visibilidade da DPU/CE também pode ser notada dentre outros meios pelo espaço ocupado na mídia, pela ampliação e aumento progressivo da demanda de atendimento, pela estatística de soluções judiciais favoráveis aos assistidos, mostrando que a Instituição está na direção certa e cumprindo a contento o seu papel com a visão estabelecida de “defender os direitos de todos que necessitem, onde quer que se encontrem, firmando-se como instrumento de transformação social e referência mundial em prestação de assistência jurídica gratuita”.

O esforço e a dedicação dos que compõem a equipe multidisciplinar da DPU/CE e colaboram com essa instituição na sua função de contribuir para a promoção do acesso à justiça, muito provavelmente, sejam a causa da grande satisfação dos assistidos, que enxergam comprometimento e dedicação nas atividades desenvolvidas pelos membros terceirizados, estagiários e efetivos. 5

CONCLUSÃO

A criação das defensorias públicas no Brasil não pode ser analisada apenas dentro do contexto de reconstrução das instituições democráticas ou do âmbito da Constituição de 1988. O desenho dessas instituições articula-se com um grande movimento ocorrido em diversas democracias pelo mundo, em que se buscava expandir o acesso do cidadão à justiça por intermédio de múltiplas abordagens. Esta leitura segue o sentido dado por Cappelletti e Garth (1998) sobre as ondas de acesso à justiça e pode ser integrada à chamada terceira onda. As defensorias públicas atendem, assim, a um anseio mais amplo de proteção dos direitos do cidadão que ganham grande impulso com a redemocratização. Nesse cenário, a ideia de uma instituição

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voltada apenas à assistência judiciária gratuita expressa pouco do verdadeiro sentido de suas novas funções. A atuação processual individual mantém-se com grande relevo, mas sobressaem iniciativas destinadas a expandir a compreensão dos indivíduos sobre seus direitos e condicionam, em grande medida, o conjunto das instituições, inclusive no campo da política, como nos casos das ações com repercussão sobre as políticas públicas de saúde e de educação. O estudo aqui relatado pretendeu, assim, contribuir com a análise do funcionamento e da atuação das defensorias, recortando como objeto a Defensoria Pública da União no Ceará. Por ser um ramo relativamente menor e com menos estudos, mostra-se como um campo ainda mais fértil para mais investigações. A pesquisa revelou uma convergência das percepções dos defensores, dos projetos institucionais e de todo um conjunto de ações em relação ao chamado enfoque mais amplo de acesso à justiça. Nessa perspectiva, mesmo observando-se como papel rotineiro e principal das defensorias a defesa individual e judicial dos cidadãos, prevalece uma ênfase nas iniciativas destinadas a fortalecer o conhecimento sobre os direitos e a alterar aspectos sensíveis da realidade brasileira, como a incapacidade de reconhecer-se como titular de direito (atribuídos, em certa medida, a questões como escolaridade e renda). Pelo olhar dos defensores, estagiários e servidores, a Defensoria desempenha um papel para além da assistência judiciária, sendo percebida fortemente como um real instrumento de assistência social ou de fortalecimento da condição das pessoas como cidadãos. Apesar de não ocorrer de forma declarada, parece haver uma compreensão da DPU como um instrumento de políticas públicas para o sistema de Justiça focadas nas populações de baixa renda e em problemas como desigualdade de renda, vulnerabilidade, vitimização e violência. O perfil dos usuários assistidos pela DPU fortalece tal perspectiva, ao se observar uma grande predominância de pessoas de baixa renda, baixa escolaridade e inserção precária no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, a marcante presença de questões previdenciárias ou relacionadas ao crédito junto à Caixa Econômica Federal denotam também uma inserção indireta da DPU dentro da dinâmica de programas governamentais de redistribuição de renda ou de redução da miséria.

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A pesquisa permite afirmar que a relevância de se orientar a atuação da Defensoria Pública da União com um enfoque de política pública. Isto implica fortalecer as análises sobre sua atuação, estrutura e público-alvo e desenhar política que privilegiem o acesso à justiça em um sentido mais amplo e democrático (para além da assistência judiciária) e sirvam de instrumento público para redução da pobreza, da desigualdade e da violência. REFERÊNCIAS BRASIL, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. III Estudo Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, 2009. BRASIL, DPU. Defensoria Pública da União. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2008. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. DEFENSOR 1. Entrevista acerca da situação e história da DPU. Realizada entre em novembro de 2012. DEFENSOR 2. Entrevista acerca da situação e história da DPU. Realizada entre em novembro de 2012. DEFENSOR 3. Entrevista acerca da situação e história da DPU. Realizada entre em novembro de 2012. DEFENSOR 4. Entrevista acerca da situação e história da DPU. Realizada entre em novembro de 2012. DEFENSOR 7. Entrevista acerca da situação e história da DPU. Realizada entre em novembro de 2012. ESTAGIÁRIO 1. Entrevista acerca da experiência de trabalho na DPU/CE. Realizada em janeiro de 2013. ESTAGIÁRIO 2. Entrevista acerca da experiência de trabalho na DPU/CE. Realizada em janeiro de 2013. ESTAGIÁRIO 4. Entrevista acerca da experiência de trabalho na DPU/CE. Realizada em janeiro de 2013. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Disponível em: . Acesso em: 09 jan. 2013. ROCHA, Amélia Soares. Defensoria pública e transformação social. Pensar, Fortaleza, v. 10, n. 10, p. 1-5, fev. 2005. SANTOS, Boaventura de Sousa. O discurso e o poder: ensaios sobre a sociologia da retórica jurídica. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1988. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2001. XAVIER, Beatriz Rego. Um novo conceito de acesso à justiça: propostas para uma melhor efetivação de direitos. Pensar, Fortaleza, v. 7, n. 1, p. 1-15, 2002.

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A MEDIAÇÃO NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: UM DESAFIO EM CONSTRUÇÃO

Delton Ricardo Soares Meirelles Coordenador de graduação e professor adjunto do Departamento de Direito Processual da Universidade Federal Fluminense (SPP/UFF) e do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD/UFF). Coordenador do Laboratório Fluminense de Estudos Processuais (LAFEP/UFF). Doutor em Direito (UERJ). Contato: [email protected]

Resumo O presente artigo objetiva investigar como o instituto da mediação esta sendo desenvolvido no projeto do Novo Código de Processo Civil (PL 8.046/10), contextualizando-a no cenário geral de reformas processuais e enfocando a diferença de tratamento entre o procedimento geral e a disciplina para as questões de família, possibilitando a atuação de uma equipe multidisciplinar na abordagem do conflito decorrente das ações familiares. Para tanto, analisou-se o texto normativo do projeto de relatoria do deputado Paulo Teixeira e as proposições sobre a mediação, a fim de se verificar em que medida o sistema jurídico nacional busca integrar a mediação às reformas processuais, atendendo à expectativa do jurisdicionado ao resultado prático pela via procedimental adequada. Palavra-chave: Mediação. Reformas Processuais. Novo Código de Processo Civil

Giselle Picorelli Yacoub Marques Doutoranda e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito - PPGSD/UFF. Pesquisadora do LAFEP/UFF. Professora auxiliar do Departamento de Direito Privado da Universidade Federal Fluminense.

Sumário 1. Introdução 2. Mediação: uma proposta de abordagem adequada dos conflitos 3. A mediação no cenário de reformas processuais 4. Mediação no projeto do novo CPC 5. Considerações finais Referências

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INTRODUÇÃO

A concretização de direitos pelo Judiciário não é recente, constituindo inclusive objeto de análise da Escola da Efetividade ou Instrumentalidade1. E numa realidade em que o econômico prevalece sobre o social, este pro1

Entre outros, BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual; DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do processo e técnica processual; OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil.

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blema se torna mais claro na judicialização dos conflitos. Daí a importância de se distinguir bem efetividade (satisfação prática de um direito lesado ou ameaçado) de eficiência (atendimento a uma política administrativa, integrada a um plano de reforma das instituições judiciárias). A busca pela eficiência (com todas as críticas necessárias a este modelo) pode ser um método adequado ao contencioso de massa, em que soluções padronizadas e racionalização do procedimento contribuiriam para o problema da administração de milhares de demandas idênticas. Entretanto, conflitos mais sensíveis e distintos demandam procedimentos artesanais e julgamentos humanizados, cuja maior maturação constituiria barreira para uma rotina fordista de sentenças por atacado (exigência implícita das exigências, muitas vezes estatísticas, da realidade cartorária brasileira pós-CNJ). Daí surge o problema de se estender diversos institutos e práticas processuais, modificados para contemplar a eficiência administrativa e a eliminação sumária de processos. Paralelamente, reformas legislativas e administrativas voltadas à efetividade podem ser extremamente interessantes, na medida em que garantem uma solução mais justa e num tempo razoável para as expectativas dos que provocam Judiciário. Neste passo, a mediação surge como um mecanismo de desconstrução de conflitos, possibilitando o diálogo e ampliação da compreensão das partes, transformando-se a situação adversarial em uma situação de cooperação, promovendo supostamente, o acesso à Justiça pela solução efetiva do conflito, objetivo almejado pelo senso comum. 1

MEDIAÇÃO: UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM ADEQUADA DOS CONFLITOS

O litígio, como elemento integrante da sociedade, sempre permeou a vida humana. O Poder Judiciário, órgão responsável por apresentar respostas aos conflitos – por meio de decisões judiciais que determinam de quem é o direito em disputa – nem sempre consegue abarcar e dissolver todos os litígios decorrentes das relações interpessoais.

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Vive-se atualmente o que Kazuo Watanabe apelida de “cultura da sentença. Os juízes preferem proferir sentença ao invés de tentar conciliar as partes para a obtenção da solução amigável dos conflitos. Sentenciar, em muitos casos, é mais fácil e mais cômodo do que pacificar os litigantes e obter, por via de conseqüência, a solução dos conflitos” (WATANABE, 2007, p. 7). Ademais, junto a esta cultura da sentença, o Judiciário vivencia aguda crise e apresenta contumaz ineficácia da tutela prestada. A mudança de mentalidade é premente, devendo-se buscar outros meios de abordagem dos conflitos, sejam estes meios extra ou intrajudiciais. Neste sentido, afirmam Ana Carolina Ghisleni e Fabiana Marion Spengler que [...] a crise jurisdicional está diretamente vinculada à crise estatal, haja vista o crescimento e a complexidade de conflitos sociais aliados à falta de estrutura física, tecnológica e financeira do Estado, o rebuscamento da linguagem jurídica, o acúmulo de processos, entre outros. Nessa esteira, presencia-se uma crise da dogmática jurídica positivista que também é uma crise do Estado e, por conseguinte, do Poder Judiciário, assim como de todos os aplicadores do direito, em especial os juízes, cuja redefinição se faz urgente e necessária a fim de que se possa dar uma nova conotação ao direito, para que seja efetivamente mais justo. (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p. 24)

O ordenamento pátrio permite, em algumas situações, a utilização2 de meios alternativos de solução de conflitos, também de2

Vale ressaltar que tal reestruturação precisa ir além de simples modificação das leis materiais. Implica também uma mudança de mentalidade por parte de legisladores, magistrados, aplicadores do direito, mas em especial dos próprios jurisdicionados. A solução eficaz se dará quando a mudança de mentalidade for no sentido de solucionar em definitivo o conflito real, sendo este abordado e compreendido em profundidade, devendo o Direito servir como instrumento para desconstrução da litigiosidade da demanda, alcançando assim o tão almejado equilíbrio das relações sociais. “O grande desafio é resgatar, perante a sociedade, a autocompreensão dos cidadãos acerca da possibilidade que estes trazem em si de resolver seus próprios conflitos, sem necessitar de alguém que, de forma coercitiva e ostensiva, diga a eles o que é o direito, o que é o justo, o que é que eles devem crer ou esperar, o que eles querem para si próprios” (HANSEN, 2011, p. 115).

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nominados de alternative dispute resolution (ADR) – um sistema multiportas3 de acesso à Justiça – por entender tais meios mais eficazes em certas questões em debate4. Este sistema permite a utilização de variados métodos de resolução de conflitos, ampliando as possíveis vias para adequação na busca pelos direitos. A opção pelo termo “meios alternativos de solução de conflitos” é decorrente da própria finalidade dos instrumentos utilizados, da alternatividade à atuação tradicional do Poder Judiciário e da busca pela dissolução da litigiosidade existente naquela relação. A proposta é de complementaridade à atuação do Poder Judiciário e não de exclusão deste. O que se pretende é ampliar o rol de possibilidades, sendo tais meios complementares e não concorrentes5. 3

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O termo sistema multiportas foi cunhado por Frank Sander (Multi-door Courthouse), para designar a possibilidade de oferta e escolha de diferentes métodos de resolução de conflitos integrados ao Judiciário (ALMEIDA, 2009, p. 94). Insta salientar que tal termo, apesar de, originariamente, ser utilizado ao se tratar de métodos judiciais, entendemos perfeitamente possível a utilização de uma interpretação mais ampla, permitindo o uso também ao tratarmos de métodos extrajudiciais de resolução de conflitos por permitir o acesso à Justiça como efetivação de direitos. Como exemplos, podemos citar: a Lei de Arbitragem – nº 9.307, de 23.09.1996; a Lei dos Juizados Especiais – nº 9.099, de 26.09.1995, que instituiu a conciliação como regra; o projeto do novo Código de Processo Civil – PLS 166/10 que institucionaliza a medição intrajudicial, permitindo a criação de setores especializados de autocomposição; dentre outras normas que incentivam a composição amigável. No âmbito administrativo também a proposta da mediação se faz presente: a Lei 9.427/96 que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica e a Portaria 349/97 do Ministério de Minas e Energia estabelecem ações de competência da Superintendência de Mediação Administrativa Setorial – SMA/ANEEL para dirimir divergências entre os agentes do setor elétrico; existindo, inclusive, norma de organização da ANEEL (001), aprovada pela Resolução Normativa ANEEL 273/07, dispondo sobre os procedimentos. Disponível em: . Na Argentina, importante exemplo do uso da mediação surgiu com a implementação da mediação obrigatória prévia nas ações judiciais – o Decreto 91/98 prevê a mediação oficial na Argentina, coexistindo a mediação oficial e privada. “Essa medida ocasionou uma verdadeira revolução cultural” (SARMENTO, 2005, p. 302). Existe divergência quanto à nomenclatura mais apropriada, sendo utilizadas “meios alternativos de resolução de controvérsias”, “métodos alternativos”, mais recentemente “meios adequados de solução de conflitos”, e “métodos consensuais de resolução de conflitos”, conforme o nome do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Resolução de Conflitos – NUPEMEC, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Neste mesmo sentido, o Núcleo de Praticas Sensíveis na Resolução de Conflitos do CAJUFF – Centro de

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Assim, importante repisar que os meios alternativos de solução de conflitos não se postam em oposição ou exclusão do Poder Judiciário, servindo como instrumento complementar na abordagem dos conflitos6. Mediação, conciliação e arbitragem são consideradas a tríade básica de tais meios alternativos. São consideradas como tais pela possibilidade de ocorrerem de forma extrajudicial, ou seja, fora do arcabouço estatal7. Cada qual possui características e finalidade próprias, uma vez que, dependendo da natureza de cada litígio, determinado procedimento se apresenta mais adequado e, com isso, com maiores chances de efetividade. Em comum, possuem a presença de um terceiro que, na arbitragem atua como árbitro, decidindo de forma técnica diante de dados apresentados pelas partes; na conciliação atua como um negociador, buscando ativamente um acordo decorrente de concessões feitas por ambas as partes; e na mediação atua como um facilitador do restabelecimento da comunicação, em linhas gerais. A conciliação e a mediação possuem uma condição diferenciada e oposta ao modelo tradicional, utilizando de mecanismos não adversariais para se buscar um resultado. Contudo, essencial res-

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Assistência Judiciária da Universidade Federal Fluminense, no qual os métodos de solução de conflitos são aplicados de acordo com a particularidade de cada caso. Este o entendimento de Ana Carolina Ghisleni e Fabiana Marion Spengler ao citar João Roberto da Silva: “As formas alternativas de resolução de conflitos não são renúncias ao sistema judiciário, mas sim uma redefinição de seus confins. Porém, é desviante pensar que tais mecanismos são remédios exclusivos à crise quantitativa da justiça, o que equivale a dizer que as disputas alternativas poderiam ser vistas de forma subalterna em relação aos mecanismos judiciários. A opção pela resolução extrajudicial não exclui a possibilidade da via jurisdicional, pois as partes podem recorrer ao Estado se não houver acordo ou se este for descumprido” (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p. 39). Leia-se “controle estatal”. Contudo, o que se verifica na prática é a utilização e a apropriação de tais meios pelo Poder Judiciário, uma vez que a conciliação, atualmente, tem sua prática totalmente vinculada aos Juizados Especiais, Estaduais ou Federais, e as audiências conciliatórias do processo judicial ordinário. Ademais, a mediação também parece seguir este caminho, pois a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça e o projeto do Novo Código de Processo Civil tratam deste instrumento de forma já institucionalizada pelo Poder Judiciário, o que na prática também já vem ocorrendo, haja vista o exemplo do Núcleo de Mediação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

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saltar que são métodos diferentes entre si, possuindo procedimento, características e objetivos distintos. Na conciliação o objetivo é a realização do acordo e [...] coerente com a proposta de obter acordos entre as partes, a conciliação privilegia a pauta objetiva – a matéria, a substância – que o conflito entre elas produziu. As questões que tenham tutela jurídica e as propostas materiais são foco de especial atenção na conciliação, contexto que estimula as partes a terem, também, nestes temas o objeto de sua atenção, ao aderirem ao instrumento. (ALMEIDA, 2009, p. 98)

Já a arbitragem, regulada no Brasil pela Lei 9.307/96, possui uma lógica similar ao processo judicial, mas sem a intervenção do Estado, mantendo o caráter adversarial do procedimento, pois as partes apresentam sua demanda a um terceiro, anteriormente indicado por estas mesmas partes, tendo este poder para apresentar uma decisão, que assume condição de título executivo judicial, conforme artigo 475-N, IV, do Código de Processo Civil. Dentre tais meios alternativos, a mediação tem se destacado como instrumento de gerenciamento de conflitos, pois objetiva o reconhecimento do litígio, sem negá-lo, e, a partir desta premissa, o desenvolver de um procedimento que poderá gerar uma solução e consequente dissolução do litígio. Vale destacar que tal consenso será idealizado e construído pelas partes envolvidas, por meio da comunicação e do diálogo esclarecido, com o auxílio de um terceiro imparcial – o mediador. Contudo, a mediação não busca obrigatoriamente o acordo, a resolução do conflito. Seu objetivo é a transformação do impasse, sendo o resultado “acordo” simples consequência do esvaziamento da litigiosidade existente na relação e da compreensão advinda do diálogo e restabelecimento da comunicação. O desfecho se dará por meio da cooperação entre as partes e não por meio de qualquer tipo de imposição. A mediação permite aos adversários desenvolverem nova relação, baseada no respeito recíproco, mantendo cada qual sua identidade própria, permitindo “o aperfeiçoamento das relações, a superação de conflitos e a garantia de continuidade da sociedade humana” (HANSEN, 2011, p. 102).

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Dessa forma, apesar de estar elencada no rol dos chamados meios alternativos de solução de conflitos, a mediação possui finalidade que vai além da “solução” do conflito, sua finalidade não é tão somente resolver o litígio, mas sim transformá-lo, de forma participativa, sem a obrigatoriedade de uma solução final, restaurando a convivência pacífica entre as pessoas. O que se busca é a compreensão e o restabelecimento do equilíbrio social através do diálogo, comunicação e ganhos mútuos8. A mediação deve ser sempre uma opção voluntariamente escolhida, permitindo aos envolvidos a liberdade na adesão ao procedimento, sendo este mais um fator de empoderamento, pois a escolha em participar ou não é decorrente de uma vontade autônoma. Sob o ponto de vista dos críticos dos meios alternativos de resolução de disputas, esta liberdade de escolha na participação é essencial. Citando Trina Grillo (The mediation alternative: process dangers for women, 1991), descreve Laura Nader tal crítica: A mediação obrigatória é vista nestas críticas como controle de definição “do problema”, controle do discurso e da expressão, e dificilmente como alternativa a um sistema competidor que faz a mesma coisa. Os mesmos críticos descrevem a mediação/negociação como destruidora de direitos já que limita a discussão do passado, proíbe a indignação e representa um compromisso forçado. Em resumo, a mediação obrigatória reduz a liberdade porque muitas vezes está fora da lei, elimina a escolha do procedimento, suprime a proteção por igual frente a uma lei adversária, e via de regra está encoberta. (NADER, 1996, p. 51). 8

Seguindo este argumento, afirma a psicóloga Denise Maria Perissini da Silva que “do mesmo modo que a Mediação não é recurso para se chegar obrigatoriamente a um acordo, também não é um método de resolução de conflitos. A Psicanálise, que sempre preconizou que o conflito é inerente à dinâmica do desenvolvimento humano, fundamenta que os conflitos devem ser transformados e elaborados para possibilitar que o ser humano encontre formas mais satisfatórias de interagir com o mundo”. Esta mesma autora, citando Barbosa, Almeida e Nazareth, aduz que “a Mediação não é algo que chega a um resultado a partir de um conflito; do mesmo modo, utilizar a Mediação como meio de se chegar a acordos é confundir sua lógica com a conciliação. A Mediação busca ampliar a consciência do conflito, dos direitos e deveres, e de permitir a confrontação e organização do relacionamento interpessoal das pessoas envolvidas e de cada indivíduo em separado” (SILVA, 2011, p. 43 e 47).

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Ademais, a mediação deve ser regida, invariavelmente, pelo princípio da confidencialidade, ou seja, o amadurecer daquele procedimento permanece sob sigilo, sendo vedada a utilização e divulgação de qualquer informação decorrente do tema mediado. Este sigilo permite a abordagem do conflito real, gerando confiança e credibilidade entre as partes (PINHO, 2008a, p. 244). Outrossim, a mediação tem aplicação quando diante dos seguintes elementos: pessoas em desacordo, uma contraposição de interesses e um terceiro imparcial capacitado para atuar como mediador. As partes são elementos ativos no procedimento da mediação, devendo estar comprometidas com o diálogo e cooperação, funcionando como coautores de uma possível solução. Podem ser pessoas físicas ou jurídicas, podendo, sempre que desejarem, estar acompanhadas de advogados. No caso de menores, estes devem estar regularmente assistidos pelos seus responsáveis, sendo a mediação excelente método para abordagem de delitos envolvendo adolescentes, gerando a necessária reflexão perante atos infracionais9. O conflito de interesses – o dissenso – é elemento central na mediação. É através da aceitação e conhecimento de tal conflito que as partes poderão construir uma solução de ganhos mútuos, desatando os estorvos existentes naquela relação social. Não se trata de processo terapêutico ou acompanhamento psicológico10, mas de prática de desconstrução do conflito através do diálogo. O mediador – que deverá ser escolhido, conjuntamente, pelas partes – funciona como um interventor, esclarecendo dúvidas e informando sobre o procedimento11. Deve agir de forma impar9

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Neste sentido vale destacar o interessante Projeto de Mediação da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Guarulhos – São Paulo que busca utilizar a mediação perante conflitos envolvendo adolescentes no âmbito familiar e diante de atos infracionais. Acesso em: 26 set. 2011. Disponível em: . Expressões utilizadas por Humberto Dalla B. de Pinho (PINHO, 2005, p. 110). Ainda neste sentido, afirma Jean-François Six: “o mediador não tem que se imiscuir nos arcanos psicologizantes; o mediador e o psicólogo têm funções diferentes” (SIX, 2001, p.67). “[...] cabe ao mediador o papel de difusor das vantagens e objetivos desta forma alternativa de composição de conflitos, que, por ser uma atividade ino-

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cial12, auxiliando no conter das emoções, na formação e desenvolvimento do diálogo, restaurando a comunicação. Deve assistir às partes, sem nunca interferir substancialmente nas propostas13, mas pode e deve conduzir as partes ao caminho do aperfeiçoamento da relação, aproximando as pessoas intersubjetivamente através de uma conversa aberta e flexível, possibilitando soluções criativas, com ganhos mútuos, buscando sempre o máximo de benéficos para as partes envolvidas. Além da capacitação técnica, outra característica importante do mediador é deter a confiança das partes, estando estas seguras para dialogarem de forma aberta, ampliando o campo de cognição sobre aquela disputa. A atuação do mediador deve ser pautada por técnicas próprias do instituto e baseada numa formação multidisciplinar, assim como a própria natureza da mediação. Por ser um tema transdisciplinar – perpassando o Direito, a Psicologia, a Antropologia, a Filosofia e a Sociologia -, a mediação apregoa que o olhar de análise para os desentendimentos

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vadora, gera insegurança, esclarecendo as dúvidas daqueles que optam por ela ou que desejam fazer a opção” (MUNIZ, 2009, p. 110). A respeito da posição do mediador, a imparcialidade é de extrema importância, pois permite a aproximação do mediador das partes, sem, contudo, influenciar em suas decisões. A atenção do mediador diante de sua própria subjetividade deve ser rigorosa, evitando qualquer tipo de direcionamento das partes. “O mediador precisa estar pronto para acreditar na solução de um conflito, por mais difícil que ele lhe pareça no primeiro momento. Além disso, ele deve ser capaz de distinguir suas percepções intuitivas sobre cada um dos mediandos, porque isto pode, muitas vezes, definir a condução de seu posicionamento. Obviamente não estou dizendo que as questões técnicas devam ser desprezadas; estou apenas dizendo que somos mais do que apenas [sic] profissionais habilitados pelos canudos limitados. Somos seres humanos repletos de subjetividade e até de transcendência.” (LIMA; FAGUNDES; PINTO, 2007, p. 49) Conforme Maria Nazareth Serpa, a mediação é um “processo onde e através do qual uma terceira pessoa age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma disputa sem prescrever qual a solução. Um de seus aspectoschave é que incorpora o uso de um terceiro que não tem nenhum interesse pessoal no mérito das questões. Sem essa intervenção neutra, as partes são incapazes de engajar uma discussão proveitosa. O terceiro interventor serve, em parte, de árbitro para assegurar que o processo prossiga efetivamente sem degenerar em barganhas posicionais ou advocacia associada” (apud PINHO, 2008a, p. 243).

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deva ser multidisciplinar [...]. Dessa forma, convida os mediadores a atuarem regidos por uma lente multifocal que viabilize reconhecer e articular os diversos fatores – sociais, emocionais, legais, financeiros, entre outros – que componham as desavenças. (ALMEIDA, 2009, p. 97)

Qualquer indivíduo pode desenvolver as habilidades necessárias para mediar. Porém, é de extrema relevância destacar que o mediador precisa estar atento quando da sua conduta para evitar que uma possível formação original (seja esta na seara jurídica, psicológica, assistencial ou outra qualquer) não venha a se sobrepor a sua real função junto às partes, que é de facilitador do diálogo. Na mediação não há atendimento jurídico ou assistencial, nem tratamento psicológico. A busca é pela recuperação da comunicação e com isso a superação do conflito através do diálogo honesto. Assim, o processo da mediação é uma tarefa artesanal, que demanda paciência, compreensão e esforço dos participantes – mediandos, mediador e, por ventura, advogados, psicólogos, assistentes sociais ou outro profissional participante. Cada caso exige atenção, estudo e tratamento adequado, visando atingir o real interesse das partes, destacando cada particularidade do conflito para que este possa ser “desmontado” e compreendido de forma legítima pelas próprias partes. Na maioria das vezes requer diversas sessões, não estando baseada no fator tempo, permitindo as partes uma reflexão responsável, avaliando a repercussão de atitudes e decisões a serem tomadas. O consenso só será possível quando os interesses verdadeiros14, as motivações ocultas dos mediandos forem expostas com boa-fé e debatidas, sem nenhum tipo de imposi14

Simples e excelente exemplo da busca pelos interesses: “Em uma casa havia apenas uma laranja. A mãe é procurada pelos seus dois filhos que desejam a mesma laranja. Ela pergunta a um e, a seguir, a outro. ‘O que você quer?’ A resposta é a mesma: ‘quero esta laranja!’. O conflito é, aparentemente, insolúvel: apenas uma unidade da fruta, sem possibilidades de obter outras unidades ou mudar a intenção de um dos filhos. Esta é a posição. Então a mãe faz a pergunta mágica: ‘para que você quer a laranja?’. Responde o primeiro filho: ‘quero fazer um suco!’; renovada a pergunta ao outro, ele diz: ‘quero a casca da laranja para enfeitar um prato!’. Esses são os interesses. Nesta dimensão visualiza-se, tranqüilamente, a possibilidade de acordo” (PINHO, 2005, p. 122).

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ção ou determinação, sendo a solução produto deste consenso após a reflexão e articulação do dissenso15. Vale ressaltar que um consenso, fruto da composição amigável, tem mais chance de ser cumprido pelas partes do que uma decisão judicial imposta16. Isto porque no acordo construído pelas partes, cada um tem consciência e aceita sua parcela de responsabilidade legitimamente. Não há perdedor e vencedor, a litigiosidade foi desfeita através do diálogo e cooperação, da ação comunicativa – restaurada pela mediação. Assim, um acordo decorrente de um procedimento de mediação, com a utilização das técnicas adequadas a cada caso, poderá 15

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Fazendo um paralelo com os ensinamentos de Jürgen Habermas é possível entender como a mediação e o seu processo se estruturam: as partes envolvidas são os autores do acordo, sendo este resultante de uma comunicação aberta, esclarecida e com o assentimento dos participantes, de forma racional e fundada na responsabilidade. Por tudo isso, se torna legítimo e conscientemente aceitável pelos interessados. Nas palavras de Habermas: “São válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais. [...] Eu entendo por ‘normas de ação’ expectativas de comportamento generalizadas temporal, social e objetivamente. Para mim, ‘atingido’ é todo aquele cujos interesses serão afetados pelas prováveis conseqüências provocadas pela regulamentação de uma prática geral através das normas. E ‘discurso racional’ é toda a tentativa de entendimento sobre pretensões de validade problemáticas, na medida em que ele se realiza sob condições da comunicação que permitem o movimento livre de temas e contribuições, informações e argumentos no interior de um espaço público constituído através de obrigações ilocucionárias. Indiretamente a expressão refere-se também a negociações, na medida em que estas são reguladas através de procedimentos fundamentados discursivamente.” (HABERMAS, 2010, p. 142). Sobre o poder da jurisdição, como função estatal de solução de conflitos e o alcance da decisão do juiz, afirmam Fabiana Spengler e Ana Carolina Ghisleni: “A jurisdição, portanto, é uma função estatal que, em consequência de transformações históricas, passou a ser monopolizada pelo Estado. Isso ocorre porque há uma terceira pessoa dotada de neutralidade e imparcialidade que deve decidir o conflito, impondo o Direito positivado com o intuito de assegurar a convivência e harmonia social. Por isso, esta forma de decidir conflitos não é considerada democrática, visto que emana exclusivamente da soberania estatal.” Ainda neste sentido, citando Elígio Resta, continuam: “quando se recorre ao Juiz se perde a face, pois a tarefa do Juiz é a de assumir decisões com base em decisões e de permitir decisões com base nas mesmas decisões. Mas, paradoxalmente, em um sistema de altíssima complexidade, se sabe, quanto mais se decide, tanto mais se aumenta vertiginosamente a necessidade das decisões” (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p. 23).

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valer entre as partes concernidas com maior força e de mais efetividade que uma sentença judicial, pois o acordo foi resultado de um discurso baseado em uma argumentação participativa e no equilíbrio de poder dos envolvidos. 3

A MEDIAÇÃO NO CENÁRIO DE REFORMAS PROCESSUAIS

Deve-se principalmente às investigações coordenadas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth o reconhecimento de que os meios alternativos de resolução de controvérsias, presentes especialmente na realidade dos países centrais na segunda metade do século passado (seja pela tradição cultural norte-americana ou pelas políticas públicas socialdemocráticas europeias de então), constituem movimento de Acesso à Justiça. Com a globalização e, principalmente, pela reconfiguração econômica mundial nos anos 1990, o tema dos meios alternativos ganha força como política de enxugamento da máquina estatal, tendo como principal diretriz o Relatório 319/96 do Banco Mundial, em cujo texto há recomendação expressa aos países latinoamericanos para que reconheçam e estimulem formas extrajudiciais de composição dos conflitos. Neste sentido, sucessivas reformas legislativas e ações administrativas estiveram presentes neste continente, destacando-se a Argentina e a Colômbia. No Brasil, a despeito da política neoliberal de redução do Estado nos anos 1990, as tentativas de se estimular composições extrajudiciais nas questões trabalhistas (Lei 9.958/00 – Comissões de Conciliação Prévia), bem como revigorar a Arbitragem por meio da Lei 9.307/96, não foram capazes de abalar o absoluto predomínio da jurisdição estatal, por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, a política de ampliação do acesso ao Judiciário brasileiro17 que inclui reconhecimento de novos direitos, estabelecimento de um sistema de Juizados Especiais (Leis 9.099/95, 10.259/01 e 10.253/09) e o alargamento da assistência jurídica (fortalecimento das Defensorias Públicas, principalmente com a 17

O aumento exponencial dos processos judiciais é demonstrado por diversas pesquisas como Justiça em Números, referente aos dados sistematizados pelo CNJ nesta década (http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-mo dernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros).

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Emenda Constitucional 45/04; expansão das Faculdades de Direito e consequente aumento dos Núcleos de Prática Jurídica, obrigatórios conforme regulamentado pela Portaria MEC 1.886/94 e pela Resolução CES-CNE 9/04; crescimento da advocacia popular, patrocinada ou não pelos movimentos sociais etc.). Por outro lado, as propostas legislativas de enxugamento do Judiciário esbarraram na resistência dos magistrados, como se observa no processo legislativo preliminar das Emendas Constitucionais 24 e 45, e/ou na falta de vontade política para a aprovação de projetos de lei. É o caso específico das tentativas de se regulamentar a mediação extrajudicial, entre outros, pela Câmara (PLs 4.827/98 e 4891/05) e pelo Senado (PLS 517/11), as quais não avançam. Ainda que, mais recentemente, tenha sido formada uma comissão para elaborar um novo Projeto de Lei sobre Mediação e Arbitragem (presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão), o que se percebe é a grande dificuldade de se estabelecer um marco normativo, mantendo-se a mediação quase que marginalizada e dependente de iniciativas esporádicas, como por setores dos movimentos sociais, ações administrativas do Ministério da Justiça ou secretarias equivalentes nos Estados, e em Núcleos de Prática Jurídica nas faculdades de Direito. Indiscutivelmente um grande benefício gerado pela mediação, ao lado da recomposição do equilíbrio social, é a sua utilização antes mesmo do conflito se tornar judicial, alcançando assim uma maior eficácia através de um procedimento extrajudicial, sem a presença institucionalizadora do Estado18. Porém, ainda que não haja regulamentação específica no atual Código de Processo Civil, é possível que haja procedimento de mediação durante o curso do processo judicial, por meio da atuação do próprio juiz (arts. 331 e 18

Importante reflexão nos propõe Gilvan Hansen quando, ao abordar o tema das vias judiciais de resolução de conflitos, afirma que “quanto à harmonia coletiva que foi rompida quando a relação social, de algum modo, foi abalada pela frustração de expectativas recíprocas, pelo descumprimento de promessas, pela ruptura da confiança e da credibilidade, pela mágoa, etc., esta nem sequer é foco da resolução do conflito. Esvazia-se e perde-se, pois, o sentido dos instrumentos de resolução de conflitos que brotaram do mundo da vida, ao engessá-los e burocratizá-los, os converteu em mais um dentre outros ferramentais de operação do Estado em sua função jurisdicional” (HANSEN, 2011, p. 110).

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447 do CPC), ou sobrestado o feito (art. 265, inc II, c.c. § 3º do CPC), para uma tentativa de consenso através de mediador capacitado19. Assim, percebem-se dois movimentos. De um lado, as partes e advogado, por iniciativa do juiz ou conforme seus interesses, formalizam a mediação incidentalmente no processo judicial. Por outro lado, percebe-se a apropriação da mediação pelo Poder Judiciário, especialmente em núcleos dentro dos Tribunais de Justiça, sendo tema de regramento pelo projeto do Novo Código de Processo Civil e pela Resolução 125/10 do CNJ20. A mediação judicial é aquela que se desenvolve dentro do Poder Judiciário. Tendo em vista estar o procedimento da mediação e sua lógica baseados na transformação do conflito, através da responsabilidade e autonomia das partes, a mediação judicial encontra-se vulnerável. O resgate da cidadania e o procedimento democrático possibilitados pela mediação – extrajudicial – ficam ameaçados quando estão adstritos e monopolizados pelo poder institucionalizador do Judiciário. O perigo existente na mediação judicial está na possibilidade do engessamento do instituto, na burocratização do conflito, fazendo da mediação mais uma etapa procedimental a ser cumprida dentro do caminho processual, esvaziando a mediação do seu sentido real e sua finalidade primeira. Ademais, tendo em vista o poder exercido pelo próprio Judiciário e as consequências advindas da judicialização de determinados conflitos, como exemplos o acirramento da disputa, temor do Judiciário21, infantilização das partes com a reti19

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Neste ponto, entendemos como uma forma de minorar os efeitos negativos de uma mediação judicial a realização da mediação em espaço apropriado, destinado exclusivamente à mediação e fora do espaço físico do Poder Judiciário, do Fórum propriamente dito, possuindo o Núcleo independência física, procedimental e administrativa. Institui a Resolução 125/10 do CNJ a “Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses”, incumbindo aos órgãos judiciários, “além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação”. Desta forma, é possível verificar que a mediação esta sendo judicializada, estando sob o pálio do Poder Judiciário a implementação de tal meio. Disponível em: . Sobre a necessidade de se reduzir as barreiras culturais na busca de um processo socialmente efetivo e o poder existente na figura do Judiciário, afirma Barbosa Moreira (2002, p. 66): “todos sabemos que o cidadão comum não se

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rada da responsabilidade na tomada de decisão, a mediação judicial poderá restar viciada, não atingindo seu potencial de emancipação e resgate da cidadania por estar adstrita ao âmbito do Judiciário e todo seu arcabouço adversarial. Assim, a melhor opção é a mediação extrajudicial e pré-processual, antes mesmo de qualquer provocação da máquina judicial, evitando a institucionalização e burocratização do conflito, desgaste e despesa que este tipo de demanda costuma gerar, para as partes, para a própria sociedade e para o Estado22. Além disso, muito importante gizar que a mediação não tem, em nenhum momento, a finalidade de “desafogar” o Poder Judiciário, nem se apresenta como solução única e plena para todos os problemas enfrentados pelos Tribunais. Sua principal finalidade é o reconhecimento e análise do litígio, promovendo o diálogo entre as partes e em decorrência deste a construção de um consenso, como fruto da ação comunicativa auxiliada pelo mediador e legitimado pelos mediandos durante todo o procedimento. Tal instrumento acarreta, sem dúvida um “desafogar” do Judiciário, mas não como objetivo primeiro, e sim como simples consequência, pois o conflito real existente entre as partes foi dissolvido, não restando a litigiosidade incontida que poderia, em futuro próximo, gerar mais um processo judicial. Entretanto, ao se mirar o Projeto de Código de Processo Civil percebe-se a inserção da mediação como método de composição dos conflitos judicializados, seguindo o discurso de ser uma forma de se resolver o problema da administração da Justiça. Ainda que não seja inédita a previsão de uma alternativa à jurisdição estatal no procedimento judicial, como se observa no atual Código nos casos de arbitragem (arts. 86; 267, VII; 301, IX; 475-N, IV; 475-P, III;

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sente à vontade nos recintos tradicionais em que se exerce a função jurisdicional: tudo aí se lhe afigura estranho, misterioso, e não é de admirar que lhe inspire mais desconfiança e temor do que tranquilidade. Menor dose de solenidade e formalismo contribuirá para suavizar o desconforto do ingresso em juízo”. Vale a ressalva: não consideramos o Estado, em nenhum momento, como destinatário e possível beneficiário direto da mediação, tendo esta finalidade emancipatória do cidadão. Os possíveis resultados positivos da mediação para o Estado deveriam ser decorrentes do resgate da autonomia das partes envolvidas e não a diminuição dos processos e demandas diante do Judiciário.

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520, VI; 575, IV – sem mencionar o procedimento arbitral do art. 1.702 e seguintes, revogado pela Lei 9.307/96) e conciliação (especialmente com as modificações introduzidas pela Lei 8.952/94 nos arts. 125, IV; 331 e 447/449); o fato de a mediação ser incluída no texto desde o Anteprojeto da Comissão de Juristas permite algumas reflexões mais amplas. Assim, deve-se contextualizar a mediação no Projeto de Código de Processo Civil no cenário de reformas processuais e judiciárias dos últimos vinte anos, para que se verifique em que medida há efetivamente uma proposta de ampliação do acesso à Justiça, com estímulo à autocomposição e empoderamento das partes, democratizando-se o procedimento e legitimando a atuação jurisdicional. 4

MEDIAÇÃO NO PROJETO DO NOVO CPC

Na busca pelo regramento do instituto da mediação no Brasil, alguns ordenamentos normativos23 encontram-se em tramitação em nossas casas legislativas, dentre eles o Projeto de Lei do Senado 166/10/Projeto de Lei 8.046/10 – o projeto do Novo Código de Processo Civil – e o recente Projeto de Lei do Senado 517/11, de 25 de agosto de 2011. O PLS 517, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, em tramitação perante a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, pretende instituir e disciplinar o uso da mediação como instrumento para prevenção e solução consensual de conflitos, conforme sua ementa. O projeto de lei possui 26 artigos, dentre os quais tratando da mediação judicial e da mediação extrajudicial, das possibilidades do uso da mediação de conflitos em quaisquer matérias em que a lei não proíba as partes de negociar. Define, ainda, a mediação como “um processo decisório conduzido por terceiro imparcial, com o objetivo de auxiliar as partes a identificar ou desenvolver soluções consensuais”, estabelecendo os princípios básicos do processo de mediação e as atribuições do mediador24. 23

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Importa destacar o Projeto de Lei 94/2002 (com origem no PL 4.827/98) da Deputada Zulaiê Cobra que buscava institucionalizar e disciplinar a mediação, como método de prevenção e solução consensual de conflitos. Disponível em: .

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Já os PLS 166/2010 e 8.046/2010 – Novo Código de Processo Civil – cuidam do tema da mediação de forma expressa, juntamente com o tema conciliação, inclusive na mesma seção – Seção VI - Dos conciliadores e mediadores judiciais, no Capítulo III - Dos Auxiliares Da Justiça, dos artigos 166 ao 176, além de casos específicos, como nas ações de família (art. 708 e seguintes) e ações possessórias (art. 579). O projeto permite a criação de um setor de mediação e conciliação pelos Tribunais, regulamentando, ainda, o papel e as funções do mediador, sendo este considerado um auxiliar da justiça. Vale destacar que, apesar das diversas versões já produzidas para o Novo CPC, no presente artigo trabalha-se com a versão mais recente do relatório do Deputado Paulo Teixeira, de maio de 201325, dispondo o relatório que [...] regula-se a atuação dos mediadores e conciliadores como auxiliares da Justiça, estabelecendo-se, ainda, os princípios que regem a mediação e a conciliação. Para a formação dos conciliadores e mediadores, levou-se em conta a necessidade de serem observados os parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na Resolução n.º 125.

Ainda que se trate de importante avanço, tendo em vista as características próprias da mediação, este instituto demanda maior atenção e cuidado, devendo ser tratado de forma específica e não em conjunto com a conciliação, pois tais institutos possuem especificidades e não se confundem, devendo ser tratados separadamente, e não como institutos sinônimos26. 25 26

Disponível em: . Neste ponto vale registrar severa crítica ao legislador, pois, apesar da dificuldade prática encontrada na diferenciação dos institutos a diferenciação teórica é possível e deve ser alimentada, permitindo o desenvolver do método da mediação, na prática, de forma autônoma e independente. O tratamento que o legislador concedeu à mediação e conciliação é de extremo perigo, pois facilita a contaminação do primeiro por todos os vícios existentes no segundo. Corremos o sério risco de perdemos um método eficaz, mas ainda novo em nosso ordenamento, por ter sido erroneamente classificado. A mediação, conforme é apresentada no projeto esta ameaçada, podendo ser desvirtuada e acabar caindo na mesma “vala” em que se encontra a conciliação.

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3.1 ASPECTOS GERAIS DA MEDIAÇÃO NO PROJETO DO NOVO CPC O projeto do Novo CPC, em seu Capítulo III - Dos Auxiliares Da Justiça, na Seção VI - Dos conciliadores e mediadores judiciais, nos artigos 166 ao 176, cuida, pela primeira vez na codificação processual nacional, do tema da mediação específica e expressamente. Determina o projeto, no artigo 166, a criação, pelos Tribunais, dos centros judiciários de solução consensual de conflitos, os quais serão responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, além de auxílio, orientação e estímulo a autocomposição. Art. 166. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. § 1º A composição e a organização do centro serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.

Tal disposição vai ao encontro da política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário desenvolvida pelo CNJ por meio da Resolução 125/10, a qual dispõe: Art. 8º Para atender aos Juízos, Juizados ou Varas com competência nas áreas cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e Fazendários, os Tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (“Centros”), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão. (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.2013)27 27

Resolução 125/10 do CNJ. Disponível em: .

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Ainda no artigo 166 do projeto do Novo CPC, ressalva o § 2º28 a possibilidade da realização das sessões ou audiências nos próprios juízos, mas sempre conduzidas por conciliadores e mediadores, afastando, em princípio, a cumulação de funções pelo magistrado. Destaca-se a importância deste parágrafo, uma vez que, mesmo podendo o juiz atuar de forma a buscar uma solução consensual, a mediação propriamente dita requer uma formação técnica direcionada, além da necessidade da confidencialidade quanto às questões tratadas nas sessões de mediação, evitando qualquer tipo de contaminação na cognição do juiz caso seja necessário um posterior julgamento. Conforme é possível verificar, no próprio título da seção e no decorrer dos dispositivos, os institutos da mediação e conciliação são regulamentados em paralelo, criando, em alguns momentos questões que merecem ser abordadas. Apenas nos parágrafos 3º e 4º do artigo 166 é possível encontrar uma distinção entre a atuação do mediador e do conciliador. § 3º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. § 4º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si mesmos, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

Neste ponto, relevante destacar que mediação e conciliação são institutos diferentes, que possuem finalidades diversas e merecem uma regulamentação diferenciada, sob o risco de uma utilização indevida ou uma confusão entre as finalidades e técnicas de28

“Art. 166. § 2º Em casos excepcionais, as audiências ou sessões de conciliação e mediação poderão realizar-se nos próprios juízos, desde que conduzidas por conciliadores e mediadores.” Relatório do Deputado Paulo Teixeira – documento *9BC263E933*, maio 2013, p. 989. Disponível em: .

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senvolvidas. Assim, muito importante, mas igualmente difícil, é a distinção entre mediação e conciliação29. Teórica e tecnicamente é possível delimitar o campo de atuação de cada instituto, regras e metodologia utilizada. Contudo, na prática, apesar das tentativas para caracterizar cada método, nem sempre se torna clara tal separação. O que estes institutos têm em comum é a existência de um terceiro que auxilia em um possível acordo entre as partes, por meio da aproximação destas30. Distinção evidente é a diferença entre os termos, pois não são sinônimos e nem tão pouco correspondem à mesma atividade. Em regra, a conciliação é realizada em juízo – pelo próprio juiz ou por conciliador treinado –, com o processo em curso, sempre com a finalidade de se buscar um acordo entre as partes, negando-se o conflito sem a preocupação de compreender sua origem. Já a mediação deveria ser realizada fora dos Tribunais, antes do processo judicial, e busca a desconstrução e superação da contenda, sendo o acordo uma simples consequência do diálogo leal e compreensão das partes envolvidas na relação conflituosa. A mediação, sob o enfoque da abordagem do conflito em si – e não apenas uma solução para tal –, mostra-se muito mais abrangente do que a conciliação. Na busca por uma forma de distinção dos institutos, Humberto Dalla Pinho propõe três critérios: finalidade, método e vínculos31. 29

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No sistema brasileiro, a conciliação está presente em diversos momentos, dentre eles no Código de Processo Civil: art. 125, IV – como um dos deveres/poderes do juiz; art. 277 – na audiência de conciliação do procedimento sumário; art. 331, § 1º – na audiência preliminar; art. 447 – audiência de conciliação; além da Lei 9.099/95, que tem como princípio basilar a conciliação. Em relação à distinção de posturas do conciliador e do mediador, Gilvan Hansen (2011, p. 115-116) afirma que “enquanto o conciliador, salvo raras exceções, age burocraticamente no sentido de chegar rapidamente a um acordo que seja, no entender dele, bom para as partes, porque resolve o conflito sobre um objeto, o que se busca na mediação é, antes de qualquer coisa, identificar o conflito oculto, nem sempre transparente e na maioria das vezes obliterado aos próprios participantes da contenda. Se isso ocorre é porque se pretende resgatar a própria relação deteriorada, fator que exige tempo, cuidado, dedicação e, muitas vezes, vigilância do mediador com relação à sua própria conduta no processo de resgate da dignidade das partes que se efetiva durante a mediação”. “Quanto à finalidade, a mediação visa resolver abrangentemente o conflito entre os envolvidos. Já a conciliação contenta-se em resolver o litígio conforme as posições apresentadas pelos envolvidos.

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Vale destacar que a medição não deve ser aplicada indistintamente, a todo e qualquer caso, pois possui também seus obstáculos e limites de eficácia, devendo ser utilizada naqueles casos em que se mostrar útil. Tendo em vista sua natureza e finalidade de dissipar o conflito, dissolvendo a litigiosidade contida neste, a mediação é indicada em casos que envolvam relações continuadas, que tendem a permanecer após o procedimento, como é o caso de relações de vizinhança, escolares e, em especial, relações familiares. Contudo, não há impedimento formal para a utilização da mediação em outros tipos de conflitos, pois estes são decorrentes de relações humanas, e estas devem sempre ser preservadas. Além das questões já demonstradas, verificam-se ainda no projeto do Novo CPC os princípios informadores da conciliação e mediação, presentes no artigo 16732 e seus parágrafos; a necessidade de os Tribunais manterem cadastro de conciliadores e mediadores e das câmaras privadas de conciliação e mediação, conforme artigo 168 que trata também dos registros e credenciamentos. O § 5º deste mesmo artigo determina importante e prudente impedimento de conciliadores e mediadores atuarem como advogados nos juízos que exerçam suas funções33 e no mesmo sentido a dispo-

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Quanto ao método, o conciliador assume posição mais participativa, podendo sugerir às partes os termos em que o acordo poderia ser realizado, dialogando abertamente a este respeito, ao passo que o mediador deve abster-se de tomar qualquer iniciativa de proposição, cabendo a ele apenas assistir as partes e facilitar a sua comunicação, para favorecer a obtenção de um acordo de recíproca satisfação. Por fim, quanto aos vínculos, a conciliação é uma atividade inerente ao Poder Judiciário, sendo realizada por juiz togado, por juiz leigo ou por alguém que exerça a função específica de conciliador. Por outro lado, a mediação é atividade privada, livre de qualquer vínculo, não fazendo parte da estrutura de qualquer dos Poderes Públicos”. (PINHO, 2008b, p. 8). “Art. 167. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada”. (Relatório do Deputado Paulo Teixeira, maio 2013, p. 989. Disponível em: ) “Art. 168. Os tribunais manterão cadastro de conciliadores e mediadores e das câmaras privadas de conciliação e mediação, que conterá o registro de todos os habilitados com indicação de sua área profissional. § 1º Preenchendo os requisitos exigidos pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo tribunal, entre os quais, necessariamente, a capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada ou pelo próprio tribunal, conforme parâmetro curricular mí-

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sição do artigo 174 que determina o impedimento para assessoramento, representação ou patrocínio de qualquer das partes por conciliador ou mediador, pelo prazo de um ano, contado do término da última audiência em que atuou34. Vale destaque o disposto no artigo 17535, que determina à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a criação de câmaras

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nimo definido pelo Conselho Nacional de Justiça, o conciliador ou o mediador, com o respectivo certificado, poderá requerer sua inscrição no cadastro do tribunal. § 2º Efetivado o registro, que poderá ser precedido de concurso público, o tribunal remeterá ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciárias onde atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que seu nome passe a constar da respectiva lista, para efeito de distribuição alternada e aleatória, observado o princípio da igualdade dentro da mesma área de atuação profissional. § 3º Do credenciamento das câmaras e do cadastro de conciliadores e mediadores constarão todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como o número de causas de que participou, o sucesso ou o insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como quaisquer outros dados que o tribunal julgar relevantes. § 4º Os dados colhidos na forma do § 3º serão classificados sistematicamente pelo tribunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e fins estatísticos, bem como para o fim de avaliação da conciliação, da mediação, das câmaras privadas de conciliação e de mediação, dos conciliadores e dos mediadores. § 5º Os conciliadores e mediadores cadastrados na forma do caput, se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que exerçam suas funções. § 6º O tribunal poderá optar pela criação de um quadro próprio de conciliadores e mediadores a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, observadas as normas estabelecidas neste Capítulo.” Relatório do Deputado Paulo Teixeira – documento *9BC263E933*, maio 2013, p. 990. Disponível em: . “Art. 173. O conciliador ou o mediador fica impedido, pelo prazo de um ano, contado do término da última audiência em que atuou, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes.” Relatório do Deputado Paulo Teixeira – documento *9BC263E933*, maio 2013, p. 992. Disponível em: . “Art. 175. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como: I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública; II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública; III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.” Relatório do Deputado Paulo Teixeira – documento *9BC263E933*, maio 2013, p. 993. Disponível em:

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de mediação e conciliação destinadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, permitindo tal artigo compreender que a política pública de resolução consensual de conflitos deve ir além do Poder Judiciário, evitando, inclusive, a judicialização de algumas questões. Por fim, conforme artigo 176, a proposta não exclui “outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes”36. Assim, diante da possível regulamentação processual que está se desenhando para a mediação, além da satisfação de verificar tão importante instrumento de gerenciamento de conflitos ser reconhecido e absorvido pelo sistema judicial, resta a preocupação em relação à burocratização da mediação. Necessário que tal instituto seja tratado e considerado como mais uma possibilidade dentro do sistema multiportas de acesso à Justiça, evitando que uma possível obrigatoriedade dentro do procedimento judicial arraste a mediação para o mesmo viés da descrença e ineficiência que atualmente se encontra a conciliação. 3.2 A MEDIAÇÃO NAS QUESTÕES DE FAMÍLIA Assuntos que envolvem o Direito de Família estão diretamente relacionados à pessoa e à sua dignidade37, exigindo, assim, um pro-

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. “Art. 176. As disposições desta Seção não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes. Parágrafo único. O disposto nesta Seção aplica-se, no que couber, às Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação.” Relatório do Deputado Paulo Teixeira – documento *9BC263E933*, maio 2013, p. 993. Disponível em: . Ao tratar do tema, Rolf Madaleno (2009, p. 18) afirma que “a dignidade humana atua na órbita constitucional na condição de princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, e como princípio constitucional consagra os valores mais importantes da ordem jurídica, gozando de plena eficácia e efetividade, porque de alta hierarquia e fundamental prevalência, conciliando a segurança jurídica com a busca da justiça”.

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cedimento em conformidade com essa característica, um procedimento adequado que alcance o conflito real e permita a dissolução da litigiosidade contida neste. Nesta direção, um procedimento que respeite e promova o diálogo, devolvendo às partes envolvidas na disputa o protagonismo sobre suas decisões, está diretamente relacionado ao respeito à dignidade do homem, pois leva em consideração o indivíduo como sujeito social, dentro de suas perspectivas e peculiaridades. Neste sentido, o relatório do Deputado Paulo Teixeira sobre o projeto do Novo CPC (PL 8.046/2010), sobre as ações de família, dispõe: Também se afigura imprescindível a criação de um procedimento especial para as ações de família, que prestigie ainda mais as formas alternativas de solução de conflito e que contenha algumas especialidades procedimentais importantes para a tutela das questões de família. Destaca-se, aqui, a regra a determinar que o mandado de citação não venha acompanhado de cópia da petição inicial – cujos termos serão conhecidos pelo réu apenas se não houver acordo. Trata-se de técnica utilizada com muito êxito nos núcleos de mediação de conflitos familiares, agora generalizada. Observe-se que não há qualquer prejuízo ao contraditório, pois o réu terá oportunidade de se defender amplamente caso não realizada a conciliação.38

A busca pela eficiência, por meio das reformas padronizadas e burocratizantes, como uma medida de política judiciária, nem sempre é capaz de atender às necessidades e expectativas decorrentes de um conflito familiar, que possui natureza artesanal e peculiar, demandando tutela adequada e especializada, possuindo a mediação, em parte dos casos, as técnicas necessárias e adequadas a este tipo de conflito.

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Relatório do Deputado Paulo Teixeira – documento *9BC263E933*, maio 2013, p. 54-55. Disponível em: .

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A FENAMEF – Fédération Nationale de La Médiation Familiale39 expressa excelente e atual conceito de mediação familiar: A mediação familiar é um procedimento de construção ou de reconstrução do vínculo familiar norteado pela autonomia e responsabilidade das pessoas concernentes em situação de ruptura ou de separação na qual um terceiro imparcial, independente, qualificado e sem poder de decisão – o mediador familiar – favorece, por meio da organização de sessões confidenciais, a comunicação, a gestão de seu conflito no domínio familiar compreendido em sua diversidade e na sua evolução.40

A mediação, tendo em vista seu caráter conciliador e seu objetivo – desconstruir o conflito, permitindo a compreensão dos fatos que levaram à disputa – tem lugar especial quando o embate envolve relações continuadas, que irão subsistir após o fim da demanda, como nos casos de família. Neste sentido, afirma Humberto Dalla Pinho que [...] normalmente, ao fim de um procedimento exitoso de mediação, as partes compreendem que a manutenção do vínculo que as une é mais importante do que um problema circunstancial e, por vezes, temporário. A mediação é o método de solução de controvérsias ideal para as relações duradouras, como é o caso de cônjuges, familiares, vizinhos e colegas de trabalho, entre outros. (PINHO, 2010, p. 13)

Com isso, a mediação familiar tende a gerar resultados positivos, uma vez que possui a técnica ideal para a abordagem dos conflitos de relações continuadas, preservando os possíveis laços abalados pelo conflito, ou restaurando estes vínculos desfeitos pelo litígio. Contudo, isto não significa que as partes irão se amar ou reatar laços profundos de afeto. A reconstrução de relações proposta pela mediação familiar significa relação social de respeito e cordialidade, desprovida de rivalidade e disputa. 39 40

Disponível em: Tradução livre do conceito de mediação da FENAMEF (BARBOSA, 2010, p. 388).

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A mediação familiar possibilita, ainda, a definição dos papéis sociais, evitando que conflitos de caráter emocional sejam transformados em conflitos judiciais, quase sempre sem solução jurídica adequada. A compreensão dos próprios conflitos internos dos envolvidos, gerada pelo procedimento da mediação, permite identificar os “gatilhos” que geraram e podem gerar conflitos – influindo até mesmo como forma de prevenção destes. A manutenção da voz ativa das partes, num ambiente de liberdade comunicativa41, de diálogo e respeito, promove a construção de um consenso responsável e legitimado pelos envolvidos, de forma democrática, fazendo com que o conflito real seja dissolvido de forma eficaz. Desta forma, os conflitos familiares vão além de um simples conflito jurídico – que pode ser desfeito através da aplicação de norma cogente – e merecem uma atenção especial, pois estão diretamente relacionados ao desenvolvimento do ser, da pessoa humana, de sua personalidade e relações sociais. Com isso, o Direito sozinho não é capaz de abordar tais demandas, sendo a interdisciplinaridade essencial, através da articulação entre profissionais de diversas áreas das ciências humanas – ciências sociais, jurídicas e da saúde mental -, viabilizando a colaboração para uma melhor leitura do conflito em questão. Ao encontro desta necessidade de uma mudança no tratamento dos conflitos familiares e da premência de uma visão multifocal nesta abordagem, o projeto do Novo CPC, em seu artigo 709 dispõe sobre a atuação de uma equipe multidisciplinar em auxílio ao juiz, determinando que Art. 709. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. 41

Explica Jürgen Habermas: “eu entendo a ‘liberdade comunicativa’ como a possibilidade – pressuposta no agir que se orienta pelo entendimento – de tomar posição frente aos proferimentos de um oponente e às pretensões de validade aí levantadas, que dependem de um reconhecimento intersubjetivo. [...] Liberdade comunicativa só existe entre atores que desejam entender-se entre si sobre algo num enfoque performativo e que contam com tomadas de posição perante pretensões de validade reciprocamente levantadas” (HABERMAS, 2010, p. 155-156).

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Vale ressaltar que o juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento, suspender o processo para que as partes busquem, via mediação extrajudicial ou atendimento multidisciplinar a solução do conflito, conforme parágrafo único do artigo 709 do PL 8.046/1042. Neste ponto, o projeto não deixa claro se tal mediação extrajudicial poderá ser ofertada pelo Centro de Mediação dos próprios Tribunais ou se as partes deverão buscar uma mediação privada, sendo esta última opção mais coerente com a terminologia usada no projeto. Ademais, neste mesmo sentido, não esclarece o projeto o que se trata de “atendimento multidisciplinar”. Questionamento inevitável é de como ficará a questão jurídica diante de tais procedimentos, tanto a mediação extrajudicial quanto o atendimento multidisciplinar: haverá sentença homologatória de possível acordo? Importa destacar a determinação trazida pelo artigo 71043, que impõe a citação do réu para comparecimento à audiência de mediação e conciliação logo após o recebimento da petição inicial, antes mesmo de uma citação formal para oferecimento de contestação, possibilitando, inicialmente, a busca por uma solução consensual. Nesta situação, não há ressalva quanto à mediação extrajudicial, parecendo que em tal caso a mediação será judicial. No mesmo artigo, o § 4º determina a presença dos advogados ou defensores públicos na audiência, talvez para proporcionar às partes uma maior segurança diante desse procedimento diferenciado. Contudo, é imprescindível frisar que a presença de advogados ou defensores nas audiências de mediação e conciliação deve ser no 42

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“Art. 709. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar.” Relatório do Deputado Paulo Teixeira – documento *9BC263E933*, maio 13, p. 1.178. Disponível em: . “Art. 710. Recebida a petição inicial, e tomadas as providências referentes à tutela antecipada, se for o caso, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 709. § 1º O mandado de citação conterá apenas os dados necessários para a audiência e não deve estar acompanhado de cópia da petição inicial. § 2º A citação ocorrerá com antecedência mínima de quinze dias da data designada para a audiência. § 3º A citação será feita na pessoa do réu, preferencialmente por via postal. § 4º As partes deverão estar acompanhadas de seus advogados ou defensores públicos na audiência.” Relatório do Deputado Paulo Teixeira – documento *9BC263E933*, maio 2013, p. 1.178. Disponível em: .

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sentido de assessorar as partes e não tomar a voz por elas, uma vez que a autonomia e o empoderamento dos envolvidos são fatores essenciais, em especial, na mediação. O procedimento da mediação familiar, fora as questões demonstradas, segue a regra geral, podendo transcorrer por várias sessões e o projeto do Novo CPC não se furtou em reconhecer tal necessidade, determinando que Art. 711. A audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito.

Tal período deverá ser considerado não como tempo perdido, mas sim como um benefício gerador do consenso, demandando, ainda, paciência, interesse e comprometimento real de todos os envolvidos neste processo de restauração da comunicação. 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente estudo não se pretendeu esgotar a temática da mediação, mas avaliar, diante dos conceitos e fundamentos que permeiam o tema, como esta questão esta sendo discutida e trabalhada pelo Projeto do Novo Código de Processo Civil, PL 8.046/10. O que se buscou foi verificar como e se a mediação nesse projeto poderá atender suas finalidades, respeitando assim os próprios anseios da sociedade diante de uma reforma processual tão significativa. Foi possível observar que o projeto do Novo CPC, quando trata da mediação de forma genérica, em paralelo com a conciliação, trabalha ainda com uma lógica da eficiência da prestação jurisdicional, pois, buscando se alinhar à política pública do CNJ, traz a mediação como mais um procedimento dentro do processo judicial. No que tange às ações familiares, o reconhecimento da necessidade do aporte de uma equipe multidisciplinar no tratamento dos conflitos é de extrema importância, possibilitando uma visão multifocal e mais dinâmica da relação social decorrente dos núcleos familiares.

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Assim, diante dessa conjuntura, a mudança de mentalidade jurídica e judiciária ante os conflitos sociais tem se mostrado mais que necessária: urgente; devendo mesmo ser acompanhada de uma reforma legislativa que possibilite uma tutela adequada, dentro de uma perspectiva de garantias de direitos e de real acesso à Justiça, atendendo às expectativas da sociedade contemporânea, retomando a confiança no sistema jurídico. A cultura da sentença, que tende a solucionar pontual e autoritariante o conflito, promovendo uma noção artificial e violenta de pacificação, aos poucos, vem possibilitando espaço a uma “cultura da pacificação”44 baseada na legitimidade do resultado, construído a partir da autonomia e responsabilidades das partes. Nesta perspectiva, a mediação possui papel fundamental e tende a funcionar como instrumento de promoção do acesso à Justiça por permitir, de forma real, a tão almejada efetivação dos direitos e restauração do equilíbrio social através da desconstrução do conflito e a possível dissolução da litigiosidade. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Tânia. Mediação e conciliação: dois paradigmas distintos, duas práticas diversas. In: CASELLA, Paulo Borba; SOUZA, Luciane M. de (Coords.). Mediação de conflitos. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p.93-102. ALVIM, Arruda. Notas sobre o Projeto de Novo Código de Processo. Revista de Informação Legislativa, v. 48, n. 190, t.1, p. 35-48, abr./jun. 2011. BARBOSA, Águida Arruda. Mediação Familiar: instrumentos para a reforma do judiciário. In: EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; ALVES, Leonardo Barreto Moreira (Orgs.). Leituras Complementares de Direito Civil. Salvador: Jus Podivm, 2010. p. 385-394. BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. BRASIL. Agência Nacional de Energia Elétrica. Solução de Divergências: Mediação. Brasília: ANEEL, 2008. Disponível em: . Acesso em: 19 ago. 2011. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Disponível 44

Terminologia proposta por Kazuo Watanabe (2007, p. 10).

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CONDIÇÕES E POSSIBILIDADES DE APLICAR A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE REDUÇÃO DOS CONFLITOS LABORAIS

Theobaldo Spengler Neto

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Professor Adjunto da Universidade de Santa Cruz do Sul, Coordenador do Centro de Pesquisas Jurídicas do Curso de Direito da Unisc, subcoordenador do Projeto Acesso à Justiça, Jurisdição (In)Eficaz e Mediação: a Delimitação e a Busca de Outras Estratégias na Resolução de Conflitos. Advogado.

Resumo O sobrecarregamento do aparato jurisdicional estatal, realidade hoje vivenciada no Brasil, naturalmente faz voltarem-se as atenções a mecanismos alternativos de solução de conflitos. No campo juslaborista, a situação ganha contornos ainda mais alarmantes no momento em que a satisfação de haveres resultantes de relações de trabalho é protraída por longo período de tempo, gerando diversos transtornos ao obreiro e, consequentemente, a seu núcleo familiar. Nesse insustentável quadro, muito se discute sobre a mediação, instituto que conduz a resolução de litígios para fora da alçada do Poder Judiciário e constitui denso filtro de contendas seguramente destinadas ao aforamento. Sua extensão à matéria de competência da Justiça do Trabalho é o foco da presente análise, que a especula sob dois ângulos: no primeiro, sua aplicação às relações interindividuais de trabalho; no outro, sua extensão ao segmento juscoletivo trabalhista.

Augusto Reali Beck Acadêmico do Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – Unisc, Bolsista PUIC, referente ao Projeto Acesso à Justiça, Jurisdição (In)Eficaz e Mediação: a Delimitação e a Busca de Outras Estratégias na Resolução de Conflitos, coordenado pela Professora PósDoutora Fabiana Marion Spengler.

Sumário 1. Introdução 2. Jurisdição, crise e clamor por mudança 3. O impacto da ineficiência jurisdicional na esfera juslaborista 4. Gestão extrajudicial de conflitos, mediação e sua extensão à seara juslaborista 5. Considerações finais Referências

Palavras-chave: Mediação. Métodos alternativos de resolução de conflitos. Justiça do Trabalho. Poder Judiciário. Relações trabalhistas.

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Texto produzido em decorrência de pesquisa jurídica realizada e em decorrência dos trabalhos e debates ocorridos nas reuniões do Projeto Acesso à Justiça, Jurisdição (In)Eficaz e Mediação: a Delimitação e a Busca de Outras Estratégias na Resolução de Conflitos, coordenado pela Professora PósDoutora Fabiana Marion Spengler.

Theobaldo Spengler Neto & Augusto Reali Beck

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INTRODUÇÃO

As vias de acesso à Justiça enfrentam hodiernamente denso congestionamento em nosso país. O excessivo prolongamento do trâmite processual, o elevado custo para se litigar em juízo, a burocratização da Justiça, dentre outros fatores, ofuscam o direito constitucional de se submeter os conflitos emanantes da sociedade à apreciação do Estado no momento em que evidenciam a ineficiência da prestação jurisdicional. É este o ponto que deve ser alvo de revisão. A promoção de justiça, praticamente monopolizada pelo Poder Judiciário, carece de meios alternativos que sejam hábeis a apresentar resultados eficientes sem dar margem a iniquidades. Tal necessidade é compartilhada pelo Judiciário Trabalhista – também assoberbado por alta carga de processos – que possui, por sua vez, maior dificuldade em empregar meios compositivos que se furtem da colaboração da Justiça do Trabalho, vez que as matérias de sua alçada são, em regra, imantadas por indisponibilidade absoluta. Diante de tal quadro, o presente estudo se dispõe a apreciar a contribuição da mediação aos conflitos trabalhistas. Esta técnica autocompositiva vem apresentando resultados altamente satisfatórios no âmbito da Justiça Comum, porém ainda é vista com desconfiança quando se pretende ampliar sua aplicação no campo juslaborista, sobretudo porque não se compatibiliza com o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, preceito que informa o Direito do Trabalho em sua quase totalidade. 2

JURISDIÇÃO, CRISE E CLAMOR POR MUDANÇA

Exímio observador das relações humanas, Sigmund Freud (2011), em ensaio datado de 1927, reconhece que, desde que o homem passou a se estabelecer em grupos, a harmonia social somente pode ser mantida mediante certa medida de coerção, não obstante a impossibilidade desse mesmo homem viver em isolamento. O motivo, segundo ele, é o fato de em todos os seres humanos existirem tendências antissociais e anticulturais que, se afloradas, tendem a comprometer o convívio em grupo. Por tais atributos serem inerentes à totalidade humana, não se pode prescindir da

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coerção exercida por uma minoria sobre a massa para que se dê a perpetuação da cultura. Em Leviatã, obra de 1651, Thomas Hobbes (2003) constata, no mesmo sentido, que a conveniente e impreterível acomodação do homem em sociedade esbarra na diversidade de suas inclinações. Se as ações de cada membro do grupo forem determinadas pelo julgamento e pelos apetites individuais e estas não encontrarem uma força externa que as modere, a associação verá comprometido seu objetivo maior, a saber, a proteção da vida de maneira duradoura. Desta forma, trata-se de um dever inarredável do homem o esforço pela manutenção do grupo, mesmo que isso lhe custe uma postura substancialmente complacente. Essa potencialidade lesiva ao bem-estar social armazenada no âmago humano faz erigir a necessidade de se destituir o indivíduo do arbítrio da vontade conforme sua própria razão. A defesa privada é, pois, geradora de constante e insustentável sentimento de insegurança, vez que torna turva a justiça ao relegá-la à força física e à perspicácia dos seres em conflito. É justamente o medo e a necessidade de preservação da vida que impulsionam o homem a livremente abrir mão desse arbítrio e aceitar as limitações de sua liberdade individual impostas pelo estado civil (HOBBES, 2003). Neste momento em que medo e liberdade se correlacionam e produzem uma concessão coletiva em prol do bem maior, nasce a figura do Estado, centralizador dos conflitos sociais e instituidor da ordem jurídica. A ele, enquanto ícone fictício, é confiado o poder de coerção e o múnus exclusivo de “dizer o direito” ao caso concreto, ou apenas “jurisdicionar”. Para Hans Kelsen (1998), o estabelecimento de uma ordem jurídica caracteriza o rompimento de fato com a ultrapassada justiça privada, ao passo que determina pressupostos sob os quais a coerção, como força física, deve ser exercida, e os indivíduos que estão legitimados a exercê-la. Essa previsibilidade e necessidade de motivação para o exercício do poder coercitivo contribui para o que o jusfilósofo chama de “segurança coletiva”: “a segurança coletiva visa à paz, pois a paz é ausência do emprego da força física. Determinando os pressupostos sob os quais deve recorrer-se ao emprego da força e os indivíduos pelos quais tal emprego deve ser efetivado, instituindo um monopólio da coerção por parte da co-

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munidade, a ordem jurídica estabelece a paz nessa comunidade por ela mesma constituída” (KELSEN, 1998, p. 26). O Estado, portanto, incumbe-se de substituir as partes em dissenso e averiguar os fatos controvertidos por elas expostos, culminando sua atividade na prolação de um julgamento imparcial que finda a demanda. Teoricamente sem privilégios à força bruta ou a estratagemas, a jurisdição inspira confiança bem como pelo fato de ser revestida de previsibilidade, graças à aplicação de instrumentos expressos em ordenamento jurídico amplamente difundido no seio da sociedade. Cumpre ressaltar que a transição do modelo privado de justiça para o modelo que hoje conhecemos, concentrado no Estado, se deu de forma gradual, sendo antecedido por outras modalidades de dicção do direito, mesmo após séculos de organização humana em sociedade. Para alcançarmos tal percepção, basta visar cenários passados tais como, à guisa de exemplo, quando a justificação para a formulação do direito e sua aplicação residia na origem divina do poder; quando, na Roma Antiga, os juízes aplicavam oralmente as leis até então não positivadas, muitas vezes deformando-lhes o sentido; a jurisdição dos senhores feudais e dos barões, dentro de suas circunscrições; ou ainda, quando a atividade jurisdicional podia ser exercida por um árbitro eleito pelos contendores. Era a arbitragem facultativa, que, subsequentemente, tornou-se obrigatória, sendo que os litigantes deveriam necessariamente confiar a solução do conflito a um terceiro, desinteressado e imparcial quanto à disputa, auxiliado pela autoridade estatal para efetivar suas decisões. Fazendo-se valer do monopólio da função jurisdicional, o Estado utiliza-se do Poder Judiciário para tratar eventuais conflitos de interesses. Estes conflitos são compostos pelos órgãos do Judiciário (juízes e tribunais) com fundamento em ordens gerais e abstratas, que são ordens legais, constantes ora de corpos escritos que são as leis, ora de costumes, ou de simples normas gerais. As decisões proferidas devem ser expurgadas de quaisquer critérios particulares, privados ou próprios do julgador, salvo para realização do juízo de equidade, oportunidade em que está autorizado a apreciar situações não previstas a priori pelo legislador (SILVA, 2005). A complexidade crescente da sociedade de massa trouxe consigo uma gama maior de incitação ao conflito. Esse fator, aliado à obrigação estatal de exercer a jurisdição quando lhe exigido for e à

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cultura conflitiva do povo brasileiro, fez o número de demandas aumentar demasiadamente, sem que o Poder Judiciário, com sua atual estrutura, pudesse apreciá-las. É o fenômeno da “explosão de litigiosidade”, que, por outro lado, acaba por provocar a exploração de novas técnicas para melhor solucionar as lides, conforme observa Amauri Mascaro Nascimento (2012a, p. 38): Como os conflitos são peculiares aos seres com vida, impõese com eles conviver e encontrar os melhores meios disponíveis para a sua solução adequada. Dessa maneira, dotar a sociedade de técnicas aprimoradas para resolver conflitos é a tarefa fundamental que permite a harmonia e a paz social.

Na mesma linha, Ralf Dahrendorf já reconhecera ser o conflito elemento necessário a toda vida social. O conflito é fato social universal, vez que todas as sociedades não formam conjuntos totalmente harmônicos e equilibrados, mas também incluem diferenças entre grupos, valores inconciliáveis e expectativas. Para o sociólogo, os conflitos são indispensáveis por manterem e fomentarem a evolução das sociedades: Sempre que faltam, são suprimidos ou são resolvidos na aparência, faz-se mais lenta ou detém-se a mudança. Quando se admitem e se regulam os conflitos, mantém-se o processo evolutivo como um desenvolvimento gradual. Mas, em todo caso, esconde-se nos conflitos sociais uma excepcional energia criadora de sociedades. Exatamente porque apontam para além das situações existentes, são os conflitos um elemento vital das sociedades, como possivelmente, seja o conflito um elemento vital geral de toda vida. (DAHRENDORF, 1981, p. 82)

O que se observa, no entanto, é a aparente escassez dessa veia criadora em nossa sociedade que, mesmo diante de um panorama de ineficiência jurisdicional, tarda em dirigir as atenções a modalidades compositivas de conflitos diversas da tradicional tutela estatal2. Confortáveis na posição de meros expectadores, os litigantes 2

Ao analisar a utilização de meios alternativos de composição de conflitos de interesse em diversos países, Zoraide Amaral de Souza constatou que “a di-

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transferem seus direitos e prerrogativas ao Estado, perdendo a oportunidade de abordar seus conflitos de maneira mais autônoma e, porque não, racional. A opção pela gestão estatal “cria muros normativos que engessam a solução da lide em prol da segurança, ignorando que a reinvenção cotidiana e a abertura de novos caminhos são inerentes a um tratamento democrático” (SPENGLER, 2012, p. 234). Muitos são os fatores que atualmente depõem contra a monopolização estatal da jurisdição e contribuem no alimentar da desconfiança do cidadão para com o Poder Judiciário brasileiro. Para José Eduardo Faria (1995) há notória crise instaurada nesta instituição, a qual o autor exprime através de uma bifurcação: a crise de “eficiência” e a de “identidade”. A primeira diz respeito à crescente inefetividade e morosidade desse poder, vez que sucumbido à carga de tarefas a ele submetidas. A isso se soma o natural hiato entre a singeleza da concepção de justiça do cidadão comum e a extrema complexidade dos ritos que ele, cidadão, não consegue compreender por carecer de devida formação jurídica3. Já a crise de

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nâmica do mundo mudou, já não se encontra campo fértil em determinadas situações, para aguardar a trajetória procedimental de um processo judicial, já que a maioria dos institutos processuais não são mais condizentes com os fatos atuais, ganhando terreno, portanto, outros meios paralelos à justiça”. E prossegue, apontando que “a forma hoje utilizada na maioria dos países menos evoluídos ainda é a subjugação do indivíduo ao Estado”. No entanto, “quando estamos diante de países mais evoluídos, a constatação é de que a forma jurisdicional, partindo do Estado para solucionar conflitos de interesses, não é mais a que atende ao cidadão, ou a mais aperfeiçoada, pois longe está o tempo em que era a melhor solução para todos” (SOUZA, 2004, p. 45). Para Antônio de Pádua Ribeiro, ex-Ministro do STJ, o afastamento do cidadão economicamente desfavorecido da justiça é inconcebível e exige reação imediata do Estado que reflita principalmente na forma de jurisdicionar. “É indispensável a mudança de mentalidade e a criatividade, a fim de que novos princípios sejam aplicados na solução dos litígios. A cidadania não pode continuar a constituir privilégio de poucos. De outra parte, é preciso mudar a imagem da Justiça: não se pode admitir que seja visualizada, como tem sido pelo povo em geral, como algo privativo de iniciados. Na República democrática, todo o poder emana do povo, que o exerce por seus representantes ou diretamente, nos termos da Constituição (art. 1º, parágrafo único). Cumpre assegurar o acesso da população, especialmente da mais pobre, àquele bem, incluído dentre os mais preciosos, a Justiça. Nunca houve tanta sede e fome de justiça. É necessário satisfazê-las antes que seja tarde demais” (RIBEIRO, 1999).

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identidade aponta especialmente para o uso de instrumentos e códigos vetustos que não mais condizem com a realidade e para o despreparo técnico e doutrinário do julgador para compreender os aspectos substantivos dos pleitos a ele submetidos, razão pela qual enfrenta dificuldades para interpretar os novos conceitos dos textos legais típicos da sociedade industrial, principalmente os que estabelecem direitos coletivos, protegem os direitos difusos e concedem tratamento preferencial aos segmentos economicamente desfavorecidos. A desconexão entre o aparelho judicial e o sistema político e social evidencia o distanciamento da lei, que acaba por não corresponder à expectativa de tratamento adequado dos conflitos ao se mostrar intangível às mudanças sociais, em relação à sociedade da qual emana. A capacidade do Poder Judiciário de absorver e decidir conflitos – intimamente vinculada à sua maior ou menor sensibilidade a mudanças sociais, podendo ser equacionada a partir de dois dados fundamentais, a saber, a profundidade das mudanças projetadas pelos conflitos e a velocidade em que se processam na esfera social – tem se desvanecido, o que contribui largamente para a fragilização da instituição frente ao cidadão brasileiro (SPENGLER; BRANDÃO, 2009, p. 70). Diante desse cenário, imperioso se faz o exame de novas técnicas de apreciação dos conflitos sociais, especialmente daquelas que fomentem a concórdia e (re)estabeleçam a harmonia entre as partes divergentes na medida do possível. Posto que muitas vezes do mesmo fato concreto derivam reiterados conflitos, preferir métodos que os solucionem e não apenas os decida por imposição (em tom paliativo), é a maneira mais eficaz de conter a demanda que emperra a máquina jurisdicional estatal4. Englobando todos esses predicados, a técnica autocompositiva parece fornecer o exato combustível para reanimar a adormecida criatividade inerente ao homem quando o assunto é se reinventar perante turbulências.

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No Brasil, a estrutura jurídico-política sempre empenhada em “decidir” (de forma paliativa) conflitos sociais, e não em “eliminá-los” (com concretude), restaurando a concórdia entre os conflitantes, enseja o ajuizamento de inúmeras demandas originadas do mesmo ponto recalcitrante de divergência.

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O IMPACTO DA INEFICIÊNCIA JURISDICIONAL NA ESFERA JUSLABORISTA

Em sede trabalhista, surge uma agravante: a morosidade jurisdicional protrai a satisfação dos haveres resultantes de relações de trabalho interindividuais, indispensáveis para a subsistência do obreiro e de sua família. A preocupação recai especialmente sobre os créditos salariais, o que se torna nítido desde o primeiro momento em que observamos a larga extensão da proteção conferida pelo ordenamento jurídico brasileiro à figura do salário. Dentre os traços mais marcantes, aponta-se para o caráter alimentar5, derivado do reconhecimento de seu fundamental papel socioeconômico. O salário é, em regra, a única fonte de renda do trabalhador e de seus dependentes, devendo sempre atender às suas necessidades vitais básicas, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, conforme o texto constitucional (art. 7º, IV). Considerando que vivemos em uma sociedade tipicamente capitalista, onde o alcance profissional do indivíduo está estritamente ligado à sua trajetória educacional e a educação, por sua vez, exige cada vez mais empreendimento financeiro, evidentes as mazelas do sistema público; que o serviço público de saúde é manifestamente insuficiente, levando o cidadão a buscar planos privados; que a deficiência do transporte coletivo é gritante e os meios de locomoção alternativos são desprezados pela administração pública; e, que são altíssimos os gastos com necessidades básicas como alimentação, energia elétrica e fornecimento água, é possível imediatamente diagnosticar a inconveniência gerada pela tardança no processamento de lides trabalhistas que digam respeito a diferenças salariais, parcelas salariais devidas e não pagas6, ou mesmo in5

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“A natureza alimentar do salário é que responde por um razoável conjunto de garantias especiais que a ordem jurídica defere à parcela – impenhorabilidade, inclusive. A nova Constituição ampliou ainda mais essas garantias, ao instituir que, nos precatórios judiciais, os créditos de natureza alimentícia terão prevalência sobre os demais, formando apenas entre eles uma especial e privilegiada ordem cronológica de apresentação (art. 100, caput, CF/88)” (DELGADO, 2012, p. 733). O artigo 467 da CLT, com a alteração dada Lei 10.272/01, firma a obrigação do empregador – excluídos os entes estatais – em satisfazer as verbas resci-

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denizações (principalmente as resultantes de acidente de trabalho), por exemplo. Da mesma forma, planejamentos familiares são prejudicados no momento em que se veem atrelados a longos processos judiciais que buscam, via de regra, apenas satisfazer o reclamante nos limites daquilo que já lhe deveria ter sido pago em decorrência da prestação de sua força de trabalho. Tal reflexo fica ainda mais intenso no seio das famílias de menor renda cujo sustento provém de uma única fonte. Ademais, o trabalhador vem encontrando sérias dificuldades para se recolocar no mercado de trabalho7, fruto dos problemas que atualmente atingem em escala mundial os sistemas econômicos capitalistas. Em uma análise superficial, logo se percebe que os empregos diminuíram, outras formas de trabalho sem vínculo empregatício emergiram; as empresas passaram a produzir mais com menor esforço humano; a informática e a robótica trouxeram produtividade crescente e trabalho eficiente; e a competição internacional entre empresas as levam a um contínuo esforço de redução de custos que afeta negativamente as condições de trabalho (NASCIMENTO, 2012b, p. 92). Todos esses fatores, combinados com a debilidade dos sistemas de seguridade social de amparo aos trabalhadores inativos, tornam o obreiro mais vulnerável à demora da prestação jurisdicional, sobretudo durante o período de transição entre empregos, vez que o cidadão tradicionalmente não possui fonte de renda alternativa para assegurar sua manutenção financeira. A intempestividade na solução das demandas trabalhistas e o condicionamento do êxito muitas vezes à capacidade financeira das partes voltam a ineficiência jurisdicional contra o empregado. O arrastar das lides trabalhistas põe em xeque a utilidade da sentença

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sórias incontroversas à data do comparecimento empresarial à Justiça do Trabalho, sob pena de pagá-las acrescidas de 50%. “O trabalho cada vez mais está escasso, começa a faltar, é substituído pelas inovações da tecnologia, por um menor número de empregados. As compras feitas pela Internet dispensam a intermediação dos vendedores, a pintura dos carros na indústria é automática, os caixas eletrônicos, dos bancos, substituem os bancários, o teletrabalho evita o transporte para o local de serviços, as dispensas de empregados pelos empregadores são em massa.” (NASCIMENTO, 2012b, p. 80)

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especialmente para o obreiro, a quem a delonga do trâmite de nada interessa. Já o empregador – em geral, munido de aporte financeiro para bancar os mais competentes advogados e, dessarte, materializar os estratagemas processuais que melhor lhe convenham – visa retardar ao máximo a decisão judicial que lhe obrigue ao desembolso. Por outro lado, pode este não dispor de patrimônio para satisfazer sua obrigação ao final do processo. Nesse momento, a ineficiência jurisdicional – refletida na intempestividade do sentenciamento e no longo trâmite processual – constitui lesão ainda mais grave ao empregado. 4

GESTÃO EXTRAJUDICIAL DE CONFLITOS, MEDIAÇÃO E SUA EXTENSÃO À SEARA JUSLABORISTA

Derivados do próprio fenômeno da sociabilidade, os conflitos manam de nascente inesgotável. Pretender sua superação é tarefa impraticável, pois, enquanto se verificar o convívio em comunidade, sobrevirão querelas protagonizadas por seus membros. Dada a contínua e inevitável renovação das disputas sociais, mais importante que apontar suas origens peculiares é municiar o Estado – que outrora atraiu para si a dicção do direito – com técnicas capazes de solucioná-las de maneira eficaz e eficiente para que não atentem contra o bem-estar da comunidade. Não é o que mostra o processo judicial, usual instrumento de garantia do restabelecimento de direitos violados, que tem se transformado em obstáculo para a pacificação dos interesses em choque (SOUZA, 2004, p. 47)8. 8

“O processo tradicional – que se funda na soberania, ou poder incontrastável do Estado – impõe a solução do conflito. Ao Estado cumpre manter a paz social: é uma das funções fundamentais, uma das razões do seu aparecimento e de sua subsistência. Assim, não havendo a solução dos conflitos, que conspiram contra a tranquilidade coletiva e a segurança geral – o Estado, para garantir a paz social, dá a solução exigível e exigida. Mas impositivamente. Forçadamente. Impõem os juízes o que as parte não escolhem. Com temor de erro de julgamento [...] a própria Constituição cerca a Justiça estatal de garantias. Só se pode julgar pelo alegado e provado. E a prova deve ser lícita. Há que se obedecer aos princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa. O processo é, necessariamente, formal. As formalidades demoram, o processo se alonga no tempo, o acesso à Justiça é retardado e denegado.” (SOUZA, 2004, p. 49)

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Assim, paralelamente às formas jurisdicionais tradicionais, renascem mecanismos não jurisdicionais de tratamento de disputas, nos quais se atribui legalidade à voz de um conciliador/mediador, que auxilia os conflitantes a compor o litígio. Apesar de tirar do âmbito do Judiciário a solução de muitos problemas, esse modelo de composição dos conflitos não exclui a primazia da jurisdição estatal ao buscar maior autonomização e responsabilização do cidadão por seu próprio proceder: Existem outros mecanismos de tratamento das demandas, podendo-se citar a conciliação, a arbitragem e a mediação. Trata-se de elementos que possuem como ponto comum o fato de serem diferentes, porém não estranhos ao Judiciário, operando na busca da “face” perdida dos litigantes numa relação de cooperação pactuada e convencionada, definindo uma “justiça de proximidade e, sobretudo, uma filosofia de justiça do tipo restaurativo que envolve modelos de composição e gestão do conflito menos autoritariamente decisórios”. (SPENGLER; MORAIS, 2008, p. 75)

Aproximar a Justiça do cidadão é, pois, a primeira meta objetivada pela mediação, técnica autocompositiva que guarda certa semelhança com o processo judicial no momento em que também estabelece a presença de um terceiro entre os litigantes. Sua atuação e influência no resultado final, porém, em muito se distanciam do coercitivo desempenho do juiz (que se estende à prolação da sentença), cabendo-lhe auxiliar os participantes na resolução de uma disputa, assumindo o papel de conselheiro, facilitando-lhes a comunicação sem forçar-lhes à avença. Diferentemente da jurisdição estatal tradicional na qual o poder de gerir o conflito é delegado aos profissionais do direito, com preponderância àqueles investidos das funções jurisdicionais, na mediação, por constituir um mecanismo consensual, as próprias partes detêm esta prerrogativa, podendo escolher de forma livre e consciente. Daí a importância da escolha recair sobre um mediador qualificado, afinal, é com o auxílio deste que os envolvidos buscarão compreender as fraquezas e fortalezas de seu problema, a fim de tratar o conflito de forma satisfatória (SPENGLER; MORAIS, 2008).

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O mediador nada decide, apenas intervém para aproximar as vontades divergentes das partes. Não toma ele, pois, um posicionamento suprapartes, e sim se coloca como elo entre elas. Dessarte, sem a presença de uma figura opressora que, presentando o Estado, possui o poder-dever de impor uma solução ao conflito em apreço, a mediação tem o potencial de restaurar vínculos sociais ora abalados e incitar o exercício da cidadania, ao mesmo tempo em que assume a forma de um denso filtro de contendas inevitavelmente destinadas à judicialização. As vantagens ofertadas pela mediação possuem respaldo no campo juslaborista, também abalado pela crise da jurisdição ofertada pelo Estado – quiçá em magnitude ainda mais contundente, vistos os transtornos gerados pela insatisfação de haveres trabalhistas. Para avaliar a potencial contribuição desta técnica autocompositiva neste âmbito, necessário se faz bipartir a análise: em um ramo, sua aplicação às relações interindividuais de trabalho 9; no outro, sua extensão ao segmento juscoletivo10. No Brasil, a mediação, tanto de conflitos individuais quanto de conflitos coletivos, é realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por intermédio das suas Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (anteriormente, Delegacias Regionais do Trabalho). Em relação aos individuais, a função mediadora tem se restringido praticamente a problemas relacionados à falta de anotação e/ou retenção da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Guardando similaridade com esta função, cabe menção, outrossim, à contribuição do Auditor-Fiscal do Trabalho, que atua na orientação, prevenção e saneamento de infrações à legislação mediante a tomada de termo de compromisso de empregadores, conforme prevê a Instrução Normativa 23/01, do MTE (BRITO, 2010, p. 20). 9

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“O Direito Individual do Trabalho trata da regulação do contrato de emprego, fixando direitos, obrigações e deveres das partes. Trata, também, por exceção, de outras relações laborativas especificamente determinadas pela lei.” (DELGADO, 2012, p. 1.303) “O Direito Coletivo do Trabalho [...] regula as relações inerentes à chamada autonomia privada coletiva, isto é, relações entre organizações coletivas de empregados e empregadores e/ou entre as organizações obreiras e empregadores diretamente, a par das demais relações surgidas na dinâmica da representação e atuação coletiva dos trabalhadores” (DELGADO, 2012, p. 1.303).

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No caso dos conflitos coletivos, envolvendo sindicatos das categorias profissional e econômica, surgem as chamadas “mesas redondas”, situação em que um representante do MTE realiza a mediação de interesses entre as partes em prol da fixação de novas condições de trabalho para reger os conflitos individuais do respectivo segmento. Tal procedimento está regulamentado pela Lei 10.192/01 e pelo Decreto 1.572/95. 4.1 MEDIAÇÃO E DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO: A SOBREPOSIÇÃO DA INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS

A aplicação da mediação aos conflitos interindividuais trabalhistas não é novidade no Brasil. Em verdade, existem vários dispositivos legais prevendo-a, mesmo que indiretamente ou com denominação diversa. O mais distante no tempo, para se ter ideia, data de 1932. Trata-se do Decreto 22.132, que criou as Juntas de Conciliação e Julgamento, instituídas para dirimir litígios individuais favorecendo o entendimento entre as partes em primeiro plano. Começava a ganhar vazão a autocomposição, então realizada judicialmente. Quando se trata da mediação nas composições trabalhistas individuais, logo vem à tona contundente objeção: estaria o instituto fadado ao malogro ao colidir com o imponente princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas? Primeiramente é preciso se discutir a extensão de tal proteção. Leciona Maurício Godinho Delgado (2012, p. 196) que, apesar de aparentemente configurar um contingenciamento da liberdade obreira, “a indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se talvez no veículo principal utilizado pelo Direito do Trabalho para tentar igualizar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação socioeconômica de emprego”. Ainda assim, a indisponibilidade não incide exatamente com a mesma intensidade sobre direitos provenientes da ordem juslaborista, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho. Com efeito, estes são divididos entre direitos absolutamente indisponíveis e direitos relativamente indisponíveis. Absoluta será a indisponibilidade quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade em dado

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momento histórico. Outrossim, absolutamente indisponíveis são os direitos protegidos por norma de interesse da respectiva categoria profissional (DELGADO, 2012, p. 211). Relativa será a indisponibilidade quando o direito enfocado traduzir interesse individual ou bilateral simples, que não caracterize um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico (Ibidem). Dessa forma, no exercício de sua tarefa, deverá o mediador zelar pela manutenção dos direitos trabalhistas absolutamente indisponíveis a todo momento, posto que inegociáveis são. Sobrevindo impasse nesse sentido, a sessão se verá frustrada. Reside aqui, aliás, o principal desafio da mediação de conflitos individuais: o mediador deverá superar o receio dos envolvidos em reconhecer direitos que representem decréscimo nas suas finanças ou de sua empresa. Esse empecilho tende a ser tonificado pelo fato de a composição trabalhista normalmente suceder a extinção contratual, o que estimula o acirramento dos ânimos entre os envolvidos e pode inibir a mútua colaboração, essencial para o êxito da sessão de mediação. Por outro lado, a índole tendenciosamente protelatória do empregador quando o assunto é satisfazer créditos trabalhistas surge como obstáculo à procura pela mediação. A proposta eficiente e célere deste instituto vai claramente de encontro aos interesses empresariais. A possibilidade de interposição de inúmeros recursos que custam a ser analisados faz do processo judicial a primeira opção do detentor dos meios de produção enquanto fomenta a angústia do obreiro. A animosidade entre as partes exige que o mediador alimente um ambiente de credibilidade e bom senso, de modo a estimular a sinergia de esforços entre elas. Além disso, o amplo conhecimento das nuanças atinentes à relação entre trabalho e capital e a inteligência da proteção que o ordenamento justrabalhista confere ao obreiro são imprescindíveis ao mediador de conflitos individuais. Hodiernamente, a mediação, enquanto instrumento isolado, parece não ter grande respaldo dentro do Direito Individual do Trabalho, especialmente em virtude da falta de prática tendente ao comportamento autônomo na solução de conflitos de trabalho. Observa-se, no entanto, que sua metodologia vem em parte sendo

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empregada no cerne das Comissões de Conciliação Prévia, figuras extrajudiciais de apreciação de conflitos trabalhistas. Advento da Lei 9.958/00, as Comissões de Conciliação Prévia (arts. 625-A e ss., da Consolidação das Leis do Trabalho) são destinadas à conciliação de conflitos individuais do trabalho e compostas paritariamente por representantes dos empregados e dos empregadores, seja no âmbito empresarial ou sindical. Com caráter obrigatório, as demandas juslaborativas devem necessariamente passar pela Comissão instituída na localidade de prestação dos serviços, se houver. Trata-se de condição para ajuizar futura ação trabalhista. No intuito de compor o litígio, representantes de empregado e empregador desempenham função muito semelhante à do mediador. Os dois institutos guardam semelhança, mormente quanto aos óbices encontrados na legislação justrabalhista. Em verdade, o Direito Individual do Trabalho, caracterizado pela larga proteção ao obreiro, oferece certa restrição ao desenvolvimento de instrumentos conciliatórios que suponham a equidade dos sujeitos em conflitos, diferentemente do que se verifica no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho. De plano, fica evidente a impossibilidade de se submeter tanto à mediação quanto às Comissões de Conciliação Prévia uma série de matérias, como aquelas que envolvam a averiguação de periculosidade e insalubridade, que disponham sobre medicina, segurança do trabalho, direitos difusos ou coletivos, seja porque demandem produção técnica ou porque englobem direitos imantados por indisponibilidade absoluta. 4.2 MEDIAÇÃO E DIREITO COLETIVO DO TRABALHO: DA COMPULSORIEDADE À VOLUNTARIEDADE

No plano do Direito Coletivo do Trabalho, a mediação, sem dúvida, investe-se de papel mais importante do que o desempenhado por ela no âmbito individual. Atualmente previsto no corpo da Lei 10.192/01, o instituto perdeu seu caráter compulsório. Anteriormente, ao regular a negociação coletiva trabalhista (art. 616, §§ 1º e 2º), a CLT previa a convocação compulsória para comparecimento perante os órgãos administrativos especializados do Ministério do Trabalho de sindica-

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tos e empresas recalcitrantes, visando a dinâmica negocial a ser ali implementada. Presentes as partes, fazia-se da mediação o instrumento de ligação entre ambas, com vistas à negociação coletiva. Se ausentes estas ou malograda a mediação, facultava-se aos sujeitos coletivos interessados a instauração do dissídio coletivo (Ibidem, p. 1.466). Contudo, a compulsoriedade da mediação pelos órgãos internos do Ministério do Trabalho não foi recebida pela Constituição (art. 8º, I, in fine, CF/88). Não obstante, ainda existe a possibilidade de realização da mediação voluntária, quer seja ela escolhida pelas partes coletivas, quer seja instigada pelos órgãos especializados do referido Ministério. As exigências para credenciamento do mediador trabalhista vêm dispostas na Portaria 818/95, Ministério do Trabalho. O cargo poderá ser ocupado não apenas por agentes especializados do Ministério Público – conforme tencionava o inconstitucional artigo 4º do Decreto 1.572/95 –, mas por profissionais da vida civil, desde que comprovadamente possuam conhecimentos técnicos na área, a serem escolhidos pelos sujeitos coletivos envolvidos em negociação. 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As deficiências da prestação jurisdicional verificadas no cenário brasileiro ferem de morte os princípios sobre os quais assenta a Constituição Federal de 1988 e, evidentemente, não encontram fundamentação em dispositivos infraconstitucionais. Ainda assim, o Poder Público vem se mostrando inerte perante tal conjuntura, vez que não constitui medidas incisivas no intuito de resgatar a potencialidade do sobrecarregado Poder Judiciário. O abarrotamento deste órgão, por outro lado, é nutrido por uma prática tão comum ao brasileiro que já pode ser considerada como um traço cultural, qual seja, o hábito de ter na tutela judicial a primeira opção para resolver até o mais simples conflito. Eis a tradição a ser mudada: diante do engessamento da máquina jurisdicional estatal, urge a necessidade de o cidadão encontrar mecanismos alternativos confiáveis para solucionar as contendas supervenientes. No Judiciário Trabalhista, palco de embates desnivelados entre empregado e empregador, a conjugação de tais mazelas se soma

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às debilidades inerentes à posição do obreiro e conferem à morosidade jurisdicional impacto ainda mais acentuado. Conforme se procurou demonstrar neste trabalho, a eficiência é característica imprescindível à jurisdição quando se tutela relações de trabalho, razão pela qual o Estado, em se mostrando incapaz de provê-la, tem o dever de oportunizar caminhos alternativos que equacionem sua falta. Nesse sentido, analisou-se a mediação e seus contornos dentro da seara juslaborista. O mecanismo extrajudicial prevê maior autonomização do cidadão na solução dos conflitos em que figure como parte, motivo pelo qual tende a eliminá-los com maior concretude, evitando a eclosão de novas contendas em função de um mesmo vínculo social. É justamente esse incremento da independência do trabalhador na resolução do litígio que enseja desconfiança na extensão da mediação aos conflitos trabalhistas, mormente àqueles de alçada do Direito Individual do Trabalho. Sob este prisma, a ostensiva proteção ao obreiro conferida pelo princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas reduz consideravelmente o alcance da mediação. Afastá-lo, apesar de ser o foco de uma onda de flexibilização dos direitos trabalhistas que vem ganhando adeptos no Brasil, é inviável e representaria uma ofensa à concepção do nosso Direito do Trabalho. No plano do Direito Coletivo do Trabalho, onde a discrepância entre as partes divergentes é atenuada por garantias grupais, o respaldo da mediação é maior. Revestidas por proteções coletivas sindicais, a distribuição de poderes entre os sujeitos coletivos é nivelada, o que lhes possibilita compor conflitos com maior autonomia. Inegavelmente, o incentivo à utilização da mediação para resolução tanto de conflitos individuais quanto de coletivos representaria um desafogo ao Judiciário Trabalhista, ao mesmo tempo em que estimularia o exercício da cidadania por parte dos conflitantes. Para tanto, necessário se faz investir na capacitação do serviço de mediação e fomentar a confiança nessa técnica extrajudicial através de ações governamentais e de iniciativa da própria Justiça do Trabalho. O respeito às limitações impostas pelo princípio da indisponibilidade no campo do Direito Individual do Trabalho, no entanto, é impreterível. As lides que tenham como objeto matéria imantada por este princípio não podem ser afastadas da égide estatal.

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Theobaldo Spengler Neto & Augusto Reali Beck

REFERÊNCIAS DAHRENDORF, Ralf. Sociedade e liberdade. Tradução de Vamireh Chacon. Brasília: Universidade de Brasília, 1981. 272 p. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012. 1.488 p. FARIA, José Eduardo. O Poder Judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho de Justiça Federal, 1995. 88 p. FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Tradução de Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM, 2011. 144 p. HOBBES, Thomas Hobbes. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro et al. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 615 p. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 271 p. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012a. 1.022 p. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2012b. 1.505 p. RIBEIRO, Antônio de Pádua. As novas tendências do direito processual civil. 1999. Disponível em: . Acesso em: 15 fev. 2013. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. 925 p. SOUZA, Zoraide Amaral de. Arbitragem – conciliação – mediação nos conflitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004. 239 p. SPENGLER, Fabiana Marion. Fundamentos políticos da mediação comunitária. Ijuí: Unijuí, 2012. 272 p. SPENGLER, Fabiana Marion; BRANDÃO, Paulo de Tarso. Os (Des)Caminhos da Jurisdição. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009. 264 p. SPENGLER, Fabiana Marion; MORAIS, José Luis Bolzan de. Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição! 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. 256 p.

REFLEXIONES SOBRE LA MEDIACIÓN JUDICIAL Y LAS GARANTÍAS CONSTITUCIONALES DEL PROCESO

Humberto Dalla Bernardina de Pinho Profesor Adjunto de la UERJ y de la UNESA. Promotor de Justicia Titular - RJ

Resumen Este trabajo trata de la mediación como forma de solución alternativa de conflictos. Abordamos la mediación y sus características como instrumento de pacificación. Sin embargo, se examinan los posibles conflictos que puedan surgir con la introducción de la mediación en el proceso judicial, dadas las garantías fundamentales del proceso. Con el texto, examinamos también los conceptos procedentes del derecho extranjero y las perspectivas para el proceso civil brasileño, especialmente frente a las reglas adoptadas por el PL 8.046/10, que pretende instituir el nuevo Código de Proceso Civil. Palabras clave: Mediación. Proceso civil brasileño. Garantías constitucionales.

Sumario 1. Consideraciones iniciales 2. La mediación judicial y las garantías fundamentales del proceso 3. Consideraciones finales Bibliografía

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CONSIDERACIONES INICIALES

A lo largo de este texto1 vamos a examinar el desafío que implica la implementación del procedimiento de mediación judicial (MUÑOZ, 2009, p. 66/88). La idea es examinar la mediación como un medio alternativo en la resolución de los conflictos y la cuestión de las garantías procesales2. 1

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Texto de la conferencia pronunciada en la Universidad Carlos III, el 6 de junio de 2013, durante el Seminario “Perspectivas Internacionales en Mediación: el contexto brasileño, europeu y español”. Para profundizar en el tema de las garantías constitucionales aplicables a los medios alternativos de resolución de conflictos, sugerimos leer: COMOGLIO, Luigi

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Nosotros sabemos que la mediación puede ser realizada judicialmente o extrajudicialmente. Cuando la misma se realiza dentro de la estructura del Poder Judicial, es necesario examinar algunas cuestiones que derivan de los principios y garantías constitucionales. Por consiguiente, la jurisdicción y, más concretamente, la jurisdicción contemporánea, neoconstitucionalizada, sujeta al debido proceso legal, a la regla del proceso justo y al contradictorio participativo, impone al juez y a las partes una serie de límites y un conjunto de restricciones. El proceso, en este sentido, es entendido como un espacio de preservación de garantías constitucionales (COMOGLIO; FERRI; TARUFFO, 1998, p. 55-95) y la función del juez es de un agente de garantías y de preservación de estas garantías constitucionales (FISS, 1984). Por lo tanto, vamos en este texto a apuntar algunas situaciones que pueden resultar complejas en razón de algunas características contradictorias (PINHO 2012, p. 44-77) existentes en la mediación y en la jurisdicción (SPENGLER; SPENGLER NETO, 2010). 2

LA MEDIACIÓN JUDICIAL Y LAS GARANTÍAS FUNDAMENTALES DEL PROCESO

Empezaremos con la cuestión del juicio. Como se sabe, en el proceso judicial debe de haber una decisión. El juez no puede eximirse del deber de juzgar. Ya en la mediación no hay decisión. Existe un procedimiento en que las partes toman conciencia en un grado más profundo del origen y de la naturaleza del problema, perciben las dificultades recíprocas e intentan, a través de un mecanismo de cooperación y colaboración, evitar aquellos esfuerzos inútiles tratando de superar los problemas del modo mejor posible; y si eso no fuera posible -y es una realidad en algunos casos- buscan una forma de convivir con aquel problema intentando causar el menor grado de estrés posible a ellas. Por tanto, cuando se realiza una mediación judicializada – me refiero aquí a una mediación incidental –, es decir, ya se dio algún paso en la jurisdicción, ya fue puesta en acción, ya se realizó una petición inicial, y en el contexto del proceso el juez ofrece a las parPaolo. Mezzi Alternativi de Tutela e Garanzie Costituzionali. Revista de Processo, v. 99, p. 249-293.

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tes la posibilidad de la mediación, o una o ambas partes requieren al juez para que se les ofrezca esta posibilidad, el juez suspende el proceso y encamina a las partes a un centro de mediación. En Brasil, este centro de mediación va a funcionar en los términos de la Resolución núm. 125 del Consejo Nacional de Justicia, de diciembre de 2010 y que fue parcialmente modificada recientemente en el mes de marzo de 2013 a través de la enmienda 01 también editada por el CNJ3. Entonces se percebe que durante este procedimiento de mediación no habrá una decisión, ni tampoco se da al mediador este poder de decidir. Sin embargo, el mismo deberá enfrentarse con aquel problema que debe ser tratado (CHASE, 2007, p. 131-156). Y aquí comienzan algunas cuestiones sobre las que me gustaría arrojar un poco de luz y aclarar (PINHO; PAUMGARTTEN, 2013). En la medida que la mediación avanza en Brasil, nosotros podemos encontrarnos con algunas situaciones concretas en que estos problemas van a aparecer de manera más evidente. El mediador, en el proceso de mediación, puede encaminar a las partes para una solución de equidad y ahí tenemos un problema. Por ejemplo, pensemos que la única hipótesis de consenso que aparece al final de un procedimiento de mediación, después de haberse empleado las técnicas propias, es una solución que es aceptada por ambas partes, que es considerada razonable según el parecer del mediador que, en algunos casos, no tendrá formación jurídica, al menos en el momento en que nos encontramos hoy (Junio de 2013), dado que el nuevo Código de Proceso Civil no exige que el mediador sea abogado. En el mismo sentido, el Proyecto de Ley del Senado nº 517, de 2011, que se está tramitando en el Senado Federal, y que busca establecer conexiones entre el procedimiento de mediación y el proceso judicial, tampoco contempla que el mediador sea abogado. Entonces, podemos tener la situación de que un acuerdo de mediación ofrezca una solución que se considere razonable, interesante para las partes, considerada adecuada por el mediador, pero que sea una solución ilegal o, incluso, una solución no constitucional. 3

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução 125/10 y Emenda 01/13. http://www.cnj.jus.br.

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A partir del momento en que en el procedimiento de mediación las partes son convocadas a tener una mirada que vaya más allá del problema, ella se desprende de los elementos dogmáticos y normativos que informan el proceso judicial y puede derivar en otra pieza que no era la inicial (PINHO, 2005). No es infrecuente que en el proceso de mediación surjan otras cuestiones jurídicas y extra-jurídicas4. Hasta ahí no es un problema porque nuestro Código de Proceso Civil ya admite que se pueda llegar a un acuerdo sobre cuestiones que no constataban en la pieza inicial5. Es una forma de homenajear y privilegiar el principio de consenso en detrimento del rigorismo formal. En relación a las hipótesis a las que me estoy refiriendo aquí, son de un carácter más grave. Además de que los acuerdos de mediación traen cuestiones que no figuraban en la pieza inicial también traen una solución que no se muestra viable dentro del ordenamiento jurídico. ¿Qué sucede entonces? El juez no va a homologar ese acuerdo salvo en aquellas hipótesis en las que el juez tenga alguna autorización dada por la propia ley para decidir por equidad. Vamos a encontrar esto concretamente en el Estatuto de la Crianza y del Adolescente6 en que el juez puede optar a favor del menor y en los procedimientos especiales de jurisdicción voluntaria7. 4

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BESSO, Chiara. La Mediazione Italiana: Definizioni e Tipologie. Artigo disponível no vol. VI da Revista Eletrônica de Direito Processual. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2011. BRASIL. Código de Processo Civil. Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: [...] III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo. El texto se puede encontrar en: . BRASIL. Lei Federal 8.069/90. Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. El texto se puede encontrar en: . BRASIL. Código de Processo Civil. Art. 1.109. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna. El texto se puede encontrar en: .

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Es importante recordar también que en los Juzgados Especiales Civiles se contempla la previsión de una decisión ecuánime, que no es necesariamente una decisión por equidad. Es una decisión que busca un fin, que busca una solución más apropiada para las partes8. Entonces, la primera cuestión, el primer desafío, el primer punto sensible que, en nuestra opinión, podrá y acabará surgiendo en la mediación judicial es la hipótesis de que el acuerdo sea discutido, aprobado y firmado por las partes y, sin embargo el juez, a la hora de hacer la adecuación del contenido de aquel acuerdo al ordenamiento positivo, podrá verse imposibilitado de homologar aquel acuerdo. Y ahí habremos gastado tiempo, energía, dinero, hemos dado una falsa esperanza a las partes y el proceso tendrá que volver al inicio, con un nivel de litigio mucho más alto. Otro punto interesante y que considero que también acabará surgiendo en el día a día, es la cuestión del formalismo versus la amplia libertad de las formas. Hoy en día, y de acuerdo con la técnica que se emplea en la mediación judicial, el mediador muchas veces no es un abogado, y empieza un proceso de mediación sin tener contacto físico con los autos. Lo cierto es que el mediador se niega a revisar los autos, para que su conducción del procedimiento no se vea influida de ninguna manera por los elementos que ya constan en el proceso. Y durante el procedimiento de mediación, el mediador ya tiene una cierta libertad. Por ejemplo, él podrá realizar sesiones privadas con una de las partes, si considera que una de ellas es perfectamente consciente, tiene buena fe y está haciendo todos los esfuerzos para alcanzar un acuerdo. En cambio, con la otra parte no consiguió alcanzar estos elementos en el procedimiento. Entonces podría perfectamente suspender la mediación, nuevamente avisando y contando con la colaboración de las partes en 8

BRASIL. Lei Federal 9.099/95. Art. 6º O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. El texto se puede encontrar en: .

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ese sentido. Podría recurrir a las sesiones individuales que, en el procedimiento americano se denominan caucus9. El problema es que si el proceso judicial debe seguir rigurosamente los principios constitucionales, cualquier derivación o extensión del proceso judicial, como en el caso de la mediación, debe obedecer también a estos principios (COMOGLIO, 1998, p. 95-148). Y ahí se plantea la inevitable pregunta de ¿cómo hacer compatibles las sesiones privadas de mediación con el principio de contradictorio y de la amplia defensa? Como acabamos de mencionar hace poco, al inicio de este texto, la mediación va a demandar una actividad pro activa de las partes interesadas por lo que gana fuerza, ganan protagonismo los principios de colaboración y cooperación, principios (PINHO, 2010, p. 49-92) estos que están ausentes en el Código de 1973 pero que van a pasar a integrar la redacción del Proyecto del nuevo Código de Proceso Civil10. Conviene destacar que actualmente, en lo que se refiere al ordenamiento procesal, no se puede exigir de la parte el principio de colaboración. Se exige la buena fe. Y aquí yo me permito hacer una distinción entre los dos institutos: entiendo por buena fe la necesidad o la obligatoriedad de no practicar actos de improbidad procesal, de no practicar actos lesivos o prohibidos en el curso del proceso. A la vez que la cooperación y colaboración implican un plus. Además de la obligación de no practicar actos lesivos, implican una postura positiva, pro activa, comprometida en la búsqueda de una solución que sea favorable, y dentro de lo posible, que sea interesante para ambas partes. La mediación, necesariamente, va a presuponer un ambiente de colaboración y de cooperación (PINHO, 2011, p. 219-236). 9

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Es importante decir que la Escuela de la Universidad de Harvard no acepta el uso de las sesiones privadas. HARVARD LAW SCHOOL. Advanced Mediation Workshop. Program of Instruction for Lawyers. Textbook and class materials. Cambridge, Massachusetts, June, 2004. Projeto de Lei 8.046/10 – Projeto do novo Código de Processo Civil. Disponível em: . La última versión del proyecto se puede encontrar en nuestra página en facebok: .

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Si el mediador, en una de las primeras sesiones, percibe que una o ambas partes no están imbuidas de ese espíritu, no deberá perder más tiempo. Deberá denunciar la mediación y explicar que, en su opinión, no fue posible continuar, que según la sensibilidad del mediador no fue posible, al menos en aquel momento, alcanzar una solución consensual. Hablando de tiempo, vamos a ocuparnos de otra cuestión como es la de la duración razonable del proceso. El proceso judicial actualmente está sujeto a un control temporal muy rígido. A pesar de que el artículo 5º, inciso LXXVIII, de la Constitución Federal11 no imponga un límite temporal rígido o un parámetro matemático, el CNJ viene estableciendo sus propios parámetros, que se acaban convirtiendo en metas12. La primera meta fue la 2: todos los procesos iniciados en 2005 tenían que tener una decisión de primer grado antes de 2009. Y ahí pasamos a enfrentarnos a una situación delicada. ¿Cuándo se impone una meta y en el proceso de mediación surgen cuestiones más densas, más profundas, cómo hacemos? Yo siempre cito este ejemplo en las clases: tuvimos un caso en el Juzgado en relación a un conflicto, a una mala relación entre padre e hija, la hija ya adulta de casi unos 35 años, el padre con sus cincuenta y pocos años, y se trataba de un problema de amenazas. Durante el procedimiento de mediación se llega a conocer la información de que, veinte años atrás, la hija afirma que había sufrido una violencia sexual por parte del padre y, el padre, ante el mediador, reconoce que tuvieron un contacto sexual pero no fue forzado. Aquella información cogió a todos por sorpresa y un procedimiento de mediación que parecía simple, que parecía que se iba a resolver rápidamente con ayuda de un psicólogo y de un asistente 11

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BRASIL. Constituição Federal. Art. 5°, LXXVIII. A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Disponível em: . Más información acerca de los objetivos se puede encontrar en el sitio web del CNJ. .

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social, se mostró como un proceso infinitamente más complejo y que nuevamente iba a demandar un número mucho más elevado de sesiones de las que se habían previsto inicialmente. Entonces, hay una preocupación también por nuestra parte con relación a la aplicación de esas metas. Por un lado, no podemos excluir la utilización de la mediación en relación a la existencia de una meta y, por otro lado, no podemos aplicar esa meta a la mediación. Las cuestiones de fondo emocional, las cuestiones de naturaleza psicológica y a veces de carácter psiquiátrico que van a surgir y se van a manifestar en el proceso de mediación no pueden ser medidas, el mediador no puede limitarse a mirar el reloj y pedir a la parte que corte ya su exposición y que deje para un momento posterior su proceso de expresión emocional (PAUMGARTTEN; PINHO, 2011, p. 443-471). No se puede cortar sino que está dentro de esa meta que fue establecida. Por tanto, hay que pensar en esa cuestión de las metas. Tal vez ese proceso de mediación no debería formar parte de esa relación de procesos sujetos a una meta. E incluso porqué, y aquí llegamos a otra cuestión que precisa de una reflexión mayor en nuestro ordenamiento es la de la pervivencia de los conflictos, y esto va a suceder en conflictos de vecindad civil (comunitarios), en Juzgados Especial Civil y Penal, conflictos de naturaleza familiar, filial, en los Juzgados de familia, como conflictos que no se resuelven. Relaciones distorsionadas, violentadas que hace que el conflicto no pueda desaparecer, no puede dejar de existir. El conflicto no puede dejar de existir y las partes van a tener que buscar una forma de vivir con aquel conflicto. Porque convivir con el conflicto es el mal menor. Si una de las partes no aguanta más aquel conflicto, ella saca una arma y comete un delito de homicidio. Claramente es un mal mayor. Por ejemplo, un hijo que rompe la relación con su madre después de una pelea. Como debemos gestionar esta situación. Él simplemente rompe el vínculo con su madre? ¿Quién dice que eso no va a generar consecuencias psicológicas peores y mucho más graves para él y sus hijos? Por tanto, él va a tener que continuar esa relación, a pesar de que esa relación sea estresante y difícil.

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Por ello, no sólo hay que repensar la aplicación de las metas sino que también hay que crear la categoría de un conflicto que no se resuelve. Por tanto, existen conflictos que necesitan ser monitoreados, controlados por el poder judicial, porque hay personas que aún no tienen las condiciones de hacer frente y de resolver su conflicto de forma madura, el poder judicial tiene que continuar interviniendo. Quien tiene alguna experiencia de foro, en el primer grado, sabe que hay litigantes contumaces, hay personas que sufren trastornos emocionales y psicológicos y se alimentan del conflicto. La vida de ellas es una vida frustrada, sin objetivo y la única forma que tienen de relacionarse con las personas es provocando conflictos. De ahí que se precise que la persona continúe siendo monitoreada para que evitar que dé lugar a nuevos conflictos. Tenemos que trabajar con la posibilidad de que la persona pueda ir madurando. Puede ser que se entienda que esa no es función del Poder Judicial sino más bien de naturaleza asistencialista y dependiente del Poder Ejecutivo. Pero el Estado de alguna manera debe controlar bien sea el Estado-juez bien sea el Estado-Administración. Dejamos aquí esta cuestión pues no es momento de profundizar ahora más en ello (PINHO, 2009, p. 63-80). Otra cuestión que considero un punto muy sensible es el tema de la confidencialidad. Y es un punto sensible por diversos motivos. Como se sabe, uno de los pilares fundamentales de la mediación es el principio de la confidencialidad. El procedimiento de mediación no es de ninguna forma narrado o comentado ni al propio juez. Las personas que participan del proceso de mediación firman un compromiso de sigilo, y esta confidencialidad es necesaria para que las partes se sientan en libertad para hablar aquello que precisa ser hablado y buscar soluciones sin el temor de que lo que digan sea utilizado el día de mañana contra ellas. Entonces, por ejemplo, es aceptado en algunos ordenamientos jurídicos, que un eventual elemento de convicción que sea recibido en el proceso de mediación no puede, posteriormente, ser utilizado como elemento de prueba en un proceso judicial (ANDREWS, 2009).

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Otra cuestión que, por otro motivo, puede dar lugar a cierta controversia es la de las situaciones límites que afectan al deber de confidencialidad por parte del mediador. Imaginen, por ejemplo, que en un proceso de mediación una de las partes acaba confesando que ha cometido un delito; o bien, que en un proceso de mediación las emociones afloran y una de las partes, ciega de rabia, pierde la cabeza e inicia una agresión física con la otra, en presencia del mediador. El deber de confidencialidad del mediador, ¿se extiende a estas dos situaciones límites? Nosotros hemos sustentado y colocamos un dispositivo en este sentido cuando hemos tenido la oportunidad de formar parte de la comisión que elaboró el Anteproyecto y que después llegó al Senado como Proyecto 517/201113. Ahí tuvimos la oportunidad de registrar, en aquel momento, que el mediador tenga la obligación de dar cuenta de cualquier delito que salga a la luz, que sea narrado durante el proceso de mediación. Y el mediador debe previamente advertir a las partes de las consecuencias de esta situación, por un deber de lealtad, por un deber de transparencia. Es decir, debe decir a las partes: “miren, todo lo que suceda en esta sesión de mediación será confidencial excepto si ustedes confesaran que han cometido un delito o si llevaran a cabo un delito en presencia del mediador”. Si se produjera esta situación, el mediador debe comunicárselo al juez o a otra autoridad competente (por ejemplo el Director del Centro de Mediación). No me parece que sea razonable que se permita que un delito sea sacado a la luz, que se confiese, y que el mediador simplemente guarde silencio y no de cuenta a las autoridades competentes, ni a la autoridad policial o al Ministerio Público o a otra autoridad jurisdiccional. No podemos olvidar que el mediador judicial encaja, para bien o para mal, en la categoría de funcionario público. Y como establece el Código Penal, si se da cuenta de un crimen a un funcionario público y este funcionario público no inicia las debidas provi13

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado 517/11. Disponível em: .

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dencias, este funcionario podrá estar cometiendo un delito de prevaricación14. Esta es una cuestión que habrá que ir madurando conforme la mediación se vaya utilizando en mayor escala. Asimismo, la cuestión de la confidencialidad se muestra compleja por razón de las sesiones privadas, de los llamados caucus, a los que nos hemos referido anteriormente. Si está establecido que en el proceso judicial es esencial el principio de publicidad, ¿cómo vamos a aceptar que determinados actos no tengan un contenido público? Ahí será necesario hacer una ponderación entre los principios de confidencialidad, principio de intimidad, principio de preservación de la intimidad de la persona humana y principio de publicidad. Creo que no se puede adoptar en términos absolutos ni uno ni otro. Habrá que madurar las hipótesis en que esos principios deberán aplicarse a un caso concreto y deberán ser ponderados. Otra cuestión más que merece atención es la del contenido interdisciplinar (MORIN, 2005, p. 9-16) de la mediación. Normalmente cuando la cuestión es delicada, cuando la cuestión implica una materia de naturaleza emocional, o cuando afecta a una relación de naturaleza continuada como la que se da entre padre e hijo, entre ex marido y ex mujer y que tienen hijos, vecinos, colegas de trabajo, normalmente al tratar y examinar ese conflicto es necesario que exista un acompañamiento interdisciplinar. Un psicólogo, un asistente social, un médico e, incluso, en situaciones más graves, un psiquiatra. Ese tratamiento interdisciplinar que se va a producir en la mediación, se muestra incompatible en un primer momento con la naturaleza del proceso. El proceso es esencialmente dogmático; la solución procesal es dogmática; debe estar prevista en el ordenamiento jurídico o en el ordenamiento positivo del país. Y eso nos remite a aquella primera cuestión a la que ya hemos hecho referencia: a veces la cuestión propuesta por el mediador se muestra inviable desde el punto de vista del derecho positivo. Va14

BRASIL. Código Penal Brasileiro. D.L. 2.848/40. Prevaricação. Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. Disponível em: .

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mos a tener que acomodar esas cuestiones, esos principios, al caso concreto. Y, finalmente, el último punto – y no es que sea el último punto controvertido sino que hay otras cuestiones sensibles en las que convendría profundizar, pero en este momento nosotros estamos limitando apenas a los puntos que son más sensibles –, tenemos la cuestión de la ejecución del acuerdo al que se llega mediante la mediación. Eventualmente, aquel procedimiento de mediación puede redundar y finalizar en un acuerdo verbal. En algunos casos se percibe que las partes toman conciencia, es como si las partes pasaran por el test de la realidad, por el shock de la realidad, y toman una conciencia tan profunda de aquel problema que mudan su patrón de comportamiento radicalmente. En casos así normalmente no hay ni necesidad de solicitar una ejecución. Mientras tanto, los manuales de mediación, por regla general, determinan o sugieren que, al final del procedimiento de mediación, habiendo concluido con éxito la mediación que el mediador ha llevado a término, redacta en un acuerdo que las partes firman y también los abogados, para que se cambie en un título ejecutivo. Si el acuerdo fuera sometido a homologación del Poder Judicial será título ejecutivo judicial. Sino, será un título ejecutivo extrajudicial, tal y como establece el artículo 585 del Código de Proceso Civil15. Por tanto, en un proceso judicial, normalmente, se va trabajar con la figura de la ejecución propia, de la ejecución forzada. Sin embargo, en una mediación, si las partes estuvieran verdaderamente impregnadas de un espíritu colaborativo y cooperativo, esta ejecución forzada no va ser necesaria, se va a producir mediante la llamada implementación voluntaria, va a ser un cumplimiento voluntario de aquellas obligaciones que se fijaron y se pactaron en el acuerdo. Si al final del proceso de mediación se adopta un acuerdo y, al final, una de las partes, por algún motivo no razonable, de forma 15

BRASIL. Código de Processo Civil. Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais: [...] II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;

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injustificada se niega a cumplir este acuerdo que voluntariamente había aceptado antes, aquel procedimiento de mediación quedaría como nulo, es decir, no tenemos posibilidad de justificar aquel procedimiento de mediación a pesar de que ha habido un gasto de tiempo, un gasto de energía enorme y, sin embargo, vamos a tener que proseguir el proceso ahora ya en la fase ejecutiva, y nuevamente aquella carga de conflicto adversarial va a volver a afectar a aquellas partes. Por ello, considero que en estas hipótesis de mediación, incluso para que las partes puedan dar una señal, puedan dar una manifestación concreta de su buena voluntad, sería ideal que el cumplimiento de las obligaciones se iniciara incluso antes de la homologación por parte del juez. Y aquí hago mención a una situación que acabó recibiendo ese tipo de tratamiento en los juzgados especiales penales que es la transacción penal16. El promotor formula una propuesta de acuerdo, el reo y sus abogados aceptan y el juez en un primer momento no homologa, suspende el proceso y aguarda el cumplimiento voluntario. Si hubiera cumplimiento voluntario, ahí sí se da la homologación del acuerdo. Tal vez pudiéramos pensar en trasponer esta lógica para la mediación civil, tal vez podríamos pensar en unos mecanismos semejantes. Después de que las partes hayan firmado un acuerdo el juez antes de homologar espera el cumplimiento de esas obligaciones, salvo si fueran obligaciones de tracto sucesivo que se deben de cumplir a lo largo de meses o años; ahí no se muestra razonable. Tal vez se podría aguardar el cumplimiento de las tres primeras prestaciones como señal de buena voluntad y signo de buena fe, y ahí se podría homologar ese proceso y no sería necesario recurrir a la ejecución forzosa o coercitiva

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BRASIL. Lei 9.099/95. Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. Disponível em: .

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CONSIDERACIONES FINALES

Entonces, estas son apenas algunas de las principales cuestiones a tomar en consideración. Reitero que el objetivo de mi trabajo es un ofrecer una comparativa entre los principios constitucionales que rigen el proceso y los que rigen la mediación y el eventual conflicto que va a producirse entre esos principios cuando se produce la traslación del procedimiento de mediación para dentro del proceso, para dentro de la estructura judicial (PAUMGARTTEN; PINHO, 2012, p. 210-225). Nosotros hemos apuntado algunas hipótesis concretas que ya surgieron actualmente y algunas otras que ya se visualizan en el plano teórico y en el ámbito académico y que es una cuestión de tiempo que tengan su reflejo y se materialicen en la práctica. Sostenemos que los operadores del derecho que estén pensando en la mediación judicial, deben estar preparados para ofrecer soluciones o caminos de posibles soluciones para estas cuestiones. BIBLIOGRAFÍA ANDREWS, Neil. O Moderno Processo Civil: formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na Inglaterra. Trad. Teresa Alvim Arruda Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. BESSO, Chiara. La Mediazione Italiana: Definizioni e Tipologie. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. VI. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2011. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 8.046/10. Projeto do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: . CAPPELLETTI, Mauro. Dimensioni della Giustizia nelle società Contemporanee. Bologna: Mulino, 1994. p. 71-102. CHASE, Oscar. I Metodi Alternativi di Soluzione delle controversie e la cultura del processo: il caso degli stati uniti d´america. In: VARANO, Vicenzo. L´altra giustizia. I Metodi Alternativi di Soluzione delle Controversie nel Diritto Comparato. Milano: Giuffré, 2007. p. 131-156. COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni Sul Processo Civile. Bologna: Il Mulino, 1998. p. 55-95. COMOGLIO, Luigi Paolo. Mezzi Alternativi de Tutela e Garanzie Costituzionali. Revista de Processo, v. 99, p. 249-293. FISS, O. M. Against Settlement, 93 Yale Law Journal 1073-90, may 1984. FULLER, Lon. The forms and limits of adjudication, 92 Harvard Law Review, 353, 1978.

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POLISEMIA DELLA MEDIAZIONE: ALCUNE RIFLESSIONI Angela Condello È dottora in Filosofia del diritto presso l’università Roma III, dove lavora come assistente del Prof. Eligio Resta. Contemporaneamente è tutor presso l’Università Telematica Internazionale Uninettuno. Attualmente è visiting scholar all’istituto Max Planck Institut für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht di Heidelberg.

1. Fra la prassi e la teoria della mediazione il divario è, talvolta, immenso1. La competenza della tecnica, sotto forma di legislazione, e più in generale di imposizione di strutture sui metodi, tende al controllo monopolistico dei tempi, dei modi, dei linguaggi, in altri termini della grammatica della mediazione. Nell’intento di ristabilire il nesso fra la mediazione e la complessità che le appartiene costitutivamente, sviluppando un’analisi che riparte dal pensiero classico aprendosi anche ad una ricostruzione della semantica influente della mediazione (nella radice med-, ma anche nei concetti di ius e themis), questo intervento rappresenta anzitutto un tentativo di sottrarre idealmente la mediazione dal quadro della tecnica per restituirla alla profondità filosofica che le appartiene. Il termine ‘mediazione’ designa più concetti: la procedura (il rito), il metodo (i modi, la grammatica e in genere la tecnica della mediazione), il fine e i suoi presupposti: quello della mediazione è dunque campo di significato, una dimensione semantica che si caratterizza come spazio d’inclusione dei possibili designata e delle diverse pratiche ricomprese nel discorso sulla mediazione, che va inteso tanto come discorso sullo spazio fra

Indice 1. Inter-mediazione. Lo spazio della mediazione come spazio d’inclusione 2. Themis, dike, ius, med3. La mesotes come virtù 4. L’inclusione nella rappresentazione: misure

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Un contributo rilevante è al contrario offerto da E. Resta, in particolare in Diritto Fraterno, Roma-Bari, Laterza, 2012.

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le parti confliggenti quanto come carattere costitutivo di ogni procedura finalizzata alla mediazione, che si costituisce nella sua collocabilità in una generica medietas, per cui il medio finisce per essere tanto lo spazio fra le parti quanto l’atto dello stare in mezzo. Ogni logica della mediazione coinvolge prima di tutto meccanismi disgiuntivi e congiuntivi: è dallo svelamento di questa dinamica “alternata” (fra disgiunzione e congiunzione) che Eligio Resta ha ritenuto fondamentale riconnettere la mediazione al suo luogo d’origine, che è il conflitto, concetto che già semanticamente designa una connaturata relazionalità con l’inclusione. Nell’atto del cum-fligere, due o più parti hanno un contatto, che figurativamente costituisce la soglia in cui, come accade per qualunque limen, ha origine quella contrastività che genera le contrapposte identità, e in cui le differenze sono ricomposte proprio perché divise dalla soglia stessa, che se da una parte le distanzia dall’altra è invece il luogo in cui l’inclusività del conflitto si manifesta. Questa considerazione è il presupposto centrale da cui tutto l’intervento prende forma: se vi è un conflitto da mediare, la soluzione non può essere ricercata in un processo che riconduca il conflitto a un sistema di ricomposizione delle differenze basato sulla neutralizzazione della tensione da cui esso è generato, poiché una tale logica di esclusione smetterebbe il linguaggio bipolare e tensionale della conflittualità, per riprodurla altrimenti e in ragione di una dinamica ad essa totalmente estranea. In altri termini, l’esportazione della tensione bipolare (in cui le parti – proprio perché confliggenti – possono ancora vedere ricomposto l’equilibrio relazionale alterato dalla conflittualità) in una logica di bivalenza, in cui al contrario le identità sono alternative (se non è A, allora è B, è o l’una o l’altra e mai le due insieme), porterebbe all’annullamento dell’indistinzione che invece attraverso il contatto (del conflitto) è mantenuta. Il che, immaginando di ricercare nella mediazione una soluzione al conflitto, avviene quando alla mediazione si affidi un carattere esclusivamente replicativo della terzietà tipica del giudizio ordinario, costringendo la tensione bipolare a una logica bivalente in cui si perdono l’intersezione, il contatto e la conflittualità che sono piuttosto i presupposti della ricomposizione di un equilibrio dinamico. Da ciò derivano due principali considerazioni che a più battute saranno riprese e confermate: da una parte, la mediazione

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può riuscire se al modo con cui si tenta di realizzarla è attribuito un carattere dinamico, capace di adattarsi alla mutevolezza dei casi, mutevolezza che altrimenti ricadrebbe in una neutralizzazione forzata dovuta alla staticità di una procedura pseudo-giudiziaria; d’altra parte, sostenere la prevalenza di una modalità dinamica di approccio al conflitto, che permetta di partire da esso mantenendo la logica tensionale che gli è propria, rispondendo così all’esigenza comunicativa che dalla logica giudiziaria è annullata e trasferita ad un giudice terzo ed esterno al conflitto, significa prima di tutto convenire sulla indefinibilità della procedura della mediazione, che di volta in volta deve trovare il proprio modello, la propria traccia per governare la tensione conflittuale, in altri termini la propria misura, una misura mutevole, finalizzata alla composizione di questa lite e di nessun’altra, una misura che dunque condivide, con la lite, il medesimo spazio di comunicazione. Per queste ragioni, lo spazio della comunicazione è anzitutto uno spazio d’inclusione che trova volta per volta la propria misura all’interno dell’equilibrio dinamico che deve essere ricomposto2. Se non si restituisce la mediazione alla sua semantica originaria, ogni osservazione rimane comunque spoglia di quella dimensione discorsiva che invece le è propria. D’altra parte la profonda polisemia che vedremo essere il cardine di tutta la semantica della mediazione rende fallimentare ogni teoria che tenti di incardinare questa pratica in una logica elementare in cui la soluzione sia affidata a una formula, ciò che non coglie l’essenza 2

All’interno del conflitto, il terzo può avere diverse formalizzazioni: il conflitto tra due contendenti può essere un sistema sociale “a tre”, quando si attende un terzo che dirima il conflitto o ci si aspetta che intervenga un terzo che si sveli come nemico o come alleato; altrimenti, il conflitto può realizzarsi come sistema sociale “con terzo”, in cui si aspetta che il terzo, già formalizzato, decida sull’esito della lite. La distinzione fra sistemi a tre e sistemi con terzo riproduce la distinzione fra logica del terzo incluso e logica del terzo escluso (familiare al principio di non contraddizione): quest’ultima afferma che una proposizione P è o vera o falsa, non esistendo una terza possibilità (tertium non datur). La logica o principio del terzo escluso si trova già formulata nella Metafisica di Aristotele, dove si afferma l’impossibilità di un caso in cui due proposizioni contrarie siano vere. In realtà, però, il principio del tertium non datur è più generale del principio di non contraddizione, per il quale se una proposizione è vera, non lo è il suo contrario, fatto che a priori non esclude che entrambe possano essere non vere.

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concreta della mediazione, la quale va piuttosto ricollocata all’interno di una dialettica (e non di una logica formale), poiché soltanto nella tensione bipolare fra i due estremi di una dialettica il conflitto può essere utilizzato come luogo per la ricomposizione di una lite a partire da uno spazio comune. 2. Come si è già implicitamente anticipato, il tentativo di ricostruire una teoria della mediazione che guardi tanto al pensiero filosofico quanto alla profondità semantica che dovrebbe costituire lo sfondo di ogni promessa di concettualizzazione, deve ripartire dalle radici di alcuni temi fondamentali che riguardano anzitutto l’idea di giustizia e poi anche, in rapporto ad essa, il fine e i modi della mediazione. Il che permette di tracciare non solo un filo rosso fra i più generici concetti di themis, dike e ius, che già dal mondo classico hanno segnato un destino semantico e concettuale di giustizia e diritto caratterizzato da profonde continuità discontinue, ma consente anche di verificare il nesso logico che li tiene insieme attraverso una precisa idea di misura (intesa come misura di “moderazione” e non di “misurazione”) che ne costituisce la trama comune. Il primo fra i termini del quadro concettuale che qui si ricostruisce è il greco themis, che designa una serie variegata di concetti accomunati dalla radice vicina al sanscrito rta, all’iraniano arta (da cui il latino ars), radice che fa riferimento ad un’idea di ordine come adattamento armonico delle parti di un tutto tra loro; un ordine immaginato al di là di ogni proiezione in un contesto politico-giuridico, tanto che tale radice non fornisce ancora, in indoeuropeo, alcuna designazione giuridica: il concetto di “ordine” rimanda ancora, in epoca risalente, ad un’idea cardinale dell’universo giuridico e anche religioso, per cui “niente di quello che riguarda l’uomo, nel mondo, sfugge all’impero dell’Ordine. E’ dunque il fondamento sia religioso che morale di ogni società; senza questo principio tutto tornerebbe nel caos”3. In questi termini l’idea di ordine e quella di giustizia sono coessenziali e possono inglobare, sotto diverse varietà lessicali, aspetti religiosi, giuridici e 3

In indoiranico la radice rta da cui è derivata themis designa specialmente per quanto riguarda le stagioni, il periodo di tempo, da cui è derivata l’idea di una regolarità che dalla dimensione temporale si è estesa anche a quella logicoconcettuale. Cfr. Benveniste, Op. cit., p. 358 ss.

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tecnici dell’ordine. D’altra parte la thémis greca è di origine anzitutto divina, e soltanto questa provenienza può giustificare l’alto livello d’inclusività di questo concetto, che racchiude appunto una dimensione tanto spirituale quanto “secolare” di ordine come equilibrio delle parti in un tutto: “la thémis è appannaggio del basileus, che è di origine celeste, e il plurale thémistes indica l’insieme di quelle prescrizioni, codice ispirato dagli dei, leggi non scritte, raccolta di detti, di giudizi resi dagli oracoli, che fissano nella coscienza del giudice [...] la condotta da tenere tutte le volte che l’ordine del génos è in gioco”4. Queste leggi di origine divina (thémistes) non sono inventate, né tantomeno fissate arbitrariamente da coloro i quali devono applicarle: avendo un fondamento indipendente dall’arbitrio del singolo, il carattere di questo diritto non è neppure convenzionale nel senso moderno, poiché esso esiste prima e al di là degli uomini e delle declinazioni che assume, e deve essere interpretato di volta in volta a seconda del contesto o delle esigenze5. L’equilibrio e l’adattamento armonico delle parti di un tutto non è dato all’interno di un concetto di “ordine” fissato e convenzionalmente prestabilito, ma al contrario deve essere valutato e verificato caso per caso, proprio come nella mediazione l’equilibrio nella moderazione dovrebbe essere stabilito di volta in volta, ciò che rende la proceduralizzazione contraria alla logica della mediazione. L’ordine di thémis è un tipo di proporzione riproducibile su più dimensioni: tanto nel movimento degli astri, quanto nei rapporti fra uomini e dei e in quelli degli uomini fra loro. L’ordine, e quindi pure l’ordinamento giuridico, nasce allora anzitutto come meccanismo per l’adattamento delle parti al tutto. Se thémis indica la giustizia che si esercita all’interno di un gruppo familiare, che non segue una logica stabilita convenzionalmente ma è agita caso per caso dal capo famiglia, l’unico in grado di interpretare l’ideale divino di giustizia, il concetto di dike rappresenta un’evoluzione nel senso di una giustizia che regola i 4 5

Benveniste, Op. cit., p. 360. Infatti Nestore all’Atride dice “Tu regni su numerosi laoi; a te Zeus ha confidato lo scettro e le thémistes, perché tu diriga le loro deliberazioni”. Benveniste continua “ovunque si afferma questo rapporto tra l’ordine del génos e le sentenze divine”. Cfr. Benveniste, Op. cit., p. 361.

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rapporti tra le famiglie. Il greco dike si genera dal verbo deiknumi che significa mostrare, apparire, richiamando una dimensione della giustizia che si realizza nel riferimento a un modello6. Come si fa a “mostrare” la giustizia, per quale ragione l’idea del giusto (mezzo) è stata associata all’atto dell’indicare? Si può mostrare, in effetti, in diversi modi: con il gesto, con il rinvio a un modello o a un’immagine, con la parola: “in generale il senso è ‘mostrare verbalmente’ con la parola. Questa prima precisione è confermata da numerosi usi di dis- in indoiranico per ‘insegnare’, che significa ‘mostrare’ con la parola, non con il gesto. Inoltre, esiste in latino un composto sul quale bisognerà ritornare, in cui *deik- è unito a ius: si tratta di iu-dex, in cui *deik rappresenta un atto di parola. Se da una parte si può mostrare in diversi modi, per cui il mezzo e le modalità del riferimento possono assumere forme differenti, dall’altra parte l’oggetto del mostrare è riferito da un altro significato di *deik-: si mostra quello che deve essere, una prescrizione che interviene sotto la forma, ad esempio, di una decisione giudiziaria 7, per cui il mostrare si risolve in un atto di parola spesso pronunciato dal dikas-polos – il giudice che veglia sulle dikai per mezzo della sua saggezza e che caso per caso valuta la compatibilità della dike (in quanto “uso, modo d’essere”). Parallelo a dike, il latino ius deriva dall’avestico yaos e se considerato nella sua affinità particolare con il verbo dicere, si può definire come regola di conformità. Da Yaos deriva ius: così si sviluppano molti derivati fra cui “colui che ha l’incarico di purificare”, l’astratto concetto di “purificazione”, tutti riconducibili 6

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Per Benveniste il verbo greco va letto in relazione al dire latino: “si tratta di una radice *deik- che dà rispettivamente dis- in iranico, dico in latino, deiknumi in greco. Ma queste forme, che si corrispondono con tanta esattezza, non concordano nel loro senso, poiché il greco deiknumi significa ‘mostrare’ e il lat. dico ‘dire’. Bisognerà dunque arrivare, con l’aiuto dell’analisi, a ritrovare il senso che possa spiegare come mai dike assuma il senso di ‘giustizia’ (Op. cit., p. 363). La relazionalità fra “mostrare” e “dire” dell’indoiranico e del greco potrebbe spingere a considerare come senso primo “mostrare” rispetto a “dire”, ma ciò non implica automaticamente che la transizione da mostrare a dire sia semplice da ricostruire, né tantomeno che una volta avvenuta la transizione sia realmente possibile immaginare un significato indipendentemente dall’altro. Dimensione estetica e dimensione discorsiva si intersecano ed è possibile tanto mostrare dicendo, quanto dire mostrando.

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al senso di “rendere conforme alle prescrizioni, mettere nello stato richiesto dal culto”8. Risalendo dall’iranico e dal vedico, si può ricostruire una traccia comune che accomuna tutti i derivati di questa radice: yous rinvia a uno stato di regolarità o normalità richiesto da regole di tipo rituale, tanto che anche ius dicere indica una formula di normalità cui ci si deve attenere e che costituisce il fondamento del concetto di diritto a Roma. Così come dike nel mondo greco risponde a una regola di giustizia e non a una definizione generale e astratta del “giusto”, allo stesso modo anche ius a Roma rappresenta una formula e non un concetto astratto9. Particolarmente interessante che sia un pronunciare, e non un fare, a costituire performativamente il diritto, che si realizza anticamente anzitutto attraverso l’intermediario di un atto di parola, lo ius dicere, come dimostra d’altro canto tutta una terminologia tipica del giudiziario: iudex, iudicare, iudicium, iuris-dictio. Questo rapporto fra la decisione e la parola non deve ingannare: ciò non significa automaticamente che la giustizia sia possibile soltanto attraverso il giudiziario o, ciò che talora è stato sostenuto riguardo la mediazione, attraverso l’istituzione di un terzo che sia in grado di ricomporre un conflitto. Al contrario, la centralità della parola già nelle radici della semantica della giustizia indica che, restituendo a ius il suo pieno valore, si può risalire al di là del diritto, poiché il concetto di ius non è soltanto morale, ma prima ancora religioso poiché ha nella thémis le sue origini, per cui alla parola deve essere restituito il suo valore di strumento primario della comunicazione, dimensione senza la quale la mediazione non potrà mai, in nessun modo, essere realizzata: tant’è che ius coincide con “la nozione indoeuropea di conformità a una regola, di condizioni da soddisfare perché 8

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La medesima radice (yoh) indica anche un’espressione di augurio: ancora una volta si replica il significato di “conformità” ad una situazione auspicata o ritenuta “normale”, essendo un termine che si pronuncia quando ci si rivolge a qualcuno affinché uno stato di prosperità e d’integrità possa essergli accordato. Benveniste (Op. cit., p. 369), sottolinea che “Queste iura, come le dikai o come le thémistes, sono delle formule che enunciano una decisione di autorità; e ovunque questi termini sono presi nel loro senso stretto, ritroviamo, sia per le thémistes e le dikai sia per ius e iura, la nozione di testo fissato, di formule stabilite il cui possesso è privilegio di certi individui, di certe famiglie, di certe corporazioni”.

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l’oggetto (cosa o persona) sia accettato, perché compia il suo ufficio e abbia tutta la sua efficacia”10. Per completare questa riflessione sullo studio della semantica, è utile ripartire dalla radice indoeuropea med-, da cui derivano i termini ‘modello’ e ‘medio’, la quale in data storica mostra la capacità di designare nozioni molto diverse fra loro: ‘governare’, ‘pensare’, ‘curare’, ‘misurare’. Verosimilmente, la semantica originaria della radice med- (da cui anche ‘medio’, ‘mediare’, ‘meditare’, ‘medicare’, ‘medico’, ‘medicina’) non è facilmente riconducibile ad un comune denominatore, ma potrebbe riferirsi al concetto di “misura” intesa nel senso di “moderazione” e non nel senso si “misurazione” (da cui derivano il latino modus e modestus). Alla misura come bilanciamento fra più parti all’interno di un tutto, appartiene anche l’idea di ristabilire l’ordine, tanto in senso lato quanto fra le parti di un corpo (per cui il latino medeor, “curare”, da cui anche medicus) e nell’universo (Zeus medéon, “Zeus moderatore”). Fra gli altri uomini, quello che “conosce la medea” non è un pensatore o un filosofo, ma è uno di quei capi moderatori (hegerotes edè médontes) che sanno prendere le misure più adatte nelle diverse circostanze. La radice med- appartiene al medesimo registro di ius (il diritto) e dike (la giustizia): è una regola stabilita finalizzata a perseguire o a mantenere un ordine, che il magistrato ha la funzione di formulare (med-diss); fra la cura, il governo, e la meditazione, questa radice rimanda quindi principalmente a un’idea di misura che varia in rapporto al contesto, una misura “mobile” e mutevole, da trovare di volta in volta e a seconda delle circostanze. Tant’è vero che il latino medeor, “io giudico” (che viene da midathar, “colui che esercita l’autorità, che ha il potere e domina”), ha la stessa radice del presente meditativo meditor, e sempre medeor può significare anche “guarire” (e ha come derivato nominale medicus). Peraltro, il greco médomai significa “prendere cura di” (médimnos indica la misura, medéon il capo); tutti questi significati vanno presi in considerazione insieme, per cui med- è una dimensione d’inclusione di tutta una serie di azioni: guarire, misurare, governare, riflettere, preoccuparsi di qualcosa11. Una serie simile, ma con un grado radicale lungo (medomai) significa 10 11

Benveniste, Op. cit., 373. Cfr. Benveniste, Op. cit., 377.

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meditare, riflettere, inventare, e medea sono i progetti, i pensieri mentre mestor è il consigliere12. Pur constatando l’evidente compresenza di più significati, fra tutti i designata legati alla radice med- c’è una nozione predominante, ed è quella di misura: non nel senso di neutra misurazione, bensì di com-misurazione delle differenze, finalizzata a garantire la moderazione; per cui tutti i derivati della radice indoeuropea med-, compreso il termine ‘mediazione’, devono essere ricondotti a questa originaria dimensione di una moderazione da raggiungere attraverso la ponderazione delle identità e delle differenze all’interno di un contesto di riferimento. Ciò è peraltro confermato dal fatto che latino modus non indica propriamente una misura propria della singola cosa, ma quel meccanismo per mezzo del quale si può tentare di trovare l’equilibrio nella misura fra le parti e un tutto, dunque una misura imposta alle cose, che può essere controllata e padroneggiata attraverso la riflessione e la scelta: “in breve, non è una misura di misurazione, ma di moderazione, cioè una misura applicata a ciò che ignora la misura, una misura di limitazione e di obbligo”13. L’obbligo da imporre ritorna nel latino modus, che riguarda anche la sfera morale, come dimostra anche moderari, che significa sottomettere a misura ciò che vi sfugge. La normatività intrinseca in questo ricco campo di significati cui fa riferimento la radice medè inoltre confermata dal fatto che un’altra fondamentale attività a essa collegata sia il “prendere con autorità le misure che sono appropriate a una difficoltà attuale; riportare alla norma – con un mezzo consacrato – un problema definito”14. Prendendo le misure per risolvere o decidere una situazione, di fatto la si “governa”; non a caso, il greco *medo, nella forma del suo participio presente médon, significa “proteggere, governare”: la misura si applica anche 12

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La ponderatezza, il senso della misura e dell’equilibrio sono tutti temi affini alle radici vicine a med-: “la radice è rappresentata anche in germanico da verbi ben noti che sono giunti fino all’epoca attuale: got. mitan ‘misurare’, a.a.ted. mezzan, ted. messen, stesso senso; e con una formazione di presente derivato *meda-: got. miton, a.a.-ted- mezzon ‘riflettere, fare dei piani, cfr. ermessen. Un sostantivo testimonia dell’alternanza antica a.a.-ted maz, ted. Mass ‘misura’ [...]”, Op.cit., p. 378. p. 379. Benveniste, pp. 376 ss.

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all’arte del buon governo, che richiede evidentemente la capacità di valutare, conoscere e ponderare la complessità di situazioni in cui convergono (e talora confliggono) interessi diversi. Molto interessante è inoltre il rapporto fra l’accennata semantica del governare le differenze, e il sostantivo medea (associato a boulai, cioè i saggi), che sta a significare coloro i quali sono ben ispirati, prudenti ed equilibrati, per cui il verbo è usato anche nel senso di “premeditare, consigliare, dominare, occuparsi di qualcosa” – tutte nozioni riconducibili ad una comune nozione di autorità legittimata dalla capacità di gestire i conflitti, un’autorità che permette di attribuire a determinati soggetti la capacità di prendere decisioni sovrane. Leitmotiv di questa digressione (tanto in med-, quanto in dike, ius, e thémis) è il concetto di misura come strumento per la valutazione della conformità all’interno di un ordine; misura, dunque, che viene a descriversi come meccanismo e non come valore stabile. La misura è un approccio di metodo, tanto che correttamente Benveniste ha più volte ripetuto nel suo lavoro che non si tratta di una misura “di misurazione”, ma piuttosto di una misura “di moderazione”. Il carattere della misura come moderazione connette la grammatica della mediazione all’ana-logica, che si distingue dalla logica proprio perché incardina un tipo di discorso che si mostra sotto forme anche molto differenti, e che non può essere ridotto ad una formula d’inferenza ma deve invece essere compreso e analizzato nella sua multiforme capacità di connettere le parti in un tutto (ordinamento giuridico, linguaggio giuridico) proprio grazie alla commisurazione, e alla moderazione degli elementi di differenza e di identità. L’ana-logica è anche il luogo in cui, proprio a causa della ricomprensione della parti in un tutto, si mostra la riflessività del discorso giuridico. 3. Come definire la misura adatta al contesto di riferimento? Se non vi può essere mediazione né giustizia senza misura, quest’ultima viene dunque a costituirsi come il fondamento teorico e pratico essenziale di ogni discorso sulla mediazione. Come si è detto, la misura propria del mediare (a partire dalla radice med-). La proporzione è un’uguaglianza fra rapporti, siano essi fra parti e tutto o fra genere e specie; proporzionali sono anche le relazioni fra contenente e contenuto, singolare e universale: per cui la proporzione può ricadere tanto su un criterio numerico-

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quantitativo, quanto sulla forma o sulla ratio. L’aspetto in comune è la misurazione comparativa, o la comparazione a partire dalla commisurazione: la conseguenza di una stabilita proporzione è la compatibilità fra le differenze, che proprio in ragione della proporzione trovano uno spazio per il contatto, giustificando così l’accostamento all’interno del medesimo discorso. Ciò che è proporzionale è anche adatto (ad-aptus, proprio, conveniente, opportuno): è pro-portione, cioè in rapporto ad una parte, per cui la proporzione presuppone la dinamica parti-tutto anche nella sua semantica. L’omologia e la proporzione sono dunque legate da un aspetto comune, che è la struttura triangolare della loro logica di fondo: tanto l’uno quanto l’altro concetto sono debitori di una grammatica del medio (e della sua radice indoeuropea med-), che fa riferimento, allo stesso tempo, allo spazio fra le parti e alla capacità di stare in mezzo, per cui tanto ad un carattere quanto ad una dinamica. Ogni operazione che riguarda la mediazione, anche quella giuridica, può essere compresa fino in fondo soltanto a partire da questa consapevolezza di un’ambivalenza di fondo del concetto di medio e delle operazioni ad esso connesse. E’ stato già più volte suggerito, peraltro, che la ricostruzione dell’ampiezza semantica del “medio” conduce a svelare un legame orginario fra mediazione e giustizia15. Come giustamente rilevato da Eligio Resta, la storia del “medio” ci racconta che esso va inteso non come un modo per trovare una dimensione neutrale fra le differenze (nec utrum, ovvero “né questo, né quello”), ma come lo spazio di ricomprensione in cui “medio” è sia questo che quello, o meglio ancora questo e quello: medio è quindi il meccanismo che mette in comunicazione le differenze per trovare punti di contatto, equivalenze – ciò che, secondo procedure simili, fa d’altra parte il discorso analogico nel diritto. Il gioco è tutto nella relazionalità istituita con la congiunzione “e” (questo e quello): essa rappresenta lo spazio dell’inclusione che è la premessa tanto della spiegazione quanto della comprensione, che sono i principi intorno ai quali la morale contemporanea (in special modo in Agnes Heller e in John Rawls) ha ricostruito la teoria di una vita giusta come una vita fondata sull’equilibrio ricomprensivo degli eccessi. Prima di passare ad alcune riflessioni sulla declinazione dell’idea di “medio” 15

E. Resta, Il diritto fraterno, Roma-Bari, Laterza (2005).

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nella morale, e in particolare sulla mesotes aristotelica, alcune precisazioni sul medio sono necessarie. Non è un caso che filosoficamente il medio sia stato discusso tanto in logica quanto in etica, a partire anzitutto dal concetto aristotelico di “mesotes”: nell’Etica Nicomachea il filosofo di Stagira introduce la dottrina del giusto mezzo, che corrisponde all’unica via per comprendere la natura autentica della giustizia; il giusto sta in rapporto di specie a genere con la proporzione – quest’ultima corrisponde all’uguaglianza fra rapporti e coinvolge quantomeno quattro termini: la ratio fra una coppia di termini è uguale alla ratio fra un’altra coppia di termini. Il giusto a sua volta coinvolge la proporzione, e l’ingiusto è ciò che viola la proporzione. Non esiste un’idea assoluta di giustizia, ma si può contribuire a realizzarla attraverso la dottrina del giusto mezzo, e in particolare grazie alla virtù detta mesotes, per la quale sono centrali il ruolo della misura e il concetto, appunto, di “medio”. La mesotes è una virtù che interessa certamente la dimensione etica (come è vero per tutte le virtù), ma essa coinvolge anche per certi aspetti la metafisica, poiché per stabilire cosa sia giusto o ingiusto in un contesto bisogna anche conoscere gli attributi degli elementi coinvolti nel contesto, per stabilire cosa essi siano16. Nella prospettiva aristotelica, l’eccellenza umana nel comportamento sta nella mesotes: questa non è una via di mezzo calcolata aritmeticamente fra due estremi (un eccesso e un difetto), ma la si può trovare soltanto considerando il soggetto o i soggetti coinvolti in rapporto al contesto, per cui il giusto mezzo si ridefinisce volta per volta secondo un criterio differente perché riguarda criteri differenti. Gli esempi riportati da Aristotele rimandano alla dimensione morale, per cui la virtù è il mezzo fra due estremi, l’eccesso e l’insufficienza, e spesso si tratta di verificare la possibilità di un equilibrio fra eccessi che sono fondamentalmente dei vizi, essendo l’obiettivo di Aristotele quello di stabilire un discorso sulle regole della morale. La mesotes è allora anzitutto una via per trovare il giusto mezzo in situazioni anche molto differenti: non potendosi dire cosa sia precisamente, si deve almeno dire come lo si possa raggiungere. Si può quindi affermare che il medio è una questione di conformità alla procedura che serve per raggiungerlo, un problema di 16

Aristotele, Etica Nicomachea, Milano, Bompiani (2000).

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“formulazione” e non di “fondazione”: il concetto di giustizia non è determinabile in assoluto, per cui il medio è prima di tutto una questione legata a come reggiungere il bene. Il punto è che nella dottrina di Platone il bene è qualcosa di trascendentale, mentre per Aristotele questo non basta più: ci sono molte possibili definizioni tutte ugualmente riconducibili al concetto di “bene”: questo non è un elemento comune che risponde ad una sola idea o a un solo criterio. Il bene è allora una procedura da costruire intorno all’idea di “giusto mezzo”, ovvero seguendo la formula della mesotes secondo cui il bene e la virtù sono il risultato della misura intermedia fra due dimensioni di immoralità. Fra due estremità, qui si collocano il bene e la virtù: non sono un cosa, ma un come – il medio fra gli estremi, fra gli eccessi, fra il “troppo” e il “troppo poco”. Per queste ragioni la mesotes, essendo un metodo e non un valore prestabilito, si applica a più discorsi: è un concetto vago, il cui contenuto varia a seconda del contesto, degli elementi coinvolti, degli interessi e del complessivo quadro di riferimento17. Medio è anche ciò che si mostra proprio, o più appropriato: l’esempio che riporta Aristotele è quello della virtù del coraggio, eccellenza che si pone tra un eccesso e un difetto, fra la viltà e la temerarietà: la viltà non è coraggio, perché è in difetto rispetto all’agire coraggioso, mentre la temerarietà non è virtuosa perché è agire eccessivo rispetto all’agire coraggioso. Quest’ultimo corrisponde allora alla mesotes fra la viltà e la temerarietà; non si tratta di una media aritmetica fra eccesso e difetto, ma di un equilibrio da valutare considerando i soggetti coinvolti, la situazione in cui si trovano ad agire; il giusto mezzo è un equilibrio specifico, dinamico, inserito nell’azione. La mesotes è un tipo di abito, o di disposizione (hexis, in greco) da agire in situazioni concrete: è una forma di misura interiore (morale) ma anche esteriore, una proporzione da comprendere ma anche da agire. Nella filosofia aristotelica, il bene corrisponde alla 17

Ha rilevato Hans Kelsen a proposito: “This legitimation is achieved, it is true, by showing that these requirements of positive morality and positive law correspond to the Mesotes formula, as to a principle defining the nature of the good and of virtue, a principle, however, which is, in reality, so vague that it may be applied to any social order whatsoever”; così in The philosophy of Aristotle and the Hellenic-Macedonian Policy, in The International Journal of Ethics, Vol. XLVIII, n.1 (1937), p. 11.

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felicità massima, la quale a sua volta può derivare soltanto da un’attività dell’anima; posta la distinzione fra le virtù, che sono intellettuali o morali, va precisato che le virtù intellettuali risultano dall’insegnamento, mentre quelle morali risultano dall’abitudine – la mesotes è in questo senso da intendere come hexis, come approccio metodologico da applicare al pluriversum delle situazioni di fronte alle quali ci pone la realtà, e come abbiamo visto lo stesso vale anche per la realtà giuridica. Il coraggio è allora il medio fra la codardia e la sconsideratezza, la liberalità quello fra la prodigalità e l’avarizia, l’orgoglio fra la vanità e l’umiltà, l’ingegno fra l’esser buffone e l’esser rozzo, la modestia fra la timidezza e l’impudenza. La giustizia quindi riguarda la giusta proporzione: il meccanismo, il modo per, e non una valutazione assoluta, che solo talvolta corrisponde all’uguaglianza fra due elementi18, poiché la proporzione riguarda i rapporti e non la quantità (proprio come l’analogia, d’altronde). E’ nella giustizia, per mezzo di virtù (da agire, appunto nel senso di “hexis”) che insieme viene compresa ogni virtù, e soltanto attraverso questo meccanismo di ricomprensione può realizzarsi la saggezza pratica (fronesis, tema che sarà ripreso anche più avanti) in maniera perfetta: essa è una virtù sommamente perfetta perchè chi la possiede se ne può servire anche nei riguardi di un altro e non solo di se stesso, e soprattutto può farlo in situazioni anche molto diverse. La giustizia è la sola delle virtù che sembra essere un bene altrui, in quanto riguarda gli altri: essa infatti compie ciò che è utile ad altri. E’ dunque l’uomo peggiore colui che diventa reo verso se stesso e verso gli amici, mentre il migliore non è chi fa uso della virtù riguardo a se stesso, bensì che ne fa uso verso gli altri. La giustizia, integrando la mesotes sul piano metodologico, non è una virtù parziale, ma una virtù completa, e l’ingiustizia che le si oppone non è un vizio parziale, ma è vizio completo19. Come si è anticipato, il medio nel mondo antico è stato mesotes prima di essere “mezzo” inteso come strumento per raggiungere un fine: esso era allora sia lo spazio che la virtù, la modalità, per comprendere due eccessi. Lo spazio del medio è dunque, anche nel quadro dell’agire pratico, uno spazio di 18 19

Aristotele, Op.cit., 1131b. Aristotele, Op.cit., 1129b-1130a 10.

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condivisione e appartenenza comune, e non è mai, al contrario, spazio della sottrazione. Lo conferma la logica della mediazione che nel diritto ha subito slittamenti semantici ed è spesso stata erroneamente identificata con una logica della terzietà, a causa di una inconsapevolezza di fondo rispetto alla vera natura dell’atto del mediare, che è invece soprattutto inclusione delle differenze in un luogo comune e in una logica della ricomprensione. Un mediatore che si confonde con un giudice smette di essere mediatore e assume una posizione estranea, incapace di identificare il litigio con l’elemento comune fra le parti, che proprio nella dimensione conflittuale possono e devono incontrarsi, poiché lì soltanto esse hanno un contatto. 4. Come dovrebbe fare una grammatica della mediazione, il pensiero analogico (e ad esso vanno associati sia il pensiero “omologico”, sia la logica del medio e dunque anche quella rimediale) permette di declinare in modo diverso le opposizioni binarie che definiscono la logica occidentale moderna, che sono null’altro se non logiche in cui il terzo non è dato, in cui se non è a, allora deve essere b. L’ana-logica agisce trasformando le opposizioni dicotomiche e binarie, che sono generalmente rigide e contradditorie, in opposizioni dipolari, tensionali e contrarie20. Le strategie dell’analogica intervengono nelle dicotomie della logica binaria non per comporle in un terzo che vale da sintesi fra una tesi e un’antitesi, bensì per trasformarle in campi di polarità, per cui l’idea del terzo (più che essere incluso) è quella delle logiche con terzo: “esso si attesta qui soltanto attraverso la deidentificazione e la neutralizzazione” degli elementi che partecipano al discorso, “che diventano ora i poli di un campo di tensioni vettoriali. Il terzo è questo campo, e nient’altro. Se si cerca di afferrarlo sezionando il campo e isolando in esso un punto (o un insieme di punti), ciò che si ottiene è soltanto una zona di indifferenza o di indecidibilità fra i due poli”21. Per questo ogni processo di mediazione, che di fatto si ritrova anche nelle forme dell’interpretazione analogica nel diritto, si colloca fra le alternative, potendosi mediare soltanto all’interno di una dinamica con terzo e non invece nel quadro di un 20 21

G. Agamben, Archeologia di un’archeologia, Introduzione a E. Melandri (Quodlibet, 2004), p. XVI ss. Cfr. G. Agamben, ibidem, (2004), p. XVII.

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meccanismo in cui il terzo significa l’estraneità alle parti diverse o confliggenti. Precisare ulteriormente alcuni aspetti dell’idea di terzo si rende a questo punto rilevante per comprendere a fondo alcune delle affermazioni finora svolte, ma anche e soprattutto per stabilire continuità con quanto si dirà più avanti in questo lavoro. Il principio del terzo escluso – anche noto come principio di non contraddizione – afferma che una proposizione è o vera o falsa, e non esiste una terza possibilità (tertium non datur); questo principio si trova già formulato nella Metafisica di Aristotele e implica appunto che se una proposizione è vera, non lo è il suo contrario. Al principio del terzo escluso corrispondono il principio di contraddizione, il concetto di identità elementare, l’estensionalità, la discretezza, e la finitezza; al principio del terzo incluso e ancor di più alle logiche con terzo corrispondono il principio di contrarietà, l’identità funzionale, l’intensionalità, la continuità e l’infinità. La logica del medio, che è ana-logica, corrisponde ad una logica del campo in cui le differenze sono messe in relazione da meccanismi vettoriali e si definiscono reciprocamente. Il terzo allora deve essere inteso come medio analogico e non come spazio esterno in cui avviene una ricomprensione neutra delle differenze, essendo il terzo il luogo per eccellenza dell’inclusione e non dell’esclusione. Poste queste premesse, fatte le dovute precisazioni, è a questo punto necessario fare ancora alcune brevi precisazioni sui concetti di simmetria e proporzione, che proprio nella medietas vedono corrispondere un loro aspetto comune, il che giustifica anche la frequenza con cui i due temi vengono confusi. La simmetria è un problema già noto ai pitagorici, il che è confermato dall’elaborazione del principio cosmogenetico di simmetria da parte di Archita, principio secondo cui l’origine di ogni elemento che costituisce l’universo rispetta sempre un criterio generale di simmetria, da intendersi prima di tutto come comunanza di un metro uniforme. D’altro canto sempre Archita nell’Harmonicus intende come “geometrikà analogìa” ciò che attualmente viene inteso con l’espressione “media proporizionale”: siano dati due estremi a e b – la media proporzionale (o geometrikà analogìa) si ottiene in base alla equazione a/x=x/b (più precisamente, si ottiene

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con la radice quadrata del loro prodotto). Archita distingueva altre due medie: quella “aritmetica” (che forse è quella che più di tutte si avvicina al concetto di media come equità nella “decisione” nel senso in cui viene descritta nel diritto) e quella “armonica”. Fra questi tipi diversi di media proporzionale, nel mondo antico la proporzione fondamentale è quella geometrica, poichè essa è media proporzionale tra la armonica e la aritmetica (media armonica e media aritmetica sono due estremi di cui la media proporzionale è media geometrica). Nel calcolo, la simmetria corrisponde alla media aritmetica. Essa si calcola infatti a partire da una equazione di due diastémata, quando occorre stabilire una simmetria fra un méson e due horoi (ad esempio, fra 6 e 4 i diastémata sono rispettivamente, rispetto alla somma, 6 e 4, e la media aritmetica 5; 5 è anche la mesotes di 6+4 e il méson fra 4 e 6; mentre i due horoi, facendo perno sul 5, sono 0 e 10). Resta da precisare che nella media aritmetica la vera differenza rimane sempre e soltanto quantitativa, per cui essa deve essere intesa più che altro come premessa per la spiegazione di un concetto di “media”, e ancor più di “medio” che si è esteso ben oltre la mera dimensione della quantità. La proporzione aritmetica si distingue da quella geometrica poiché in quest’ultima si verifica l’identità fra rapporti e non fra valori numerici: l’equazione di due logoi non annulla la schésis (relazione), e il risultato in questo caso è una analogia in senso proprio, ovvero un’eguaglianza di rapporti; qui alla differenza quantitativa, intesa come rapporto, si aggiunge anche quella qualitativa per cui l’equazione non è mai identità. E proprio per indicare che l’equazione di rapporti non è puramente quantitiva, la schésis nella proporzione geometrica si specifica come logos che tiene insieme le parti in un ordine all’interno del quale sono stabiliti criteri, distinzioni e spazi di comparazione, confronto e commisurazione. In conclusione, la misura che costituisce il filo rosso di tutta la semantica influente della giustizia e della mediazione, come si è visto attraverso la riflessione sulle radici, rappresenta il carattere principale che deve essere messo in rilievo volendo restituire la mediazione alla profondità filosofica che le appartiene originariamente. Una misura che, come si è detto, costituisce una forma di

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normatività che viene agita attraverso l’obiettivo della moderazione come ponderazione di identità e differenze all’interno di una comunità di confliggenti. Misura che, per questo, è intrinsecamente legata alla normatività giuridica nel suo contribuire alla gestione della realtà attraverso modelli (le norme giuridiche)22. Un modello (l’uno ricomprensivo dei molti, per cui è, come tutti i referenti del campo analogico, medio per eccellenza) vale per tutte le cose alle quali si applica, che sono potenzialmente infinite: alla stessa maniera la correlazione fra l’idea di “uomo” e gli uomini che popolano la realtà è riproducibile nei termini uno-molti, dal momento che ogni cosa in concreto ha la capacità di esemplificare tutte le idee delle quali partecipa. Trovare l’uno al di là delle sue individuazioni corrisponde all’operazione giuridica per cui di fronte ad una fattispecie si tenta di risalire ad un concetto generale ed astratto al fine di verificare, ad esempio, se due elementi del discorso siano riconducibili ad un’unica ratio che li ricomprenda (come ad esempio un’automobile o un velivolo potrebbero essere ricompresi nell’idea di “mezzo di trasporto”). La relazione fra l’uno e i molti è biunivoca: l’ana-logica integra infatti forme di rappresentazione dei molti nell’uno e dell’uno nei molti, e più ancora che integrarle in verità ne conosce le istanze e su di esse si basa. Il che è d’altra parte comprensibile se si considera che le idee sono infinite (non solo potenzialmente): secondo una diffusa teoria metafisica, infatti, i qualia pur non essendo infiniti innescano reazioni che procedono all’infinito: ne basta uno, poi col suo complemento da un quale (un’essenza) se ne formano due, e con ciò si duplica questa dinamica all’infinito. L’apertura delle possibilità, che è un carattere proprio della realtà, complessifica, da un lato, il rapporto fra uno e molti; dall’altro però spiega la ragione per cui in sistemi discorsivi come il diritto la logica non sia sufficiente a dominare questa ampia gamma di dimensioni possibili. E’ qui che ad essa viene in soccorso l’ana-logica, che lavora proprio attraverso dispositivi che coniugano l’universale e il particolare.

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Anche il termine ‘modello’, che richiama la semantica della normatività giuridica, proviene dalla radice med-.

LA PERSPECTIVA

Vivian Gama Fundadora e diretora da plataforma Mediação Brasil. Pesquisadora, formadora e consultora em gestão de conflitos e mediação, no ambiente público e privado, na Europa e no Brasil. Fundadora e coordenadora do Núcleo de Mediação de Conflitos da Faculdade de Direito do Ibmec (Rio de Janeiro). Coordenadora da obra, Mediação, uma nova perspectiva de Justiça, coleção de artigos científicos com colaborações de autores e instituições de 12 países (Brasil, Dinamarca, Inglaterra, Suíça, Alemanha, Bélgica, Itália, França, Portugal, Espanha e Argentina – no prelo). Mestrado em Gestão de Conflitos e Mediação pela Universidade de Barcelona. Pós Graduação em Direito pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Graduação em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Formação em facilitação de grupos e diálogos pelo ICA - Londres. Formação em Coaching pelo Instituto Europeu de Coaching Estrutural. Formação em Programação Neurolinguística pelo Instituto PNL - Barcelona. Palestrante, coordenadora e docente em programas de formação no Brasil e na Europa. Professora da Faculdade de Relações Internacionais do Ibmec (Rio de Janeiro). Professora da Graduação e da Pós Graduação em Direito da Faculdade Ibmec (Rio de Janeiro).

COMUNICACIONAL DE LA MEDIACIÓN

Sumario 1. Consideraciones iniciales 2. reflexiones y algunos resultados de la investigación propuesta Bibliografía

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CONSIDERACIONES INICIALES

La mediación es vista en la contemporaneidad como una de las formas más prometedoras de resolución no confrontativa y no adversarial de gestión y resolución de conflictos. Apoyada en la autocomposición y en la horizontalidad, su mecanismo metodológico actúa en la posibilidad de mejorar las habilidades comunicativas y socio-afectivas de los involucrados para expresión y manejo de la experiencia conflictiva. El proceso de mediación se plasma predominantemente en la comunicación oral, la cual representa no solamente el medio de intervención del profesional mediador sino también la forma propia de interacción entre la partes para la construcción de soluciones consensuadas.

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El mediador actúa a través del balizamiento de las interacciones discursivas de las partes, generando por medio de técnicas propias y dentro de un proceso circular, patrones comunicacionales más cualitativos y eficaces para el tratamiento de la cuestión que trae las personas a la mediación. Su labor pasa por (en este medio comunicacional), ayudar a las partes a reformular una disputa contenciosa como un problema mutuo facilitando la resolución de problemas mediante la cooperación en lugar del enfrentamiento. De igual manera, es también a través de intervenciones comunicacionales técnicas que el mediador pugna por la restauración de la capacidad de la escucha y por la evocación en los individuos de un mayor grado de empatía con respecto a la situación de terceros. Como consecuencia, muchas veces se percibe un fortalecimiento de la capacidad intrínseca de las partes en reconocer y legitimar el espacio vivencial del otro. En términos generales, son las intervenciones y interactuaciones pasadas en el ambiente comunicacional las promotoras de un corriente crecimiento cognitivo de los participantes, por medio de la adquisición de nuevas aptitudes para el dialogo y para la gestión de conflictos que puedan ocasionalmente enfrentar en el futuro. Sin embargo, los potentes cambios comunicacionales producidos en la mediación no son generados por una acción improvisada o puramente apaciguadora del mediador, sino por bases interventoras específicas, constituidas por herramientas técnicas definidas (o en construcción por la ciencia de la mediación). Este hecho implica en la necesidad de creación de modelos de formación de mediadores pautados en una matriz metodológica que pueda garantizar una práctica profesional eficiente y bien orientada, con una definición precisa del conjunto de herramientas comunicacionales de las cuales dispone el profesional para materializar y viabilizar el cambio de mirada de las partes hacia el conflicto, hacia el otro y hacia ellos mismos. Aun así, en la literatura especializada comúnmente estas herramientas se presentan de forma esparza o poco sistematizada. Los manuales de mediación tienden a centrarse demasiadamente en la estructura del proceso, sus fases y características, pero insuficiente atención fue destinada hasta hoy a la especificidad de las distintas teorías de la comunicación en la mediación y la fecunda

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posibilidad de creación de un modelo metodológico que pueda explicar y orientar la conducta del mediador en estas bases, considerando adicionalmente nuevas posibilidades de intervención interdisciplinares. Con base en esta problemática, la plataforma Mediação Brasil1 realizó en los años 2011 y 2012 una investigación científica, con la propuesta de sistematizar las técnicas comunicacionales asociadas a la mediación de conflictos, para la construcción de una unidad teórica y metodológica que pudiera explicar y orientar la conducta del mediador en el manejo de la comunicación a lo largo del proceso de mediación. Particularmente, la propuesta consistió en la producción de conocimiento acerca del proceso de comunicación en la construcción y desconstrucción de conflictos, para la formación de una metodología capaz de ofrecer bases consistentes para la intervención comunicacional técnica del mediador en la situación conflictiva, el que llamamos, tecnología del dialogo. Además, como diferencial particular de este trabajo, Mediação Brasil partió de la premisa de que la mediación, en cuanto técnica, así como fue concebida en bases multidisciplinares, tendería en su desarrollo científico a seguir atrayendo nuevas fuentes interdisciplinares para su propio refinamiento progresivo. En esto sentido – considerando la mediación como una ciencia teóricamente en crecimiento y expansión –, para la construcción de un sistema estructurado de herramientas comunicacionales, se ha propuesto la reunión, interfase y reinterpretación también de nuevos encuadres conceptuales como, por ejemplo, los propios del área del Coaching y de la Programación Neuro-linguística. 1

Mediação Brasil es una plataforma de fomento y producción de conocimiento sobre la mediación. La investigación en referencia fue conducida por la Profesora Vivian Gama, Directora de Mediação Brasil, en Europa, en 2011 y 2012. El trabajo resultó en un curso de formación ministrado por la Profesora en el Centro de Estudios Jurídicos de la Generalitat de Catalunya para los mediadores de la Fiscalía de Catalunya, en 2013. Parte del trabajo también ha sido presentado como conferencia en el Fórum Mundial de Mediación de 2012 y está disponible en video, en el web site www.mediacaobrasil.com. Igualmente los resultados de la investigación han sido incorporados en la formación “Gestión Positiva de Conflictos”, ministrada semestralmente por la Profesora en Barcelona, Madrid y Rio de Janeiro.

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REFLEXIONES Y ALGUNOS RESULTADOS DE LA INVESTIGACIÓN PROPUESTA

La propuesta científica en referencia partió de la consideración de que la comunicación es la condición de creación y desarrollo del fenómeno conflictivo. Como señala Folger (1992), el conflicto es una realidad socialmente creada y manejada comunicacionalmente, que emerge en un contexto dinámico que afecta al significado y la conducta y, a su vez, es afectado por esta realidad. En esta línea, al entender que el conflicto es una creación comunicacional, se sustentó que también su desconstrucción podría serlo. Es decir, si la realidad conflictiva es construida por pautas comunicacionales en desequilibrio, la mediación – proceso oral en el cual el mediador tiene como labor fundamentalmente el balizamiento de las interacciones discursivas de las partes – puede en muchos casos recomponer el flujo comunicacional para favorecer el entendimiento recíproco, la viabilización de cambios relacionales y la co-creación de nuevas realidades materiales. La investigación ha sido, así, estructurada en tres etapas. Primeramente, fueron presentadas distintas reflexiones teóricas acerca del fenómeno lingüístico en una retrospectiva histórica que destacó las contribuciones de Friedrich Nietzsche en la época moderna y Paul Watazlawick y Rafael Echevería en la época contemporánea. Friedrich Nietzsche (1844-1900) afirmaba que el lenguaje no es producto de la conciencia, (ni individual ni colectiva), sino es el instinto más profundo del hombre (BEUCHOT, 2005). El filósofo suponía que el pensamiento consciente solo es posible por el lenguaje y ya el siglo XIX afirmaba que las palabras no nos dan directamente la realidad (BEUCHOT, 2005)2. 2

El insistía en una naturaleza metafórica y poética del lenguaje y, en esta perspectiva, ofrecía los imágenes de Apolo y Dionisio para ilustrar su concepción. Como señala Mauricio Beuchot: Apolo, lo perfecto, lo acabado en las formas, la claridad, la medida. Y Dionisio, la fuerza indefinible, amorfa, pujante, siempre ansiosa de vivir, sentir y expresarse vitalmente. Nietzsche, aunque opte por el dionisíaco, por lo que atribuye al lenguaje un origen musical y un carácter metafórico, explica que se da entre ambas fuerzas una síntesis, pues Dionisio no podía vivir sin Apolo. Para el, hay algo inconsciente en el lenguaje que no se alcanza al expresar y hay que atraparlo tras los símbolos que surgen en el lenguaje mismo. Si se reconocen los símbolos, Apolo y Dionisio se interpretan, y se llega, así, a esa fuerza vital original (BEUCHOT, 2005).

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Nietzsche sostenía que el lenguaje no puede capturar el devenir (BEUCHOT, 2005). Entendía que como la verdad es lo mudable, el leguaje, que solo alcanza a presentarnos lo permanente y fijo, no da la verdad. Por esto, el lenguaje sería necesariamente engañoso, nos atraparía en sus redes, tendría su propio poder (BEUCHOT, 2005). Así, para Nietzsche, subyace una tesis fundamental: no hay “en sí”, sino solo “para nosotros” (BEUCHOT, 2005). De ahí que el lenguaje tenga un poder falsificador respecto de nosotros, el pensamiento no agarra lo real, todo concepto sería una metonimia, una parcialización (BEUCHOT, 2005)3. Para Nietzsche, lo único que puede sacarnos de esa rede del lenguaje y sus engaños es, así, la praxis –, el mismo lenguaje entendido como praxis vital. Es decir, el lenguaje, aunque no nos conduzca a la verdad, como un instrumento de la vida puede ser valioso. Pues, según él, es la praxis la que dirime el conflicto, la que supera la contradicción, y es también en ella que en encontramos aperturas para la creatividad y para la vida (BEUCHOT, 2005). Además de las provocaciones filosóficas de Nietzsche, la investigación ha elegido como principal referencia científica reciente los constructos de la Escuela del Palo Alto y sus aportaciones para la formación de una teoría sobre la Comunicación Humana, fundada en un análisis desde la pragmática. La elección de la pragmática como marco analítico tiene relación con su cercanía a las proposiciones de la mediación de conflictos como técnica que influye en la interacción y la conducta. La pragmática, según una categorización realizada desde la semiótica, es la rama científica que estudia el efecto que la comunicación produce en la conducta. Es decir, es el área comunicacional que más propiamente dedica esfuerzos a la interacción humana, ya que se interesa no solo por el efecto de una comunicación sobre el receptor, sino también – por considerarse algo inseparable – por el efecto que la reacción del receptor tiene sobre el emisor. 3

El autor habla, así, de mentira, en un sentido extramoral, como el opuesto a la verdad y afirma: “La falsedad de un concepto no es todavía para mi una objeción en su contra. La cuestión es en qué medida el concepto promueve la vida y la conserva. Incluso soy de la opinión de que las asunciones mas falsas son para nosotros justamente las mas imprescindibles, ya que el hombre no puede vivir sin dejar la ficción lógica, sin medir la realidad con el patrón del mundo inventado [...] Y que una negación de esta ficción, una renuncia a ella en la práctica, equivaldría a una negación de la vida. Admitir la no verdad como condición de la vida.” (BEUCHOT, 2005, p. 163)

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En esta línea, el modelo teórico de Watslawick trabaja con una perspectiva circular de la comunicación y su formulación se rige por la presencia permanente de cinco axiomas: (i) la imposibilidad de uno no comunicarse4, (ii) los niveles de contenido y de relación de la comunicación5, (iii) la puntuación de la secuencia de 4

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Es imposible no comunicarse: Watslawick parte de la presuposición de que toda conducta en una situación e interacción tiene un valor de mensaje, o sea, es comunicación. Así, como no hay nada que sea el contrario de conducta (no hay no-conducta), se deduce igualmente que uno no puede dejar de comunicarse. El defiende que el silencio, la inactividad o la imobilidad (silencio postural), considerando el contexto y la situación relacional, también tienen valor de mensaje, y por lo tanto, también comunican. Así, como cualquier clase de conducta es pragmáticamente considerada comunicación: palabras o silencios, al transmitir un mensaje, influyen sobre los demás, quienes, a su vez, no pueden dejar de responder a tales comunicaciones, y así, también comunican (WATSLAWICK, 1981). (ii) Los niveles de contenido y relaciones de la comunicación: Toda comunicación tiene un aspecto de contenido y un aspecto relacional tales que el segundo clasifica el primero, y es por ende una metacomunicación. Watslawick sostiene que toda comunicación implica un compromiso y, así, define la relación (WATSLAWICK, 1981). Es decir, para el, la comunicación no solo transmite información sino que, al mismo tiempo, impone conductas. Estas operaciones en la línea del pensamiento de Bateson: “se conocen como aspectos referenciales y conotativos. El aspecto referencial transmite la información del mensaje y es sinónimo de contenido, sea el verdadero o falso, valido o indeterminable. El aspecto conotativo se refiere a como cada clase de mensaje debe entenderse y particularmente remete a la relación entre los comunicantes”. (BATESON, 1951, p. 179-181). El sostiene que el aspecto relacional remete a la idea de meta comunicación y a la inferencia de que la comunicación eficaz tiene como condición a la capacidad de metacomunicarse de forma adecuada (WATSLAWICK, 1981). Además, afirma que la metacomunicación en estos términos también lleva a reflexiones acerca del sefl y del otro, ya que la comunicación ejerce lateralmente efectos de confirmación, rechazo o desconfirmación de sí mismo, del otro y de la relación. (WATSLAWICK, 1981). Watslawick cita a Cumming que sugiere que “la expresión de ideas pasa por una actividad simbólica de reconstrucción del self, al ofrecerlo como concepto a otros para obtener ratificación o aceptar o rechazar esta misma actitud en los otros” (CUMMING, 1960, p. 106). En resumen, el según axioma de la comunicación para Watslawick esta en que toda comunicación tiene un aspecto de contenido y un aspecto de relación, tales que el segundo clasifica al primero y es, por ende una metacomunicación (WATSLAWICK, 1981). El autor añade que cuanto más espontánea y sana es una relación, mas se pierde en el transfundo el aspecto de la comunicación vinculado con la relación. Y a la vez, las relaciones enfermas se caracterizan por una constante lucha acerca de la naturaleza de la relación, mientras que el aspecto del contenido se hace menos importante (WATSLAWICK, 1981).

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hechos y sus reflejos en el modelo comunicacional circular6 (iv) las distinciones entre la comunicación analógica y digital7 y (v) los fenómenos de interacción simétrica y complementaria8. 6

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(iii) La puntuación de la secuencia de los hechos: La naturaleza de una relación depende de la puntuación de las secuencias de comunicación entre los comunicantes. El tercer axioma de la comunicación presentado por nuestro autor se refiere al orden o puntuación en la secuencia de los hechos en la interacción y intercambio de mensajes. Para el, la puntuación organiza los hechos de la conducta, reconoce secuencias de interacciones y por esto es considerada vital para la interacciones humanas (WATSLAWICK, 1981). La falta de acuerdo con respecto a la manera de puntuar la secuencia de hechos, según el, es la causa de inúmeros conflictos interpersonales (WATSLAWICK, 1981). Watstlawick trae el ejemplo de una pareja en que el marido afirma que su retraimiento no es más que defensa contra los frecuentes regaños de la mujer y ella, a su turno, afirma que ella lo critica debido a su pasividad. Dicha interacción seria para el autor de naturaleza oscilatoria de tipo si-no-si-no-si y teóricamente podría seguir hasta el infinito, en que en las matemáticas se acercaría al concepto de serie alternada infinita (WATSLAWICK, 1981). Para Watslawick el problema radica fundamentalmente en la inhabilidad de las personas en metacomunicarse acerca de la manera de puntuar la interacción y, siguiendo a Bateson, el dilema surgiría justamente de la pretensión equivocada de que habría propiamente un comezo. De esto, infiere el autor, como tercer axioma, que la naturaleza de una relación depende de la puntuación de las secuencias de comunicación entre los comunicantes (WATSLAWICK, 1981). (iv) Comunicación digital y analógica: Watzlawick introduce una distinción entre los componentes digitales y los componentes analógicos de la comunicación. Los componentes digitales se indican los signos lingüísticos, verbales, las palabras etc., que tienden a tener un significado convencionado, mientras con componentes analógicos se refieren a todas las formas de comunicación no verbal, sus componentes no lingüísticos, paralingüísticos y contextuales. Es decir, movimientos corporales, gestos, posturas, expresión facial, inflexión de la voz, la secuencia, el ritmo y la cadencia de las palabras, así como los indicadores comunicacionales que aparecen en cualquier contexto que tiene lugar una interacción (WATSLAWICK, 1981). Para él, el hombre tiene una necesidad de combinar estos lenguajes que se complementan entre sí en cada mensaje. Asimismo, considerando lo doble aspecto de contenido y relación que tiene la comunicación, el aspecto relativo al contenido se transmitiría más fuertemente en la forma digital, mientras que el aspecto de la relación seria de naturaleza predominante-mente analógica (WATSLAWICK, 1981). El también supone que, sea como receptor o emisor, el hombre debe traducir constantemente un modo al otro, y es en este proceso que nascerían una serie de dilemas comunicacionales, como la perdida de información (traducción del digital al analógico), o las dificultades de expresar matices del nivel relacional (traducción del analógico al digital) (WATSLAWICK, 1981). (v) Interacción simétrica y complementaria. Para nuestro autor, todos los intercambios comunicacionales son simétricos o complementarios, según estén basados en la igualdad o en la diferencia. Para los intercambios simétri-

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Todos estos axiomas se ven reflejados en la práctica mediadora en distintos niveles y, por ello, se ha valorado que su conocimiento es esencial para una práctica profesional técnica de calidad. En otros términos, el dominio del aspecto metacomunicacional de las intervenciones mediadoras y la comprensión y apreciación de este mismo aspecto en las interacciones y en los relatos de las partes serían elementos imprescindibles para un adecuado manejo de las herramientas técnicas de la mediación. A partir de estos fundamentos, la investigación ha avanzado hacia un análisis de la producción intelectual acerca del fenómeno comunicativo en la mediación. En esta empresa, fue identificado que las principales producciones científicas sobre el tema se dedican a un microanálisis de los indicios verbales y no verbales pasados en el proceso mediador. En ellas, se parte del entendimiento que la estructura y las funciones de los mensajes modifican la naturaleza de la interacción y son modificadas por ella. Así, como señalan Folger y Jones (1997), analizar la comunicación en un micro nivel implica que la orientación del proceso entienda la sucesión de las mensajes simples dentro de secuencias dinámicas globales. La transformación del conflicto en la mediación, así, pasaría por las elecciones discursivas de sus actores y los efectos conductuales que esas elecciones generan. Es decir, las opciones que las cos, Watslawick (1981) afirma que los participantes tienden a adoptar las mismas conductas y posturas del otro, en una situación de simetría. Las interacciones complementarias, a su turno, importarían en una complementación recíproca de conductas opuestas, en un mecanismo en que uno refuerza la conducta el otro, (en este caso, por la diferencia). Sobre este punto afirma el autor: “La conducta de uno de los participantes complementa la del otro, constituyendo un tipo distinto de gestalt, es decir, la interacción simétrica se caracteriza por la igualdad y por diferencia mínima y la complementaria está basada en un máximo de diferencia” (WATSLAWICK, 1981, p. 69). En resumen, el autor presenta los dos conceptos de la siguiente forma: “En una relación complementaria hay dos posiciones distintas, la superior o primaria y la inferior o secundaria. Ella puede establecerse por un contexto social o cultural, pero en cualquier caso se observa un mutuo encaje de la relación en ambas las conductas, disímiles pero interrelacionadas que tienden cada una a favorecer a la otra. Ninguno de los participantes impone al otro una relación complementaria sino que cada uno de ellos se comporta de una manera que presupone la conducta del otro, al mismo tiempo que ofrece motivos para ella: sus definiciones de la relación encajan.” (WATSLAWICK, 1981, p. 70)

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personas afirman al construir mensajes, responder a las acciones de los otros o decidir si van, qué van y cómo van a hablar, influyen en las expectativas y en la conducta (JONES, 1997). Pues, como afirman Billig y Mumby (1988), estas elecciones distribuyen el poder, establecen la estabilidad de las relaciones sociales y pueden ampliar y restringir la capacidad para imaginar o dar vigencia a soluciones alternativas. Por tal razón, se torna esencial un estudio detallado de las intervenciones comunicacionales técnicas del mediador, las cuales esencialmente van a influir en la calidad de las elecciones discursivas de las partes, a la vez que forman también, en sí, una elección discursiva estratégica. En otros términos, en la eficacia y precisión de la intervención comunicativa mediadora reside la posibilidad de reconfiguración de las tensiones dialécticas entre los interactuantes (JONES, 1997) – y en las partes mismas, con sus diálogos internos – al punto de afectar la significación y resignificación del conflicto y su posibilidades de gestión y resolución. En esta perspectiva, la investigación ha intentado contribuir a una sistematización de las herramientas técnicas comunicacionales del mediador, partiendo de una exploración cualitativa de la bibliografía contemporánea sobre el tema. Se han investigado referencias bibliográficas de cinco países, a saber, Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, España y Argentina con el objetivo de promover resultados que pudiesen acercarse a una discusión más global y actualizada del asunto. Además de la investigación bibliográfica, algunos de los conceptos presentados fueron desarrollados por la autora, en particular la producción de una taxonomía del modo interrogativo, así como la aportación y reinterpretación de constructos multidisciplinares para el contexto de la mediación. En lo que se refiere a la identificación de las herramientas comunicacionales del mediador, se ha trabajado con una categorización por modo comunicacional, específicamente el modo afirmativo y el modo interrogativo. En el primero, fueron identificadas y abordadas quince técnicas: escucha activa, caucus, resumen, parafraseo, legitimación, connotación positiva, manejo de silencios, reencuadre, normalización, enfoque hacia el futuro, reformulación, mutualización, externalización, reflejo y concatenación.

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En el modo interrogativo se ha propuesto una taxonomía propia de las diferentes clases de preguntas, las cuales fueron categorizadas por: modo de formulación, finalidad estratégica y momento procesal. En el modo de formulación, distinguimos entre: abiertas y cerradas, positivas o negativas. En la categoría objetivo estratégico propusimos una subdivisión de 37 finalidades estratégicas diferentes. Ya en la categoría momento procesal, propusimos una clasificación en cinco etapas distintas: apertura, fase exploratoria, replanteo, agenda, opciones, acuerdo y finalización. Para los fines de la investigación en referencia, el manejo de las técnicas del modo interrogativo, o sea, el arte de cuestionar, constituye una de las habilidades más importantes para el desarrollo cualitativo de la mediación. Las preguntas forman parte de las bases de conducción de todo el procedimiento y su formulación tiene siempre una función y un intento particular (categorizados en 37 modalidades posibles). Como señala Maria Elena Caran (CARAN; EILBAUM; RISOLIA, 2006) “Preguntamos para descubrir el universo de las partes, [...] para abrir su mundo con prudencia, conocerlo con respeto y comprender con humildad su lógica interna, probablemente distinta de la nuestra”. Pero las preguntas también producen significados y pueden viabilizar resignificaciones. Ellas convergen en diversos principios de la mediación y son los medios fundamentales mediante los que el mediador involucra a las partes en procesos reflexivos aptos para cambiar la percepción del conflicto y sus formas de resolución. Como afirma Marines Suares (1996), las personas que se encuentran en una disputa se hacen siempre las mismas preguntas. Una forma de ayudarlas a ver el problema desde otro ángulo es hacer preguntas nuevas. Las preguntas inusuales son muchas veces las más útiles justamente por generar diferencias. El preguntar utiliza marcadores de contexto específicos y, así, lo que pregunta y cómo pregunta el mediador genera un contexto (por todos, SUARES, 1996). Es decir, las preguntas focalizan determinado campo y excluyen o dejan momentáneamente en la periferia todo lo demás. Además restringen también la definición de la relación y el poder de las partes para cambiar el encuadre del proceso de mediación (SUARES, 1996).

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En la perspectiva de la autora, y siguiendo a Watslawick, la pregunta generaría en las partes una relación asimétrica complementaria, por sugerir una posición distinta de quien pregunta. Este poder en la mediación sería conferido por el propio sistema que, al reconocer la intrusión de la mediación, se lo concede transitoriamente al mediador (SUARES, 1996). Como bien explicita el Profesor Galtung, los mediadores así, serían los expertos en conflictos en general, pero las partes, si, serían las expertas en sus propios conflictos. Son ellas las que realmente saben cómo definir y clarificar los problemas y cuestiones desde la perspectiva de su propia experiencia. Consecuentemente están también en mejores posiciones para identificar potenciales soluciones que les atiendan adecuadamente. Y así, evidentemente, son también ellas las mejor posicionadas para determinar qué acciones son factibles y realistas desde su subjetividad (no la del mediador). Toda la importancia concedida al modo interrogativo generó un movimiento de búsqueda de otras áreas del conocimiento que también tuviesen en las preguntas la centralidad de su intervención. En este sentido, para la generación de innovación técnica – y teniendo presente la perspectiva de la mediación como una ciencia teóricamente en crecimiento y expansión –, la aportación del trabajo en su última etapa fue investigar y generar un acercamiento conceptual y metodológico al coaching con el objetivo de extraer conceptuaciones y herramientas comunicacionales comunes que pudiesen favorecer y enriquecer el trabajo del mediador. El acercamiento propuesto entre la mediación y el coaching ha tenido, como punto común de enlace, la perspectiva comunicacional pragmática de los dos modelos interventivos, ya que en ambos se produce endógenamente la afectación de la conducta a través de la comunicación. En este particular, se ha llegado a la conclusión de que una aproximación conceptual entre la mediación y el coaching pasaría por tres principios básicos: (i) El fomento de la conciencia de lo que realmente pasa a las partes en litigio, como un primer paso para la gestión del conflicto, (ii) El enfoque en la responsabilidad de las partes para el cambio de la situación en que se encuentran, (iii) El desarrollo de un proceso comunicacional con características mar-

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cadamente reflexivas, capaz de profundizar en los interrogantes y utilizar la confrontación de las personas con su situación actual como la verdadera fuente de movilización hacia al cambio (GAMA, 2012). El fortalecimiento de una conciencia real de lo que ocurre a las partes en la experiencia con el conflicto se basa en las técnicas comunicacionales de intervención del coaching para la observación de hechos y dinámicas concretas, más que en la interpretación subjetiva de las personas acerca de la percepción y vivencia genéricas de la situación conflictiva. Con tal fin, se propone la utilización de referentes específicos de observación con la generación de un bucle de interrogantes que buscan poner de manifiesto con claridad y precisión el QUÉ, el CÓMO y el PARA QUÉ del conflicto. El contacto de las partes con una perspectiva menos turbia de su postura frente a la situación conflictiva, las actitudes elegidas hasta ahora, sus formas de interacción con el otro, la eficacia o la ineficacia de las soluciones intentadas, así como la conciencia de elementos de la propia dinámica del conflicto sistémicamente considerado serían el recorrido potenciador de la conciencia, de la responsabilidad y de la libertad que tienen para promover nuevos intentos de resolución (GAMA, 2012). En este contexto, la base para una aproximación teórica entre la mediación de conflictos y el coaching se basaría en la presuposición de que las partes tienen todos los recursos que necesitan para solucionar eficazmente sus conflictos, de manera que el proceso de mediación sería un medio para la catalización de estos recursos internos y externos, con la superación de los bloqueos que les impiden hacerlo por sí mismas (GAMA, 2012). Así, la actuación técnica (en el punto de vista comunicacional) del mediador-coach consistiría en fisgonear en el proceso de pensamiento de las partes, colocando un espejo delante de ellas, de forma que puedan ver por sí mismas su propio proceso de pensamiento y a partir de ahí generar cambios concretos (GAMA, 2012). En líneas generales, esta nueva clase de intervención comunicacional estaría orientada a tocar la forma de percepción y dirección con la cual interactúan con el problema, estimulando procesos de auto organización aptos para despertar recursos internos conscientes e inconscientes que puedan auxiliarlos a cambiar la situación conflictiva.

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En un modelo cercano al coaching, la intervención mediadora estaría centrada en ayudar a las partes a desarrollar percepciones más amplias y claras de ellas mismas, del otro y del conflicto, introduciendo nuevos referentes de reflexión y estimulando nuevos mapas cognitivos aptos para resignificar la experiencia conflictiva, poniendo el énfasis en el aprendizaje y en la elección consciente y compartida de una nueva realidad (GAMA, 2012). En resumen, al ampliar el espectro transversal de la mediación para incluir nuevas fuentes multidisciplinares y, por ende, producir un sistema estructurado de las distintas herramientas técnicas comunicacionales del mediador, el objetivo final de la investigación fue contribuir a la búsqueda de nuevos parámetros de satisfacción del usuario del servicio. Y así, por un posible incremento de la calidad de la mediación, producir olas más expandidas de reverberación social de los beneficios del método. BIBLIOGRAFÍA BATESON, G. (1951). Communication: The Social matrix of psychiatry. New York: W W Norton and Company. BEUCHOT, M. (2005). Historia de la filosofía del lenguaje. México: Breviarios. BILLIG, M. (1988). Ideological dilemas. Newbury Park, CA: Sage. CARAN, M. E.; EILBAUM, D. T.; RISOLÍA, M. (2006). Mediación. Diseño de una práctica. Buenos Aires: Librería Histórica. CUMMING, J. (1960). Communication: an approach to chronica schizo-phrenia. Illinois: The Free Press. COOB, Sara. (1997). Una perspectiva narrativa en mediación. En: FOLGER, Joseph; JONES, Tricia (Coords.). Nuevas direcciones en mediación. Buenos Aires, Paidós. DOWNEY, M. (2003). Effective coaching. London: Cengage Learning. ECHEVERRÍA, Rafael (1994). Ontología del lenguaje. Santiago de Chile: Ediciones Granica, FOLGER, Jospeh; JONES, Tricia (1997). Nuevas perspectivas en Mediación: Investigación y perspectivas Comunicacionales. Barcelona: Paidós GAMA, Vivian (2012). Diálogos Transformativos in Direitos Humanos (Org. Kato, Baldez). Rio de Janeiro: en prensa. GAMA, Vivian (2012b). Mediación y Coaching. Memorias del Fórum Mundial de Mediación 2012.9 9

También disponible en vídeo: www.mediacaobrasil.com/videos

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Fabiana Marion Spengler Pós-doutora em Direito pela Università degli Studi di Roma Tre, em Roma na Itália, com bolsa CNPq (PDE). Doutora em Direito pelo programa de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos – RS, mestre em Desenvolvimento Regional, com concentração na área Político Institucional da Universidade de Santa Cruz do Sul - Unisc – RS, docente dos cursos de Graduação e Pós -Graduação lato e stricto sensu da última instituição, Coordenadora do Grupo de Estudos “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos” vinculado ao CNPq, advogada. Contato: [email protected]

Charlise P. Colet Gimenez Doutoranda em Direito e Mestre em Direito pela Unisc – Universidade de Santa Cruz do Sul e Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Unijuí – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Professora de Estágio de Prática Jurídica, Direito Penal e Processo Penal pela URI – Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões (Santo Ângelo/RS). Membro do Grupo de Estudos “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos” vinculado ao CNPq. Advogada. Contato: [email protected] Sumário 1. Aspectos introdutórios 2. A construção de um conceito de política pública 3. Conflitos no tecido social 4. O estudo da comunidade em Amitai Etzioni 5. A mediação comunitária pela fraternidade 6. Considerações Finais Referências

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA DE TRATAMENTO DE CONFLITO

Resumo A função jurisdicional desempenhada pelo Estado não oferece respostas satisfatórias aos conflitos que emergem diante da complexa sociedade contemporânea, a qual enfrenta uma crise de efetividade que, por sua vez, demanda a busca de alternativas. Assim, o presente trabalho, o qual utiliza o método de abordagem dedutivo, enquanto método de procedimento monográfico, tem por escopo apresentar a mediação comunitária como prática alternativa de tratamento de conflitos, cuja sustentação se dá pelo pluralismo de valores, em razão de que reabre os canais de comunicação interrompidos e reconstrói laços socialmente destruídos, propondo um modelo voltado para a comunicação, a amizade, a alteridade e a fraternidade. Percebe-se que os métodos atuais utilizados pelo Direito não encontram adequação entre a complexidade das ações judiciais, as pessoas envolvidas e as técnicas jurídicas aplicadas, o que acarreta na insatisfação das pessoas envolvidas no conflito. Por essa razão, a mediação comunitária, a partir do resgate do papel da comunidade, estudada a partir do autor norte-americano Amitai Etzioni, revela-se como uma cultura de paz, que ultrapassa a jurisdição tradicional, e utiliza práticas consensuais e autônomas que devolvem ao cidadão e à comunidade a capacidade de tratar o seu próprio litígio. Dessa forma, afirma-se que o reconhecimento da mediação comunitária como política pública foca na realização das necessidades essenciais e na existência de um processo democrático de descentralização, participação e comunicação. Palavras-chave: Comunidade; Conflito; Mediação Comunitária; Política Pública.

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ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

A evolução da sociedade e do ser humano no tocante às formas de resolver conflitos percorreu da autotutela ao poder do Estado, quando foi transferido ao Poder Judiciário, representado pela figura do juiz, o qual tem o poder de decidir o conflito. No entanto, as formas tradicionais não atendem às necessidades da sociedade e enfrentam atualmente a insatisfação das pessoas por ela atendidas, oportunidade em que surge a mediação como modelo consensual construído entre as partes. A mudança da forma de tratar conflitos e responder às necessidades das partes envolvidas permite a criação de uma sociedade justa e livre, a qual abre espaço para a diversidade, liberdade, individualidade e igualdade entre as pessoas, que são vistas como portadoras de capacidades e de necessidades positivas, sendo a comunidade o espaço adequado para o desenvolvimento da mediação, por meio da prática autônoma e consensuada, refletindo um sentimento de inclusão social. Assim, a presente pesquisa, a partir do método de abordagem dedutivo e método de procedimento monográfico, tem importância no contexto brasileiro por apresentar a mediação comunitária enquanto política pública de tratamento de conflitos, pois, diante da crescente necessidade de compreensão do fenômeno jurídico e total ineficiência da aplicação da justiça e do Direito oficial na realidade do século XXI, a qual é marcada pela pluralidade de atores e pelas diversidades culturais, sociais, políticas e econômicas, vislumbra-se o mérito da discussão acerca do reconhecimento e aplicação de métodos alternativos que utilizam a amizade como meio de garantir a autonomia e responsabilidade das partes diante de seu conflito. 2

A CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO DE POLÍTICA PÚBLICA

A história do desenvolvimento social e econômico da América Latina demonstra uma tendência pela busca de fórmulas prontas e simplificadas a respeito do funcionamento da sociedade e da economia, razão pela qual há necessidade de compreensão das peculiaridades de cada espaço para a efetivação das políticas públicas, eis

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que instrumentos iguais podem gerar efeitos diversos, consoante o contexto em que são inseridas (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2007). Compreende-se, assim, que a análise de políticas públicas não pode ser feita de forma fragmentada nem isolada da avaliação geral sobre os rumos do Estado e da sociedade. Ou seja, “as políticas não são uma espécie de setor ou departamento com vida própria. Elas são o resultado da política, compreensíveis à luz das instituições e dos processos políticos, os quais estão intimamente ligados às questões mais gerais da sociedade” (SCHMIDT, 2008, p. 2308), razão pela qual se mostra árdua a tarefa de atribuir um conceito para o termo “política pública”, conforme complementam Klein e Marmor: The attempt to pin down a chameleon concept like “public policy” tends all too often become an exercise in anatomy rather than physiology. The bones are there, right down to joints of the little finger. They can even be put together, rather like an exhibit in a natural history museum. But the creature itself, the sense of what drives it and shapes its actions, remains elusive: a victim of the academic drive to taxonomize everything in sight. (KLEIN; MARMOR, 2006, p. 892).

Inicialmente, para a compreensão da política pública, importa verificar três diferentes termos da língua inglesa, os quais atribuem a dimensão institucional da política, a processual e a material. Polity refere-se aos aspectos estruturantes da política institucional, como sistemas de governo, estrutura e funcionamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o aparato burocrático. A seu turno, politics relaciona-se à dimensão dos processos que compõem a dinâmica da política e da competição pelo poder. Portanto, pertencem à dimensão da politics questões como as relações entre o Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, o processo de tomada de decisões entre governos, as relações entre Estados etc. E, por fim, policy abrange os conteúdos concretos da política, as políticas públicas. “Elas são o ‘Estado em ação’, o resultado da política institucional e processual. As políticas se materializam em diretrizes, programas, projetos e atividades que visam resolver problemas e demandas da sociedade” (SCHMIDT, 2008, p. 2.311).

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Verifica-se, então, que as relações entre polity, politics e policy são permanentes e as influências são recíprocas, eis que as relações institucionais, os processos e os resultados estão sempre ligados. Consoante demonstra Massa-Arzabe, utiliza-se polity para designar a esfera política em contraposição a uma esfera da sociedade civil, politics para a atividade política e, policies à ação pública (MASSAARZABE, 2006). Nessa ótica, contribui a referida autora: Podemos afirmar que a utilização da expressão política pública serve para designar não a política do Estado, mas a política do público, de todos e para todos. Trata-se da política voltada a fazer avançar os objetivos coletivos de aprimoramento da comunidade e da coesão – ou da interpendência – social. (MASSA-ARZABE, 2006, p. 60-61)

Nesse rumo, Subirats salienta que a expressão políticas públicas é bastante recente, a qual foi introduzida na linguagem das ciências políticas e administrativas europeias na década de 70 como tradução literal do termo public policy. No entanto, como demonstrado acima, a autora também diferencia policy, politics e polity: Este último debe diferenciarse del término (), con el que se acostumbra a designar las interacciones y conflictos entre los actores políticos más tradicionales (especialmente los partidos políticos, los grupos de interés, los sindicatos o los nuevos movimientos sociales), que pretenden acceder al poder legislativo o gubernamental respetando las reglas constitucionales e institucionales (designadas en inglés por el término ). (SUBIRATS et al., 2012, p. 37)

Allison também defende a distinção entre os termos policy e politics, ao afirmar que “grand-policy quality depends on the ability of rulers to differentiate between policy and politics and giving priority to policy requirements before making unavoidable compromises with political reality” (ALLISON, 2006, p. 82). Em consonância com Subirats, a compreensão de política pública se refere tanto às interações, alianças e conflitos, em um marco institucional específico, bem como entre os diferentes atores

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públicos, paraestatais e privados com o escopo de resolver um problema coletivo que demanda uma ação concentrada. Atualmente, as políticas públicas constituem-se na forma de ação estatal, expressadas por meio de programas e ações postos pelo Estado, a fim de atender ao fortalecimento de determinados setores da economia interna, ao enfrentamento do problema do desemprego, da poluição ou do analfabetismo, à promoção da igualdade de gênero, de raça e etnias (MASSA-ARZABE, 2006). Em um documento do Ministério da Saúde, extrai-se um conceito atualizado e direcionado a orientar a ação do governo e da sociedade: Políticas públicas configuram decisões de caráter geral que apontam rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, reduzindo os efeitos da descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população e aos formadores de opinião as intenções do governo no planejamento de programas, projetos e atividades. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007, p. 9)

Em complemento à conceituação de política pública, Subirats apresenta que: Una política pública se definirá como una serie de decisiones o de acciones, intencionalmente coherentes, tomadas por diferentes actores, públicos y a veces no públicos – cuyos recursos, nexos institucionales e intereses varían – a fin de resolver de manera puntual un problema políticamente definido como colectivo. Este conjunto de decisiones y acciones da lugar a actos formales, con un grado de obligatoriedad variable, tendentes a modificar la conducta de grupos sociales que, se supone, originaron el problema colectivo a resolver (grupos-objetivo), en el interés de grupos sociales que padecen los efectos negativos del problema en cuestión (beneficiarios finales). (SUBIRATS et al., 2012, p. 38)

Nessa senda, Bucci apresenta a evolução da formulação política pública como o programa de ação governamental que decorre de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados

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com o objetivo de coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, realizando as metas socialmente relevantes e politicamente determinadas. E, complementa: “uma política pública, carrega, necessariamente, elementos estranhos às ferramentas conceituais jurídicas, tais como os dados econômicos, históricos e sociais de determinada realidade que o Poder Público visa atingir por meio do programa de ação” (BUCCI, 2006, p. 46). Em adição ao estudo da política pública, verifica-se a contribuição de Parsons no tocante à formulação de uma política pública: The Englishtenment notion that the world was full of puzzles and problems which, through the application of human reason and knowledge, could be ‘solved’ forms the background to the growth of the policy approach. What Newton had done to the laws of planetary motion became a model for what it was possible to do with knowledge of human society. Thus we may chart the development of the policy sciences in terms of the desire for knowledgeable governance, that is, the acquisition of facts and ‘knowledge’ about ‘problems’ so as to formulate ‘better solutions’. (PARSONS, 1995, p. 17)

A elaboração de políticas públicas é uma tarefa complexa, em razão de que é um processo que envolve várias fases de formulação, exigindo, por parte dos agentes econômicos e sociais, ações específicas que, por sua vez, requerem diversas formas de cooperação, bem como expectativas positivas quanto à durabilidade e a outros aspectos da política. Ou seja, para que seus resultados sejam eficazes, as políticas públicas requerem muito mais do que um momento mágico na política que gere “a política pública correta”. Não existe uma lista universal de políticas públicas “corretas”. As políticas são respostas contingentes à situação de um país. O que pode funcionar em um dado momento da história, em um determinado país, pode não dar certo em outro lugar, ou no mesmo lugar em outro momento. (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2007, p. 15)

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Em adição, corroboram os autores Goodin, Rein e Moran, ao afirmarem que políticas públicas não são permanentes, criadas uma única vez sem termo final, pois Puzzles get transformed into actionable problems, and policies get made on that basis. But that gives rise to further puzzlement, and the quest for ways of acting in those new problems. The persuasive task of policy making and analysis alike lodges in these dynamics of deciding which puzzle to solve, what counts as a solution, and whose interests to serve. (GOODIN; REIN; MORAN, 2006, p. 28)

Destarte, o conjunto de decisões e ações denominado de política pública corresponde à ideia de que decisões dos atores públicos que pretendam orientar a conduta de um determinado grupo social a fim de que um problema coletivo seja resolvido pelo esforço conjunto. Por isso, a política pública dedica-se a resolver um problema social reconhecido politicamente como público, o que pressupõe uma situação de insatisfação social, cuja solução requer a ação do setor público (SUBIRATS et al., 2012). Ademais, “to make policy in a way that makes it stick, policy makers cannot merely issue edicts. They need to persuade the people who must follow their edicts if those are to become general public practice” (GOODIN; REIN; MORAN, 2006, p. 5). Para a adequada compreensão da política das políticas públicas, é necessário, portanto, realizar uma abordagem acerca dos seus elementos constitutivos. O processo de formulação de políticas públicas consiste em “uma sucessão negociada entre atores políticos que interagem em arenas formais e informais” (BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2007, p. 11). Dessa forma, podem ser indicados como elementos: a) solução de um problema público; b) existência de grupo-alvo na origem de um problema público; c) base teórica de fundamentação; d) existência de diversas decisões e atividades; e) programa de intervenções; f) papel fundamental dos atores públicos; g) existência de atores formais; h) natureza, em regra, obrigatória das decisões e atividades (SUBIRATS et al., 2012). A ideia geral é de um ciclo das políticas públicas que se inicia com o surgimento dos problemas e se prolonga até a avaliação dos

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resultados obtidos, eis que decorre do (re)surgimento de um problema, transformando-se em agenda governamental, que, por sua vez, tem alternativas formuladas e, após decisões e adoção de um programa legislativo, programam-se as ações, as quais, ao final, são avaliadas quanto à eficácia, à eficiência e à efetividade (SUBIRATS, et al., 2012). Desde logo, é preciso ter claro que a política pública dá-se por ciclos, não sendo possível discernir de forma definitiva suas fases, por se verificar um processo de retroalimentação, onde a avaliação não é feita ao final, mas no curso da execução. Isto introduz novos elementos no quadro inicialmente proposto, modificando-o, de forma a adequá-lo à realização do objetivo. (MASSA-ARZABE, 2006, p. 70)

A fase do surgimento e do reconhecimento dos problemas é aquela em que uma determinada situação produz uma necessidade coletiva, uma carência ou insatisfação identificada diretamente ou por meio de elementos que exteriorizam essa situação. Ou seja, afirma-se que surge o problema no momento em que se reconhece uma diferença entre a situação atual e o que seria a situação desejada. A seu turno, a incorporação na agenda política supõe uma definição do modelo causal por parte dos atores públicos, a qual decorre da influência exercida pelos atores sociais, acarretando, posteriormente, a formulação do programa de atuação político-administrativo com a seleção dos objetivos, instrumentos e processos que devam ser utilizados para resolver o problema em foco (SUBIRATS et al., 2012). De maneira genérica, entretanto, pode-se afirmar que a fase de formação compreende a identificação dos problemas a serem tratados, estabelecendo uma agenda [agenda setting], assim como a proposição de soluções, abrangendo a realização dos estudos multidisciplinares necessários para delimitá-lo, a especificação dos objetivos que se pretende alcançar adequados ao problema e a indicação dos melhores modos de condução da ação pública, tratando-se, aqui, da formulação da política. Sucintamente, a fase de formulação baseia-se em estudos prévios e em um sistema adequado de informações,

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definindo-se não só as metas, mas também os recursos e o horizonte temporal da atividade de planejamento. (MASSAARZABE, 2006, p. 70)

Consoante define Parsons, “decision analysis therefore requires that we understand the way in which facts and values interact, and the way in which ‘beliefs’, ‘ideas’, ‘interests’, on the one hand [...], interplay with ‘information’, ‘facts’, ‘reality’ […], and vice versa” (PARSONS, 1995, p. 246). Portanto, a tomada de decisão, demonstrada por Lasswell, perpassa pelas seguintes indagações: ‘quem ganha o que, quando e como’, já que “o estudo da política é o estudo da influência e de quem é influente” (LASSWELL, 1984, p. 15). Por conseguinte, a fase de implementação consiste na adoção do programa da política a situações concretas que devem ser enfrentadas. Caracteriza-se por ser um processo no qual se observam os princípios e as diretrizes, prazos, metas quantificadoras etc. A implementação requer o entendimento compartilhado dos objetivos e das metas, exigindo, para tanto, entrosamento e conhecimentos comuns entre formuladores e implementadores, assim como a participação dos implementadores da fase de formulação da política pública (SCHMIDT, 2008). E, por sua vez, a fase da avaliação tem por escopo determinar os resultados e os efeitos da política introduzida, verificando as mudanças provocadas no grupo-alvo e na resolução do problema (SUBIRATS et al., 2012). A avaliação, realizada por vários métodos, compreende o impacto da política, determinando se os objetivos previstos estão sendo atingidos e se há algo a ser modificado, isto é, afere a adequação de meios afins, promovendo a legitimação ou a deslegitimação da ação pública e também fornecendo elementos para o controle judicial, social ou pelos tribunais de contas (MASSAARZABE, 2006). Nessa linha, complementa Bucci, ao sustentar que “[...] o ideal de uma política pública é resultar no atingimento dos objetivos sociais (mensuráveis) a que se propôs; obter resultados determinados, em certo espaço de tempo” (BUCCI, 2006, p. 43). Ainda, Schmidt complementa ao referir que “a avaliação de uma política consiste no estudo dos êxitos e das falhas do processo de sua implementação. Ela proporciona retroalimentação (feedback) e pode determinar a continuidade ou mudança da política [...]” (SCHMIDT, 2008, p. 2.320).

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Acrescenta-se também que pensar em política pública caracteriza-se por alcançar a coordenação, seja pela atuação dos Poderes Públicos, Executivo, Legislativo e Judiciário, seja entre os níveis federativos, seja no interior do Governo, entre as várias pastas, e seja, ainda, considerando a interação entre organismos da sociedade civil e o Estado (BUCCI, 2006). Por isso, a concepção das políticas públicas como instrumento de ordenação da vida em sociedade “transformou não só as feições tradicionais do direito, como trouxe consigo a transformação do próprio Estado, no tocante a seu modo de relacionar-se com a sociedade, uma vez que esta é a porta pela qual entrou a antes absolutamente utópica democracia participativa” (MASSA-ARZABE, 2006, p. 72). Nesse contexto, completa Schmidt ao afirmar que o estudo das políticas públicas tem trazido importantes contribuições para uma compreensão mais adequada do funcionamento das instituições políticas e das complexidades que envolvem a vida política na atualidade. “Investigando os resultados, as políticas (policies), entende-se melhor os processos (politics) e o aparato institucional (polity) da política” (SCHMIDT, 2008, p. 2.330). No presente estudo, apresenta a mediação de conflitos enquanto política pública, uma vez que diante do reconhecimento da necessidade de satisfação das pessoas envolvidas em um conflito, as quais têm interesses e desejos não atendidos, a mediação orienta-se pela ética da alteridade, reivindicando a recuperação do respeito mútuo e fortalecendo valores fundamentados na fraternidade e na solidariedade, a partir do restabelecimento da comunicação e do diálogo. Nos próximos tópicos, estudar-se-á o papel da comunidade como ferramenta essencial para o tratamento do conflito a partir da mediação. 3

O CONFLITO NO TECIDO SOCIAL

A palavra conflito tem origem no latim, conflictu, confligere, significando lutar, chocar, contrapor ideias, razão pela qual está sempre associada em embate com algo ou com alguém. No entanto, conceituá-lo revela-se em uma tarefa árdua, em razão de que pode

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ser social, político, psicanalítico, familiar, interno, externo, ou ser originário de por motivações étnicas, religiosas, ou por valores (SPENGLER, 2010). A história relata que a evolução do ser humano foi acompanhada pela existência do conflito que, por sua vez, adotou distintas formas de resolvê-lo, seja por meio de guerra, luta corpo a corpo, vingança, ordália, ou, ainda, pela intervenção de processos normativos ou jurídicos (GORCZEVSKI, 2007). O conflito pode ser estabelecido entre sindicato e empresa, entre nações, entre um marido e sua esposa, ou entre crianças etc., assim como a sua existência traz questões intrapessoais, interpessoais, intracoletivos, intercoletivos e internacionais (DEUTSCH, 2004). Dessa forma, a trajetória da humanidade descreve uma realidade em que o ser humano sempre conviveu com o conflito, cuja face se revela na escravidão, homossexualidade, preservação ambiental, liberdade de crença, direito das mulheres a um tratamento igualitário, dentre outras disputas excluídas do debate, porém a evolução do pensamento humano possibilitou a integração das partes conflitantes e a satisfação das suas necessidades. Assim, cada sociedade é fortemente marcada pela existência de conflitos, positivos ou negativos, demonstrando-se em cada conflito os valores e motivações de cada parte envolvida, suas aspirações e objetivos, seus recursos físicos, intelectuais e sociais para suscitar ou tratar a disputa. Percebe-se que cada participante de uma interação social responde ao outro de acordo com as suas percepções e cognições, as quais podem ou não corresponder à realidade do outro, bem como cada participante é influenciado pelas próprias expectativas em relação às ações e conduta do outro, podendo a interação social ser iniciada por motivo distinto daquele que mantém a integração das partes. [...] o conflito é uma forma social possibilitadora de elaborações evolutivas e retroativas no concernente a instituições, estruturas e interações sociais, possuindo a capacidade de se construir num espaço em que o próprio confronto é um ato de reconhecimento produzindo, simultaneamente, uma transformação nas relações daí resultantes. Desse modo, o

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conflito pode ser classificado como um processo dinâmico de interação humana e confronto de poder no qual uma parte influencia e qualifica o movimento da outra. (SPENGLER, 2010, p. 248)

Da interação, os atores são expostos como modelos e exemplos a serem imitados e com os quais se deve identificar. Dessa forma, compreende-se que a interação social se desenvolve em um ambiente (família, grupo, comunidade, nação, civilização) que apurou técnicas, símbolos, categorias, regras e valores relevantes para as interações humanas. Para a compreensão dos eventos desencadeados pela interação social, devem-se entender as inter-relações dos eventos com o contexto social que envolve cada um. Ademais, salienta-se que apesar de um participante da interação social, seja pessoa ou grupo, ser uma unidade complexa composta por vários subsistemas interativos, ela pode agir unificadamente em determinado aspecto de seu ambiente. E, por conseguinte, tomar decisões no plano individual ou no plano nacional, as quais podem desencadear uma luta entre diferentes interesses e valores de controle sobre a ação (DEUTSCH, 2004). Quando os papéis sociais não são desempenhados da forma adequada, ou seja, de acordo com as expectativas do grupo social, nascem os conflitos (SPENGLER, 2010), podendo ser avaliados enquanto construtivos, ou seja, com funções positivas, consoante refere Deutsch: O conflito previne estagnações, estimula interesse e curiosidade, é o meio pelo qual os problemas podem ser manifestados e no qual chegam as soluções, é a raiz da mudança pessoal e social. O conflito é frequentemente [sic] parte do processo de testar e de avaliar alguém e, enquanto tal, pode ser altamente agradável, na medida em que se experimenta o prazer do uso completo e pleno da sua capacidade. (DEUTSCH, 2004, p. 29)

Em adição, em grupos fundamentados a partir de laços frouxos e em sociedades abertas, o conflito se abriga com o escopo de

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integrar e estabilizar o relacionamento das partes antagonistas, visto que permite uma expressão direta e imediata de reclamações rivais. E, complementa o referido autor: Além disso, o conflito dentro de um grupo freqüentemente [sic] ajuda a revitalizar normas existentes; ou contribui para o surgimento de novas normas. Nesse sentido, o conflito social é um mecanismo de adequação de normas a novas condições. Uma sociedade flexível beneficia-se do conflito por causa desse comportamento, na medida em que ajuda a criar e a modificar normas, assegura sua continuidade sob condições diversas. (DEUTSCH, 2004, p. 30)

Assim, na medida em que a explosão de um conflito indica a rejeição de uma acomodação anterior existente entre as partes, eis que o respectivo poder dos contendores foi verificado no conflito, um novo equilíbrio pode ser estabelecido e o relacionamento pode prosseguir sobre essa nova base. Por isso, Muller refere que [...] a humanidade do homem não se cumpre fora do conflito, mas sim para lá do conflito. O conflito está na natureza dos homens, mas quando esta ainda não está transformada pela marca do humano. O conflito é o primeiro, mas não deve ter a última palavra. [...] o homem não deve estabelecer uma relação de hostilidade, onde cada um é inimigo do outro, mas deve querer estabelecer com ele uma relação de hospitalidade, onde cada um é hóspede do outro. É significativo que os termos hostilidade e hospitalidade pertençam à mesma família etimológica: originalmente, as palavras latinas hostes e hospes designam ambas o estrangeiro. Este, com efeito, pode ser excluído como um inimigo ou acolhido como um hóspede. (MULLER, 2006, p. 19)

A seu turno, Julien Freund manifesta que o conflito [...] trata de romper a resistência do outro, pois consiste no confronto de duas vontades quando uma busca dominar a outra com a expectativa de lhe impor a sua solução. Essa tentativa de dominação pode se concretizar através da violência

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direta ou indireta, através da ameaça física ou psicológica. No final, o desenlace pode nascer do reconhecimento da vitória de um sobre a derrota do outro. Assim, o conflito é uma maneira de ter razão independentemente dos argumentos racionais (ou razoáveis) [...]. Então, percebe-se que não se reduz a uma simples confrontação de vontades, idéias ou interesses. É um procedimento contencioso no qual os antagonistas se tratam como adversários ou inimigos. (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 46) [Grifou-se.]

O conflito, muitas vezes procurado em esportes competitivos e jogos, em filmes ou livros, ao ouvirem-se notícias ou ler-se o jornal, no jogo provocante entre casais, no trabalho intelectual, demonstra que não deve ser eliminado nem suprimido por um longo tempo, pois a existência do conflito é inerente à própria existência do ser humano (DEUTSCH, 2004). Por isso, afirma Vezzula que “o conflito consiste em querer assumir posições que entram em oposição aos desejos do outro, que envolve uma luta pelo poder e que sua expressão pode ser explícita ou oculta atrás de uma posição ou discurso encobridor” (VEZZULA, 1998, p. 21). Nessa ótica, verifica-se que o conflito transforma as pessoas, seja em relação consigo mesmo, seja na sua relação com os outros, demonstrando que traz consequências desfiguradoras e purificadoras, enfraquecedoras ou fortalecedoras. Portanto, um conflito externo, determina os confins do grupo e contribui para o nascimento de um sentimento de identidade, bem como centraliza a estrutura interna do grupo e possibilita a definição de aliados. O conflito externo une o grupo e o faz coeso, concentrando uma unidade já existente, eliminando os elementos que possam obscurecer a clareza dos limites com o inimigo, aproximando pessoas e grupos que, de outra maneira, não teriam qualquer relação entre si. (SPENGLER, 2010) Entretanto, destaca-se que o conflito, assim como pode ser construtivo, pode se apresentar com conotação destrutiva quando seus participantes restarem insatisfeitos com as conclusões e sentirem, no resultado do conflito, a derrota. Dessa afirmação, vislumbra-se que o conflito com resultado produtivo é aquele em que to-

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dos os participantes estão satisfeitos com os efeitos e consequências do conflito (DEUTSCH, 2004). Assim, vislumbra-se que o conflito é inevitável e salutar, o qual requer meios autônomos de manejá-lo e que seja encarado enquanto fato, positivo ou negativo de acordo com os valores inseridos no contexto social analisado, pois uma sociedade sem conflitos é estática (MORAIS; SPENGLER, 2012). Neste rumo, adiciona Deutsch: Algum tempo atrás, no jardim da casa de um amigo, meu filho de cinco anos e seu colega disputavam a posse de uma mangueira. Um queria usá-la antes do outro para aguar as flores. Cada um tentava arrancá-la do outro para si e ambos estavam chorando. Os dois estavam muito frustrados e nem um nem outro era capaz de usar a mangueira para regar as flores como desejavam. Depois de chegarem a um impasse nesse cabo de guerra, eles começaram a socar e a xingar um ao outro. A evolução do conflito para a violência física provocou a intervenção de uma poderosa terceira parte (um adulto), que propôs um jogo para determinar quem iria usar a mangueira antes do outro. Os meninos, um tanto quanto assustados pela violência da disputa, ficaram aliviados em concordar com a sugestão. Eles rapidamente ficaram envolvidos em tentar achar um pequeno objeto que eu tinha escondido e obedientemente seguiram a regra de que o vencedor seria o primeiro a usar a mangueira por dois minutos. Logo eles se desinteressaram pela mangueira d’água e começaram a colher amoras silvestres, as quais atiravam provocativamente em um menino de dez anos de idade que respondia aos inúteis ataques com uma tolerância impressionante. (DEUTSCH, 2004, p. 24)

Da narração do episódio acima, pode ser inquirido aos participantes no conflito – como suas características individuais (força, meios de cognição, personalidade, estado emocional etc.) e as relações prévias de um com o outro afetaram o desenvolvimento e o andamento da disputa. A partir dos fatos, poderia ser indagado se, por exemplo, os conflitantes fossem adultos ao invés de meninos, teria a violência física sido utilizada como meio de solução da disputa? Ou deve-se supor que isso teria ocorrido em razão de que a

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violência é mais dolorosa e perigosa entre os homens do que entre meninos e assim as restrições pessoais e sociais contra adultos batendo um no outro são possivelmente mais fortes? Ou talvez fosse mais difícil manifestar a violência por causa da maior intelectualidade dos adultos. Ou quem sabe fosse razoável pensar que seria menos provável meninas baterem umas nas outras do que meninos fazê-lo. Se tais suposições fossem corretas, como seria possível socializar as pessoas de maneira a tornar determinados meios de estourar conflitos tão estranhos a ponto de serem “impensáveis”? Ou pode ser indagado acerca da motivação do conflito e da maneira como ele se expressa? Havia algo na posse ou não posse da mangueira que tenha sido de particular importância emocional para os litigantes? (DEUTSCH, 2004, p. 24) A partir do caso exposto, pode-se indagar de que forma a intervenção de uma terceira parte terá chance de ser mais bem-sucedida em resolver um conflito desse tipo? Quais são as características dessa terceira parte, incluindo o seu relacionamento com as partes em conflito, que determina a aceitabilidade de sua intervenção? Quais as características do terceiro que ajuda a resolver conflitos e quais são as que promovem o impasse em um litígio interminável? Igualmente, podem-se estabelecer algumas questões a partir do caso ilustrado. Primeiro, as características das partes em conflito (seus valores e motivações; suas aspirações e objetivos; seus recursos físicos, intelectuais e sociais para travar ou resolver conflitos; suas crenças sobre conflito, incluindo suas concepções estratégicas e táticas; e assim por diante). Ao envolver-se em um conflito, seja para um grupo de pessoas ou para meninos, importa saber o que cada parte irá considerar como recompensa ou vitória e o que compreenderão como punição ou perda. Ainda, tanto para indivíduos quanto para nações, conhecer as armas e instrumentos disponíveis e as habilitadas para utilização desses recursos é relevante para prever e entender o andamento do conflito, da mesma forma é importante saber se o conflito é dado entre iguais (dois meninos) ou desiguais (um adulto e uma criança), entre partes de um todo (Porto Alegre e Santa Cruz do Sul) ou entre uma parte e um todo (Rio Grande do Sul e Brasil), ou entre todos (Brasil e Estados Unidos). Na sequência, verificam-se os relacionamentos prévios de um com o outro “(suas concepções, crenças e expectativas sobre o ou-

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tro, incluindo o que cada um acredita ser a visão do outro sobre si, e particularmente o grau de polarização que ocorreu em avaliações como “bom-mau”, “confiável-desconfiável”)” (DEUTSCH, 2004, p. 31). A importância desse conhecimento reside no fato de que o conflito será influenciado e afetado pelas relações prévias e pelas concepções preexistentes entre as partes. Percebe-se, também, a natureza da questão que dá origem ao conflito (seu âmbito, rigidez, importância emocional, formulação, periodicidade etc.), bem como o ambiente social em que o conflito ocorre, ou seja, “as facilidades e restrições, os encorajamentos e as retrações que ele gera em relação às diferentes estratégias e táticas de travar ou resolver conflitos, incluindo a natureza das normas sociais e das formas institucionais que o regulamentam” (DEUTSCH, 2004, p. 31). Observam-se, da mesma forma, os espectadores interessados no conflito, a partir dos relacionamentos entre si e com as partes em divergência, seus interesses no confronto e as consequências deste para os espectadores, suas características. Um conflito que surge em uma esfera pública pode ser influenciado pelas concepções dos participantes a respeito de seus espectadores e como eles irão reagir ou, ainda, pelo exato comportamento dos terceiros interessados. E um conflito entre indivíduos ou coletividades pode ser ou incentivado ou retido pelo desejo de manter ou de ganhar frente aos terceiros e pelas promessas ou ameaças exercidas pelo espectador. A estratégia e a tática empregadas pelas partes no conflito consistem em [...] avaliar e/ou mudar a utilidade, a inutilidade e as probabilidades subjetivas de cada um; e em influenciar as concepções dos outros sobre as próprias utilidades e inutilidades de alguém por meio de táticas que variam em dimensões como legitimidade-ilegitimidade, o uso relativo de incentivos positivos e negativos como promessas e recompensas ou ameaças e punições, liberdade de escolha-coerção, a abertura e veracidade da comunicação e do compartilhamento de informações, o grau de credibilidade, o grau de comprometimento, os tipos de motivos alegados, e assim por diante. (DEUTSCH, 2004, p. 32)

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Por conseguinte, extraem-se as consequências do conflito para cada participante e para outras partes interessadas, ou seja, os ganhos e as perdas relacionados à questão imediata em conflito, os precedentes estabelecidos, as mudanças internas nos participantes resultantes em razão de terem entrado em disputa, os efeitos a longo prazo no relacionamento entre as partes envolvidas e a reputação que cada parte constrói aos olhos dos vários espectadores interessados (DEUTSCH, 2004, p. 32). Para resolver os conflitos surgidos na sociedade, o Estado utiliza-se do Poder Judiciário, a partir da intervenção do juiz, o qual deve decidir os litígios, e pôr fim ao conflito por meio de uma decisão que se torna definitiva e, portanto, imutável. Por outro lado, surgem as práticas de tratamento de conflitos, as quais objetivam compreender as pessoas envolvidas no conflito para alcançar um tratamento qualitativamente adequado, construído pelas próprias partes com o auxílio do terceiro mediador. Por isso, nos próximos pontos, estudar-se-á o papel do Judiciário e do mediador no conflito. 4

O ESTUDO DA COMUNIDADE EM AMITAI ETZIONI

Definir comunidade, para muitos autores, tais como Bottomore, é considerado um desafio, pois reputam à expressão um conceito vago e evasivo. Para o referido autor, o termo comunidade [...] tornou-se uma palavra-chave usada para descrever unidades sociais que variam de aldeias, conjuntos habitacionais e vizinhanças até grupos étnicos, nações e organizações internacionais. No mínimo, comunidade geralmente indica um grupo de pessoas dentro de uma área geográfica limitada que interagem dentro de instituições comuns e que possuem um senso comum de interdependência e integração. (BOTTOMORE, 2006, p. 115)

A seu turno, o comunitarismo, cuja preocupação central é a comunidade e cuja principal afirmação é a relevância da comunidade para a construção da boa sociedade, apresenta elementos importantes para a construção de uma sociedade política condizente

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aos ideais humanistas, democráticos, de inclusão social e de desenvolvimento sustentável. O estudo do comunitarismo abarca um conjunto diversificado de formulações filosóficas, sociológicas e políticas, presentes nas diferentes religiões e sistemas de pensamento, podendo ser identificadas, no mínimo, nove matrizes teóricas do pensamento comunitarista ocidental, quais sejam: a) a tradição aristotélica; b) a tradição judaico-cristã; c) a tradição utópica; d) o liberalismo; e) o ideário socialista e anarquista; f) os estudos sociológicos sobre comunidade; g) o pensamento autoritário; h) o republicanismo; i) as teorias do capital social; e j) e o comunitarismo responsivo. Destas, segundo Schmidt, somente a autoritária não dispõe de elementos para a formação de um novo ideal democrático e uma vida em sociedade (SCHMIDT, 2011). Verifica-se que o termo comunitarismo possui uma história recente, tendo sido designado por Barmby em 1841 ao fundar a Associação Comunitarista Universal. No entanto, a popularização do termo ocorreu somente na década de 1970, a partir da qual foi intensificada a velha controvérsia acerca do que constitui uma boa sociedade, devendo examinar-se a ordem social, fundamentada nos valores morais, e a autonomia. Amitai Etzioni, sociólogo norte-americano, expoente no desenvolvimento do comunitarismo responsivo, movimento que realça a centralidade do papel da comunidade na vida social, afirma que “las comunidades constituyen uno de los componentes principales de la buena sociedad” (ETZIONI, 2001, p. 23). De acordo com Etzioni, o paradigma comunitário aplica a regra de ouro1 para caracterizar a boa sociedade como a que fomenta tanto as virtudes sociais como os direitos individuais, afirmando que a boa sociedade deve buscar um equilíbrio (dinâmico) entre ambos, o que deve ser feito por meio da fixação de responsabilidades morais (obrigações não impostas pela coerção), vistas como virtude social (ETZIONI, 1996). Assim, busca-se o equilíbrio entre direitos individuais e responsabilidades sociais, entre individualidade e comunidade, assim 1

Para o autor, a antiga regra de ouro estabelecia a prevalência do bem comum e da ordem social, enquanto que a nova ordem busca o equilíbrio entre ordem social e individual.

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como entre autonomia e ordem social. Nessa senda, o referido autor desenvolve a ideia de comunidade a partir de aldeias e pequenas cidades, ou seja, o que faz com que uma entidade social, de uma aldeia a um grupo de nações, se converta em uma comunidade. Uma comunidade não é um lugar concreto, mas um conjunto de atributos, sendo que se distinguem entre si por relações de afeto e pelo compartilhamento de valores e significados (ETZIONI, 1996). Consoante dispõe o referido autor, La comunidad, a mi entender, se basa en dos fundamentos, reforzadores ambos de las relaciones Yo-Tú. En primer lugar, las comunidades proporcionan lazos de afecto que transforman grupos de gente en entidades sociales semejantes a familias amplias. En segundo lugar, las comunidades transmiten una cultura moral compartida: conjunto de valores y significados sociales compartidos que caracterizan lo que la comunidad considera virtuoso frente a lo que considera comportamientos inaceptables y que se transmiten de generación en generación, al tiempo que reformulan su propio marco de referencial moral día a día. (ETZIONI, 2001, p. 24).

Em adição, Schmidt apresenta as características da comunidade: (a) a comunidade é condição ontológica do ser humano; (b) oposição ao individualismo e ao coletivismo; (c) oposição ao gigantismo estatal; (d) primazia dos valores pessoais sobre os valores do mercado; (e) subsidiariedade, poder local, associativismo e autogestão; (f) fraternidade, igualdade e liberdade. (SCHMIDT, 2011, p. 312)

A comunidade é uma condição ontológica do ser humano por ser ele um ser social e político, o qual somente se realizada no convívio, na relação eu-nós. Ademais, “Etzioni traz um importante argumento empírico em favor da posição de que a comunidade é condição ontológica do ser humano: quem vive em comunidade vive mais tempo e com mais qualidade de vida” (SCHMIDT, 2011, p. 308).

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Opõe-se ao individualismo e ao coletivismo, eis que sustenta se posiciona entre a relação do homem consigo mesmo e a relação da sociedade em detrimento do homem. Igualmente, opõe-se ao gigantismo estatal, pois a boa sociedade equilibra a ação estatal em áreas indispensáveis ao bem comum e à participação ativa da comunidade e dos cidadãos. Salienta-se, também, a primazia dos valores pessoais sobre os valores do mercado em razão de que “comunidade envolve relações de convívio pessoal, intimidade, afeto, solidariedade, compromisso com o bem comum, apoiadas em sentimentos de confiança e reciprocidade” (SCHMIDT, 2011, p. 309). Verifica-se, da mesma forma, que valorizar as instâncias próximas das pessoas harmoniza a perspectiva comunitária das teorias do poder local, da cooperação, da autogestão e do terceiro setor. E, ainda, caracteriza-se pela fraternidade, igualdade e liberdade. Fraternidade refere-se à amizade, camaradagem, companheirismo, solidariedade; igualdade corresponde à afirmação da igualdade política, desenvolvimento de políticas orientadas à redução das desigualdades econômicas e sociais, e defesa do Estado de Bem-Estar Social; por sua vez, liberdade real sustenta-se em condições sociais concretas, e a comunidade viabiliza as condições para a liberdade individual (SCHMIDT, 2011, p. 309). Por isso, objetiva-se uma ordem social que contenha um conjunto de valores compartilhados e que são respeitados pelos indivíduos. Uma boa sociedade, portanto, corresponde a uma ordem em consonância com os compromissos morais de seus membros. Dessa forma, o desafio para os que aspiram uma boa sociedade é constituir e sustentar uma ordem social considerada legítima pelos seus membros, de maneira permanente. Destaca-se, ainda, que, consoante refere Etzioni, a boa sociedade requer o equilíbrio entre Estado, comunidade e mercado, pois se complementam, sendo insubstituíveis. O paradigma comunitário reconhece a necessidade de alimentar vínculos sociais como parte do esforço por manter a ordem social enquanto se assegura que esses vínculos não eliminem as expressões autônomas. Ou seja, uma boa sociedade não privilegia o bem social por cima das opções individuais nem o inverso, ao contrário, defende as formações sociais como virtudes sociais (ETZIONI, 1996).

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Compreende-se, portanto, que “en una sociedad comunitaria [...] los valores, antes que inventarse o negociarse, se transmiten de generación en generación. Ésta es la implicación profunda de la afirmación de que una comunidad tiene una identidad, una historia, una cultura” (ETZIONI, 1996, p. 121), razão pela qual se afirma que a boa sociedade compreende que as condutas esperadas são inerentes aos valores que acreditam ao invés da obediência pelo temor à autoridade. Os comunitários orientam-se na construção de comunidades fundamentadas na participação aberta, no diálogo e em valores verdadeiramente compartilhados. Assim, as comunidades não têm a palavra final sobre o certo ou errado, apenas estabelecem um diálogo cujo resultado não é imposto (ETZIONI, 1996, p. 121). Dessa forma, sustenta-se que os elementos essenciais para se constituir e manter um marco compartilhado consistem em: 1) democracia como valor (não apenas como procedimento); 2) a constituição e sua declaração de direitos; 3) lealdades estratificadas (comunidade própria e geral); 4) neutralidade, tolerância e respeito; 5) limitação da política de identidade; 6) diálogos de toda a sociedade; e, 7) reconciliação. Nesse rumo, sustenta Schmidt que as comunidades possuem um papel fundamental nas ações com cuidado com crianças, terapia de uso de álcool e drogas, redução de delinquência infantil e da criminalidade etc. Da mesma forma, também é fundamental a sua existência no tratamento do conflito para atender à real necessidade das partes, a partir do ideal da fraternidade, permitindo que as próprias partes construam de forma conjunta a resposta ao seu conflito, resgatando-se sentimentos e valores que garantem a preservação dos direitos humanos, cidadania, e, por conseguinte, da justiça social e cultura de paz (SCHMIDT, 2013). Consoante sustenta Spengler, [...] não é possível ser feliz individualmente no interior de uma comunidade socialmente infeliz. A sociedade/comunidade na qual se encontra inserida [sic] o indivíduo também oferece sua parcela de contribuição (ou não!) na construção de sua felicidade e bem-estar. A fórmula que emerge atualmente quanto ao escopo (mutável) da busca da felicidade po-

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de ser traduzida pelos termos “segurança” (no lugar da liberdade), “paridade” (no lugar da igualdade) e “rede” (no lugar da fraternidade). (SPENGLER, 2012, p. 87).

Schmidt defende que todas as principais teorias comunitaristas combinam de algum modo o conceito de comunidade com os princípios de fraternidade. “A fraternidade tem acolhida consensual: amizade, camaradagem, companheirismo, solidariedade são características próprias da vida comunitária” (SCHMIDT, 2011, p. 311). Nesse contexto, o Direito Fraterno, desenvolvido no âmbito da Filosofia do Direito pelo professor italiano Eligio Resta, requer o resgate do conceito de comunidade e sua relação com o instituto em estudo, eis que um dos atores sociais que são corresponsáveis no tratamento dos conflitos é a comunidade, conforme anteriormente analisada, e a seguir será estudada sob a ótica da mediação comunitária. 5

A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA PELA FRATERNIDADE

A abordagem da comunidade não deve ser feita como um lugar de compreensão mútua ou em que não existem conflitos sociais, pois é uma ilusão compreender que nela as discussões são amigáveis e amenas, em que os interesses são voltados à coletividade em prol da harmonia, embora a palavra comunidade traduza tudo aquilo de que se sente falta e de que se precise para viver seguro, confiante no mundo contemporâneo. Vislumbra-se, portanto, que a proposta de Direito Fraterno resgata as relações comunitárias, conforme leciona Sica: O que se observa é que o preenchimento do conteúdo do termo “comunidade” deve ser obtido de acordo com as peculiaridades operativas de cada programa. Por exemplo, em certos lugares a comunidade é compreendida no sentido de community of concern, ou seja, aquelas pessoas mais diretamente relacionadas com o ofensor e com a vítima (familiares, amigos, vizinhos) e que, de alguma forma, podem dimensionar os efeitos ou foram afetados pelo crime e colaborar para uma solução consensual. Em outros lugares, a comunidade pode ser concebida por meio da participação de entidades da

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sociedade civil organizada que trabalham em determinadas situações, ou seja, a regra básica é “respostas diferentes, para contextos diferentes”. (SICA, 2007, p. 15)

Neste contexto, compreende-se que fraternidade, originária do Direito alemão, significa irmão, apresentando três sentidos: a) parentesco de irmãos; b) amor ao próximo; c) união, paz, harmonia de irmãos. Por isso, a ideia de fraternidade nos traz a união a partir da amizade fraterna, fazer o bem comum e harmonizar-se. O autor Elígio Resta propõe uma nova possibilidade de olhar e estabelecer relações na sociedade através do Direito Fraterno. Assim, busca-se um modelo de sociedade na qual a Justiça não seja a aplicação de regras frias, mas esteja atrelada a uma moral compartilhada entre iguais, ou seja, um modelo de sociedade na qual a amizade seja entendida como relação pessoal e como forma de solidariedade (apud SICA, 2007). Nessa senda, Spengler refere que o Direito Fraterno “é aquele que quando a igualdade rompe no coração da soberania parece finalmente realizar um projeto simbólico nascido com a modernidade, aquele do abatimento de um direito paterno, existente desde sempre, dado por Deus, da tradição, da natureza” (SPENGLER, 2012, p. 45). Dessa maneira, verifica-se que o Direito Fraterno constitui-se em um mecanismo de promoção dos direitos humanos, no mesmo passo em que valoriza o homem na sua relação com iguais, bem como as pessoas compartilham sem diferenças, porque respeitam todas elas, daí porque se afirma que é um direito inclusivo, o qual considera as pessoas pelo simples fato de serem seres humanos (VIAL, 2007). São postulados éticos e primários de toda ordem moral e jurídico-positiva de cujos limites nenhum poder político pode afastar-se. São balizadores de todo do poder político da sociedade organizada, fundados na natureza racional do ser humano, portanto universais. São, pois, princípios e valores. Consoante refere Resta, [...] a amizade reaparece nos sistemas sociais como diferença entre interação de identidades individuais, que se escolhem e

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orientam a comunicação voluntariamente, e as relações burocráticas e heterodirecionadas dos mecanismos dos grandes sistemas funcionais. (RESTA, 2004, p. 31)

Vislumbra-se, a partir do exposto, que a sociedade apresenta uma necessidade de insistir nos códigos fraternos e tentar valorizar possibilidades diferentes, eis que a fraternidade retoma a comunhão de pactos entre distintos sujeitos concretos, com suas histórias e suas diferenças, sendo a amizade um elemento importante na vida dos sistemas sociais, pois, quanto mais a amizade deixar de sustentar as relações espontâneas da sociedade, mais haverá necessidade de uma lei prescrita e, por conseguinte, da reverberação das cadeias de exclusão e distinção social entre inimigos e cidadãos. A peculiaridade do Direito Fraterno reside no fato de que a gratidão pelo reconhecimento de um amigo estabelece a mais consistente solidariedade que fundamenta o sistema social, sendo capaz de formar vínculos atemporais, enquanto que, ao findar o circuito da amizade, encontra-se lugar para o inimigo. No entendimento de Resta, o si mesmo da humanidade é o lugar da ambivalência, que edifica e destrói; que ama e odeia; que vive de solidariedades e prepotências, de amizades e inimizades, tudo simultaneamente. Na guerra, a humanidade nada pode fazer a não ser ameaçar-se a si mesma, o que evidencia que ser “homem” não corresponde a ter “humanidade” (RESTA, 2004, p. 31). Assim, pode-se afirmar que o mal-entendido deveria se resolver por outras vias, e os povos deveriam aprender e compreender aquilo que os aproxima e a tolerar o que os diferencia. Da guerra só advém o vazio do luto e a elaboração da dor. Nesse sentido, verifica-se que ser amigo da humanidade é participar dos destinos dos homens movido por uma ideia, ter respeito por qualquer outro e por si mesmo, possuir sensibilidade, dever e responsabilidade, visto que a humanidade é termo inclusivo, é o lugar-comum das diferenças, pois contém, ao mesmo tempo, amizade e inimizade (RESTA, 2004, p. 31). Compreende-se, portanto, que o Direito Fraterno é um direito jurado, em conjunto, por irmãos, homens e mulheres, com um pacto em que se ‘decide compartilhar’ regras mínimas de convivência. Destarte, o olhar de Resta é, antes de tudo, um olhar para os direi-

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tos humanos, e não para o direito de cidadania (sempre lugar de exclusão individualista); é para a humanidade como um lugar comum e universal, mas não universal no sentido de homogêneo, que mascara as diferenças. Estas existem e devem ser consideradas, mas no sentido do que é de todos os seres humanos. Não há espaço para etnocentrismo e por isso o Direito Fraterno é cosmopolita (pois reporta ao cósmico, ao valor universal dos direitos humanos, e não à lógica mercantilista). Não é violento, pois se pauta na mediação (ideia de jurisdição mínima). É inclusivo, visto que escolhe os direitos fundamentais e define o acesso universalmente compartilhado, onde todos podem gozar, e não só uma minoria (RESTA, 2004, p. 31). A amizade, base do Direito Fraterno, é o vínculo que possibilita uma comunicação direta, bem como constrói uma estratégica de tratamento do conflito que seja fundamentado em um Direito que se relacione com os sujeitos históricos e não apenas com os sujeitos processuais. Dessa forma, permite-se que o conflito seja encarado como um evento fisiológico “tratável”, embora nem sempre “solucionável”; superado a dicotomia positivista ganhador/perdedor para abarcar a possibilidade de ganho para ambas as partes, perpetuando estar “com” o outro e não “contra” o outro (SPENGLER, 2012). Ou seja, fundamenta-se no processo comunicacional, no tratamento alternativo e efetivo de conflitos, no diálogo e consenso, bem como no respeito absoluto aos direitos humanos e na dignidade de pessoa humana, revelando-se, portanto, preconizador do Estado Democrático de Direito e assecuratória de seus princípios e valores. A verdadeira amizade não se constitui pelas diferenças e sim pelas semelhanças. Por isso, a resolução das diferenças/conflitos pela intervenção estatal pode acentuar/reconhecer as diferenças e desproporcionalidades. Nesse contexto, verifica-se que a comunidade fraterna não é um local de bondade por definição, apenas um espaço comum, razão pela qual os mesmos irmãos que a compõem podem gerar tanto ameaça quanto fraternidade (SPENGLER, 2012). Diante do conflito e da perda da confiança nos meios tradicionais de resolução de conflitos, a mediação comunitária caracteriza-se por propor uma outra cultura, mediante práticas consensuadas e autônomas que devolvem à pessoa e à comunidade a capacidade de lidar com o conflito inerente à sua existência.

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Assim, aponta-se a mediação como [...] uma maneira de instaurar a comunicação comunitária rompida entre os cidadãos ou grupos em virtude da posição antagônica instituída pelo conflito. Tratando-se de um intercâmbio comunicativo no qual os conflitantes estipulam o que compete a cada um no tratamento do conflito em questão, a mediação facilita a expressão do dissenso definindo um veículo que possa administrar a discordância e chegar a um entendimento comunicativo. (SPENGLER, 2012, p. 94)

O principal desafio da mediação é possibilitar uma convivência comunicativamente pacífica entre as pessoas, por isso substitui a comunicação conflitiva pela comunicação cooperativa e integradora dos problemas, auxiliando no desenvolvimento da capacidade de autodeterminação e responsabilização de cada pessoa. A mediação é caracterizada como a forma ecológica de tratamento de conflitos sociais e jurídicos, cujo escopo é satisfazer o desejo das partes envolvidas na disputa. O acordo trata o problema a partir de uma resposta aceitável mutuamente, estruturado para manter a continuidade das relações envolvidas no conflito (WARAT, 2001). Dessa forma, diante da existência de um conflito, há a interferência de um terceiro, com o poder de decisão limitado, o qual auxilia as partes a alcançarem de forma voluntária um acordo, ou seja, “é o modo de construção e de gestão da vida social graças à intermediação de um terceiro neutro, independente, sem outro poder que não a autoridade que lhes reconhecem as partes que a escolheram ou reconheceram livremente” (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 131). Consoante manifesta Spengler, a palavra mediação suscita a ideia de centro, de meio, de equilíbrio, descrevendo um terceiro elemento que se encontra entre as partes, não sobre, mas entre elas. Por tal razão, afirma a autora que a mediação constitui-se em um processo em que o terceiro auxilia os participantes em uma situação conflitiva a tratá-la, permitindo que a solução seja aceitável para os envolvidos, bem como satisfaça seus anseios e desejos (SPENGLER, 2010). Nessa ótica, refere Warat:

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O grande segredo, da mediação, como todo segredo, é muito simples, tão simples que passa despercebido. Não digo tentemos entendê-lo, pois não podemos entendê-lo. Muitas coisas em um conflito estão ocultas, mas podemos senti-las. Se tentarmos entendê-las, não encontraremos nada, corremos o risco de agravar o problema. Para mediar, como para viver, é preciso sentir o sentimento. O mediador não pode se preocupar por intervir no conflito, transformá-lo. Ele tem que intervir sobre os sentimentos das pessoas, ajudá-las a sentir seus sentimentos, renunciando a interpretação. Os conflitos nunca desaparecem, se transformam; isso porque, geralmente, tentamos intervir sobre o conflito e não sobre o sentimento das pessoas. Por isso, é recomendável, na presença de um conflito pessoal, intervir sobre si mesmo, transformar-se internamente, então, o conflito se dissolverá (se todas as partes comprometidas fizerem a mesma coisa). O mediador deve entender a diferença entre intervir no conflito e nos sentimentos das partes. O mediador deve ajudar as partes, fazer com que olhem a si mesmas e não ao conflito, como se ele fosse alguma coisa absolutamente exterior a elas mesmas. (WARAT, 2001, p. 30-31)

A mediação comunitária diferencia-se das práticas tradicionais de tratamento de conflitos em razão de que atua na comunidade com o escopo de reabrir os canais de comunicação interrompidos e reconstruir laços sociais destruídos. Compreende-se que seu desafio consiste em aceitar a diferença, a diversidade, o dissenso e a desordem provocados pelo conflito. Destaca-se, nesse contexto, que “a nova comunidade é aquela que para proteger seus participantes dá-lhes meios de encontrar respostas comunitárias para problemas comunitários gerando proteção e segurança sem abrir mão da liberdade” (SPENGLER, 2012, p. 227). A mediação comunitária trabalha com a lógica dos “mediadores cidadãos”, pois os mediadores são os membros da própria comunidade, escolhidos e capacitados para o exercício da mediação. São pessoas que dedicam seu tempo e responsabilidade com o escopo de benefício comum, à busca de um vínculo social efetivo entre os membros da comunidade (SPENGLER, 2012, p. 227).

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Destarte, a mediação comunitária desenvolve entre a comunidade valores, conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos fortalecedores de uma cultura político-democrática e uma cultura de paz. Nesse sentido, cumpre com duas funções: Primeiro oferece um espaço de reflexão e busca de alternativas na resolução de conflitos nas mais diversas esferas: família, escola, no local de trabalho, entre outros. Em segundo lugar, o indivíduo possui um ganho que, não obstante parecer secundário, assume proporções políticas importantes quando ao resolver autonomamente seus conflitos passa a participar mais ativamente da vida política da comunidade. (SPENGLER, 2012, p. 228)

Consoante sustenta Warat, trata-se de um procedimento cooperativo e solidário, o qual possibilita transformar o conflito e transformar as pessoas no conflito em razão do poder olhar a si próprio a partir do olhar do outro, colocando-se em seu lugar para entendê-lo e vice-versa, ou seja, consiste na ética da alteridade de captar o outro e desfazer-se das velhas lentes que fragmentam, classificam e distanciam (WARAT, 2004). A justiça comunitária, enquanto instrumento de paz e política democrática, provoca a emancipação, diálogo, solidariedade, comunidade em rede e, por essa razão, novas práticas sociais emergem, estimulando a transformação social (SPENGLER, 2012). Percebe-se, portanto, que a mediação configura-se em uma proposta mais adequada à realidade atual da sociedade brasileira, apresentando uma nova cultura de tratar o conflito, além da jurisdição tradicional, por meio de práticas consensuadas e autônomas que devolvem à pessoa a capacidade de lidar com o seu conflito. A importância da mediação comunitária reside no fato de que atua na comunidade, onde há pluralismo de valores e sistemas de vida diversos, reconstruindo laços sociais destruídos e restabelecendo a comunicação. Não se trata de negar a necessidade do Estado, apenas apresenta-se uma alternativa diante da sua crise e ineficiência, sendo essa prática inclusiva e fraterna.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade contemporânea revela-se pautada nos ideais da competividade e do individualismo, desencadeando processos de beligerância entre os membros de um mesmo grupo e, por consequência, aumentando o número de litígios e processos judiciais. Desta forma, mostra-se urgente o discurso da implementação de uma cultura de paz e justiça social, de forma a obstaculizar o crescente nível de combate e conflito existente no tecido social. Para atender ao referido objetivo, o resgate do papel da comunidade é fundamental, pois o tratamento do conflito é muito mais eficaz quando é para todos, razão pela qual deve ser valorizado o bem comum mais do que os bens individuais. Percebe-se que a mediação comunitária, ao fortalecer o papel social do cidadão, é uma política pública caracterizada como pela nova cultura cidadã, a qual se fundamenta na valorização da pessoa enquanto ser humano e pelo pacto entre iguais, fomentando a cooperação, o entendimento e a justiça social, por consequência. A mediação comunitária é um instrumento viabilizado a partir da implementação de políticas públicas que envolvam o Estado, a sociedade e aqueles que nela vivem, resgatando ações que visam a proteção e o respeito à dignidade humana. Por isso, a mediação apresenta-se como resposta ao cenário atual da jurisdição, a qual restabelece as relações sociais entre as partes envolvidas em um conflito, resgatando os sentimentos/necessidades de cada um, minimizando, portanto, os danos causados às partes e suas respectivas famílias e comunidades. Portanto, cria espaços de acolhimento e promoção de direitos, bem como permite a existência de um sistema de valores e princípios fundado no diálogo, na participação direta e indireta dos envolvidos e no estabelecimento de acordos, buscando, por conseguinte, a concretização e o exercício regular da cidadania de cada um. A mediação é um processo alternativo, consensual e não adversarial de tratamento de conflitos, no qual o mediador dá assistência às pessoas em conflito com a finalidade de que possam manter uma comunicação produtiva à procura de um acordo satisfatório. Permite que as partes encontrem uma saída original para seus conflitos; que trabalhem por si próprias na resolução do litígio; que sejam autoras e não meras expectadoras da decisão a ser tomada, por isso a importância da comunidade nesse processo.

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