\"ACREDITO QUE TODO COLETIVO TRAZ UMA VOZ ATIVA A QUALQUER INSTITUTO”: RESISTÊNCIAS NO ESPAÇO ESCOLAR DO IFRJ-MARACANÃ

May 31, 2017 | Autor: Daniel dos Santos | Categoria: Gender Studies, Feminism, High School
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“ACREDITO QUE TODO COLETIVO TRAZ UMA VOZ ATIVA A QUALQUER INSTITUTO”: RESISTÊNCIAS NO ESPAÇO ESCOLAR DO IFRJ-MARACANÃ Daniel dos Santos1 Luciana Barbosa Reis2 Resumo Os coletivos dentro do espaço escolar vêm desempenhando um papel importante de conscientização e ativismo, semelhante às propostas de textos oficiais empenhados nas questões sociais nessas instituições. Como forma de buscar um entendimento teórico, a investigação de como se organizam um coletivo de mulheres, além do grupo de pesquisa Imagens do Feminino dentro do espaço do Instituto Federal do Rio de Janeiro torna-se uma ferramenta importante para estimular ações de mesma natureza em espaços que carecem de tais debates. Esse texto busca elucidar o modo como os grupos supracitados dialogam questões de gênero, além de entender como essas discussões podem impactar no dia a dia dos alunos, assim como aconteceu na Semana da Química e no Ciclo de Atividades no Mês das Mulheres. Dentro do contexto do Instituto Federal do Rio de Janeiro (Unidade-Maracanã) – que se mostra previamente engajado em um projeto pedagógico para o campus, trazendo a diversidade dos estudantes como pauta de mudança e coletivização, transformar esse construto em práxis seria o motor concreto que para escolas que ainda mantém um discurso incipiente ou não convocam atividades reflexivas em seus meios os possam desenvolver. Desse modo, investigar se tais projetos poderiam realmente circunscrever a realidade e se tornar um meio de estímulo e fonte para a atuação professores é extremamente necessário em relação à atuação de grupos auto-organizados, e verificar se, na verdade, tais grupos estariam ocupando esse papel destinado a um grupo restrito do Instituto. Portanto, essa pesquisa incita a necessidade de viabilizar a práxis discursiva a qual documentos oficiais se afiliam, garantindo, desse modo, o acesso a conhecimentos inviabilizados que subjazem a sistemática da sociedade, e convocando a responsabilidade sócio-discursiva a qual coletivos e grupos de pesquisa têm tomado para si.

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Universidade Federal do Rio de Janeiro ([email protected]) Instituto Federal do Rio de Janeiro ([email protected])

Palavras-chave: gênero – feminismo – escola Introdução O entendimento do espaço escolar na atualidade evoca mais do que conhecer os documentos oficiais que norteiam o ensino, os pressupostos teóricos dos professores, materiais didáticos, ou então os meios de avaliação de desempenho dos alunos. A compreensão desse sistema requer práticas de pesquisa que considerem a agenda das escolas (principalmente públicas), de modo a compreender a Educação de forma ampla, assim como as práticas sociointerativas do cotidiano das instituições. Desse modo, é também imprescindível que haja uma relação entre os territórios a que essas escolas estão correlacionadas – entorno, famílias e outras instituições, a fim de exaurir os preconceitos que impedem a visão de alteridade no cotidiano dos alunos, em suas relações profissionais e nos ambientes de convívio mais privado (SCHWANDT, 2007:193). A pesquisa científica, no contexto de um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, estimula a necessidade de transformar as experiências de alunos e professores em teoria, transformando tais construtos em uma práxis engajada em ações mais conscientes em relação a gênero, classe e raça. De modo a ampliar a ideia por trás do “conhecimento”, e também viabilizando as experiências que ocupam as posições mais inferiores na sistemática da sociedade – e, por sua vez, não caindo nas mesmas amarras do academicismo, o trabalho convoca a responsabilidade sociodiscursiva dos seus agentes – pesquisadores e demais indivíduos diretamente relacionados ao Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) a conscientizar-se da responsabilidade da escola para com a formação crítica dos alunos. A teoria, dessa forma, auxilia em posições de ativismo canalizadas pelo reconhecimento de outras experiências que vêm norteando as investigações no espaço escolar. Além disso, como pesquisadores inseridos nos estudos da linguagem, entendemos as práticas discursivas que nos constroem em diferentes campos de agência, como meio de análise para a coleta de dados. Por esse viés, nos propusemos a investigar as narrativas de grupos auto-organizados na esfera do IFRJ. Sendo assim, três perguntas nortearam esta pesquisa: (1) A formação de coletivos tem um impacto positivo na formação crítica dos alunos? (2) Como os coletivos se organizam no

espaço escolar? (3) O Projeto Pedagógico Institucional3 poderia circunscrever a realidade e se tornar um meio de estímulo e fonte para a atuação de professores ou grupos auto-organizados estariam ocupando esse papel? Para responder essas questões, empreendemos uma análise das narrativas de alunas do Coletivo de Mulheres Bertha Lutz, e dos discursos veiculados nas entrevistas com bolsistas do grupo de pesquisa Imagens do Feminino. Além disso, coletamos relatos disponíveis em redes sociais acerca da Semana da Química (2015), além dos diários de campo produzidos durante o Evento do Mês das Mulheres (mar. 2016).

Os coletivos feministas

A emergência de coletivos feministas no espaço escolar, assim como a necessidade de discutir gênero e identidade estão relacionados de forma intrínseca com a modernidade, de modo que é impossível pensar na escola desconectada de tais debates. Torna-se, portanto, fundamental que sejam empreendidas tais diálogos entre escola e sociedade, de modo que essas interações mais situadas possam desempenhar um papel importante no combate à objetificação e estereotipação da mulher (GIESEL, 2012:117). Os coletivos de mulheres certamente ocupam posição de vanguarda na discussão de gênero nas escolas. O próprio movimento feminista abre espaços ao âmbito privado para a contestação política, sendo a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado com as crianças (HALL, 2011:45) e agora, portanto, a escola, temas de discussão e debate nesses espaços. Desse modo, consideramos a pesquisa sob a perspectiva feminista como epistemologia fundante que prepara o terreno para ações e políticas que transcendem e transformam. Uma reportagem da Revista Capitolina4 ressalta a importância da auto-organização de círculos de promoção da equidade nas instituições de educação, visto que, o espaço acadêmico é ainda constantemente disputado por ser uma esfera hegemonicamente masculina. O texto ainda assinala o fato de existirem outros grupos preocupados com os estudantes, mas 3

Projeto Pedagógico Institucional (2015); vigência 2014-2018; Disponível em: http://www.ifrj.edu.br/sites/default/files/webfm/images/PPI%202014-2018.pdf (Último acesso em 10 mai. 2016) 4

Coletivos feministas estudantis: a importância da auto-organização: Disponível via internet: http://www.revistacapitolina.com.br/coletivos-feministas-estudantis-importancia-da-auto-organizacao/ (Último acesso em 4 jun. 2016)

que muitos deles tornam secundárias as complexidades de ser mulher e estudante. Tão importante para isso é a visão atual de mulheres ocupando, de fato, tais lugares majoritariamente masculinos. A relação entre ciência e gênero é enredada de forma bastante restritiva, e salientada muitas vezes por argumentos biologicistas que entendem o cérebro masculino mais preparado para a racionalidade. Tal relação se torna ainda mais específica e necessária, ao estudarmos como a questão de gênero é imbricada no espaço escolar do ensino técnico e regular, e o diálogo que exerce (ou não) com tais coletivos feministas autoorganizados.

O Coletivo de Mulheres no contexto do IFRJ

O Instituto Federal do Rio de Janeiro, por sua vez, faz parte de um movimento vinculado à expansão e ao desenvolvimento do ensino técnico, envolvendo a criação de escolas responsáveis pela formação de profissionais das áreas de desenvolvimento tecnológico. Com cerca de 1500 alunos que ingressaram através de um modelo restrito de avaliação, entre todas as modalidades de ensino, o IFRJ, ainda assim, abarca inúmeros grupos de pessoas que se interconectam em marcas sociais de classe, raça, etnia, gênero e sexualidade. A fim de envolver o alunado na perspectiva da diversidade, o ativismo deliberado pelos coletivos feministas permite dar voz a sentimentos e ideias a grupos que não têm espaço de expressão e nunca foram submetidos ao exercício da escuta. Dessa forma, emerge um espaço para que seja promovida a reflexão em torno do pensamento, e principalmente da ação (hooks, 2013:101), atingindo “o pleno desenvolvimento, a um só tempo intelectual, corporal, estético, afetivo, relacional e moral dos indivíduos” (GORZ, 1988:127; MIGUEL, L. F; BIROLI, 2014:58). Visto que, embora de formação baseada nas premissas do ensino técnico, os Institutos cumulam também essa responsabilidade, de modo que se tornem espaços de promoção da equidade de gênero, principalmente na saída para o campo de trabalho, o grande impasse para as mulheres.

De um projeto pedagógico a retratos de mídias engajadas

O Projeto Pedagógico Institucional (2015) é um documento paralelo que propõe a necessidade de pensar a formação do ensino técnico, garantindo as especificidades do IFRJ. Ele não atinge uma definitude nem tampouco se diz completo em meio à diversidade presente na instituição (IFRJ, 2015:i). Sendo assim, como um texto vivo, deve ser organicamente repensado (IFRJ, 2015:i). Tal documento apresenta objetivos importantes como o diálogo entre “empresas, sindicatos, movimentos sociais, organizações não governamentais” (IFRJ, 2015:45), e entende que através de atividades de extensão poderia dar aos alunos um campo maior de atuação, visto que a superação do cientificismo é uma das premissas que aparece no decorrer do texto. Portanto, esse olhar mais plural abrangeria a necessidade de promover o ensino reflexivo “proporcionando aos alunos a capacidade de intervir, criativamente e com versatilidade, nos seus campos de atuação nas diferentes áreas e acompanhando o desenvolvimento científico, cultural e tecnológico” (IFRJ, 2015:44). A partir dessa leitura, emergem as seguintes questões: um documento como esse, preparado para atender algumas demandas importantes na instituição e concentrado em manifestar a importância de todos os agentes envolvidos, poderia realmente circunscrever a realidade e se tornar um meio de estímulo e fonte para a atuação professores? Ou a autoorganização estaria ocupando esse papel? De modo a salientar a temática de gênero e entender o modo como ela tem permeado o espaço escolar de qualquer instituição, lançamos mão de sua circulação midiática como respaldo. Tomemos como exemplo a questão sobre a obra de Simone de Beauvoir, que aparece no caderno de Ciências Humanas e suas Tecnologias no Exame Nacional no Ensino Médio. Devemos destacar essa aparição como um reflexo mais do que visível (e necessário) da necessidade de promover esse debate, incentivando nas escolas em geral, a discussão que parte de um viés de base feminista. Também foi alvo de muitas críticas “por parte de alguns membros da intelligentsia (muita ironia, por favor) brasileira” 5. Vejamos outro exemplo. Atualmente, em resposta às deliberações governamentais nas políticas educacionais, os espaços escolares têm se tornado ambientes de intenso embate entre grupos diversificados e de onde emergem diversas ideologias que, na visão de alguns dos

5

Simone de Beauvoir e a imbecilidade sem limites de Feliciano e Gentili. Disponível via internet: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/simone-de-beauvoir-e-a-imbecilidade-sem-limites-de-feliciano-egentili-6444.html (Último acesso em 3 mai. 2016)

mais importantes veículos midiáticos do país, passam uma visão desorganizada, infantilizada6. O movimento de escolas ocupadas em São Paulo e mais recentemente no Rio de Janeiro7 evidencia a questão preponderante de que esse é um espaço que deve ser politizado, pois, caso contrário os agentes envolvidos na prática diária o farão (principalmente a base da hierarquia, os alunos), mesmo naquelas unidades onde isso parecia impossível. O Projeto Pedagógico Institucional, por sua vez, mostra a necessidade de diálogo entre os professores e alunos, e, sob a especificidade do ensino técnico, evidencia ser um documento bastante consciente e comprometido com a formação do pensamento crítico e politizado dos alunos (IFRJ, 2015:40). Desse modo, também compreende a inclusão da formação de grupos de debate como essenciais para a integração interpessoal (IFRJ, 2015:40), visto a necessidade da existência de redes de compartilhamento de experiências. Se, então, a diversidade torna-se um tema a ser debatido e essa realidade é constatada por veículos oficiais de informação, reforçamos a necessidade de descrever e compreender o funcionamento no espaço escolar que, previamente, mostra-se comprometido com a formação crítica e social do aluno. Dessa forma, recorremos às formas de organização do Coletivo de Mulheres Bertha Lutz como modelo de imbricamento de política e feminismo, união muito importante para entender os essas debates em micro espaços sociais. Só assim poderemos constatar se a promoção de micropolíticas no ambiente escolar é estimulada por tais projetos ou por grupos auto-organizados.

Metodologia A metodologia envolveu uma pesquisa qualitativa de modelo interpretativista, responsável por confrontar o texto do Projeto Pedagógico Institucional (2015) às narrativas coletadas. Consideramos a aplicação de um questionário online ao Coletivo de Mulheres Bertha Lutz, vinculado ao contexto do IFRJ, obtendo 20 respostas, sendo 5 participantes Em análise às reportagens veiculadas na grande mídia sobre a ocupação das escolas em São Paulo, o artigo “De olho na mídia: Ocupações das escolas em SP” mostra o imbricamento de discursos a partir dos diversos espaços de poder. Disponível via internet: http://www.anped.org.br/news/de-olho-na-midia-ocupacoes-das-escolas-em-sp (Último acesso em 1 jul. de 2016) 7 Os alunos da rede estadual paulista, no final de 2015, iniciaram o movimento de ocupação das escolas, em protesto à proposta de reorganização escolar do Governo estadual. Segundo o artigo “Inspirados em SP, colégios estaduais do Rio vivem onda de ocupações”, os alunos das escolas ocupadas no Rio de Janeiro tomaram como exemplo as ocupações ocorridas em SP. Disponível via internet: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/08/politica/1460123788_119886.html (Último acesso em 1 jul. de 2016.) 6

respondendo um total de 5 questões. A análise dos dados considera o posicionamento das participantes como feministas, em um ambiente onde o gênero é construído através de dicotomias e binarismos. Tais narrativas representam traços da organização discente e, nos propondo a analisá-las, possibilitamos o entendimento de como e por que elas se organizam e em torno de que ideias. Alguns dos dados foram encontrados na Internet e podem evidenciar como a participação em eventos (Semana da Química e Ciclo de Debates Mês das Mulheres) demonstra a importância dessa experiência durante o Ensino Médio. Trechos de discursos encontrados em perfis na Internet, postagens com geração de comentários das páginas das escolas e de grupos vinculados a ela também são excelentes elementos de análise, visto que também é nesses espaços que circulam os discursos. Partindo desses pressupostos, as questões procuraram entender a importância da participação no coletivo contribuindo para o desenvolvimento do pensamento crítico, além de ressaltar as formas de organizar frentes de resistência no ambiente em que estudam. Para a discussão dos dados coletados, elegemos como aparato de pesquisa uma base feminista, estimulando pesquisas na área. Visto a grande quantidade de trabalhos nas áreas relativas às disciplinas técnicas do Instituto, tal pesquisa é desenhada também como posicionamento em diálogo com grupos auto-organizados no IFRJ. A investigação feminista é entendida pelo seu viés dialético, e é capaz de promover visões atualizadas no campo das Ciências Humanas, produzindo novas epistemologias capazes de ocupar os mesmos espaços das disciplinas técnicas, tornando-se meio de embate e posicionamento político (OLESEN, 2007:219). Dessa forma, torna-se impossível ignorar a os processos de intersubjetivação aos quais os pesquisadores são submetidos, de modo que engajar-se em tais projetos é também tornar-se socialmente responsável pela formação coletiva, e empoderar-se quanto à formação individual. Para tanto, Louro (1999) afirma que a criação de redes de solidariedade salientadas por projetos no campo da escola é um dos mecanismos mais significativos para que os vários sujeitos envolvidos nas práticas educativas possam desmantelar a ordem social, de modo que ao reconhecer os aliados, a importância política das relações de gênero e sexualidade possam ser questionadas e transformadas. Sendo assim, trazemos a noção coletividade como suporte para o diálogo entre as diversas esferas presentes na escola, para que, desse modo, possamos delinear as mudanças a serem aplicadas, e de que modo elas podem atingir os diferentes setores dentro da instituição.

Com professores e universidade defendendo novas epistemologias de pesquisa, e, principalmente, em constante conexão com grupos auto-organizados por mulheres, acreditamos que a transformação de escolas e universidades movida pelo pensamento dialético, poderá ocorrer através do estímulo a investigações interessadas em questões sociais e ao incentivo a práticas de socialização que não tangem somente ao perímetro físico desses espaços. Análise e Discussão

A partir dos dados, podemos traçar uma linha de interpretação nas informações fornecidas pelos questionários e nos relatos de redes sociais, e, desse modo, focaremos em três pontos principais: a questão da liderança nos coletivos, as narrativas que elucidam a contribuição para a formação crítica, e também as formas de atuação política no ambiente escolar. Comecemos, portanto, com alguns dados que tornam mais evidentes a questão da liderança. Ser uma liderança nunca é fácil, pois as pessoas esperam muito de você. Muitas ficam perdidas e confusas, sem saber o que fazer, mas espero que o Coletivo seja construído coletivamente em todos os sentidos, não só dependendo de uma ou umas pessoas para se manter. (1) Nunca exerci um trabalho de liderança no coletivo de mulheres e acredito que por mais importante que esta seja, é bom que a líder se confunda entre as mulheres. (2)

Apesar dos dois excertos apresentarem posicionamentos um pouco distintos em torno da liderança, eles certamente dialogam no sentido de prezarem por uma construção coletiva do grupo, para que este não se torne dependente de apenas uma pessoa para se estruturar. Do mesmo, também seria essencial que, caso haja alguma líder, não houvesse diferenciação hierárquica desta com o resto do grupo. É possível dizer que, aparentemente, nessas contribuições, algumas pessoas tinham maior visibilidade e estimulavam o grupo como um todo, no entanto, mesmo que isso não tenha sido acordado entre membros do coletivo. Reiterando o segundo excerto, trazemos também uma nota de campo advinda de um cine debate, ocorrido no dia 19 de Novembro de 2015 e que tinha como tema em voga o

posicionamento contra a PL5069/20138. Com a exibição de um vídeo9 em resposta a agressões verbais e online que a diretora do filme (Petra Costa) Olmo e A Gaivota sofreu, a reunião aberta do Coletivo Bertha Lutz tentou promover um momento de conscientização em que todos pudessem participar, mesmo assim tivemos a presença de 4 homens e 18 mulheres, sendo duas delas docentes da Instituição. O movimento ocorre da seguinte maneira: o vídeo é exposto e um debate é iniciado a partir das percepções das pessoas em relação ao vídeo. Após algumas falas, uma das participantes pede a um membro do Coletivo a opinião, marcando algum posicionamento de autoridade. É possível inferir quão marcada foi a colaboração para o debate de membros de grupos auto-organizados, subjetivando tais indivíduos em posições de formadores de opinião. A fala, considerada relevante para os participantes em geral, trouxe dados capazes de sustentar melhor a discussão, o que podemos assumir também como resultado de participação dela no coletivo. De qualquer modo, apesar de não ter dado espaço a uma liderança marcada por apenas uma pessoa no Coletivo, os membros como um todo representam tais posicionamentos para outros alunos, principalmente em eventos como esse. Passemos para o segundo ponto: a contribuição para a formação crítica. Aprimora seu senso de justiça e igualdade para situações que antes vivenciávamos no dia-a-dia, mas talvez nunca demos tanta atenção por ser comum e pela usualidade de tais coisas, fazendo com que defendamos mais ainda nossos direitos e tenhamos capacidade de esclarecer para aqueles que nos conhecem, mas não conhecem o feminismo/o trabalho do Coletivo, qual é o nosso real propósito. (1) Eu participei bem pouco das reuniões do coletivo de mulheres, mas as discussões nas redes sociais me fazem pensar sobre vários assuntos e conflitos sociais, me fazem conhecer nichos da sociedade que são invisibilizados, apesar de gritarem por voz, como xs trans*, as mães que não romantizam sua situação, xs feministas do oriente médio. Toda essa cultura me faz crescer como indivíduo. (2) Com o coletivo, pude perceber que a minha dor é a mesma dor que outras mulheres e meninas. Essa identificação me causou um empoderamento muito maior do que o que eu já tinha. (3)

Como espaço de compartilhamento de experiências, os coletivos vêm para mostrar qual é seu “real propósito” (se é que existe apenas um). Definitivamente, é um gatilho 8

O projeto de Lei 5069/2013 é de autoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara em exercício na época. 9 Meu Corpo, Minhas Regras. Disponível via internet: https://www.youtube.com/watch?v=CafzeA-9Qz8 (Último acesso em 15 abr. 2016)

incessante que permite a luta diária contra o machismo, utilizando armas que não remetem ao modelo imperialista de dominação, mas sim, formas de elucidar redes de solidariedade, compreensão e empoderamento. Outra questão importante é a da percepção de ocupar o mesmo lugar de outras meninas, num modelo de representação que é extremamente necessário para a centralidade do embate. Tendo o machismo com uma questão central da sociedade capitalista, outras formas de opressão como o racismo, a homofobia e a transfobia entram em pauta em suas discussões também, como aparece no excerto 2. Essa mesma participante considera como cultura o conhecimento na alteridade e demonstra uma preocupação discursiva saliente ao se referir às mulheres transexuais e também de incluí-las na luta feminista. O discurso daquelas que não participam ativamente ou nunca participaram, quando se sentem reconhecidas pelas outras, pode dar espaço e voz aos sentimentos que já possuíam, e se tornar agentes da mudança nos espaços que atuam, tanto no âmbito público quanto no privado, despertando ações de mudança em seu cotidiano (hooks, 2013:101). De forma um pouco diferente, durante o cine debate exemplificado anteriormente, percebemos o desconforto de uma aluna em relação ao tema do aborto, embora em nenhum momento tenha participado ativamente do debate. Ela conversava com uma amiga e dizia conhecer em seu meio muitas pessoas que acreditam no poder de escolha da vida do feto em gestação. Certa de que poderia sofrer algum tipo de sanção, pois acompanhava com bastante atenção e parecia compreender muito bem a discussão, resolveu permanecer em silêncio durante a discussão. Da mesma forma, saiu da sala. É importante ressaltarmos, nesse caso, a importância de acolhimento, que, embora não tenha atingido a todas da mesma forma, fez seu papel como grupo de discussão de “de esclarecer para aqueles que nos conhecem, mas não conhecem o feminismo/o trabalho do Coletivo”. Tão importante quanto é, portanto, a necessidade de desmistificar ideias como a de a maternidade deveria seguir uma lógica natural e compulsória, fruto do desejo de todas as mulheres (MIGUEL, L. F. e BIROLI, 2014:123), ainda salientes no debate e tão características do senso comum. Como meio de motivar e tornar incansável o estímulo a encontros como este, temos o exemplo de um questionamento levantado por uma aluna da plateia, dirigindo-se a duas palestrantes, no primeiro dia do Ciclo de Atividades no Mês das Mulheres (8 mar. 2016). Ela levantou uma questão sobre o aborto marcando o viés de classe social e acrescentando “mulheres ricas sobrevivem enquanto mulheres pobres morrem por falta de acesso”. Longe de tornar cada indivíduo responsável pelo seu processo de conscientização, podemos salientar

quão necessária é a constância do diálogo: ampliando as oportunidades de escuta, os grupos de debate auxiliam e muito a formação crítica em espaços não necessariamente dependentes da sala de aula. Vejamos o terceiro aspecto levantado: a atuação política no ambiente escolar. Com o Coletivo, as alunas mostram que o Feminismo importa não só para os outros estudantes, mas para a direção e para o corpo docente. Isso faz com que algumas posições dos citados mude, tanto na administração da escola, quanto nas salas de aula. Acho que com a visibilidade que temos, podemos expandir a luta, atingindo outros campi, inspirando outras mulheres a fazerem o mesmo, o que já anda acontecendo. (1) A existência do Coletivo de Mulheres fez muita gente refletir sobre a situação das mulheres no campus e na sociedade. Já percebemos, por exemplo, que alguns professores diminuíram a quantidade de piadinhas sexistas e homofóbicas, e que os alunos discutem bastante as questões de gênero. Nós não vivemos apenas no instituto (embora às vezes pareça que sim), então é claro que há influência para fora do IFRJ. O que ouvimos e falamos lá dentro acaba indo para as conversas no jantar, no bar, no outro local de trabalho. (2) No espaço escolar especificamente, e sendo o nosso espaço escolar também um espaço de ciência e tecnologia, o Coletivo influencia em fazer as meninas terem mais força para se fazerem presentes nessa área. Acredito que o Coletivo de Mulheres terá força pra intervir em espaços fora do IFRJ. No momento o grupo ainda está se desenvolvendo, mas já tenho grandes expectativas. (3)

O primeiro excerto dialoga de forma muito similar ao exercício da modalidade de extensão (“estudantes”, “direção”, “corpo docente”, “administração da escola”, “sala de aula”, “outros campi”), e de como ela deve ser conduzida em instituições acadêmicas, mostrando que esse movimento tem sido realizado também pelo Coletivo. Ainda sem poder inferir que esse trabalho possa não ocorrer de forma simultânea – pelo Coletivo e pelo IFRJ, julgamos tal trecho do Projeto Pedagógico como pertinente e necessário:

Acredita-se, através de nosso comprometimento com a educação, contribuir para uma sociedade mais justa, democrática, solidária, culturalmente pluralista, pautada nos princípios éticos e no respeito à diversidade, em que o sujeito tenha a possibilidade de desenvolver suas potencialidades e de construir-se de forma autônoma. (IFRJ, 2015:40)

A partir desse trecho do Projeto Pedagógico Institucional, passamos a confrontá-lo com o excerto 2. A presença de um modelo questionador de discursos que fogem não somente à Ética, mas que agride o respeito à mulher (“piadinhas sexistas”) e também à sexualidade (“piadinhas [...] homofóbicas”) ajudam a delinear um grande desafio. E um desafio os quais

estudantes e não professores têm lançado mão. Aliás, é justamente parte da hierarquia institucional que reitera a cultura tradicionalista e preconceituosa. Além disso, podemos salientar como essa pesquisa se torna um meio promover a “visibilidade que temos”, e o compromisso de repúdio a discriminação da diferença. O Coletivo tem se tornado extremamente perceptível no espaço escolar, e não somente pelas reuniões ou eventos que realiza, mas também pelos discursos e pelas micro-interações nas quais se posiciona entre alunos e professores. Trazendo a tona assuntos não refletidos ou não contestados, como, por exemplo, a questão crucial da mulher ocupando um ambiente socialmente considerado como masculino – a Ciência (“o nosso espaço escolar também um espaço de ciência e tecnologia”), até mesmo por habilidades defendidas como inatas em algumas pesquisas10, suas intervenções extravasam o ambiente escolar e almejam atingir outros espaços (“outros campi”). Tendo a maioria das discussões ainda situadas no espaço do IFRJ, elas marcam a consciência de que a mudança deve ser, na verdade, sistemática, abrindo precedentes para outros tipos de ativismo contra movimentos neoliberais ou que se intitulam apolíticos. Os objetivos não foram e nunca serão totalizados na escola, mesmo que ela seja um passo extremamente importante na formação crítica dos alunos. Continuando nesse diálogo entre escola e formação, passemos para um dos dados coletados11 em redes sociais:

foi uma das experiências mais incríveis das quais eu já participei, e COM CERTEZA, marca a Semana da Química, por ser um dos primeiros projetos de Ciências Humanas apresentados, e o primeiro a tratar da desigualdade de gênero [...] vocês me ajudaram a compreender que mesmo nos lugares mais inóspitos (um colégio de química para um projeto de sociologia ou literatura, por exemplo), nós podemos florescer.

O posicionamento de uma das alunas do grupo de pesquisa Imagens do Feminino evidencia dois importantes elementos de análise: o pioneirismo da temática e uma caracterização específica do colégio. Mesmo se tratando de um Instituto com base histórica de pesquisa em Ciência e Tecnologia, o Projeto Pedagógico promove e discute a necessidade em 10

Um artigo da Revista Educação apresenta de forma sistematizada a complexidade da relação de gênero nas Ciências Exatas, evidenciando que muitos discursos “recorrem a argumentos que naturalizam a questão: características biológicas de homens e mulheres levariam ao desenvolvimento de habilidades e interesses distintos”. Disponível via internet: http://www.revistaeducacao.com.br/textos/222/questoes-de-genero-3649361.asp (Último acesso em 5 jun. 2016) 11

O dado foi reproduzido em forma de texto para que a identidade do perfil fosse preservada, mantendo a palavra em maiúsculo (grifos nossos). (Facebook 23 out. 2015)

estimular a atuação social em diálogo com a formação reflexiva dos alunos. Diante disso, vemos que um tema tão importante como é desigualdade de gênero, tendo sua primeira pesquisa apresentada em 2015 é motivo de orgulho da participante (“umas das experiências mais incríveis”) ao mesmo tempo em que marca quão necessário é o confronto dentro do IFRJ, “um (dos) lugares mais inóspitos [...] para um projeto de Sociologia ou Literatura”. Assim como acontece com o Coletivo, um grupo de pesquisa que estimula tais pesquisas é certamente uma raridade, muito longe do panorama traçado pelo documento. O Projeto Pedagógico, ao se propor como um texto orgânico capaz de tornar específica a questão do campus, deveria, em sua dimensão, lançar um olhar bastante atento para grupos auto-organizados que vêm fazendo a diferença. Ao entender-se como um documento formulado por humanos para justificar sua imperfeição (IFRJ, 2015:i) pressuporia também considerar essa condição em sua totalidade, não fazendo nem marcando diferença hierárquica entre professor e aluno quando a situação sai do papel e atinge a prática. Deveria, portanto, manter um diálogo com quem realmente sente o dia a dia, considerando suas vozes como ativas na formulação do texto. Tal movimento dialógico seria responsável por incluir o microcosmo da instituição, pelo ponto de vista de um grupo que teria muito a contribuir na listagem de situações que passariam despercebidas, não fosse a atuação contestadora e disposta a repensar o modus operandi de sistemas patriarcalizados da escola, promovida por tais grupos auto-organizados.

Conclusão Como a produção bibliográfica do Coletivo Não me Kahlo12 apresenta, a intenção de ações de grupos auto-organizados pode estar evidenciada em ações mais pontuais como chamar a atenção para o machismo de pessoas próximas, e com isso ressignificar a ideia de que é uma ação proveniente de pessoas desconhecidas, ou atingir um ativismo de maior proporção, como o que acontece nas redes sociais. Desse modo, temos o exemplo da hashtag #meuamigosecreto, que foi capaz de promover o reconhecimento de assédios que permeiam o espaço de trabalho, da família, e também da escola.

#Meuamigosecreto – Feminismo além das redes (LARA, Bruna de; MOURA, Gabriela; RANGEL, Bruna). Edições de Janeiro, 2016. 12

A escola não pode mais ser concebida fora do contexto em que está inserida, de modo que a formação crítica dos alunos em torno da questão de desigualdade de gênero: “não há mais espaço na sociedade brasileira para a objetificação e estereotipação da mulher” (GIESEL, 2012:117). Os documentos oficiais mostram-se um tanto conscientes, mas é um discurso que deve ser assumido na prática, principalmente quando aqueles que o produzem são os mesmos que atuam diretamente na instituição. De acordo com os aspectos assinalados nas narrativas, foi possível que verificássemos o grande impacto positivo para a formação crítica dos alunos que participam de ações diretas na seara da atuação política, seja em eventos, seja pelo coletivo de mulheres. Sendo assim, entendemos que existe uma interconexão entre a sala de aula, projetos de pesquisa e atividades de extensão (mesmo que os movimentos auto-organizados não tenham sido citados no documento). Como previsto no Projeto Pedagógico, marcando a indissociabilidade entre a tríade de ensino, pesquisa e extensão, as diferentes áreas do conhecimento devem manter um ponto de articulação, tendo alguns objetivos em destaque:

[...] Essas premissas devem estar pautadas nos princípios da igualdade, da solidariedade e da equidade, que estão em consonância com os objetivos de melhorar as condições de vida da população, de criar mecanismos para uma melhor redistribuição da renda e de, consequentemente, primar por uma maior justiça social. (2015:46)

Para tanto, concluímos que o documento é capaz de delimitar a realidade do Instituto no que concerne à sua função social, e o faz muito bem. No entanto, o Projeto Pedagógico Institucional se mostra bastante ineficaz quanto ao estímulo e base de atuação na prática de sala de aula dos professores, como alguns dados deixaram nítido. Ao mesmo tempo em que o texto circunscreve uma realidade idealizada, ele também marca um compromisso por uma escala maior: “a instituição”. A fim de sanar os hiatos da formação crítica dos alunos, o movimento das micro-interações tem tornado concreto o que deveria ser da responsabilidade de todos que pertencem à Instituição. Tanto mais afastamos o sujeito, tanto mais desconsideramos a diversidade em sua primazia. Por fim, devemos salientar que os grupos auto-organizados de pesquisa e o Coletivo de Mulheres, em seus meios de atuação, demonstram uma enorme preocupação em se tornarem ambientes de escuta, de solidariedade e de formação crítica dos indivíduos partícipes, promovendo a linguagem da afetividade, do acolhimento e também da consciência

política. Para tanto, e extremamente estimulados por esses grupos, seremos capazes de compreender contra quais dificuldades as mulheres se deparam, ao tentarem se desvencilhar da condição que o modelo patriarcal as atribuiu. Engajar-se na luta é um dos meios para que possamos garantir que elas possam verdadeiramente participar do mitsein humano. (BEAUVOIR; 2009:31). De outro modo, “fechar os olhos para as questões sociais e para as estruturas de opressão significa, pura e simplesmente, eternizá-las” (LARA, B.; RANGEL, B.; MOURA, G., 2016:75).

Referências bibliográficas BEAUVOIR, S. de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

GIESEL, Cláudia Cristina Mendes. Uma abordagem sociointeracionista humanizadora para o ensino de línguas estrangeiras: gênero na sala de aula. In: FERREIRA, Aparecida de Jesus (Org.). Identidades sociais de raça, etnia, gênero e sexualidade: práticas pedagógicas em sala de aula de línguas e formação de professores/as. Campinas: Pontes, 2012. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.

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