Adesão e redes socioeconômicas: perspectivas para o estudo do Partido Nazista no Brasil (1928-1945)

June 5, 2017 | Autor: Taís Campelo | Categoria: Nazi Germany, Nazism, Nazismo
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Entre espacios: la historia latinoamericana en el contexto global Actas del XVII Congreso Internacional de la Asociación de Historiadores Latinoamericanistas Europeos (AHILA) Freie Universität Berlín, 9-13 de septiembre de 2014

editado por Stefan Rinke

Berlín Freie Universität Colegio Internacional de Graduados “Entre Espacios” 2016

Simposio 057 A circularidade das idéias autoritárias entre Europa e América Latina nos séculos XX e XXI

Coordinadoras: Taís Campelo Lucas Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Paula Borges Santos Universidade Nova de Lisboa, Portugal

Resumen: Ideologias e práticas políticas são fenômenos históricos que não estão circunscritos às fronteiras geoggráficas. O presente simpósio propõe-se a explorar as singularidades dos regimes, partidos e idéias autoritárias, valorizando as perspectivas transregionais e transnacionais dos estudos. Concede-se destaque aos estudos que aflorem as dinâmicas internas e idéias de origem das práticas políticas, econômicas e culturais, os atores sociais e as redes constituídas no processo histórico. Estimulam-se igualmente análises que identifiquem as escolhas e as transformações que os regimes autoritários operaram e que resultaram em recepções positivas (adesão) ou negativas (rejeição) a projetos veiculados por autarquias congêneres.

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Adesão e redes socioeconômicas: Perspectivas para o estudo do Partido Nazista no Brasil (1928-1945) Taís Campelo Lucas PUCRS, PNPD/CAPES, Brasil

Resumo:

Introduzido no Brasil em 1928, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) atuou no país através da organização de núcleos partidários, da propaganda e da colaboração com atividades de espionagem durante a Segunda Guerra Mundial. Juntamente com os objetivos compartilhados com os demais grupos nacional-socialistas ao redor do mundo, o NSDAP-Brasil disputou um espaço de poder e influência dentro da comunidade alemã com apoio da Embaixada da Alemanha no Rio de Janeiro e dos consulados locais. De caráter exploratório, o presente artigo discute as possibilidades teórico-metodológicas para análise do Landesgruppe Brasilien a partir das interações e das estratégias construídas pelos atores políticos diretamente envolvidos.

Palavras-chave: Nacional-socialismo; NSDAP-Brasil; História Transnacional

A história de uma pequena cidade alemã nos anos finais da República de Weimar e no período inicial do Terceiro Reich é contada por William Sheridan Allen em The Nazi Seizure of Power, publicado em 1965. Compreender como uma democracia civilizada transladou-se em uma ditadura niilista era o objetivo deste historiador ao focar sua análise no recorte local, o que lhe trouxe a chave de compreensão do que considera um dos problemas políticos e morais centrais do século XX: o totalitarismo na Alemanha. A verdadeira tomada do poder pelos nazistas em 1933 despontou através das suas bases, pelo apoio conquistado nas cidades, graças à habilidade e à flexibilidade das pequenas células partidárias.1 O estudo do que o autor chamou de “microcosmo” poderia, aos olhos contemporâneos, ser comparado à Micro-História como pensada pelo agora famoso grupo de historiadores italianos em meados dos anos 1970 – Giovanni Levi, Simona Cerutti, Carlo Ginzburg, Edoardo Grendi – tanto por sua atitude experimental quanto na relação estabelecida com a dimensão contextual. Ginzburg, inclusive, aponta as convergências intelectuais, desvinculadas de contatos diretos, que compuseram a tendência de estudar as expressões locais e regionais dos fenômenos históricos.2 No entanto, o ALLEN, William Sheridan. The Nazi Seizure of Power: the Experience of a Single German Town (1930-1935). Chicago: Quadrangle, 1965. p. ix 2 GINZBURG, Carlo. “Micro-história: duas ou três coisas que sei a respeito”. In: O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras: 2007. p. 270. Para uma análise sobre a construção das perspectivas 1

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diferencial da Micro-História italiana está na premissa de que todas as fases da pesquisa devem ser construídas, que não são simplesmente dadas. “Todas: a identificação do objeto e da sua relevância; a elaboração das categorias pelas quais ele é analisado; os critérios de evidência; os modelos estilísticos e narrativos por meio dos quais os resultados são transmitidos ao leitor”.3 Nessa perspectiva, o que configura a proposta analítica apresentada é a tentativa de aprofundar o conhecimento científico da singularidade a partir da observação dos atores sociais envolvidos e dos mecanismos de interação. Essa abordagem indutiva reconstitui, através das fontes, os funcionamentos e as estratégias em uma sociedade para além das categorias históricas pré-estabelecidas. No argumento de Maurizio Gribaudi, a ruptura com o tipo macroanalítico complexifica o objeto e ilustra o caráter parcial dos modelos tradicionais, incapaz de perceber as diferentes formas de inter-relação. No cerne da demonstração microanalítica, encontra-se efetivamente o indivíduo. No entanto, sua centralidade, assim como a do contexto, é instrumental. O indivíduo é importante sobretudo enquanto lugar dessa atividade intensa e especificamente humana de leitura, de interpretação e de construção do “real”.4

Em estudo anterior sobre a constituição do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) no Rio Grande do Sul, ficou claro que a perspectiva circunscrita a um estado não necessariamente constituiria um trabalho de história regional, no qual a categoria espacial ressalta a multiplicidade de aspectos que seriam obscurecidos pela busca de semelhanças na constituição de uma “história nacional”, ou um estudo de caso, exploratório, cuja pertinência residiria no viés pouco investigado desse fenômeno fora da Alemanha.5 As provocações da Micro-História afloraram a necessidade de problematizar a organização nazista instalada em território brasileiro a partir da reconsideração da experiência dos atores políticos envolvidos. Todavia, a própria construção do objeto implica o questionamento de um “tipo ideal” de nazismo, ou seja, de um conjunto de práticas e signos identificados enquanto característicos da vinculação partidária tout court. Pensar a existência de um modelo fechado para a organização do NSDAP direciona o pesquisador às categorias pré-estabelecidas de análise, conduzindo a reflexões que, no caso, se limitariam a medir o “grau de pureza” dos grupos estabelecidos no exterior em relação aos “originais” na Alemanha. Dessa forma, a única forma de compreender o processo histórico de expansão do nazismo e o estabelecimento de organismos ideologicamente alinhados em países fora da Alemanha está na percepção de sua singularidade. O ódio racial, a intolerância e a violência enquanto princípios norteadores de um projeto político atravessaram o Atlântico e fixaram-se nas Américas ao final dos anos 1920. Sem jamais esquecer as atrocidades cometidas pelos nazistas, nem o discurso ideológico difundido por partidários e simpatizantes, o principal objetivo do presente artigo é discutir as possibilidades de análise da historiográficas da Micro-História, consultar: LIMA, Henrique Espada. A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 3 Idem, pp. 275, 276. 4 GRIBAUDI, Maurizio. “Escala, pertinência, configuração”. In: REVEL, Jacques. Jogos de escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 131 5 Refiro-me aqui à pesquisa realizada para o doutorado, cujos resultados foram apresentados na seguinte tese: CAMPELO LUCAS, Taís. Nazismo d’além mar: conflitos e esquecimento (Rio Grande do Sul, Brasil). Porto Alegre: Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011.

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dinâmica do NSDAP Landesgruppe Brasilien através das interações entre partidários dentro e fora da organização do Partido Nazista. O nexo existente entre a Embaixada da Alemanha no Rio de Janeiro, o grupo nacional do Partido Nazista no Brasil e as empresas pertencentes à cidadãos alemães e teuto-brasileiros, é observável através da análise das redes socioeconômicas constituídas a partir de relações baseadas no background racial e político. Os padrões de adesão, nessa perspectiva, agregam novos fatores aos estudos sobre identidades político-ideológicas. Por volta de 1926, um cidadão alemão chamado Bruno Fricke desembarcou na cidade de São Leopoldo, interior do estado do Rio Grande do Sul, para administrar uma pequena granja. No berço da colonização alemã no Brasil, Fricke buscou atrair adeptos a um movimento organizado há poucos anos na Alemanha: o nacional-socialismo. Os vinte e cinco pontos do programa partidário do Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, divulgados em fevereiro de 1920 e constituídos de uma combinação de racismo, nacionalismo, antissemitismo, xenofobia e autoritarismo, não foram atraentes para o círculo de contatos de Fricke, que acabou deixando o país e ajudando a fundar, no Paraguai, um núcleo partidário nazista em 1928.6 De maneira autônoma e no mesmo ano, em Benedito Timbó, então distrito do município de Blumenau, Santa Catarina, simpatizantes do movimento nazista reuniram-se para fundar o primeiro grupo do NSDAP fora da Alemanha.7 Coube ao Brasil essa primazia, país que também registraria o maior número de militantes filiados ao NSDAP no exterior: 2.903 integrantes.8 A partir de abril de 1931, o Landesgruppe Brasilien – Grupo Nacional-Brasil – esteve subordinado à Organização para o Exterior do NSDAP(Auslandsorganization, AO), organismo voltado à disseminação da ideologia nacional-socialista aos cidadãos alemães residentes no exterior.9 Com isso, ganhou direção centralizada e estrutura hierarquizada através de círculos regionais, estando representado em dezessete estados.10 Em todo o globo, o Partido Nazista esteve representado em oitenta e três países ou territórios, reunindo 29.099 partidários segundo sua estatística oficial. Mesmo que o Brasil se destacasse em número de partidários e estrutura de organização, especialmente após a ascensão do NSDAP ao poder na Alemanha em 1933, não existem indícios que o Terceiro Reich tivesse elaborado planos de invasão e anexação do país ou da América do Sul. Da mesma forma, a Organização para o Exterior esteve muito distante daquilo que Winston Churchill chamou de Nazintern, ou seja, de uma “Internacional Nazista”. Estudos sobre a difusão do nacional-socialismo pelo mundo apresentam as limitações encontradas por esses núcleos partidários nazistas no estrangeiro, desde as restrições numéricas de representantes entre as comunidades alemãs locais às repressões ao movimento nos países em que se estabeleciam.11 Newton, Ronald. The ‘Nazi Menace’ in Argentina, 1931-1947. Standford: Standford University, 1992. Fricke posteriormente romperia com o NSDAP e se tornaria líder da organização Die Schwartze Front (Frente Negra), comandada por Otto Strasser, em Buenos Aires. 7 Moraes, Luís Edmundo. Konflikt und Anerkennung: Die Ortsgruppen der NSDAP in Blumenau und Rio de Janeiro. Berlin: Metropol, 2005. 8 Statistik der AO. Berlin, 24 de setembro de 1937. Akten betreffend: Statistik, kulterpolitik des AA, Zeitschriften. Arquivo Político do Ministério das Relações Exteriores, Berlim: Alemanha. 9 McKale, Donald. The Swastika Outside Germany. Kent: Kent University, 1977. 10 Dietrich, Ana Maria. Nazismo tropical? O Partido Nazista no Brasil. São Paulo: Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, 2007. 11 A título de ilustração, citamos os seguintes estudos: Farías, Víctor. Los nazis en Chile. Barcelona: Planeta, 2000; Hagemann, Albert. “The diffusion of German Nazism”. In: Larsen, Stein (ed). Fascism Outside Europe: The European Impulse Against Domestic Conditions in the Diffusion of Global Fascism. New York: Columbia University, 6

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A partir da década de 1970, a historiografia brasileira registra os primeiros trabalhos que abordam a inserção do nacional-socialismo no país. Stanley Hilton, René Gertz e Marionilde Brepohl Magalhães inauguraram os questionamentos acerca da organização nazista no exterior, a disseminação ideológica, a inserção nas comunidades alemãs e a real dimensão desse “perigo” para o Brasil.12 Na década de 1990, com a liberação dos documentos produzidos pelas Delegacias de Ordem Política e Social (DOPS), novas discussões trouxeram contribuições significativas para compreensão da circularidade desse fenômeno político.13 É possível afirmar que existe um consenso entre os historiadores acerca da tolerância à presença do nazismo durante o governo de Getúlio Vargas (19301945). O temor ao comunismo e a importância dos acordos comerciais entre Brasil e Alemanha são apontados como os principais motivos para postergar a proibição do Partido Nazista, mesmo quando o regime autoritário implantado no país há anos caminhava em direção à eliminação de toda e qualquer oposição política e diferenças culturais-identitárias em território nacional. Apesar de importantes membros do governo serem abertamente simpáticos ao regime nazista e da colaboração policial anterior entre Rio de Janeiro e Berlim, o choque entre ideologias nacionalistas opostas era inevitável, tornando a existência do Partido Nazista no Brasil incompatível com o projeto de Nação da era Vargas. No entanto, nem mesmo a proibição do NSDAP do território brasileiro, no final de 1937, afetou os acordos comerciais e o intercâmbio comercial internacional entre os dois países. A nomeação de Karl Ritter, ex-diretor de assuntos econômicos no Auswärtiges Amt, para a Embaixada da Alemanha no Brasil, demonstra a importância do comércio Brasil-Alemanha, que aumentou extraordinariamente depois de tomada do poder por Hitler. Na época, a Alemanha foi o segundo maior importador de commodities brasileiras, depois apenas dos Estados Unidos. Enquanto isso, a Câmara de Comércio Teuto-Brasileira, com sede no Rio de Janeiro, promovia investigações sobre a origem racial de dirigentes de empresas alemãs que lidavam com o comércio exterior. Esta informação ajudou a elaboração das listas negras, uma estratégia para a eliminação de pessoas de negócios que eram considerados inimigos do Terceiro Reich. As listas continham dados sobre o montante de capital dessas empresas, os negócios comerciais, a orientação política e 2001; Moore, Bob. “Nazism and German Nationals in the Netherlands, 1933-1940”. Journal of Contemporary History, London, v. 22, 1987; Müller, Jürgen. Nationalsozialismus in Lateinamerika: Die Auslandsorganisation der NSDAP in Argentinien, Brasilien, Chile und Mexiko, 1931-1945. Stuttgart: Hans-Dieter Heins, 1997; Perkins, John. “Nazi Activities in Australia, 1933-39”. Journal of Contemporary History, London, v. 26, n.1, jan. 1991. 12 Gertz, René. O fascismo no sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987; Hilton, Stanley. Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977; Magalhães, Marionilde Brepohl de. Pangermanismo e nazismo: a trajetória alemã rumo ao Brasil. Campinas: UNICAMP/FAPESP, 1998. 13 Elencam-se aqui os seguinte estudos: ATHAIDES, Rafael. O Partido Nazista no Paraná (1933-1942). Maringá: EDUEM, 2011; CAMPELO LUCAS, Taís. Nazismo d’além mar: conflitos e esquecimento (Rio Grande do Sul, Brasil). Porto Alegre: Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011; COHEN, Esther. O governo federal e o partido nazista no Brasil. Niterói: Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, 1988; DIETRICH, Ana Maria. Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil. São Paulo: Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, 2007a; DIETRICH, Ana Maria. Caça às Suásticas: o Partido Nazista em São Paulo sob a mira da Polícia Política. São Paulo: Humanitas; Imprensa Oficial do Estado, 2007; GAUDIG, Olaf; VEIT, Peter. “El Partido Alemán Nacionalsocialista en Argentina, Brasil y Chile frente a las comunidades alemanas: 1933-1939”. Estudios Interdisciplinarios de America Latina y el Caribe. Tel Aviv, v.6, n.3, 1995; MORAES, Luís Edmundo de Souza. Konflikt und Anerkennung: Die Ortsgruppen der NSDAP in Blumenau und Rio de Janeiro. Berlim: Metropol, 2005; MORAES, Luís Edmundo de Souza. Ein Volk, Ein Reich, Ein Führer! A Seção Brasileira do Partido Nazista e a Questão Nacional. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996; PERAZZO, Priscila Ferreira. O perigo alemão e a repressão policial no Estado Novo. São Paulo: Arquivo do Estado, 1999; SANTANA, Nara Maria Carlos de. Associações Nazistas no Brasil (1938-1945). Niterói: Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, 1999.

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o blackground racial dos proprietários. As fontes eram os membros das células do partido e agentes especiais de informação. Reunir sob a doutrina nazista os cidadãos alemães residentes fora do Reich era a grande missão da AO-NSDAP, cujos objetivos gerais da organização visavam a expansão do partido através da criação de novos grupos no exterior, da promoção do Führerprinzip, e da difusão ideológica. A defesa de um conceito de cidadania com base na raça e no sangue, o boicote dos judeus, a propaganda, o recrutamento de voluntários para a guerra e o diagnóstico sobre possíveis transações comerciais com empresas locais também eram contemplados. No entanto, mesmo com o alto número absoluto de partidários e da ampla visibilidade, o Partido Nazista não alcançou um índice de filiação significativo no Brasil – estima-se que menos de 4% dos cidadãos alemães residentes no país aderiram aos NSDAP.14 Isolado, este dado nos aponta duas importantes nuances: em primeiro lugar, a baixa adesão não se traduz em rejeição ao nacional-socialismo, pois em diferentes ocasiões a documentação mostra um descompasso entre apoiar a ideologia nazista e aceitar seus representantes locais; em segundo lugar, faz-se necessário aprofundar o conhecimento sobre o papel dos movimentos de contestação ao nazismo e ao hitlerismo na América Latina liderados por alemães, tais como o Movimento de Anti-Nazistas Alemães do Brasil e a Frente Negra (posteriormente renomeada “Movimento dos Alemães Livres) de modo a redimensionar a inserção do nazismo nas comunidades alemãs e teuto-descendentes.15 Para o Rio Grande do Sul, que acompanha o pequeno número de partidários em relação ao número de cidadãos alemães estabelecidos no estado, o perfil dos partidários estudados indica a predominância de empresários locais, comerciantes, industriais, representantes comerciais e empregados de empresas alemãs. A investigação concluiu que as razões que levaram esse pequeno, mas significativo grupo de indivíduos, a aderirem ao NSDAP ultrapassam a afinidade ideológica: benefícios econômicos, contatos com pessoas influentes e a proximidade com políticos locais e outros empresários devem ser considerados.16 Tal afirmação direciona, nesse momento, a uma nova aproximação ao estudo das atividades e da difusão do nazismo fora da Europa, para além das implicações políticas e da identidade ideológica. 3. A política externa do Terceiro Reich encorajava a justaposição de princípios ideológicos às estratégias locais para aumentar o comércio internacional. A ideia de uma network-building baseada em princípios políticos e raciais a partir do grupo nacional do Partido Nazista no Brasil é o ponto de partida que pode explicar a dinâmica das interações econômicas em nível “micro” – do comerciante ou industrial ao exportador. A hipótese entende que os interesses sociais e econômicos conduziram a implementação do Partido Nazista no Brasil, bem como determinaram os padrões para a adesão dos cidadãos alemães que vivem no exterior. Essas redes centradas, em líderes nazistas ou militantes, desempenharam uma importante função na expansão do mercado para a Alemanha, assim como para a regulação econômica, o comércio internacional e as relações internacionais.

Statistik der AO, op. cit. Sobre oposição e resistência ao nazismo na Argentina e no Brasil, consultar: FRIEDMANN, Germán. Alemanes antinazis en la Argentina. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2010; KESTLER, Izabela Maria Furtado. Exílio e literatura: escritores de fala alemã durante a época do nazismo. São Paulo: EDUSP, 2003. 16 CAMPELO LUCAS, op. cit., 2011. 14 15

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Dois exemplos ilustram a dimensão social e econômica da adesão ao NSDAP para dois cidadãos alemães, então imigrantes recentes no Brasil durante a década de 1930 e 1940. Ewald Nagorsen, superintendente comercial do Partido, era responsável pela indicação de empresas no país que poderiam agir como representações comerciais no Rio Grande do Sul e São Paulo. Também era sua tarefa prestar assistência financeira aos alemães nazistas desempregados. Após a proibição do NSDAP, Nagorsen foi preso sob a acusação de tentar comprar material de guerra para o governo do estado do Rio Grande do Sul que seria utilizado para „propósitos subversivos“. O governador do estado, Flores da Cunha, um amigo pessoal do cônsul alemão Friedrich Ried, havia pedido à Nagorsen que secretamente conduzisse a intermediação da compra de armamentos com a Companhia Ultramar, que estava sendo planejado sem informar o governo federal. O objetivo era aumentar o poder militar da polícia estadual com metralhadoras e projéteis. Em um negócio recíproco, o armamento seria trocado para o algodão, lã e pele, mas acabou não sendo realizado. O lucro que Nagorsen ganharia nessa transação teria sido entre 5 e 6%.17 A criação de uma rede de espionagem no Rio Grande do Sul durante a Segunda Guerra Mundial também ilustra essa possibilidade. Hans Curt Meyer-Clason Werner foi recrutado e convocado para atuar em Porto Alegre como agente de informações. Meyer-Clason era um especialista em comércio de algodão, havia sido um membro das Tropas de Assalto na Alemanha, além de oficial da reserva da Wehrmacht. Filiado com o NSDAP na cidade de São Paulo, Meyer-Clason chegou à Porto Alegre em agosto de 1940 e foi empregado na Casa Alemã Ltda., empresa especializada na fabricação de móveis. Enquanto isso, ele assumiu a tarefa de compra de matérias-primas para a Embaixada da Alemanha no Rio de Janeiro. A fim de melhor exercer essas funções, montou uma empresa chamada A Controladora, destinada a proporcionar uma maior garantia para os exportadores com maior controle sobre as mercadorias embarcadas. As informações recolhidas pela Meyer-Clason consistiam-se principalmente em questões econômicas e comerciais, colaborando com a elaboração da lista negra alemã e a transmissão de dados detalhados sobre a orientação política, ascendência ariana e simpatia de membros de empresas locais pelo Eixo.18 A pesquisa empírica e analítica tem como objetivo compreender a interação da política econômica do Brasil e da Alemanha com seus subsistemas sociais e políticos neste quadro histórico único. Sob uma perspectiva transnacional, a expansão do fenômeno nazista fora da Europa pode ser avaliada através das interações e as estratégias construídas por atores políticos individuais e instituições, permitindo uma compreensão diferencial do papel do NSDAP nas relações entre Brasil e Alemanha. Ao menos esse é o caminho escolhido para os primeiros passos nessa pesquisa.

Ofício do Tribunal de Segurança enviando cópias das principais peças do processo original do Rio Grande do Sul e referente à Ewald Nagorsen. 08 de junho de 1939. Ministério da Justiça e Negócios Interiores, AN; Termo de audiência. Processo-crime n° 657. 16 de março de 1939. Tribunal de Segurança Nacional, AN. Processo-crime n° 657, procedente do Rio Grande do Sul, contra Ewald Nagorsen. Fundo Tribunal de Segurança Nacional. Data inicial: 09 de dezembro de 1938. Arquivo Nacional, Brasil. 18 Termo de declarações Hans Curt Werner Meyer-Clason. Porto Alegre, 20 de maio de 1942. DOPS, Prontuário nº 36.691: Rede de Espionagem no Rio Grande do Sul ou Nazismo no Rio Grande do Sul, Arquivo do Estado de São Paulo, Brasil. 17

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